Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00041007 | ||
| Relator: | DEOLINDA VARÃO | ||
| Descritores: | LEGITIMIDADE ADMINISTRAÇÃO INDIRECTA ESTADO INSTITUTO PÚBLICO | ||
| Nº do Documento: | RP200801170734436 | ||
| Data do Acordão: | 01/17/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | PROVIDO O AGRAVO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 744 - FLS 245. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – O IPPAR é um instituto público, encontrando-se, como tal, integrado na administração indirecta do Estado e constituindo uma entidade distinta deste. II – Na administração indirecta, através da figura jurídica da devolução de poderes, o Estado transfere os seus poderes para outras entidades distintas dele, exercendo-os estas em nome próprio,mas sempre no interesse do Estado. III – A E………., enquanto monumento nacional e bem do domínio público do Estado, integrado no património cultural por força do preceituado na Lei nº 107/01, de 08.09, também se integra no património cultural arquitectónico para efeitos do disposto no DL nº 120/97, de 16.05, sendo, por isso, um bem afecto ao IPPAR, que sobre ele tem poderes de administração. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. INSTITUTO PORTUGUÊS DO PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO e B………. instauraram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra C………., LDA e COMPANHIA DE SEGUROS D………., SA. Pediram que os réus fossem condenados a pagar: I - A quantia global de € 229.573,50, acrescida de juros legais vencidos e vincendos à taxa legal de 4% até efectivo e integral pagamento assim discriminada: a) € 58.656,29, referente ao valor da reparação dos danos do imóvel,descritos na alínea A) do artigo 9º da petição inicial, propriedade da Direcção Geral do Património; b) € 113.761,21, referente aos danos discriminados nas alíneas B) e D), cujo lesado é a autora B……….; c) € 57.156,00, referente aos danos discriminados na alínea C) – E………. – propriedade da Direcção Geral do Património. II – A quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, relativamente aos danos futuros, na sequência do acidente dos autos. Como fundamento, alegaram, em síntese: O autor IPPAR encontra-se a levar a efeito, no âmbito das suas competências, obras de beneficiação no imóvel da E………., sito no ………., na cidade do Porto, as quais têm vindo a ser executadas pela ré C………., Ldª, nos termos do contrato de execução de empreitada “Recuperação das Torres e das Coberturas e Fachadas das Alas Poente e Sul da E……….”, celebrado em 21.02.02 com o IPPAR. Mediante contrato de seguro, a ré C………., Ldª havia transferido para a ré Companhia de Seguros D………, SA a responsabilidade civil extra-contratual decorrente da actividade da sua actividade de construção civil, mediante contrato de seguro. As obras tiveram início em 02.04.02 e, para levar a efeito e desenvolver os trabalhos contratados, a ré C………., Ldª colocou e instalou vários materiais no local da realização dos trabalhos, entre os quais uma grua de grande porte. Na noite de 27.12.02, a referida grua desintegrou-se do seu local de apoio e tombou sobre os edifícios da E………. e do E1………., tendo a queda provocado danos – discriminados e quantificados - em imóveis pertença da Direcção Geral do Património do Estado, e em móveis e mobiliário pertença da autora B………. . A ré C………., Ldª contestou, invocando a ilegitimidade do autor IPPAR e alegando que a queda da grua se ficou a dever apenas aos ventos ciclónicos que ocorreram na noite anterior e ainda que a mesma não lhe pertencia, tendo-a alugado a F………., Ldª, que a instalou. A ré Companhia de Seguros D………., SA contestou, invocando igualmente a ilegitimidade do IPPAR e a mesma causa para a queda da grua e alegando ainda que o contrato de seguro não garante os danos discriminados no artº 44º da petição inicial. Os autores replicaram e a autora B………. requereu a intervenção principal de F………., LDA. A intervenção foi admitida e a chamada contestou, impugnando os factos alegados pelos autores. No despacho saneador, foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade do autor IPPAR e, em consequência, foram as rés absolvidas da instância relativamente ao pedido por ele formulado. Inconformado, o autor IPPAR recorreu, formulando as seguintes Conclusões 1ª – O contrato de empreitada dos autos refere-se à ”Recuperação das Torres e das Coberturas e Fachadas das Alas Poente e Sul da E……….”, conforme se alega no artº 3º da petição inicial. 