Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00039885 | ||
| Relator: | SALEIRO DE ABREU | ||
| Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES | ||
| Nº do Documento: | RP200612140636008 | ||
| Data do Acordão: | 12/14/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 697 - FLS 179. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A obrigação de prestação de alimentos que recai sobre o Fundo de Garantia deve abranger os alimentos que se vencerem desde a data em que, nos autos de incumprimento, for apresentado o requerimento a pedir que o tribunal fixe o montante a prestar pelo Estado, através do Fundo. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. No Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, o Ministério Público, em representação da menor B………., requereu, em 12.10.2005, que face ao verificado incumprimento da obrigação de prestação de alimentos por parte da mãe da menor, C………., desde Abril de 2005, se determinasse, em substituição daquela, o pagamento através do FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES. E peticionou o pagamento não só da prestação mensal que viesse a ser fixada – que referiu não dever ser inferior a € 100,00 – como também das entretanto vencidas, no total de € 500,00. Após a realização das diligências tidas por pertinentes, o Sr. Juiz do tribunal a quo proferiu decisão do seguinte teor: a) Fixo em 100 € o montante da prestação alimentar substitutiva; b) Condeno o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menor, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a pagar o referido montante mensal; c) No montante a suportar pelo FG devem ser abrangidas as prestações já vencidas desde Abril de 2005 e não pagas pela progenitora (judicialmente obrigada a prestar alimentos). Inconformado, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (entidade a quem incumbe gerir aquele Fundo de Garantia), interpôs o presente recurso de agravo, tendo terminado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1. A douta decisão do Mmo. Juiz a quo ao determinar que "No montante a suportar pelo FG devem ser abrangidas as prestações já vencidas desde Abril de 2005 e não pagas pela progenitora (judicialmente obrigada a prestar alimentos)", condena o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - FGADM - ao pagamento de prestações vencidas, as quais, por decisão judicial, incumbem à progenitora da menor. 2. Entende, pois, o Tribunal que sobre o Estado-FGADM deve recair o pagamento do débito acumulado pelo obrigado judicialmente a prestar alimentos. 3. Salvo o devido respeito, tal entendimento não tem suporte legal, já que o DL n.º 164/99, de 13 de Maio, é taxativo quanto ao início da responsabilidade do Fundo pelo pagamento das prestações. 4. No n.º 5, do art. 4.º, do citado diploma, é explicitamente estipulado que "o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal", nada sendo dito quanto às prestações em dívida pelo obrigado a prestar alimentos. 5. A “ratio legis" dos diplomas que regulam o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores-FGADM, é a de assegurar as prestações de alimentos devidos a menores um mês após a notificação da decisão do tribunal, nos precisos termos do n.º 5, do art. 4.º, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, e não a de o Estado se substituir ao obrigado judicialmente à prestação alimentícia. 6. Existe, pois, uma delimitação temporal expressa que estabelece o momento a partir do qual o Fundo deve prestar alimentos ao menor necessitado. 7. A Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e o DL n.º 164/99, de 13 de Maio visam minorar os efeitos do incumprimento da obrigação de alimentos por parte do devedor e expressam a preocupação do Estado em assegurar aos menores os alimentos de que carecem, em função das condições actuais dos mesmos e do seu agregado familiar. 8. Não é prevista na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, nem no DL nº 164/99, de 13 de Maio, a responsabilidade do Estado-FGADM pelo pagamento de débitos acumulados pelo progenitor relapso. A admitir tal entendimento seria iludir o espírito da lei, abrindo a porta à desresponsabilização dos obrigados a prestar alimentos. 9. O que foi dito supra decorre do previsto no art. 9.º do CC, nos termos do qual "na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". 10. A prestação que recai sobre o Estado é, pois, uma prestação autónoma, que não visa substituir definitivamente a obrigação de alimentos do devedor, mas antes proporcionar aos menores a satisfação de uma necessidade actual de alimentos, que pode ser diversa da que determinou a primitiva prestação. 11. Não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação alimentar fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo. A primeira consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal; a última visa assegurar, no desenvolvimento da política social do Estado, a protecção do menor, proporcionando-lhe as necessárias condições de subsistência. 