Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0717017
Nº Convencional: JTRP00041105
Relator: JOÃO ATAÍDE
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
RECONSTITUIÇÃO DO FACTO
Nº do Documento: RP200802270717017
Data do Acordão: 02/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ORDENADO O REENVIO.
Indicações Eventuais: LIVRO 517 - FLS 77.
Área Temática: .
Sumário: I - As testemunhas não podem ser inquiridas sobre o conteúdo de quaisquer declarações do arguido, prestadas na fase do inquérito, dado que a sua leitura não é permitida, face ao disposto no art. 357º, 1 do CPP.
II - Nada impede, porém, que as testemunhas sejam ouvidas sobre outras diligências realizadas no inquérito para apuramento da verdade, designadamente sobre a reconstituição dos factos, meio de prova admitido no art. 150º do CPP.
III - A circunstância de o arguido ter participado na reconstituição dos factos não tem o efeito de fazer corresponder esse acto a declarações suas, para se concluir pela impossibilidade de valoração daquele meio de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 7017/07
Processo comum colectivo nº ../06.0GCMTR
Tribunal Judicial de Montalegre

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

No Processo comum colectivo nº ../06.0GCMTR do Tribunal Judicial de Montalegre, após audiência de discussão e julgamento o arguido B………., foi condenado pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo arts.131.º do Código Penal na pena de 10 (dez) anos de prisão.

Inconformado com a decisão interpôs recurso e formulou as seguintes conclusões:
1. O despacho de 30.03.07 que declarou a nulidade do despacho de fls. 488/489 que indeferiu o requerimento de aclaração está ferido de nulidade insanável, dado que foi proferido no âmago da tramitação normal do recurso do acórdão final interposto pela defesa, já admitido e, após a "Resposta" do MP, pelo mesmo magistrado que anteriormente indeferira a aclaração de forma ilegal e, agora esgotado que estava, nesta fase, o seu poder jurisdicional.
2. E é também nulo porque omitiu contemporaneamente uma diligência essencial para a descoberta da verdade que era a única que podia e devia legalmente empreender a saber, ordenar a subida do recurso e dos autos ao Tribunal da Relação do Porto.
3. Substituindo-se assim, na competência material ao próprio tribunal de recurso, o que lhe estava vedado e originando um novo despacho de indeferimento da aclaração original ferido de nulidade, ainda que elaborado desta vez pela magistrada que presidiu ao colectivo que julgou o arguido, visto que, na fase do recurso já admitido e após a Resposta do MP, também era a mesma incompetente materialmente para tal decidir, substituindo-se também, ao tribunal de recurso.
4. Está ainda ferido de inconstitucionalidade o mesmo despacho de 30.03.07 que decretou a nulidade do processado e ainda o despacho ulterior que indeferiu a arguição de nulidade do anterior por incompetência material e ordenou a remessa do processo para o Tribunal do Círculo de Chaves, visto que tal decisão deu origem de forma directa à violação das regras da tramitação dos recursos em processo penal.
7. E o que é mais grave, feriu o princípio da equidade a que todos têm direito, ao permitir por tal via que o arguido no momento de interposição do (novo) recurso, conhecesse antecipadamente a mais que provável posição do MP a propósito das questões suscitadas pela defesa e que haviam já sido objecto de Resposta notificada ao arguido, aquando do primeiro recurso interposto, no âmbito do disposto no art. 413° do Código Processo Penal.
7. Permitindo e dando origem objectivamente, a uma espécie de Réplica em favor do arguido que a Lei Adjectiva não prevê na tramitação dos recursos.
8. E por tal via desvirtuando de forma raramente vista, o espírito do Princípio do Acusatório, numa interpretação efectivamente aplicada e ilegalmente extensiva do Princípio do Contraditório, alargando-o unilateralmente em favor de um dos intervenientes processuais, ao arrepio do disposto no art. 32° n° 5 da Constituição.
9. Está ainda ferido de nulidade insanável por incompetência material do tribunal, dado que o despacho que (de novo) decidiu o requerimento de aclaração foi, uma vez mais deliberado, elaborado e assinado por um só Juiz, desta vez o Juiz-Presidente do Colectivo que julgou o arguido e sem que dele conste que terão sido consultados e ponderada a decisão, pelos restantes juízes que o compuseram.
10. Ora, as questões suscitadas para esclarecimento e que apelam aos próprios fundamentos do acórdão, em caso de deferimento, implicariam modificação essencial da decisão, o que implica que sempre teriam que ser pensadas, deliberadas e decididas criticamente por todo o colectivo, embora a elaboração final do acórdão de aclaração, fosse da responsabilidade e autoria do Juiz-Presidente.
11. Porém, implicando sempre a assinatura de todos os membros do tribunal, o que não aconteceu.
12. Sendo certo que o modo como foi decidido o despacho que indeferiu o requerimento de aclaração, privou o arguido de ver analisadas as questões suscitadas pelos demais membros do tribunal que deliberou o acórdão final, ainda que os mesmos pudessem vir a concluir que nada haveria a esclarecer.
13. Foi desse modo ferido o princípio do paralelismo de formas em questão essencial para a vida do arguido.
14. A (nova) decisão que (de novo) indeferiu o requerimento de aclaração é também nula porque omitiu de se pronunciar sobre o conteúdo concreto das 6 questões a aclarar.
15. Bastando-se, para além do mais com a afirmação falsa e incorrecta de que "as alegações" se reportam a uma "Perícia" a que o arguido não alude e que as questões se reportam à mesma "Perícia" o que é incorrecto e demonstra que, provavelmente nem sequer o texto completo do requerimento foi lido e muito menos ponderado o seu conteúdo.
16. Desvirtuando o próprio espírito do instituto de aclaração, acantonando-o sob o signo da discordância com os fundamentos do acórdão porém, sem o menor esforço de análise concreta da bondade e cada uma das questões a aclarar, elas mesmas explicitadas, cada uma delas em vários pontos; o todo, para justificar o indeferimento liminar já habitual: "... não padece de qualquer erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade."
17. Numa fundamentação que surpreende pela sua audácia e voluntarismo quando se constata que assentou, para além do mais, como ficou dito na conclusão "15" em afirmações incorrectas e mesmo falsas quando descreve as alegações da defesa como reportando-se a uma "Perícia" o que a defesa comprovou que não consta no requerimento aludido.
18. O despacho de indeferimento da aclaração é, por conseguinte e em si mesmo ilegal, visto que omitiu de se pronunciar e analisar nos termos da lei e, uma por uma as questões levantadas pela defesa no requerimento de aclaração e de correcção do acórdão.
19. Porque se limitou a uma rejeição liminar e sem explicitar os motivos de facto e de direito de tal rejeição e de tal omissão de pronúncia, em relação às várias questões levantadas.
20. Mas é também ilegal, ao qualificar o requerimento de aclaração como "incidente", visto que o CCJ não configura o instituto de aclaração como tal; e nem sequer pode ser considerado "manifestamente dilatório" dado que o instituto da aclaração existe e está expressamente consagrado na lei como instrumento legal a utilizar, também pelo arguido em processo penal, na defesa do seu bem: a liberdade individual.
21. E, da mesma forma é ilegal e ferido de inconstitucionalidade ao qualificar o requerimento de aclaração de dilatório, na interpretação implícita e efectivamente aplicada através da condenação do arguido, preso à ordem destes autos em 3 UC's., de que, nas garantias de defesa não cabe o instrumento da aclaração feito de modo livre e sem receios, mesmo quanto aos fundamentos da sentença condenatória.
22. Ao arrepio do disposto na lei adjectiva (artigo 522° n° 2 do CPP) e na Constituição da República Portuguesa (art. 32° n° 1 da CRP). Pelo que, também por tais motivos, deve o despacho em crise ser considerado nulo e revogado.
23. Feriu ainda o despacho que indeferiu o requerimento de aclaração o Princípio do Contraditório, visto que não foi dada a conhecer ao arguido a posição do MP em relação a cada uma das questões suscitadas pela defesa.
24. Privando-o de conhecer assim a opinião do MP, sendo certo que, para além de nisso ter interesse, se ver reconfortado na certeza antecipada de que o MP nestes autos demonstrara já ser portador de uma real capacidade de objectividade e defesa da legalidade, seja a favor ou contra a posição do arguido.
25. Para mais, em questões que, pela sua natureza, caso fosse proferida decisão de deferimento, importariam necessariamente modificação essencial no acórdão.
26. Ferindo assim e, para além do mais, a própria base legal em que assenta o instituto de aclaração de um acórdão, vertida nos arts. 4° do CPP e 670° n° 1 do C PC conjugados; e 32° n° 5 da Constituição da República Portuguesa.
27. Por sua vez, está o acórdão ferido de nulidade por dois motivos de direito e de facto, os quais só podem ser analisados conjuntamente, a saber, por falta de exame crítico da prova, face à insuficiência para a decisão da matéria de facto provado quando aferida à prova documental e testemunhal efectivamente produzida.
28. Pois na verdade, o tribunal não só não examinou criticamente a prova que indicou, como omitiu de se debruçar com profundidade e rigor sobre o conteúdo da prova documental de natureza pericial (relatório de autópsia) e de natureza técnica e científica (Parecer Médico-Legal, fotogramas e navalha) que, por definição foi produzida em julgamento, impossibilitando desse modo a quem lê a sentença, a plena compreensão do modo como alcançou o tribunal, aquela verdade e aquela decisão.
29. Atribuindo-se - objectivamente - o direito de julgar, através de presunções judiciais sem qualquer correspondência sólida e fio lógico condutor com a prova efectivamente produzida em audiência: testemunhal (em particular o soldado da GNR C………. cujo depoimento foi assim descredibilizado através de um modo ilegal de inquirição) e sobretudo documental supra aludida. Como exemplo flagrante, as forma e dimensão dos elementos da navalha, em contradição - senão oposição - com os conteúdos do relatório de autópsia, da fotografia do cadáver e do parecer médico-legal inclusos nos autos.
30. Reportando a defesa, nestas conclusões e por motivos de brevidade, mas expressamente para todo o conteúdo aduzido na motivação de recurso em "g" ("falta de real exame crítico da prova.
31. E como tal, por via dos meios e do método intelectual escolhidos, incorrendo de forma evidente no vício de insuficiência da matéria de facto - sobretudo da matéria de facto subjectiva - para a decisão condenatória, em especial, quando aferida à prova efectivamente produzida.
32. Do mesmo modo e de forma incompreensível errou o tribunal ao não aplicar ao arguido o princípio in dúbio pró reo em face da dúvida imanente da própria factualidade descrita na fundamentação do acórdão. Assim ferindo o princípio da presunção da inocência constitucionalmente consagrado, sobretudo no que respeita às características da navalha apreendida e também à factualidade capaz (in casu incapaz) de provar o dolo atribuído ao arguido.
33. Visto que, a matéria de facto provada assenta também - diríamos até, sobretudo - no conteúdo da documentação pericial e técnica que, ainda que produzida, não foi porém analisada através de um real e efectivo exame crítico no acórdão em crise.
34. O acórdão está também ferido do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão (no que respeita à hipótese de utilização da navalha apreendida, como a arma letal que ocasionou o ferimento e a morte) dado que, do próprio texto resulta que o tribunal ao mesmo tempo que não atribui "credibilidade" ao parecer médico-legal do Professor D………., dignifica de modo total o depoimento da testemunha da GNR - Cabo E………. que, antes mesmo da autópsia afirmou que a ferida era compatível com a navalha; mas também, contraditoriamente atribui credibilidade à ínfima hipótese vertida no parecer médico-legal (não ser de excluir a possibilidade de ter sido aquela, a arma letal), hipótese ínfima que apenas serviu do ponto de vista metodológico e de rigor científico, para alcançar a conclusão fundamental no parecer e que o tribunal rejeitou liminarmente sem explicar porquê, a saber que "é pouco provável que a arma usada ... possa ser a que consta do processo como sendo a arma letal atendendo ao comprimento que a lâmina a apresenta e ao tipo e localização dos ferimentos. "
35. E errou, da mesma forma na qualificação jurídica do crime para a qual convolou por contradição com a fundamentação que acolheu e entre a fundamentação e a qualificação jurídica que adoptou: dado que, apurada que foi a extrema e permanente conflituosidade e agressividade da vítima por comparação com a emoção visível do arguido, a sua vida e modo pacífico de se comportar no dia a dia e os demais factos circunstanciais provados (indícios de discussão violenta e de luta, de ferimento causado ao arguido) o tribunal deveria ter convolado o ilícito para aquele preenchido como o do artigo 133° do CP ou, caso assim não o entendesse, aplicando-lhe a atenuação especial da pena. Não o fez. E podia tê-lo feito!
36. Mas não o fazendo, nem sequer ponderou sobre essas duas referidas possibilidades legais. Omitindo a nossos modestos olhos e assim, de se pronunciar sobre questões de direito importantes para a vida do arguido e para a própria realização da justiça, resultantes da matéria e encadeamento factual que deu como provados e que deveria e poderia conhecer e apreciar.
37. Errou ainda, incorrendo uma vez mais no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto quando aferida à prova efectivamente produzida na questão vital da prova do dolo e da intenção de matar: objectivamente, porque assentou em um único facto objectivo, de si e por si, sem mais, tecnicamente duvidoso - um único golpe da arma e não vários; subjectivamente numa afirmação de intencionalidade atribuída ao arguido que não só não tem correspondência com matéria factual subjectiva provada - o arguido permaneceu em silêncio e ninguém viu o ocorrido - como entra em contradição com a própria factualidade circunstancial provada e que conduz, pelo menos, à forte probabilidade de uma emoção de tal modo violenta e um estado de desespero tal do arguido capazes de, diminuírem, embora seja impossível precisar em que grau, a consciência dos seus actos; ou então à possibilidade de existência de um verdadeiro estado de necessidade desculpante.
38. Sendo em todo o caso e do mesmo modo impossível, perante a factualidade descrita e provada afirmar que o arguido agiu livremente, com consciência plena e sobretudo com intenção de privar o ofendido (seu filho) da vida.
39. Finalmente errou o acórdão na apreciação da matéria de facto, nos seguintes pontos concretos:
- primeiro, na afirmação a fls. 6 -linhas 12-13 do acórdão que a testemunha da GNR Cabo E………. "perguntou ao arguido se ele tinha arma." Quando resulta da gravação do depoimento coisa diversa: "perguntei-lhe se tinha arma." (cassete 2, lado A, aprox. 1° terço das rotações).
- segundo, a afirmação a fls. 2 do acórdão que o arguido "desferiu um golpe com uma navalha com ... lâmina de l cm", aferida aos Relatório de Autópsia a fls. 75 e Estampa II, Fig. 1, fotografia do cadáver e "Parecer Médico-Legal" do Prof. Dr. D………., resulta na imperatividade de, técnica e cientificamente afirmar que é impossível defender a probabilidade de tal facto poder ser dado como provado e que, pelo menos dele imana fortíssima dúvida.
- terceiro, por maioria de razão, a defesa diz que, aferindo o facto dado como provado de que o arguido "Utilizou ... uma navalha que bem sabia ter uma especial aptidão para ... o resultado" com a factualidade adquirida e sobretudo com a ausência de perícia quanto às características e potencial letal daquela navalha, em condições idênticas, resulta a impossibilidade de sustentar, pelo menos sem forte dúvida tal afirmação.
40. Motivos aduzidos e pelos quais, o acórdão deve ser revogado e, modificados no sentido de não terem ficado provados, os 3 referidos pontos da matéria de facto, com as legais consequências, nomeadamente, a absolvição do arguido.
41. O arguido recorrente (art. 412° n° 5 do CPP) declara expressamente que mantém interesse nos dois recursos interlocutórios já admitidos e retidos relativos à sindicância da eficácia para efeitos de prova de declarações proferidas pelo arguido, recolhidas a qualquer título e sob qualquer forma e que constam dos documentos e peças processuais dos autos.
42. Violou assim o acórdão os art. 4°; 97° n° 4; 119° als. a) e e); 122°; 125° a contrario sensu; 163 nos. 1 e 2; 356° n° 7; 357° n° 1 a contrario sensu; 365°; 372° nos. 1 e 2; 374° n. 2 in fine e 4; 379° n° 1, als. a) e c); 380° n° 1, al. b) a contrario sensu; 410° nos 2, als. a) e b) e 3; 412° e 522° n° 2 do Cpp; arts.20° n° 4 infine; 32° ns 1 e 5; 204° e 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa; arts. 31° ns 1 e 2, al. a); 32°; 34° al. a); 35°; 70°; 71°; 72° nos. 1 e 2, als. a) e b); 73° e 133° do Código Penal; arts. 158°; 668° nos. 1, als. b) e d) e 3; 669° e 670° n° 1 do C.P.C.; arts. 106° al. a); e 108° n° 1, als. b) e d) da LOFT J; e art. 16° n° 1 a contrario sensu do CCJ.
Por tais motivos expostos e no cumprimento das leis processual e Fundamental deverá o acórdão em crise ser declarado nulo e ferido de inconstitucionalidade e substituído por outro que absolva o arguido pelo crime por que foi condenado; sejam os despachos que declararam a nulidade do primeiro despacho de indeferimento da aclaração e aquele - segundo - que indeferiu o requerimento de aclaração, considerados nulos por incompetência material, ilegalidade e inconstitucionalidade; sem prescindir, caso o tribunal assim o não entenda, seja o arguido condenado pelo cometimento de um crime de homicídio privilegiado; ou, lhe seja aplicada a atenuação especial da pena, em todo o caso, em pena nunca superior a 3 anos de prisão suspensa na sua execução. Ainda sem prescindir, seja o acórdão revogado e ordenado o reenvio do processo para novo julgamento nos termos sobreditos.

