Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631475
Nº Convencional: JTRP00039886
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: ARRESTO
INSUFICIÊNCIA DO ACTIVO
Nº do Documento: RP200612140631475
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 698 - FLS 123.
Área Temática: .
Sumário: Alegando-se e subsistindo uma insuficiência de bens arrestados, esgotada que se mostre a relação de bens a arrestar inicialmente apresentada pelo requerente de arresto, é admissível, a este nomear novos bens com vista a constituir a suficiente garantia patrimonial do seu crédito, cuja existência e justificado perigo de insatisfação já se encontra demonstrada nos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão no Tribunal da Relação do Porto

No .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Póvoa de Varzim, B………., Lda., requereu contra C………. e mulher, D………., procedimento cautelar de arresto.
Instruído o processo foi proferida decisão que decretou a providência.
Posteriormente, na fase de apreensão de bens, o requerido C………. solicitou ao tribunal “…o levantamento do arresto dos bens que ultrapassem o valor do arresto, mantendo-se apenas o arresto sobre a quota da E………., a qual é mais que suficiente para garantir o montante do arresto.”.
Pelo despacho de fls. 68 e 69 foi tal requerimento indeferido.
Inconformado com esta decisão veio a ser interposto recurso concluindo o recorrente que:
Apresentou no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, providência cautelar de arresto, nomeando desde logo, os bens a arrestar.
Alegou a existência de uma dívida de 46.904,235$00 (233.957,34 Euros).
Atribuiu ao arresto o valor de 15.300,00 Euros.
Tal providência foi decretada e levadas a efeito as diligências ordenadas.
O recorrido protestou a providência alegando o pagamento da dívida.
O arresto foi decretado, mantendo-se o arresto decretado.
O recorrente não recorreu de tal decisão que transitou.
Depois de transitado o processo a recorrida requereu alteração do arresto decretado, prescindindo do arresto sobre os automóveis e requerendo fossem arrestadas as quotas sociais que o requerido possui na F………., Lda. e na G………., Lda.
Tal situação foi deferida.
O recorrente não foi notificado para se prenunciar quanto ao arresto nas referidas quotas.
A recorrida solicitou o arresto da participação social do requerido na E………. .
Foram arrestadas as participações sociais do recorrente na E………., no valor global de 22.659,11 Euros.
A recorrente alega que com o tal valor está garantido o valor do arresto.
A recorrida vem entretanto solicitar o arresto de 1/3 dos salários que o recorrente possui nas sociedades F………., Lda e G………., Lda.
Tal arresto é deferido e a diligência ordenada.
O recorrente não é notificado para se pronunciar ou defender.
Só tomou conhecimento da diligência porque é gerente das referidas sociedades.
Entretanto a recorrida solicita o arresto dos bens moveis da residência do requerido.
Tal diligência é decretada.
O recorrente não é notificado.
A recorrida solicita entretanto o arresto dos créditos de suprimentos do requerido nas sociedades.
Tal diligência não é decretada.
A recorrida vem requerer o arresto do imóvel pertencente ao recorrente.
A recorrente apresenta o recurso e requer seja concedido efeito suspensivo ao mesmo.
O recurso é recebido mas não é concedido efeito suspensivo
Entretanto é ordenada a efectivação das diligências ainda não realizadas.
O arresto dos bens móveis foi efectuado e o recorrente apenas tomou conhecimento da sua realização porque teve de abrir a porta e foi constituído e fiel depositário.
O arresto pressupõe que se deduzam factos que tomam provável a existência do crédito e justificam o receio de extravio de bem.
Nenhum destes pressupostos foi justificado pela recorrida, a não ser na medida m que alegou para o decretamento da providência.
Desde aí, nem sequer se deu ao trabalho de fazer qualquer tipo de justificação.
Os bens que entretanto a recorrida foi nomeando, já existiam à data da entrada da providência, pelo que, se esta pretendia que fossem arrestados, devia tê-lo feito aí.