12. Não pode proceder-se à aplicação analógica do regime do artigo nº 2006.º do CC, dada a diversa natureza das prestações alimentares. 13. A decisão violou, assim, o n.º 5, do art. 4.º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio. Pede se revogue a decisão recorrida e se profira novo despacho que defina, como data a partir da qual deverá ser assegurada a prestação de alimentos pelo FGADM, a do mês seguinte à da notificação da decisão do tribunal. O Ministério Público contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação daquela decisão. Corridos os vistos, cumpre decidir. II. A questão a decidir consiste apenas em saber se a prestação mensal de alimentos a favor da menor, a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, abrange as prestações já vencidas e não pagas, mesmo anteriores à apresentação do pedido contra o Fundo de Garantia, como se entendeu na decisão recorrida, ou se apenas é devida a partir do mês seguinte à da notificação da decisão do incidente de incumprimento, como defende o recorrente. São já muito numerosas as decisões dos tribunais superiores sobre a questão do momento a partir do qual recai sobre o Fundo a obrigação de pagar a prestação de alimentos. E três correntes se têm perfilado. Uma sustenta que a condenação abrange apenas as prestações vencidas a partir do mês seguinte à data da notificação da decisão (de que são exemplo os muitos arestos citados pelo recorrente e, além de outros, o recente acórdão do STJ, de 6.7.2006, www.dgsi.pt, proc. 05B4278); outra, para quem o pagamento, embora só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão, reporta-se e abrange as prestações vencidas desde a data em que foi apresentado pedido contra o Fundo (neste sentido, Acs. RC, de 12.4.2005, proc. 265/05, e de 3.5.2006, proc. 805/06; da RG, de 1.6.2005, proc. 587/05-1 e de 11.2.2004, proc. 2269/03-2; da RE, de 30.3.2006, proc. 147/06-2, todos em www.dgsi.pt); e, uma terceira, que defende que o Fundo pode ser condenado a pagar as prestações acumuladas, já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos (neste sentido, Ac. da RL, de 12.7.2001 - confirmado pelo Ac. do STJ, de 31.1.2002 (revista nº 4160/01-2ª), e da mesma Relação, de 24.11.2005 e de 9.6.2005, www.dgsi.pt, procs. 9132/2005-6 e 3645/2005-8; da RC, de 15.11.2005, www.dgsi.pt, proc. 2710/05; da RP, de 25.10.2004, 21.9.2004 e 22.11.2004, www.dgsi.pt, procs. 0454340, 0453441 e 0455508; e desta mesma Relação, de 19.9.2002, este in CJ, 2002, IV, 180, relatado pelo ora também relator). A divergência de decisões tem ocorrido mesmo nesta Secção da Relação do Porto. O que – há que reconhecê-lo – em nada é prestigiante para os tribunais e não deixará de causar alguma perplexidade nos menos entendidos em assuntos de justiça. Entendeu-se, porém, agora, nesta Secção, após análise conjunta da questão, dever assumir-se uma posição consensual e uniforme, esta no sentido de que as prestações de alimentos são devidas desde a data da propositura do respectivo pedido contra o Estado (embora o respectivo pagamento só se inicie no mês seguinte ao da notificação da decisão que fixe a prestação mensal). Discorda-se, assim, do recorrente (e da corrente jurisprudencial em que se apoia) no ponto em que defende que existe uma delimitação temporal expressa – art. 4º, nº 5 do DL nº 164/99, de 13 de Maio - que estabelece o momento a partir do qual o Fundo deve prestar alimentos ao menor necessitado. Com efeito, a circunstância de aquele normativo estatuir que “o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal” não permite extrair um argumento decisivo a favor da exclusão das prestações alimentares anteriores. Aquele preceito não se reporta ao âmbito temporal das prestações; apenas regula o início do pagamento das prestações judicialmente fixadas. Não diz que as prestações somente são devidas pelo Fundo a partir de determinado momento; apenas prescreve que o pagamento se inicia no mês seguinte à notificação de decisão. Tal normativo não “baliza o momento em que nasce a obrigação do Fundo, sob o ponto de vista substancial, antes se reportando ao momento em que o CRSS está obrigado a cumprir a decisão do tribunal” (vd. Acs. da RP, de 30.5.2005 e de 21.9.2004, www.dgsi.pt, proc. 0552613 e 0453441). Tal norma apenas fixa, portanto, a data do início do pagamento das prestações. Ao fim e ao cabo, trata-se de uma norma de carácter essencialmente burocrático, dirigida aos serviços da segurança social, e que tem a ver com o processamento do pagamento das prestações. Afigura-se-nos, porém, que também a posição assumida pela primeira instância (no seguimento, de resto, da última corrente jurisprudencial supra citada) não será aquela que estará em consonância com a letra e o espírito dos diplomas legais que versam sobre a matéria – DL. nº 164/99 e Lei nº 75/98, de 19.11. Nos termos do art. 1º desta Lei, “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação. Por sua vez, o art. 2º da mesma Lei prescreve que “as prestações atribuídas nos termos do presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC (nº 1); e que, “para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor” (nº 2). Aquela prestação social não visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida a menor, antes propiciar uma prestação a forfait de um montante por regra equivalente, mas que pode ser menor, ao que fora fixado judicialmente (Remédios Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, p. 221). Reveste, como escreve o mesmo Autor (p. 222), natureza subsidiária, “visto que é seu pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no art. 189º da OTM”. Trata-se de uma prestação actual, independente ou autónoma da anteriormente fixada, em que esta constitui apenas um dos elementos a ponderar na fixação daquela. Saliente-se que, conforme dispõe o art. 2º, nº 2 citado, o tribunal deve atender, na fixação do montante (que não poderá exceder 4 UC por cada devedor), à capacidade económica do agregado familiar da pessoa a cuja guarda se encontre, ao montante da prestação de alimentos anteriormente fixada pelo tribunal e às necessidades específicas do menor. Pretendeu-se, através dos aludidos diplomas legais, instituir uma garantia de alimentos ao menor, deles carecido por incumprimento do progenitor a eles obrigado. Essa garantia traduz-se na fixação de uma prestação em função das condições actuais do menor e dos do seu agregado familiar, que pode ser diferente da anteriormente fixada (Ac. da RP, de 4.7.2002, www.dgsi.pt, proc. 0230657). Face ao que vem de se expor, afigura-se-nos que nas prestações a satisfazer pelo Fundo de Garantia não se incluem as prestações vencidas, mas não satisfeitas, anteriormente à formulação do pedido contra o Estado. Entendemos, porém, que a obrigação de prestação de alimentos que recai sobre o Fundo de Garantia deve abranger os alimentos que se vencerem desde a data em que, nos autos de incumprimento, for apresentado o requerimento a pedir que o tribunal fixe o montante a prestar pelo Estado, através do Fundo (art. 3º, nº 1 da Lei nº 75/98). Sendo a lei omissa sobre o momento a partir do qual as prestações alimentares são devidas, não encontramos razões para que, por analogia ou identidade de razão, não se deva adoptar o consignado no art. 2006º do CC: “os alimentos são devidos desde a proposição da acção (...)”. Estando o menor carenciado de alimentos, carência que existirá no momento em que o pedido contra o Estado é formulado, justifica-se plenamente que a obrigação de pagamento se reporte àquele momento. Sem embargo de, em casos justificados e urgentes, poder ser proferida decisão provisória sobre o montante a prestar pelo Estado (art. 3º, nº 3 da citada Lei), não se afigura curial ou justo que se, por qualquer motivo, tal decisão não for requerida ou proferida, mas, a final (o que, como é sabido, pode ocorrer muito tempo depois, pelas mais diversas vicissitudes processuais), se vier a concluir pela procedência do requerimento inicial e, consequentemente, a fixar uma prestação a cargo do Fundo, o menor não receba os alimentos vencidos desde a altura em que foi desencadeado o mecanismo de substituição do devedor previsto naquele diploma. A preocupação do legislador é a de conceder às crianças carecidas de alimentos o acesso a condições de subsistência mínimas. Justifica-se, por isso, que a obrigação de satisfação dessas necessidades se reporte ao momento em que é desencadeado o pedido para aquele efeito. Como se escreveu no Ac. da RE, de 30.3.06, www.dgsi.pt, proc. 147/06-2, “recusar-se ao menor o pagamento de dívidas alimentares vencidas, pelo menos desde o pedido de apoio, seria recusar-lhes um direito social derivado, com matriz constitucional relacionado com direitos fundamentais”. Pelo exposto, e revendo-se anterior posição, concluímos que as prestações a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos são devidas desde a data de apresentação do respectivo pedido contra o Estado. III. Nestes termos, concedendo-se parcial provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida na parte em que condenou o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores a suportar as prestações vencidas desde Abril de 2005 e não pagas pela progenitora da menor, ficando aquele, porém, obrigado a pagar a prestação mensal que lhe foi fixada desde a data da instauração do presente incidente de incumprimento. Sem custas. Porto, 14 de Dezembro de 2006 Estevão Vaz Saleiro de Abreu Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos Gonçalo Xavier Silvano |