Com este recurso retoma os dois recursos interlocutórios que incidem sobre os despachos de fls. 330-340 e 372 – 378, onde questiona a eficácia do depoimento prestado pelas testemunhas F………. e E………. e a valoração que lhe foi conferida pelo tribunal recorrido.
Na motivação destas questões formula um conjunto de conclusões que basicamente se reproduzem nos dois requerimentos e contêm os seguintes pontos:
A. Sofre o despacho em crise dos males incuráveis que ficaram explicitados na motivação oferecida, a saber
B. Erro na qualificação do art. 356° n° 7 efectivamente invocado pela defesa e não o art. 357° n° 7, como vem escrito no despacho.
C. Diminuição das garantias da defesa ao ser inquirida uma testemunha acerca de declarações do arguido produzidas em inquérito, recolhidas e vertidas em autos e relatórios no processo.
D. Ilegalidade ao não conhecer de forma oficiosa, a nulidade e mesmo a inexistência jurídica do denominado "Relatório de constituição verbal dos factos", não reduzido a auto e não contendo a menção da presença da mandatária, direito inalienável do arguido, nem tampouco a menção de que o arguido prescindia de advogado, sendo que a mandatária não foi notificada de tal diligência.
E. Inconstitucionalidade do despacho, dado que interpretou o termo "declarações do arguido" confinando-o a declarações prestadas sob a forma de "auto de prestação de declarações".
F. O que contraria o significado da própria palavra no quadro da língua portuguesa, como o próprio texto do disposto no art. 356° n° 1, al. b) do CPP.
G. E também a forma e o espírito do disposto no art. 344° nos. 1 e 3, al. c) do CPP que, pela natureza das coisas, impede a valoração de uma aludida "confissão espontânea" em sede de inquérito, declarada em audiência por uma testemunha polícia que a recolheu num auto de notícia, permanecendo o arguido em silêncio e por tal não podendo ser desfavorecido. Quando só o tribunal em audiência de julgamento, tem poderes para apurar a qualidade e a espontaneidade de uma confissão.
H. Ferindo assim o disposto nos arts. 61 n° 1, al. e); 99°; 125° a contrario sensu; 343° n° 1; 344°nos. 1 e 3, al. c); 356° n° 1, al. b); 356° n° 7; 357° a contrario sensu; reportado ao n° 2, al. b) do CPP; e art. 20° nº 2 e 4 in fine; 32° n. 1 e 5 e 204° da Constituição da República portuguesa.
Termos em que, deve o despacho aqui sindicado ser revogado e substituído por outro que dê voz à pretensão da defesa nos termos propostos, a saber, sejam declarados nulo e inexistente o denominado auto de reconstituição verbal dos factos, bem como ineficaz para efeitos de prova, o depoimento da testemunha em causa, bem como de todas aquelas que foram ou vierem a sofrer o mesmo tratamento processual, o qual se encontra documentado através de gravação e inconstitucional a interpretação que foi conferida e aplicada ao termo "declarações do arguido" vertido no art. 356° n° 7 do CPP.