2ª – Ora, verificaram-se danos nessas partes da E………., designadamente na E2………., na Escada “E3……….” e na E4………., conforme consta dos artºs 26º a 34º da petição inicial. 3ª – E tais partes da E………. ficam abrangidas pelas coberturas do edifício da E………., coberturas essas que eram também objecto do contrato de empreitada (cfr. artºs 28º e 30º da petição inicial). 4ª – Daqui resulta que os danos resultantes da queda da grua se verificaram, pelo menos parcialmente, numa parte da E………. que foi objecto do referido contrato de empreitada. 5ª – Mas, mesmo que assim não se entendesse, o despacho recorrido também não pode proceder pelas seguintes razões: 6ª – Nos termos do nº 1 do artº 7º do DL 120/97 de 16.05, estão afectos ao IPPAR os imóveis do Estado classificados como património cultural. 7ª – Ora, a E………., local onde foram executadas as obras dos autos, é um imóvel propriedade do Estado e está classificada como Monumento Nacional pelo decreto de 16.06.1910. 8ª – Assim, o IPPAR, como dono da obra e como pagador dos trabalhos, tem interesse na procedência da acção, uma vez que sofreu prejuízos, os quais tem de reparar, caso a acção improceda. 9ª – Acresce que, nos termos do artº 26º do CPC, o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar e o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção. 10ª – E na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor – artº 26º, nº 3 do CPC. 11ª – As partes legítimas da acção são os sujeitos da relação jurídica definida pelo pedido formulado pelo autor – Ac. do STJ de 31.01.96. 12ª – Por conseguinte, o IPPAR é parte legítima na presente acção. 13ª – Tal legitimidade é reforçada pelo documento nº 56 junto com a petição inicial, pelo qual o Estado, através do Ministério das Finanças (Direcção Geral do Património), confere essa legitimidade ao IPPAR para instaurar a presente acção. A ré C………., Ldª contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. A Mª Juíza sustentou o despacho. Posteriormente, a autora B………. requereu a ampliação para € 84.000,00 do pedido de indemnização pelo dano de arrendamento de instalações para o E1.......... (incluído em I-B) do petitório), a qual foi admitida. Percorrida a demais tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: A) Condenou a ré C………., Ldª a pagar à autora B………. a quantia de € 35.760,21, acrescida de juros à taxa legal até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado. B) Absolveu do pedido formulado pela autora B………. a ré Companhia de Seguros D………., SA e a interveniente principal F………., Ldª. Inconformada, a ré C………., Ldª recorreu da sentença. A ré Companhia de Seguros D………., SA apresentou contra-alegações, cujo desentranhamento dos autos foi ordenado pelo despacho de fls. 856. Inconformada, aquela ré recorreu do despacho, o qual foi sustentado pela Mª Juíza. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II.O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: O Instituto Português do Património Arquitectónico, adiante designado por IPPAR, instituto dotado de autonomia financeira e jurídica, encontra-se a levar a efeito, no âmbito das suas competências, obras de beneficiação no imóvel da E………., sito no ………., na cidade do Porto. (1º) Tais obras têm vindo a ser executadas pela empresa C………., Ldª, nos termos do contrato de execução de empreitada “Recuperação das Torres e das Coberturas e Fachadas das Alas Poente e Sul da E……….”, celebrado em 21.02.02, entre o IPPAR e aquela ré, e de acordo com o caderno de encargos, conforme documento de fls. 16 a 52. (2º) As obras tiveram início em 02.04.02, e foram decorrendo com normalidade e de acordo com o programa estabelecido, previsto no caderno de encargos, conforme documento 2. (5º) Na obra referida, existia no local dos trabalhos uma grua de grande porte afecta exclusivamente àquela obra. (6º) A instalação da grua foi efectuada pela sociedade G………., Ldª. (27º) Foi a chamada F………., Ldª quem, através dos seus montadores especializados, instalou a grua no local da obra. (28º) No local onde a grua se encontrava os ventos adquirem ainda maior velocidade e provocam remoinhos. (23º) O local situado entre o paço E5.......... e a E6………. forma uma especie de "funil" que conduz o vento de encontro à E7………., provocando a sua elevação em remoinho. (24º) Na noite de 27.12.02, a referida grua tombou sobre os edifícios da E………. e do E1………. (7º) Tendo a queda provocado [os seguintes danos] nos móveis que se encontravam no interior do referido imóvel: 1. [Ficaram] totalmente irrecuperáveis um piano de quarto de cauda e um banco, no valor de € 22.261,21, 2. [Ficou] totalmente danificada uma instalação sonora de gravação e reprodução, no valor de € 2.500,00. 