Por tudo o exposto devem ser revogados todos os arrestos ordenados desde a sentença que decretou o arresto,
Mais deve a recorrida ser condenada como litigante de má-fé, por ter requerido arrestos num processo transitado, em multa e indemnização exemplar ao requerido por este ter suportado transtornos elevadíssimos com a efectivação dos mesmos.
A recorrida contra alegou sustentando o acerto da decisão recorrida.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Fundamentação
A matéria que interessa á decisão de recurso é, para lá daquela que consta do relatório ainda que: por decisão de 22-9-2004, foi decretada a providência requerida tendo-se considerado que, “Enquanto sócio, e posteriormente à referida escritura de cessão de quota, o requerido comprou à sociedade requerente as mercadorias constantes das facturas de fls. 24 a 32, inclusive, no montante total de € 39.342,00; 34 a 58, inclusive, no montante total de € 43.968,00; e 60 a 63, inclusive, no montante total de € 39.283,00, nas datas, quantidades e preços nas mesmas descriminados, as quais se dão aqui por reproduzidas para os devidos efeitos.”; “Além da facturação supra referida o requerido deve ainda outras quantias não concretamente apuradas.”.
Alguns dos bens indicados no requerimento inicial para arresto não puderam ser apreendidos e a requerente veio pedir a apreensão de outros.
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O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil).
Assim, as questões a decidir são as de saber se na providência cautelar pode ser realizado o arresto de bens subsequentes aos indicados no requerimento inicial e que ultrapassem o valor da providência; se esse arresto pode ser feito sem que se deduzam, novamente, factos que justifiquem a existência do crédito e o receio do extravio de bens.
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Sabemos que o arrestante tem a obrigação de relacionar os bens cuja apreensão pretende, dispondo o art. 407º, nº 1 do CPCivil que «O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência».
O requerente do arresto, para além dos restantes requisitos, indicou inicialmente os bens cujo arresto pretendia com vista a constituir garantia patrimonial do seu crédito, tendo o Mmº Juiz do tribunal de 1ª instância, após ter verificado a existência dos requisitos que permitiam o decretamento do arresto requerido - existência do crédito e justificado receio de perder a garantia patrimonial -, ordenado se procedesse ao arresto desses bens.
Sucede que, no caso em apreço, resulta que as diligências, para apreensão dos bens indicados inicialmente para arresto, foram-se frustrando de tal forma que o requerente, se vê numa situação de insuficiência de indicação de bens para tal, pelo que veio proceder a uma nova indicação e, consequentemente, requerer arresto de outros bens pertencentes ao devedor.
Dos preceitos que regulam os trâmites do procedimento cautelar de arresto não resulta norma expressa e concreta que contemple a admissibilidade da indicação de novos bens, contrariamente ao que sucede quanto à indicação em excesso (cfr. artº 408º, nº 2 do CPCivil), o que, à primeira vista levaria a concluir pela sua inadmissibilidade.
Porém, dispõe-se no artº 406º, nº 2 do CPCivil que «O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção».
Ora, para a penhora, estabelece o artº 834º, nº 3 e al. a) do CPCivil que «A penhora pode ser reforçada ou substituída nos seguintes casos: ... b) Quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados; ...».
Tal normativo não se mostra contrariado por qualquer preceito constante da subsecção em que se encontram agrupadas as normas referentes ao procedimento cautelar (nominado) de arresto (Subsecção V), pelo que se entende não ser de afastar a sua aplicação ao arresto.
Daí que, alegando-se e subsistindo uma insuficiência de bens arrestados, esgotada que se mostre a relação de bens a arrestar inicialmente apresentada pelo requerente de arresto, é admissível, face ao disposto nos arts. 406º, nº 2 e 834º, nº 3, al. b) do CPCivil, a este nomear novos bens com vista a constituir a suficiente garantia patrimonial do seu crédito, cuja existência e justificado perigo de insatisfação já se encontra demonstrada nos autos (cfr., neste sentido acórdãos desta Relação de 5.12.89, BMJ 392, pág. 508, de 8.4.97, in www.dgsi.pt, proc. nº 9720304 e de 9/5/05 in dgsi.pt no proc. 0552208).