Os recursos foram atempadamente aceites.

Respondeu o Ministério Público nos seguintes termos:
Quanto a recursos intercalares (fls. 398 -408 e fls. 460-478):
1.- Os recursos devem ser rejeitados na parte em que visam a apreciação do tribunal da Relação de questões não suscitadas perante a primeira instância, nem decididas no despacho ora recorrido;
2.- Os depoimentos das testemunhas F………. e E………. são válidos e eficazes;
3.- A interpretação feita do termo «declarações do arguido» não viola qualquer norma legal ou constitucional;
4.- O despacho recorrido não violou qualquer norma legal, nem incorreu na inconstitucionalidade alegada pelo arguido;
5.- Não merece, por isso, qualquer censura.

Quanto ao processo principal:
1. O despacho datado de 30 de Março, ao declarar nulo o proferido anteriormente a folhas 488 e seguinte, não foi proferido contra a defesa, visto que deu razão ao arguido, que havia alegado essa nulidade como questão prévia no recurso que interpusera em 2 de Fevereiro;
2. Por isso, não tem o arguido interesse em agir contra ele, nem legitimidade para dele recorrer, face ao disposto no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código de Processo Penal;
3. O despacho datado de 30 de Março pela Juíza de Direito competente na matéria, foi proferido no estrito cumprimento do disposto no artigo 119.º do Código de Processo Penal, que lhe impunha o poder/dever de declarar qualquer nulidade insanável a todo o tempo e em qualquer fase do processo;
4. O artigo 666.º do Código de Processo Civil não é aplicável ao processo penal e dispõe em sentido contrário ao defendido pelo recorrente, dando ao tribunal de 1.ª instância o poder/dever de suprir nulidades de sentenças e despachos, mesmo as que sejam arguidas em recurso deles interposto.
5. O referido despacho não usurpou a competência material do Tribunal da Relação, nem a subida do recurso ao Tribunal Superior constitui uma diligência essencial para a descoberta da verdade, cuja omissão origine a nulidade arguida pelo recorrente;
6. Do despacho datado de 30 de Março não resultou qualquer prejuízo para o arguido nem lesão das garantias de defesa do mesmo;
7. Pelo contrário, o facto de conhecer já, ao interpor o presente recurso, a posição do Ministério Público relativamente às questões que já anteriormente suscitara opera objectivamente em seu favor;
8. Não resultando desse despacho qualquer desfavor para a defesa, esta não tem interesse em agir nem legitimidade para interpor dele recurso.
9. O despacho datado de 7 de Maio (que o recorrente por lapso refere como sendo de 24 de Maio) foi proferido por quem era competente para o fazer, nos termos do disposto no artigo 108.º, número 1, alínea d), da Lei Orgânica de Funcionamento dos Tribunais Judiciais;
10. O deferimento do pedido denominado de «aclaração» pelo arguido levaria à modificação da decisão em aspectos substanciais, que não é permitida ao Tribunal de 1.ª instância relativamente ao processo penal, como resulta do disposto nos artigos 380.º e 379.º, n.º 2, conjugado com o 414.º, n.º 4, do Código de Processo Penal;
11. Tal pedido constitui um uso indevido do instituto da correcção do acórdão, com o qual nada tem a ver e teria de ser indeferido, inevitável e liminarmente, pela Presidente do Tribunal Colectivo, já que nem mesmo este Tribunal Colectivo poderia modificar a sua decisão nos termos requeridos pelo arguido;
12. Nenhuma norma legal impõe que a decisão proferida sobre um requerimento seja feito ponto por ponto se ele tiver de ser indeferido liminarmente relativamente a todos eles com um o fundamento comum de a lei vigente não permitir o requerido;
13. Pelo que, pronunciando-se globalmente sobre todos eles e indeferindo-os com o mesmo fundamento, esse despacho não omitiu qualquer das questões suscitadas pelo requerente e a todas deu a resposta adequada e imposta pela lei;
14. O requerimento em que o arguido requer a modificação substancial do acórdão condenatório sob a aparência formal de um pedido de «aclaração» constitui um incidente anómalo;
15. A dilação do momento em que o arguido terá de começar a cumprir a pena de prisão que lhe foi imposta resulta em evidente benefício para ele;
16. O arguido apenas esteve preso à ordem destes autos de 1 a 20 de Junho de 2006, encontrando-se desde então sujeito apenas à medida de obrigação de permanência na habitação, mas com autorização para dela se ausentar durante 6 horas por dia até uma distância máxima de 400 metros;
17. Objectivamente, com este uso indevido do instituto da correcção, o arguido atrasa o trânsito em julgado da decisão final e consegue manter-se na situação processual mais favorável em que se encontra, reduzindo na mesma medida o tempo de prisão que terá de cumprir em execução da pena imposta nos autos;
18. Sabendo o arguido ab initio que o seu requerimento de «aclaração» não podia ser deferido por ser legalmente inadmissível o que nele solicitada, tal requerimento só pode ter natureza dilatória;
19. Constituindo um articulado estranho ao normal andamento do processo penal que não pode deixar de ser qualificada como um acto anómalo não previsto na lei;
20. Não se lhe aplicando a isenção concedida pelo artigo 522.º do Código de Processo Penal, que se refere apenas à interposição de recurso em 1.ª instância e aos incidentes requeridos pelo arguido ou a que ele se oponha;
21. Sendo, por isso, tributável nos termos do disposto no artigo 84.º do Código das Custas Judiciais;
22. Quando foi proferido o despacho datado de 7 de Maio, já o Ministério Público tinha tomado posição sobre as questões suscitadas no requerimento de «aclaração», na resposta que apresentara à motivação do primeiro recurso interposto pelo recorrente da decisão final (em que tais questões haviam sido novamente suscitadas);
23. Nessa data, é manifesto que o arguido tinha também já conhecimento da posição assumida pelo Ministério Público nessa matéria, não sendo legítimo afirmar agora o contrário;
24. O regime previsto para o instituto da «aclaração» estatuído para o processo civil não pode aplicar-se, sem mais e como faz o recorrente, sobrepondo-se ao regime estabelecido para correcção da decisão final em processo penal no artigo 380.º do Código de Processo Penal;
25. Entre os dois regimes, existe uma diferença fundamental: o tribunal de 1.ª instância não pode modificar na sua substância a sentença final proferida em processo penal, mas pode fazê-lo quanto à sentença final proferida em processo civil;
26. Fora dos casos em que a lei expressamente a impõe, a prévia audição do Ministério Público sobre qualquer questão suscitada em processo penal está na disponibilidade do próprio Juiz, que decidirá se o entende conveniente e necessário;
27. Devendo considerá-la desnecessária quando o Ministério Público já tomou anteriormente posição nos autos sobre a matéria em questão;
28. Não foi violado o constitucionalmente consagrado princípio do contraditório consagrado pelo artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, relativamente à «audiência de julgamento» e aos «actos instrutórios que a lei determinar»;
29. O Tribunal Colectivo examinou e analisou criticamente toda a prova produzida, tal como expressamente consta no acórdão que proferiu;
30. O documento, junto pela defesa a folhas 269 a 273 dos autos, é um mero documento particular, cuja origem e autenticidade não está comprovada por qualquer forma e cujo conteúdo não pode ser valorado como prova, pericial ou de qualquer outra natureza, por conter apenas a manifestação por escrito de uma opinião particular e constituir a prestação de um depoimento que a lei vigente não admite que seja prestada sob essa forma escrita;
31. A testemunha C………. depôs faltando claramente à verdade (como posteriormente admitiu) e só rectificou em parte o seu anterior depoimento depois de confrontado pelos membros do Tribunal Colectivo com a contradição entre o mesmo e outros depoimentos já prestados;
32. A inquirição desta testemunha foi de modo incisivo, mas respeitador de todas as normas legais aplicáveis, sem exercer sobre ela qualquer pressão ilegítima – como se pode verificar na gravação da audiência;
33. O Ministério Público só em data posterior à audiência de discussão e julgamento requereu a entrega de cópia da gravação e de certidão da acta da audiência de julgamento para efeito de eventual procedimento criminal e disciplinar, precisamente para que tal requerimento não fosse entendido como um meio de pressão sobre a testemunha capaz de influenciar o seu livre depoimento;
34. O acórdão recorrido não violou por qualquer forma o princípio «in dubio pro reo», nomeadamente no que respeita à matéria de facto dada por provada quanto às características da navalha apreendida;
35. A matéria de facto provada é suficiente para sustentar a decisão final, designadamente quanto à imputação subjectiva do crime;
36. Não existe qualquer contradição entre a matéria de facto e a decisão final sobre ela proferida, nem existe qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão proferida, designadamente quanto à utilização da arma apreendida na prática do crime que não foi dada por provada em parte alguma da decisão final;
37. O acórdão final não errou na qualificação jurídica dos factos que deu por provados;
38. Não existe qualquer fundamento na matéria de facto que sustente a tese do arguido de que agiu em estado de necessidade desculpante ou até em legítima defesa;
39. As frases escritas pelo arguido na sua motivação como se fossem transcrição literal das declarações proferidas em audiência de julgamento e gravadas em fita magnética, não o são e não correspondem ao que efectivamente está aí gravado;
40. O Tribunal Colectivo não errou na apreciação da matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos que o arguido refere como erradamente decididos;
41. O acórdão final ora recorrido não violou qualquer norma legal, nem incorreu na inconstitucionalidade alegada pelo arguido, pelo que não merece qualquer censura.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto é de parecer que os vários recursos deverão improceder, concedendo-se provimento à parte que incide sobre a tributação do alegado incidente.

Colhidos os vistos e realizada a audiência cumpre decidir.

Os recursos têm por objecto a apreciação e decisão das seguintes questões:
1.- Valoração dos depoimentos das testemunhas F………. e E………. (recursos interlocutórios);
2.- Nulidade insanável do despacho de 30/03/07 que declarou a nulidade do despacho de fls. 488/489;
3.- Inconstitucionalidade do despacho que declarou a nulidade do processado (30.03.07) por violação dos princípios da legalidade e de equidade.
4.- Nulidade insanável do despacho de 24.05.07 que indeferiu o requerimento de aclaração», por ter sido proferido apenas pela Presidente do Tribunal colectivo, e a «falta de fundamentação legal» do mesmo despacho.
5.- Omissão de pronúncia: falta de fundamentação legal do despacho que decidiu o requerimento de aclaração.
6.- Ilegalidade da condenação do recorrente pelo «incidente» de aclaração» e a «inconstitucionalidade da qualificação como "manifestamente" dilatório e estranho o requerimento de aclaração e da condenação do arguido em multa».
7.- Nulidade e inconstitucionalidade do despacho que decidiu o pedido de aclaração por incumprimento do princípio do contraditório.
8.- Nulidade do acórdão por falta de real exame crítico da prova e insuficiência para a decido da matéria de facto provada quando aferida à prova testemunhal e documental, efectivamente produzida.
9.- nulidade e inconstitucionalidade do acórdão por não aplicação do princípio da presunção da inocência»
10.- Contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão (questão da navalha).
11.- Erro na qualificação jurídica do crime por contradição com a fundamentação e entre a fundamentação e a decisão: nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal deveria apreciar.
12.- Erro e insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, quanto à intenção de matar.
13.- Reapreciação da matéria de facto.

Estão provados os seguintes factos:
No dia 01 de Junho de 2006, cerca das 12H30, no ………., Caixa Postal n.º.. – ……… – Montalegre, o arguido desferiu no seu filho H………., um golpe com uma navalha com 16,5 cm de comprimento total, constituída por um cabo de cor preta com comprimento de 9,50 cm por 1,5 cm de largura e 0,70 cm de espessura e lâmina com 7 cm, atingindo-o na cavidade torácica e abdominal, com direcção da esquerda para a direita, ligeiramente de cima para baixo e também da frente para trás.
Em consequência do golpe vibrado pelo arguido sofreu o ofendido traumatismo de natureza corto-perfurante que lhe originou, directa e necessariamente a morte.
O arguido agiu livre e conscientemente com intenção de privar o ofendido da vida.
Utilizou para o efeito uma navalha que bem sabia ter uma especial aptidão para provocar o resultado por si pretendido, atendendo à sua natureza e à zona do corpo atingida.
Sabia igualmente que o ofendido era seu filho.
O arguido não ignorava que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Entre a vítima e os seus pais existia uma relação conflituosa.
O arguido é agricultor de profissão e encontra-se integrado social e familiarmente
O arguido não tem antecedentes criminais.

2. Factos não provados
Provaram-se todos os factos constantes da acusação.

Fundamentação da matéria de facto:

A convicção do tribunal quanto à factualidade dada como provada resultou da análise crítica e ponderada de todas as provas produzidas em audiência de julgamento, designadamente o teor da foto de fls.8 (navalha), das duas fotos de fls.9 (arguido com um curativo por cima da sobrancelha esquerda) e das fotos da vítima já cadáver de fls.81 a 84, ao registo fotográfico de fls.174 e 175 e ao relatório da autopsia junta aos autos em conjugação com o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de discussão e julgamento.
O arguido, no uso de um direito que lhe assiste remeteu-se ao silêncio, assim como a testemunha L………., esposa do mesmo, a qual também ela se remeteu ao silêncio, não dispondo, desta forma, o Tribunal de qualquer elemento da parte dos mesmos para valorar em sede de acórdão.
Contudo, preponderantes foram os depoimentos dos agentes da autoridade ouvidos em audiência, designadamente a testemunha F………., cabo chefe do Posto da GNR da ……….., G………., soldado do NIC de ………., E………., cabo do Posto de ………., cujos depoimentos, isentos e imparciais, até porque não tinham qualquer interesse nos autos, permitem-nos reconstituir a realidade ocorrido no dia 01 de Junho de 2006 junto à hora de almoço.
A testemunha F………. referiu que recebeu uma comunicação do Posto da GNR de ………. a dar conta que tinha dado entrada um cadáver no Centro de Saúde dessa localidade, tendo logo sido fornecida a informação da identidade do agredido e do agressor, bem como foi relatado o facto de ter ocorrido uma discussão entre pai e filho; referiu também que se deslocou à casa do arguido e nela encontrou apenas a mãe da vítima, esposa do arguido; acrescentou que tirou fotografias naquele local e que ainda pôde constatar a existência de vestígios, ao fundo das escadas da casa do arguido, de água misturada com sangue, pois a escada tinha sido “lavada de fresco”; referiu também que o arguido lhe foi entregue, sob detenção, pelos colegas do Posto de ………., tendo ele próprio constatado que o mesmo apresentava um curativo na cabeça, esclarecendo ainda que a navalha foi apreendida ao arguido pelo Cabo E………. do Posto de ………. porque o próprio arguido tinha confessado perante as entidades policiais que a utilizou para matar o filho; depois de lhe serem exibidas as fotografias de fls.5 a 9, concretizou que tirou as fotografias de acordo com as indicações que lhe foram dadas pelo arguido, tendo esclarecido que as fotos 1 e 2 retratam a cozinha onde tinham começado os desacatos, sendo ainda visível o cimo das escadas onde alegadamente se encontrava o agressor, a foto 3 reporta-se às escadas onde houve a ocorrência, as fotos 4, 5 e 6 dizem respeito ao fundo das escadas onde era visível a água misturada com sangue e a foto 7 retrata a navalha apreendida nos autos, sendo que nas duas fotos de fls. 9 é visível o ferimento que o arguido apresentava na sobrancelha esquerda, no dia em que ocorreram os factos.
Também a testemunha G………. referiu que fez o registo fotográfico constante de fls.174 e 175, tendo sido acompanhado, para o efeito, pelo arguido, o qual explicava a sequência dos factos e os locais onde estiveram a vítima e o agressor; esclareceu que ele próprio falou com diversas pessoas da localidade que lhe contaram o problema vivido pelo arguido por causa do filho ser toxicodependente e exigir sempre aos pais quantias exageradas em dinheiro, tendo mesmo o arguido, por diversas vezes, chegado a dormir fora de casa devido ao temor que tinha do filho.
A testemunha E………. referiu que, no dia em causa na acusação, deslocou-se com o soldado C………. ao Centro de Saúde de ………. por terem recebido no carro patrulha uma comunicação, via rádio, a pedir para se deslocarem àquele local por ter dado entrada no Centro de Saúde um cadáver. Esta testemunha referiu que, quando chegou ao Centro de Saúde, o médico mostro-lhe o cadáver, o qual reconheceu como sendo o Carlos, conhecido pela alcunha de “cobras” e referenciado por acompanhar com pessoas ligadas à prática de crimes de furto, esclarecendo ainda que era do seu conhecimento o facto da GNR de ………. ter sido várias vezes chamada quer a casa dos pais, quer a casa dos avós da vítima porque ele arranjava desacatos por querer dinheiro; explicou também que foi o médico do Centro de Saúde que o informou que estava naquele local o pai da vítima que tinha acompanhado o corpo na ambulância desde Salto até ao Centro de Saúde e que assim que ele próprio falou com o arguido este disse logo que era o pai da vítima e, mostrando-se abatido e transtornado, teve o seguinte desabafo: “matei-o”; esclareceu que, por ter visto que o cadáver apresentava um golpe no peito, perguntou ao arguido se ele tinha a arma ao que este tirou do bolso uma navalha e entregou-lha tendo, de imediato, procedido à apreensão da mesma e de seguida chamou o soldado C………. para, na presença deste, proceder à detenção do arguido entregando-o posteriormente ao Comando do Posto da GNR da ……….; foi ainda peremptório a afirmar que não tinha quaisquer dúvidas sobre o modo como as coisas se tinham passado na intervenção que tiveram e quais os procedimentos que tinham adoptado e que supra se deixaram descritos.
Na verdade, da analise dos três depoimento efectuados pelos agentes da autoridade acabados de referir resulta a nosso ver que o cabo E………. não teve qualquer dúvida quanto à identidade do agressor pois não só ouviu da boca do mesmo que ele era o pai da vitima, que tinha sido ele próprio a matar o filho, como foi o arguido que lhe entregou voluntariamente a navalha que trazia consigo e era compatível com o ferimento (golpe) que a testemunha tinha visto, momentos antes, no cadáver que lhe tinha sido mostrado pelo médico do Centro de Saúde, como também já tinha conhecimento anterior (a vítima era uma pessoa referenciada na GNR) que a vítima provocava desacatos quer na casa dos pais quer na casa dos avós, sendo certo que os depoimentos dos outros dois agentes deram também eles um contributo precioso para se perceber o encadear dos factos e formar a convicção sobre a autoria e circunstâncias que rodearam a prática dos factos.
Tais depoimentos abalaram a credibilidade do documento junto aos autos pelo arguido a fls.269 a 273.
Dizemos documento e não prova pericial como o arguido vem dizer no ponto 15 de fls.328 pois não só porque o intitulado “parecer” não satisfaz os requisitos de uma perícia como a sua junção foi requerida e admitida como documento (cfr. fls.268 e 274) a ser valorado livremente pelo tribunal em conjugação com outras provas produzidas em julgamento
Com efeito, o tribunal não atendeu ao teor de tal documento não só porque o mesmo não excluiu a possibilidade de ter sido a navalha apreendida nos autos a utilizada na prática do crime em causa nos autos (já que refere que “(…) é pouco provável que a arma usada na produção dos ferimentos que causaram a morte de H………. possa ser a que consta do processo como sendo a arma letal (…)”, como ficou plenamente convencido que foi com ela que o arguido matou o seu filho já que a trazia consigo no bolso e a apresentou de imediato e voluntariamente ao agente da autoridade quando este lhe perguntou pela arma.
Do depoimento dos aludidos agentes resulta uma sequência lógica e cronológica dos factos e da actuação das forças policiais quando têm conhecimento de factos constitutivos de um ilícito criminal, recolhendo de imediato a prova e dando conhecimento do mesmo às entidades competentes.
Já a testemunha C………., soldado do Posto da GNR de ………. e primo do arguido fez um depoimento incoerente, inconsistente e que, a nosso ver, foi totalmente tendencioso e parcial, devido à relação de parentesco que tem com o arguido, tendo o seu depoimento sido posto em causa pelo seu colega mais graduado o Cabo E………. .
O soldado C………. referiu que foram chamados ao Centro de Saúde não sabendo qual o motivo, que não viu qualquer cadáver no aludido Centro, que foi chamado pelo cabo E………. a um compartimento onde estava o arguido e que apenas ouviu este último a fazer uma pergunta à qual o arguido não respondeu, tendo saído de imediato para fora do Centro de Saúde, adiantando ainda que só teve conhecimento da morte do primo durante a viagem do Centro de Saúde até ao Posto, situações estas em oposição não só com depoimento do cabo E………. que acompanhou esta testemunha como às regra normais da experiência e que levaram o tribunal a dar total descrédito ao depoimento feito em audiência por esta testemunha, tal foi a audácia manifestada pelo mesmo em julgamento no modo como distorceu a realidade dos factos em audiência de julgamento, pois não é de olvidar que, só depois de ter sido confrontado com ao depoimento do cabo E………., seu colega de patrulha, é que o mesmo voltou atrás no depoimento que tinha efectuado e conseguiu lembrar-se de pormenores que anteriormente desconhecia, tendo feito muitas correcções ao seu depoimento no sentido indicado pelo cabo E………. .
Na verdade, os depoimentos dos agentes supra mencionados, conjugados com a demais prova produzida permitiram a este tribunal formar a sua convicção nos moldes sobreditos no que respeita aos factos constantes da acusação.
Deu-se como provado que entre a vítima e os seus pais existia uma relação conflituosa por tal facto ser atestado pela testemunha J………., a qual referiu que a vítima ofendia verbal e fisicamente os seus pais por querer dinheiro para a droga.
Já o demais referido por esta testemunha não mereceu credibilidade por parte do tribunal não só porque manifestou uma exagerada preocupação em ilibar o arguido da morte do filho, relacionando a morte da vítima com alegados amigos da vítima toxicodependentes que teriam estado nas imediações da casa do arguido pela manhã ou então como resultado de um consumo exagerado de droga, quando é certo que foi confrontada em audiência com o facto de a vitima ter um golpe no peito e mesmo assim continuou a insistir que deveria ter sido da droga.
Quanto às condições económicas e sociais dadas como provadas (atento o teor da contestação oferecida pelo arguido), atendeu-se ao depoimento da testemunha abonatória K………. que nos pareceu verosímil.
Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido o tribunal teve em conta o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.

1.- Valoração dos depoimentos das testemunhas F………. e E………. (recursos interlocutórios);

No decurso da audiência foram inquiridos como testemunhas dois elementos da autoridade policial que logo após homicídio tiveram os primeiros contactos com o arguido e reproduziram os dados por ele relatados no auto de notícia.
Por recurso ao disposto no art. 356º nº7 do Código Processo Penal o arguido de imediato atravessou requerimento arguindo a ineficácia para efeitos de prova do conteúdo do depoimento destas testemunhas por implicar desfavorecimento objectivo da sua posição do arguido, que escolheu o silêncio como estratégia de defesa.
Para além desta ilegalidade, invoca de inconstitucional a interpretação que vá em distinto sentido e arguiu irregularidade de procedimento quando a Srº Juiz Presidente convidou o arguido a pronunciar-se sobre os dados reproduzidos no auto de notícia.
A fls. 3 dos autos, encontra-se um «auto de ocorrência» no qual consta, além do mais, que um cabo e um soldado da Guarda Nacional Republicana de ………. se deslocaram ao Centro de Saúde local por terem recebido informação de ter entrado aí um indivíduo já cadáver, e averiguaram aí que o morto era H………. e contactaram B………. que «declarou verbalmente ter espetado uma navalha no peito do filho em legítima defesa» e «perguntado se tinha a navalha o mesmo disse que sim e entregou a esta Guarda», pelo que «o mesmo foi detido e constituído arguido» e «entregue à Guarda da ………., onde foi registado com o NUlPC ../06.0GCMTR, de 01 de Junho, juntamente com o auto de apreensão da navalha». Do sucedido, lavrou a testemunha F………. um auto de denúncia, que intitulou «auto de notícia» e deu origem a este processo, no qual fez constar, além do mais, que no dia que de Junho de 2006 foi informado telefonicamente pela Guarda Nacional Republicana de ………. que dera «entrada no Centro de Saúde daquela Vila, já cadáver H……….. (...) e que informações obtidas do referido Centro, havia sido agredido com uma arma branca no abdómen por seu pai B………. (…) cujo homicida se encontrava a receber tratamentos hospitalares e sobre detenção». Nesse auto, esta testemunha fez ainda constar que o detido lhe foi entregue pelas 14 horas e 50 minutos e «que espontaneamente e de livre vontade confessou que .., descrevendo em seguida o que o arguido lhe terá contado.
Essa confissão espontânea do arguido foi documentada com fotografias que a própria testemunha tirou no local os factos, segundo as indicações e na presença do arguido, e ainda com uma fotografia tirada à arma apreendida ao arguido pela Guarda Nacional Republicana de …………. e que ele teria indicado como sendo a que utilizara na agressão.
Verificamos que o arguido numa primeira fase relatou tudo o que tinha acontecido à autoridade policial e para além disso prontificou-se a apresentar todos os dados objectivos que certificavam a veracidade do seu relato e da sua auto-denúncia.
O problema que se nos coloca é de saber se numa fase posterior, em audiência de discussão e julgamento, remetendo-se o arguido ao mais profundo silêncio o tribunal pode inquirir a autoridades policias sobre estes dados e se com esta abertura viola ou não o disposto no art. 356º nº7 do Código Processo Penal.
Dispõe o artigo 356º n.7 do Código de Processo Penal, que «os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas».
Como oportunamente refere o Ministério Público nas suas alegações da análise dos autos resulta, sem margem para dúvidas, que a referida testemunha, que é cabo chefe da Guarda Nacional Republicana em funções no Posto Territorial da ………., em momento algum tomou declarações ao arguido no decurso da fase de inquérito do presente processo.
Esta testemunha depôs sobre declarações que recolheu ao arguido na altura da ocorrência dos factos (declarações que transpôs em auto), bem como sobre informações acerca de constituição fotográfica que foram tiradas no local.
Portanto ao mencionar a confissão espontânea feita pelo arguido no auto de denúncia, a testemunha F………. mais não fez do que cumprir a sua obrigação legal de incluir nela tudo o que lhe fora possível averiguar acerca das circunstâncias em que o crime foi cometido e acerca da identificação do seu autor.
A testemunha reproduz dados objectivos que colheu e impressões que teve oportunidade de observar quando o arguido de livre e espontânea vontade lhe dá a conhecer que tinha acabado de cometer um crime. Não está em causa a apreensão dos factos por leitura de depoimentos. Para além da auto-denúncia há um extenso e complexo acervo de diligências que certificam a veracidade do que tinha sido denunciado e é precisamente sobre esses dados que presta depoimento.
A norma implica uma clara diferenciação entre dados objectivos colhidos no decurso do inquérito, mesmo que facultados pelo arguido, e as suas declarações, só estas é que não podem e não devem ser valoradas. Caso contrário violava-se a presunção de inocência e o princípio de que a confissão não é aceitável senão em audiência de julgamento e nos estritos limites tão expressa e validamente consagrados no art. 344º do Código Processo Penal.
É inequívoco que as referidas testemunhas não podem ser inquiridas sobre o conteúdo de quaisquer declarações do arguido prestadas na fase do inquérito, dado que a sua leitura não é permitida, face ao disposto no artigo 357.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
E, na mesma linha, está vedada a valoração de revelações feitas pelo arguido em conversas informais, por decorrência do princípio da legalidade do processo consagrado no artigo 2.º do Código de Processo Penal.
Mas nada impede que as testemunhas sejam ouvidas sobre outras diligências realizadas no inquérito para apuramento da verdade, designadamente sobre a reconstituição dos factos, meio de prova admitido no artigo 150.º do Código de Processo Penal.
A circunstância de o arguido ter participado na reconstituição dos factos não tem o efeito de fazer corresponder esse acto a declarações suas para se concluir pela impossibilidade de valoração daquele meio de prova.
Na verdade, a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma e na forma da sua execução – Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pg. 196.
Ponto é que só sejam valorados como provas o que as testemunhas observaram, e não as revelações do arguido feitas durante a realização dessas diligências.[1]
Portanto e tomando como referência o auto de notícia de fls. 3 o depoimento das testemunhas F………. e E………. só violava a norma se recaísse, e nessa medida fosse valorado, sobre declarações do arguido.
O que o Juiz retirou e validou destes depoimentos, só à posterior, em sede de julgamento é sindicável. E sobre o estrito cumprimento da lei não resultam dúvidas quando lemos a fundamentação da decisão da matéria de facto. Em nenhuma circunstância o tribunal recorrido validou estes depoimentos por referência a declarações do arguido.
Sobre a alegada diminuição objectiva de garantias de defesa por validação destes depoimentos, dir-se-á de acordo com jurisprudência do STJ que não se trata de valorar declarações extraprocessuais feitas pelo arguido e sim da valoração de depoimentos de testemunhas em audiência de julgamento. E o arguido não sofreu qualquer compressão nos seus direitos de defesa, dado que poderia ter contrariado essa prova nessa audiência.
Feito este reparo, não registamos qualquer interpretação da norma que extravase o disposto no art. 32º n.1 do Constituição da República Portuguesa.

2.- Nulidade insanável do despacho de 30/03/07 que declarou a nulidade do despacho de fls. 488/489;
O arguido arguiu a nulidade e pediu a revogação do despacho de 14 de Fevereiro no recurso que interpôs a 6 de Março de 2007, em virtude de o mesmo ter sido proferido pela Juíza de Direito da comarca de Montalegre, que não presidira ao tribunal colectivo que julgara os autos.
Na sequência desse recurso, a M.ma Juíza de Direito da comarca de Montalegre, reconhecendo a procedência da arguição feita pelo ora recorrente, proferiu o despacho de 30 de Março declarando nulo o anterior despacho e todos os actos subsequentes dele dependentes e ordenando que o processo fosse concluso à M.ma Juíza Presidente do tribunal colectivo, por ser esta a competente para se pronunciar sobre o requerimento de «aclaração» feito pelo ora recorrente.
Argumenta o recorrente que este novo despacho de indeferimento da aclaração assentou em dois despachos feridos de nulidade insanável, dado que foram proferidos pela mesma Magistrada titular do processo que, na altura em que os proferiu, para tal não tinha competência, esgotado que estava o seu poder jurisdicional, com excepção daquele único, a saber, ordenar a subida do recurso ao Tribunal da Relação. Sustenta também que se assim for entendido, está aberta a porta para que, seja o juiz titular do processo, após a introdução do recurso pela defesa e após a "resposta" do M.P. a decidir das diversas nulidades insanáveis ou outras, quanto às matérias vertidas na motivação do recurso. Substituindo-se assim, de modo arbitrário ao Tribunal de Recurso e ferindo desse modo, para além das regras relativas à competência material, as garantias da defesa, dado que, se o arguido recorre, para alguma coisa será, em todo o caso, nunca para ver decidida a sua sindicância pelo juiz titular do processo que participou no julgamento e que (também) o condenou. Não tem qualquer sentido. Não sendo em todo o caso uma mera e insignificante questão formal sem consequências.
Sobre esta questão são devidos dois breves considerandos.
Por um lado este procedimento está previsto e contemplado na lei, por outro o arguido não legitimidade para recorrer por esta circunstância.
Conforme estipula o art. 119º do Código Processo Penal a nulidades insanáveis podem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento. Portanto a Srª juiz ao detectar a nulidade, mediante alerta é certo, mais não fez do que rectificar aquilo que expressamente reconheceu como mal processado.
Acresce que face ao disposto no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido nunca teve interesse em agir nesta matéria, nem legitimidade para interpor o correspondente recurso.
O que significa necessariamente que a declaração de nulidade do despacho de 14 de Fevereiro é inteiramente eficaz e inatacável por esta via de recurso.
Por este motivo, deverá o recurso interposto ser rejeitado liminarmente no que respeita aos despachos proferidos a 14 de Fevereiro e a 30 de Março de 2007.

3.- Inconstitucionalidade do despacho que declarou a nulidade do processado (30.03.07) por violação dos princípios da legalidade e de equidade.

No encadeamento daquele particular ponto de visto argumenta recorrente que ao motivar o seu recurso pela segunda vez, o arguido já conhece, em concreto e no detalhe as posições anteriormente assumidas pelo M.P. o que implica uma flagrante inconstitucionalidade.
Com expressamente refere o Ministério Público na resposta: da motivação de tal alegação resulta com clareza que tais «consequências processuais graves» não se traduzem em prejuízo das garantias de defesa do arguido, mas, pelo contrário, num reforço dessas garantias.
Como reconhece o próprio recorrente, o facto de conhecer já a posição do Ministério Público relativamente às questões que já anteriormente suscitara redunda em seu favor, já que lhe permite – como disse que efectivamente faria – «acautelar e reforçar desde já a sua defesa».
Pelo que só por manifesto lapso poderá ter sido requerida a anulação do julgamento como consequência da alegada inconstitucionalidade de um despacho que, concordando com o recorrente, declarou a nulidade por ele invocada e originou as diversas vicissitudes posteriormente ocorridas nos autos, que – repete-se – apenas vieram favorecer o recorrente.
Isto evidencia, como já atrás se disse, que, nesta matéria, o recorrente não só não tem razão, como também carece manifestamente de legitimidade para recorrer, já que impugna algo que apenas o favorece.
A decisão de 30 de Março, que impugna, não foi proferida contra ele, mas a seu favor, dando-lhe razão relativamente à existência da nulidade que arguíra.
O recorrente não tem, por isso, interesse em agir nesta matéria e, nos termos do disposto no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código de Processo Penal, não tem legitimidade para interpor o correspondente recurso.

4.- Nulidade insanável do despacho de 24.05.07 que indeferiu o requerimento de aclaração», por ter sido proferido apenas pela Presidente do Tribunal colectivo, e a «falta de fundamentação legal» do mesmo despacho.

Em 13/04/07 (fls. 484) o arguido apresentou um requerimento em que suscita a aclaração da sentença proferida em 02/02/07 pedindo ao tribunal que se pronuncie sobre o conteúdo do parecer médico legal que juntou e que se defina a sua natureza.
Este pedido de aclaração suscitou o despacho de fls. 593 datado de 24/05/07, onde genericamente a Sr.ª Juiz Presidente considerou que a aclaração não reproduzia qualquer das situações previstas no art. 380º do Código Processo Penal e que reportando-se a alegação a uma perícia que o tribunal descredibilizou com fundada argumentação, nada havia a aclarar.
Perante este despacho vem agora o recorrente arguir nulidade insanável do despacho por ter sido proferido apenas pela Presidente do Tribunal colectivo e a «falta de fundamentação legal» do mesmo despacho.
Uma vez mais o recorrente não tem razão no que alega.
Como o próprio recorrente refere, a Lei Orgânica de Funcionamento dos Tribunais Judiciais estabelece que:
- «compete ao Tribunal colectivo julgar (…) em matéria penal, os processos a que se refere o artigo 14.º do Código de Processo Penal» - no artigo 106.º, alínea a);
- «compete ao presidente do Tribunal colectivo (…) suprir as deficiências das sentenças e dos acórdãos referidos nas alíneas anteriores, esclarecê-los, reformá-los e sustentá-los nos termos das leis de processo» - no artigo 108.º, n.º 1, alínea d).
O teor destas normas não permite concluir senão no sentido de que, no caso dos autos, a competência para apreciar e decidir o requerimento de «aclaração» do ora recorrente pertencia à M.ma Juíza Presidente do Tribunal colectivo que proferiu o acórdão final.
E foi esta quem efectivamente proferiu o despacho de fls. 593 em 24/05/07.

5.- Omissão de pronúncia: falta de fundamentação legal do despacho que decidiu o requerimento de aclaração.

O conteúdo do dito requerimento consiste, numa exposição – numerada de 1 a 23 – de diversas considerações e reflexões sobre algumas frases, nele transcritas, do acórdão final, das perícias efectuadas nos autos e do documento intitulado «Parecer Médico-Legal sobre a conduta médica relativa às lesões traumáticas mortais e a arma apresentada como sendo a usada na morte de H……….».
O recorrente intercalou nessa exposição algumas interrogações, que se reportam:
- às dimensões da arma usada na prática do crime, ou mais precisamente, à largura média e à espessura da respectiva lâmina;
- ou às referências feitas na decisão ora recorrida ao reduzido valor probatório do «Parecer Médico-Legal sobre a conduta médica relativa às lesões traumáticas mortais e a arma apresentada como sendo a usada na morte de H……….», junto pelo ora recorrente, e à sua alegada «falta de clareza e de rigor aos autos aferidos»;
- ou ainda à reprodução feita no acórdão de uma afirmação feita por uma testemunha.
Ora, nenhuma destas questões tem a sua origem em vícios do acórdão que possam ser corrigidos nos termos da lei processual penal.
Todas elas têm a sua origem, exclusivamente, na discordância expressamente manifestada pelo ora recorrente quanto ao sentido da decisão contida no acórdão final.
Por isso e na medida em que esta questão só pode e deve ser retratada em sede de recurso, como fez oportunamente o recorrente, não se pode dizer que o despacho de fls. 593 padece de omissão de pronúncia.
No despacho de fls. 593 a Srª Juiz, remetendo para a análise que fez da referida peritagem na decisão recorrida, consigna que não há nada a esclarecer. Tanto basta para fundamentar o alegado pedido de aclaração. O resto, o que à perícia concerne, deve ser atacado por via de recurso.
Aliás é o próprio recorrente que o reconhece agora, na motivação do presente recurso, ao afirmar que da apreciação dessas questões «resultaria à evidência modificação essencial no conteúdo e consequências do acórdão». Implicitamente negando que com tal requerimento visasse obter apenas correcções ou aclarações do acórdão proferido.
A remessa da fundamentação do despacho para os termos da decisão proferida não suscita qualquer omissão de pronúncia. Quando a Srª Juiz remete para a decisão recorrida reitera os argumentos aí reproduzidos e deste despacho interpõe-se recurso, como o recorrente efectivamente fez reproduzindo a questão perante este tribunal.

5.- Ilegalidade da condenação do recorrente pelo «incidente» de aclaração» e a «inconstitucionalidade da qualificação como "manifestamente" dilatório e estranho o requerimento de aclaração e da condenação do arguido em multa».

Por este indeferimento foi o arguido condenado em 3 UC de taxa de justiça.
Também por esta razão interpõe recurso argumentando que goza de isenção nos incidentes que requerer nos termos do art. 522º n.2 do Código Processo Penal e que o seu requerimento de aclaração não deve ser configurado como incidente.
Na verdade, o teor do requerimento do recorrente evidencia claramente que não pretendia com ele obter qualquer «aclaração da sentença» e que tal requerimento nada tem a ver com o instituto da aclaração da decisão final. No mais, como já atrás se referiu, o requerimento que o recorrente chamou de «aclaração» não tinha, efectivamente, esta natureza, e o próprio recorrente o sabia.
Face ao regime legal vigente, deverão ser tratados de forma diversa o requerimento que visa efectivamente uma aclaração e o requerimento que visa uma alteração da decisão final (não permitida por lei na 1.ª instância) – ainda que o seu autor o denomine «de aclaração».
O requerimento feito pelo recorrente visava uma alteração essencial do acórdão proferido, não podendo ser equiparado a um pedido de correcção do mesmo.
Por isso não há qualquer censura à qualificação que dele se fez no despacho recorrido quando se consignou que se estava perante um despacho dilatório. Se não é dilatório é anómalo, não se insere no âmbito do pedido de aclaração.
Ora como já entendeu este tribunal os arguidos presos gozam de isenção de custas nos incidentes que requererem, mas não nas ocorrências estranhas ao normal desenvolvimento do processo a que derem causa[2].
O art. 522º do Código Processo Penal tem de ser conjugado com o art. 84º do CCJ (Taxa de Justiça nos incidentes):
“Nos incidentes de recusa, de anulação do processado, de apoio judiciário, de habeas corpus e de reclamação para a Conferência, bem como noutras questões legalmente configuradas como incidentes e nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal do processo que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação, é devida Taxa de Justiça entre 1 UC e 5 UC.”
Como refere a decisão de referência, que aqui acolhemos, a isenção de custas (na qual se inclui a taxa de Justiça), concedida no art. 522º, nº 2 aos arguidos presos, não abrange as ocorrências processuais, estranhas ao desenvolvimento normal do processo, a que tenham dado causa, e, por esse motivo, tributadas.

6.- Nulidade e inconstitucionalidade do despacho que decidiu o pedido de aclaração por incumprimento do princípio do contraditório.

Ainda a propósito do alegado pedido de aclaração invoca o recorrente a nulidade e inconstitucionalidade do despacho que decidiu o pedido de aclaração por incumprimento do princípio do contraditório.
Como fundamento desta alegada nulidade invoca que não foi notificado do despacho dando nota do envio do requerimento ao MP caso tenha ocorrido; nem foi notificado de qualquer resposta do mesmo, ainda que apondo simplesmente o visto sem se pronunciar. Assim sendo, não foi cumprido o princípio do contraditório, nem pôde o arguido conhecer a posição do M.P. em sua eventual defesa. E tão expectável era esse conhecimento, quanto é certo que in casu o mesmo, na pessoa de Sua Ex.a O Procurador da República, dera já nestes autos, retumbante prova das suas capacidades técnicas.
Efectivamente, na resposta, mais uma vez o Exmº Procurador evidencia as suas capacidades técnicas repudiando a bondade da argumentação do recorrente.
Para além de outros argumentos invoca que a falta de audição prévia do Ministério Público (no caso, desnecessária e inútil) sobre o requerimento de «aclaração» apenas poderia beneficiar o arguido, pelo que falece a este o interesse em agir, nesta matéria, e a legitimidade para arguir tal nulidade neste recurso, dado o disposto no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código de Processo Penal.
Por isso se rejeita o recurso nesta parte.

7.- Nulidade do acórdão (por falta de real exame crítico da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando aferida à prova testemunhal e documental, efectivamente produzida.
Alega o recorrente a nulidade do acórdão por ausência de real exame crítico da prova da prova e paralelamente por clara insuficiência da matéria de facto aferida à prova efectivamente produzida em audiência.
A este propósito, diz o arguido, nas suas conclusões que o Tribunal «a quo» «não examinou criticamente a prova que indicou e omitiu de se debruçar com profundidade e rigor sobre o conteúdo da prova documental de natureza pericial (relatório de autópsia), técnica e científica (Parecer Médico-Legal, fotogramas e navalha) que, por definição foi produzida em julgamento, impossibilitando desse modo a quem lê a sentença, a plena compreensão do modo como alcançou a verdade e a decisão».
Afirmando ainda que esse Tribunal rejeitou «liminarmente, sem explicitar os motivos, elementos cruciais da prova documental inclusa nos autos, com natureza pericial, técnica e científica» e que emprestou dignidade «a prova testemunhal, produzida por elementos da GNR em matérias de natureza técnica e científica, não só em contradição, mas por vezes em oposição com a prova testemunhal (testemunha soldado C………. da GNR) e documental, técnica e científica indicada no acórdão e por definição produzida em audiência» (alínea g), números 4 e 6).
Diz também que o acórdão ora recorrido não contém «uma só palavra de análise crítica sobre o conteúdo» do um documento junto por si a folhas 269 a 273.
Segundo entendimento unânime do nosso STJ o exame crítico das provas a que obriga o preceituado no art. 374.º, n.º 2, do CPP, comporta o sentido e alcance de impor ao tribunal que indique os elementos que, em razão das regras da experiência ou critérios lógicos, constituem o substrato lógico-racional que conduziu a que a convicção probatória se determinasse num dado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios probatórios[3].
E precisando melhor o conceito adianta o Ac. do STJ de 29/03/06:
O exame é a análise das provas; a crítica, na semântica, é a abordagem da valia de cada um dos meios de prova, em ordem a ancorar a convicção probatória e que vai permitir ao tribunal credibilizar alguns desses meios e refutar outros.
O preceito inovado da forma predita, com origem no Código Processo Penal Italiano, mais concretamente no art.º 546.º e), n.º 2, onde se textua dever enunciar-se as razões de inatendibilidade (cfr. Documentação e Direito Comparado, BMJ, n.ºs 75 e 76, ed. Fevereiro de 1999, 110) das provas aduzidas pela parte contrária, comporta o sentido e alcance de impôr ao tribunal, só assim se alcançando o direito do acusado a um processo justo, que indique os elementos que, em razão das regras da experiência ou critérios lógicos, constituem o substracto lógico-racional, que conduziu a que a convicção probatória se determinasse num dado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios probatórios –cfr. Ac. deste STJ, de 13/2/92, CJ, I, 36.
Ora, tomando como referência a pretensão da norma que no fundo vai no sentido de tornar explícito perante o cidadão comum porque é que juiz decidiu como decidiu, evidenciando as premissas da lógica, ou falta dela, do seu raciocínio, parece-nos que no fundo não há ausência de espírito critico na decisão recorrida. O que há verdadeiramente, aliás oportunamente evidenciado no recurso da decisão de facto, é discórdia do critério de apreciação.
Mas então entramos no domínio da discordância que só pode ser atacado pelo recurso da decisão de facto nos termos do art. 412º n.3.
O que está em causa, segundo o recorrente é uma má apreciação do parecer médico legal sobre a conduta médica relativa às lesões traumáticas mortais e a arma apresentada como sendo a usada na morte de H………., junto pelo arguido a fls.
Ora sobre a não atendibilidade deste parecer o tribunal não podia ser mais explícito. Socorrendo do depoimento dos dois guardas, refere que tais depoimentos abalaram a credibilidade do documento junto aos autos pelo arguido a fls.269 a 273.
Com efeito, o tribunal não atendeu ao teor de tal documento não só porque o mesmo não excluiu a possibilidade de ter sido a navalha apreendida nos autos a utilizada na prática do crime em causa nos autos (já que refere que “(…) é pouco provável que a arma usada na produção dos ferimentos que causaram a morte de H………. possa ser a que consta do processo como sendo a arma letal (…)”, como ficou plenamente convencido que foi com ela que o arguido matou o seu filho já que a trazia consigo no bolso e a apresentou de imediato e voluntariamente ao agente da autoridade quando este lhe perguntou pela arma.
Então cumpre ou não o dever de apreciação crítica das provas?
A resposta não pode deixar de ser afirmativa. Efectivamente o tribunal recorrido fez rigorosa avaliação dos meios de prova produzidos e indica de forma detalhada os motivos por que valorou uns em detrimento de outros, demonstrando percurso lógico utilizado para chegar às conclusões a que chegou. Da decisão ora recorrida resulta claramente que o documento (para além do facto de não ser considerado prova pericial) foi valorado em confronto com os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência e que estes depoimentos contribuíram de forma relevante para a desvalorização desse documento como meio de prova.
Se entramos no plano da discórdia, então colocamos a apreciação da decisão outro nível, com consequências absolutamente distintas da nulidade prevista para falta de apreciação crítica.
Por isso, sem embargo de imediata reapreciação do facto, através de análise detalhada da prova, concluímos desde já que não há falta de exame crítico. Também por isso, só após esta reapreciação estaremos em condição de concluir se há ou não insuficiência para a decisão da matéria de facto provada neste ponto concreto e houve ou não presunção do princípio da presunção de inocência.

8.- Reapreciação da matéria de facto.

Resumidamente com a impugnação da matéria de facto o recorrente pretende arredar a autoria do crime tentando demonstrar que a arma letal não é aquela que lhe foi apreendida pelas autoridades policiais e que não há nos autos qualquer prova ou evidência de que esta mesma arma tenha uma especial aptidão para o resultado.
Para tanto, compara o exame da navalha com o auto de autópsia e retoma a problemática do parecer médico junto a fls. 269 a 273 atribuindo-lhe natureza técnica e científica e com ele pretende afastar a força probatória das demais provas validadas pelo julgador.
Sobre a ilação que pretende extrair da comparação do exame da navalha com o auto de autópsia é patente a falta de razão, o comprimento da navalha (7 cm) não tem que coincidir necessariamente com o comprimento da perfuração detectada na cavidade torácica.
Ainda neste domínio há que apreciar juridicamente o valor probatório do parecer, para de seguida o qualificar perante os demais elementos extraindo desta ponderação o juízo de valor que se impõe.
Diz o parecer de fls. 269 e seguintes "... uma arma que apresenta uma lâmina com sete centímetros de comprimento não seria suficiente para atingir o figado. Apesar de não se poder excluir que a arma do crime possa ser a analisada pela GNR ... é mais provável que a arma do crime tenha sido outra cuja lâmina seja maior uma vez que a distância entre o ponto de entrada e de término é superior a sete centímetros." E ainda: "A fundamentação de que a compressão desta zona aquando da agressão... poderia justificar a distância percorrida entre o ponto de entrada e o lobo esquerdo do figado, não é muito aceitável uma vez que um dos primeiros planos a ser atingido foi um plano duro e pouco deformável... pelo que a diminuição da distância entre o ponto de entrada e o ponto mais profundo atingido não são comparáveis à depressão na produção de ferimentos relativos à parede abdominal anterior." Em suma não constam do relatório da arma elementos importantes para se poder afirmar que essa arma foi a arma do crime, tais como a descrição pormenorizada da lâmina e das suas possíveis deformações resultantes do impacto contra as costelas, o estudo dos vestígios orgânicos, sangue, que deveriam estar depositados na arma e que indicariam que esta tinha sido usada na produção das lesões mortais, a continuidade entre o cabo e a lâmina, de forma a poder considerá-la como uma arma com capacidade vulnerante. "No caso em apreço, a profundidade do ferimento no figado é de uma importância relevante em face do tipo de arma usada na produção desse ferimento e essa informação não consta do relatório de autópsia." Para concluir e dizer: "Embora não possa ser de excluir, é pouco provável que a arma usada... possa ser a que consta do Processo como sendo a arma letal..."

Dispõe o art. 163º nº1 do Código Processo Penal que o juízo técnico, científico ou artístico inerente á prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve fundamentar a divergência.
O art. 163.º do CPP fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção juris tantum de validade do parecer técnico do perito, que obriga o julgador, ou seja, a conclusão a que chegar o perito só pode ser desprezada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser também de argumentos científicos (n.º 2 do art. 163.º do CPP).
A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão[4].
No que concerne à validade, deve aferir-se se a prova foi produzida de acordo com a lei ou se não foi produzida contra proibições legais – v.g., se as partes foram notificadas do despacho que ordenou a prova (n.º 2 do art. 154.º) ou se os peritos prestaram o devido compromisso (n.º 1 do art. 156.º). Também fica a cargo do julgador examinar se o procedimento da perícia está de acordo com normas da técnica ou da prática corrente.
Face á sua natureza especulativa e á total ausência de procedimento processual adequado, com formulação de quesitos e indicação de peritos e demais formalismo previsto no art.151 e seguintes do Código Processo Penal, não podemos qualificar este documento como auto de peritagem. É um parecer aceitável nos termos do art. 165º n.3 do Código Processo Penal
Mas ainda assim na medida em que o parecer está em eivado de dúvidas assumindo natureza meramente especulativa, não estaria o julgador dispensado de fixar a matéria de facto. Quando os peritos não conseguirem alcançar um parecer livre de dúvidas, quando nas conclusões do relatório pericial se conclui por um juízo de mera probabilidade ou opinativo, incumbe ao tribunal tomar posição, julgar e remover, se for caso disso, a dúvida, fixando os necessários factos.
Do exposto resulta que o julgador não está amarrado às conclusões do parecer e dele pode divergir dentro dos critérios de livre apreciação da prova que como veremos ainda assim contém alguns limites.
Portanto podia a Srª Juiz afastar a força probatória do parecer desmerecendo as suas considerações especulativas como efectivamente o fez.
Perante esta conclusão não restam dúvidas de que foi o arguido quem anavalhou mortalmente a vítima. São abundantes os elementos objectivos colhidos pelos guardas da GNR logo após conhecimento da morte à margem de qualquer valoração das declarações do arguido.

9.- Nulidade e inconstitucionalidade do acórdão por não aplicação do princípio da presunção da inocência».

Na senda de desvalorização da convicção formada pelo tribunal recorrido o arguido invoca o princípio da presunção da inocência, retomando mais uma vez o valor probatório do parecer e questionando a juízo de presunção estabelecido.
O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, encontra no “in dubio pro reo” o seu limite normativo. Livre convicção e dúvida que impede a formação, são a face e contra face de uma mesma intenção: a de imprimir a marca de razoabilidade ou de racionalidade objectiva.
A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pró reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que elida a certeza contrária.
O que o princípio ordena ao juiz é que decida sobre toda a matéria que não se veja afectada pela dúvida; (daí resultará o assentar de factos favoráveis e desfavoráveis ao arguido que terão, muito embora, em comum a característica fundamental de serem factos sobre os quais há certeza).
A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “ verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo [5].
A convicção só se opera quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos “ a posterior” tenha logrado afastar qualquer dúvida para que pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.
Segundo a fundamentação apresentada na sentença recorrida a decisão de facto não está afectada de dúvida. Não nos é apresentada no decurso da motivação do recurso qualquer dúvida positiva, uma dúvida racional que elida a certeza contrária e o juízo de presunção resultante de raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido apresenta-se claro e evidente.

10.- Contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão (questão da navalha).

Argumenta o recorrente que há contradição na fundamentação, porque no mesmo passo o tribunal afirma uma certeza e o seu contrário. Ou seja diz que a navalha do crime é a que foi apreendida nos autos e ao mesmo tempo questiona esse facto.
Tal contradição, como refere o Ministério Público, não existe na decisão ora recorrida mas antes no «parecer» que obteve e fez juntar aos autos.
Com efeito, é o autor desse parecer que diz que com as informações que lhe foram dadas não é possível formular-se qualquer conclusão cientificamente fundada sobre essa questão; e que admite simultaneamente a possibilidade de a arma apreendida ser a arma do crime e a probabilidade de que o não seja!
Tal contradição não faz parte da decisão ora recorrida, é apenas referida nela por constar desse «parecer» e para fundamentar a decisão de lhe não dar credibilidade.

10.- Erro na qualificação jurídica do crime por contradição com a fundamentação e entre a fundamentação e a decisão: nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal deveria apreciar.

Alega o recorrente que a fundamentação no acórdão é contraditória com a qualificação jurídica que acolheu e que deveria ter conduzido o tribunal a condenar o arguido pelo cometimento de um crime de homicídio privilegiado, ou caso assim se não entendesse, optar pela atenuação especial da pena, condenando-o numa pena que, em todo o não ultrapasse os 3 anos de prisão suspensa na sua execução.
A existência dos apontados vícios previstos no n. 2 do artigo 410° do CPP tem de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos. Por outro lado, está este preceito intimamente ligado aos requisitos da sentença previstos no artigo 374°, n. 2 do mesmo diploma, concretamente à exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o Tribunal recorrido deixou de investigar matéria de facto relevante de tal forma que o que foi apurado não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação, deixando de observar o dever da descoberta da verdade material[6].
O Prof. Germano Marques da Silva fala em "lacuna" no apuramento da matéria de facto.
Consta da matéria da fundamentação da matéria que arguido se apresentava com um curativo por cima da sobrancelha esquerda; que houve uma discussão entre pai e filho; que o arguido sofria imenso por causa do filho ser toxicodependente e exigir sempre aos pais quantias exageradas em dinheiro, tendo mesmo o arguido, por diversas vezes, chegado a dormir fora de casa devido ao temor que tinha do filho; que o filho estava referenciado por acompanhar com pessoas ligadas à prática de crimes de furto; que a vitima arranjava desacatos por querer dinheiro.
Perante este complexo contexto familiar o tribunal limitou-se dar como provado que entre a vítima e os seus pais existia uma relação conflituosa.
Estamos perante um crime de homicídio, no qual o ínfimo pormenor de relacionamento entre a vítima e o agressor e os motivos que suscitam a prática do crime assumem particular relevo, permitindo quase tantas qualificações jurídicas quantas as realidades que o precederam. Por isso é manifesto que o tribunal deixou de observar o dever da descoberta da verdade material.

O silêncio do arguido não justifica uma atitude passiva do tribunal, principalmente quando se trata de um pai que matou um filho e justificadamente, face à amargura que isso por si encerra, pode não querer abordar ou assumir tal horror.

Impõe-se ao tribunal que vá mais longe e dê o necessário relevo a todos os indícios que podem justificar o comportamento arguido. Só assim se poderá concretizar o justo juízo sobre atitude do arguido.

De onde se conclui que a sentença recorrida padece de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no nº2 al. a) do art. 410º do Código Processo Penal e que em conformidade com o disposto no art. 426º n.1 se deverá proceder a novo julgamento para pormenorização da motivação do crime e consequente definição do dolo.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso, ordenando o reenvio do processo para novo julgamento para pormenorização da motivação do crime e consequente definição do dolo.
Custas pelo recorrente – 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 27 de Fevereiro de 2008
João Albino Raínho Ataíde das Neves
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
José Manuel Baião Papão

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[1] Veja-se neste sentido acórdão do STJ de 14/06/06. No sentido de que os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, pronunciaram-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 11-12-1996, BMJ 462, pg. 299, de 22-4-2004, CJ, STJ, XII, tomo II, pg. 165, e de 30-03-2005, proc. n.º 552/05.
[2] Confº decisão de 16/01/08 na base de dados da DGSI
[3] Veja-se neste sentido Ac. do STJ de 29/03/06 na base de dados da DGSI
[4] Veja-se a este propósito Ac. do STJ de 11/07/07 na base de dados da DGSI
[5] Veja-se neste sentido acórdão do STJ de 3/10/02 in CJ tomo lll, citando Cristina Líbano Monteiro “In Dubeo pró Reo” e Profº Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, lições coligidas Por Maria João Antunes.
[6] Neste sentido Acórdãos do STJ de 14-11-98 (proc. n. 588/98) e de 12-5-99 (proc. n. 154/99).