3. [Ficaram] irremediavelmente danificados: iluminação, mesa, algumas cadeiras, armários, cantoneira, cortinados, estores, no valor de € 5.000,00. (8º) Os estragos provocados são em móveis e mobiliário pertença da autora B………. . (14º) Tais móveis integravam e completavam o principal recheio da sala, atingida pela fatal grua, onde se efectuavam os ensaios do E1………. . (15º) Em resultado da queda da grua, as instalações do E1………. ficaram totalmente impossibilitadas de qualquer utilização, devido aos danos. (16º) Foi necessário providenciar pelo transporte dos bens que se encontravam nas instalações e leva-los para um outro local. (17º) O mobiliário que se encontrava dentro das instalações atingidas foram sujeitos a restauro, uma vez que, a quantidade de entulho vindo do tecto foi de tal ordem, que os cobriu de pedras e pó. (18º) [Foram despendidos] € 3.000,00 em transporte, carga e descarga dos bens móveis que se encontravam nas instalações do E1………. . (10º) E € 3.000,00 em restauros de alguns móveis. (11º) A B………. viu-se também obrigada a providenciar um local para colocar os bens que se encontravam dentro do imóvel, bem como para o E1………. continuar a exercer a sua actividade, e proceder aos ensaios semanais indispensáveis à sua laboração e actividade cultural, o que motivou o arrendamento de instalações, que por motivos de logística não podiam ser exíguas (19º) No acto de consignação, foi apresentada pela ré C………., Ldª a apólice do Seguro de Responsabilidade Civil nº MT-…/….. . (3º) Através deste contrato de seguro, a ré C………., Ldª transferiu para a ré Companhia de Seguros D………., SA, a responsabilidade civil extra-contratual decorrente da actividade do Segurado/Tomador – construção civil. (4º) A Grua Torre Potain modelo ………. Ano 2001 não constava da listagem de fls. 148 a 151, não tendo a ré C………., Ldª feito posteriormente qualquer declaração à ré seguradora no propósito de alterar a listagem. (22º) O tribunal recorrido deu ainda como reproduzido o teor do documento de fls. 144 a 150 para todos os efeitos legais. * III.No recurso de agravo interposto pelo autor IPPAR, é questão a decidir (delimitada pelas conclusões da alegação do agravante - artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC): - Se o IPPAR é parte legítima. Na presente acção, pretende-se obter uma indemnização para ressarcimento dos danos causados na E………. pela queda de uma grua que ali tinha sido instalada para execução de obras levadas a cabo pelo autor Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), o qual, para o efeito, havia celebrado contrato de empreitada com a ré C………., Ldª. A acção funda-se assim na responsabilidade civil extra-contratual da ré C………., Ldª, nos termos previstos nos artºs 483º e seguintes do CC, e não na responsabilidade emergente do contrato de empreitada que aquela ré havia celebrado com o autor IPPAR. Por isso, o que releva, para se aferir da legitimidade activa, não é a qualidade de dono da obra (detida pelo IPPAR), mas sim a qualidade de dono do imóvel E………., uma vez que se alegou que a queda da grua causou danos no próprio imóvel (para além de outros que causou em bens móveis pertença da autora B……….). A E………. foi classificada como monumento nacional pelo Decreto de 16.06.1910, publicado no DG nº 136 de 23.06.1910[1]. Por ser um monumento nacional, integra-se no domínio público do Estado (artº 4º, al. m) do DL 477/80 de 15.10) e no âmbito do património cultural deste (cfr. artºs 2º, nºs 1 e 3, 14º e 15º da Lei 107/01 de 08.09). Trata-se de um bem que é património do Estado com afectação permanente ao serviço da Igreja Católica, nos termos definidos pela Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé (cfr. artº 4º, nº 4 da Lei 107/01 e artº 22º, nº 1 da Concordata de 2004, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 74/04 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 80/04 de 16.11, ambos publicados no DR-I Série A, nº 269, de 16.11.04). Segundo a definição de Freitas do Amaral[2], um instituto público é uma pessoa colectiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de funções administrativas, determinadas, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública. Os institutos públicos inserem-se na chamada administração indirecta do Estado, que pode ser definida: a) de um ponto de vista objectivo ou material, como a actividade administrativa do Estado, realizada, para a prossecução dos fins deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e financeira; b) de um ponto de vista subjectivo ou orgânico, como o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada á realização de fins do Estado[3]. As entidades que fazem parte da administração indirecta do Estado não se confundem com este: tendo personalidade própria, constituem entidades política, jurídica e sociologicamente distintas[4]. O IPPAR é uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e património próprio e tutelado pelo Ministro da Cultura, que tem como atribuições a salvaguarda e a valorização de bens que, pelo seu interesse histórico, artístico, paisagístico, científico, social e técnico, integrem o património cultural arquitectónico do País (cfr. artºs 1º, nºs 1 e 2 e 2º, nº 1 do DL 120/97 de 16.05). Resulta dos preceitos acima citados que o IPPAR é um instituto público, encontrando-se, como tal, integrado na administração indirecta do Estado e constituindo uma entidade distinta deste. Sendo assim, a E………., sendo propriedade do Estado, não é propriedade do IPPAR. O que, no entanto, só por si, não permite que se conclua imediatamente pela ilegitimidade activa do IPPAR. Na administração indirecta, através da figura jurídica da devolução de poderes, o Estado transfere os seus poderes para outras entidades distintas dele, que os exercem em nome próprio, mas sempre no interesse do Estado[5]. Como refere Freitas do Amaral[6], no direito português, os institutos púbicos não são regulados por nenhuma lei genérica ou código que de forma sistemática e unitária estabeleça o seu estatuto jurídico. Sendo assim, os aspectos essenciais do regime jurídico dos institutos públicos têm de ser extraídos, por indução, dos numerosos diplomas legais que se lhes referem e, especialmente, dos diplomas que aprovam as leis orgânicas de cada um desses institutos. Importa então aferir, através das normas dos diplomas que se referem ao IPPAR, em especial das normas do DL 120/97, se nos poderes que o Estado lhe devolveu e que ele exerce em nome próprio mas no interesse daquele, se inclui o de reclamar judicialmente o ressarcimento dos danos causados em imóvel pertencente ao Estado. Como se disse, as atribuições do IPPAR são a salvaguarda e a valorização de bens que, pelo seu interesse histórico, artístico, paisagístico, científico, social e técnico, integrem o património cultural arquitectónico do País - artº 2º, nº 1 do DL 120/97 e artº 16º do DL 42/96 de 07.05 (Lei Orgânica do Ministério da Cultura). Segundo o nº 2 do artº 2º do DL 120/97, no desenvolvimento das suas actuações, compete, em especial, aos órgãos e serviços do IPPAR: a) A salvaguarda e a valorização de bens imóveis classificados e a salvaguarda das respectivas zonas de protecção; (…) g) A realização de obras de construção, ampliação, remodelação, conservação e restauro, bem como de apetrechamento e equipamento, procedendo à adjudicação, fiscalização e direcção das respectivas empreitadas em bens imóveis; h) A gestão do património imóvel e móvel afecto ao IPPAR. Resulta das alíneas do nº 2 do artº 2º acima transcritas, em particular da al. h), que é da competência do IPPAR a administração dos bens do Estado a ele afectos. Isso mesmo é dito expressamente no preâmbulo do Diploma: “Cabe assim ao IPPAR zelar pela preservação e salvaguarda da integralidade dos bens culturais imóveis e, simultaneamente, administrar os que são pertença do Estado”. Segundo o artº 7º, nº 1 do DL 120/97, estão afectos ao IPPAR os imóveis do Estado classificados como património cultural. E, para efeitos do disposto naquele Diploma, os monumentos são considerados património cultural arquitectónico (artº 6º, nº 1). Sendo assim, a E………., enquanto monumento nacional e bem do domínio público do Estado, integrado no património cultural por força das disposições supra citadas da Lei 107/01, também se integra no património cultural arquitectónico para efeitos do disposto no DL 120/97. Por isso, é um bem afecto ao IPPAR, que sobre ele tem poderes de administração. Segundo Mota Pinto[7], quando a lei restringe os poderes de certas pessoas aos actos de administração, importa ter presente a razão de ser dos preceitos legais que, em várias sedes, limitam os poderes de actuação jurídica de certas pessoas à mera administração. Quando a lei não esclarece, através de uma definição ou de uma enumeração, quais os tipos de actos que integram uma determinada categoria, é uma consideração teleológica (de conformidade com o fim legal) que nos deve guiar. A consideração da ratio legis conduz à conclusão de os actos de mera administração ou de ordinária administração serem os correspondentes a uma gestão comedida e controlada, donde estão afastados os actos arriscados, susceptíveis de proporcionar grandes lucros, mas também de causar prejuízos elevados. São os actos correspondentes a uma actuação prudente, dirigida a manter o património e a aproveitar as suas virtualidades normais de desenvolvimento[8]. Como escreve Manuel de Andrade[9], é doutrina pacífica que entra na mera administração tudo quanto diga respeito: 1) a prover à conservação dos bens administrados; 2) a promover a sua frutificação normal. Actos de conservação dos bens administrados são habitualmente os destinados a fazer quaisquer reparações necessárias nesses bens, tendentes a evitar a sua deterioração ou destruição. Ora, tendo em conta que na nossa lei civil vigora, em matéria de indemnização, o princípio da reconstituição natural (artº 562º do CC), a consequência da procedência de uma acção destinada a obter uma indemnização para reparação de danos causados num imóvel será a de colocar o imóvel no mesmo estado em que se encontrava antes de ter sofrido os danos. E da improcedência da acção não resulta nenhum risco para o imóvel, ou, pelo menos, não resulta nenhum risco superior àquele que existiria se não fossem tomadas quaisquer medidas para reparar os danos. O acto de providenciar pela obtenção de uma indemnização para reparação dos danos causados num imóvel pode assim ser definido como um acto de conservação. De qualquer modo, será sempre um acto de gestão comedida e controlada, que não vai gerar lucros para o património, mas também não vai causar prejuízos. É, portanto, um acto de administração ordinária. No caso dos autos, tal acto insere-se no âmbito das competências de gestão e administração dos bens do domínio público do Estado integrantes do património cultural arquitectónico deste, atribuídas pelo Estado ao IPPAR para salvaguarda e valorização daqueles bens. O IPPAR tem, pois, interesse directo em demandar as rés para, em sede de responsabilidade civil extra-contratual, serem condenadas a pagar uma indemnização pelos danos causados na E………. . E, por isso, é parte legítima (artº 26º do CPC). Há assim que revogar o despacho saneador na parte em que absolveu as rés da instância por verificação da excepção dilatória de ilegitimidade do autor IPPAR e, declarando-se este parte legítima, anular o processado posterior, incluindo o julgamento e a sentença, com vista à ampliação da base instrutória para inclusão dos factos pertinentes aos danos alegadamente causados no imóvel E………. . Face ao provimento do recurso de agravo interposto pelo IPPAR, fica prejudicado o conhecimento dos restantes recursos. * IV. Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo interposto pelo autor IPPAR, revogando-se o despacho saneador na parte em, julgando procedente a excepção dilatória de ilegitimidade do IPPAR, absolveu as rés da instância quanto ao pedido por ele formulado, e, em consequência: A) Julga-se improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa do IPPAR, declarando-se que este é parte legítima; B) Anula-se o processado posterior ao despacho saneador, incluindo o julgamento e a sentença, com vista à ampliação da base instrutória nos termos sobreditos. C) Não se conhece dos demais recursos. Custas pelas agravadas. *** Porto, 17 de Janeiro de 2008 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Evaristo José Freitas Vieira Manuel Lopes Madeira Pinto __________________________ [1] Informação disponível em www.ippar.pt. [2] Curso de Direito Administrativo, I, 317. [3] Freitas do Amaral, obra citada, 305 e 306. [4] Cfr. Freitas do Amaral, obra citada, 35. [5] Freitas do Amaral, obra citada, 39 e 311. [6] Obra citada, 319. [7] Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., 407. [8] Mota Pinto, obra citada, 407 e 408. [9] Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 62. |