Aliás, seria incompreensível que se exigisse ao requerente contenção na indicação dos bens a arrestar, em função da suficiência de bens à constituição da normal garantia patrimonial, reforçando-se a ideia do controle do juiz quanto à verificação desse excesso em face do disposto no artº 408º, nº 2 do CPCivil, em consonância com o que se dispõe para a penhora no nº 1 do artº 834º do CPCivil, e, frustrado o arresto nos bens indicados, se não consentisse, perante uma situação de manifesta insuficiência, a indicação de novos bens a arrestar, antes se exigindo a apresentação de um novo requerimento de arresto e consequente prova dos seus requisitos, o que redundaria, para além de outras consequências, na redução do arresto decretado a uma mera inutilidade processual.
Decorre da conjugação dos preceitos citados que decidida a existência dos pressupostos do arresto, e ordenado este, a diligência da efectiva apreensão dos bens possa não se restringir àqueles que forem indicados no requerimento inicial, podendo vir a incidir sobre outros, desde que as situações de reforço ou substituição caibam na previsão do art. 834 nº2 citado.
É evidente que esta possibilidade de indicação de novos bens para apreensão se inscreve no próprio arresto já determinado e em que se reconheceu a existência do crédito, bem como o receio da perda de garantia patrimonial, não carecendo de, novamente se justificar esse crédito e esse receio de perda de garantia, o que significaria a propositura de nova providência.
Uma outra questão suscitada no recurso é a de apurar a possibilidade de o arresto poder ser feito sobre bens que ultrapassem o valor da providência.
Quanto ao que significa o “valor da providência” é necessário atender a que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo e expresso em moeda legal que é representativo da utilidade económica imediata do pedido - art. 305 nº1 do CPC - e que serve para efeito de tributação em custas e demais encargos e, em tese, ainda para determinação da competência do tribunal, forma de processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
É manifesto que o valor atribuído à providência cautelar para os efeitos do disposto neste preceito citado (15.300,00 €) está em flagrante oposição ao valor daquilo que se alegou ser o crédito em dívida pelo ora recorrente e que fazia parte da causa de pedir, uma vez que, como decorre do art. 313 nº2 al. e) do CPC, o valor da providência cautelar de arresto é o do montante do crédito que se pretende garantir.
Contudo, havendo formas de proceder à correcção do valor atribuído à acção (vd. art. 314 e 315 CPC), neste momento, a possibilidade de proceder a essa correcção está esgotada (art. 315 nº3 do CPC) tendo-se por definitivamente fixado esse valor.
Mas tal não significa que o crédito que se pretende garantir e que é a referência do valor global dos bens que podem ser arrestados se tenha por compactado para “o valor da acção”.
Sabendo-se que o montante do crédito reconhecido pela prova é de 122.593,00 €, sendo a este que deverá atender-se para ver se os bens arrestados são excessivos e/ou desproporcionados para garantirem a dívida, teremos de concluir que a decisão recorrida não merece censura pois que os bens arrestados não ultrapassam o valor da dívida reconhecida.
Aliás a questão suscitada no recurso não era a de que o valor dos bens arrestados ultrapassava o valor dos créditos indiciariamente reconhecidos como estando em dívida mas antes que esses bens ultrapassavam o valor atribuído á providência cautelar nos termos do art. 305 do CPC e, como vimos, sendo este valor irrelevante para efeitos do pedido não merece censura a decisão recorrida.
Deste modo, improcedem as conclusões de recurso não havendo elementos que evidenciem qualquer litigância de má-fé por parte da recorrida.
Decisão
Pelo exposto acorda-se em negar provimento ao Agravo e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas pelo Agravante.

Porto, 14 de Dezembro de 2006
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão