Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0712507
Nº Convencional: JTRP00040507
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: AMPLIAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Nº do Documento: RP200707090712507
Data do Acordão: 07/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 94 - FLS 127.
Área Temática: .
Sumário: O art. 684º-A do CPC, sob a epígrafe, “ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido” permite o conhecimento, pelo tribunal de recurso, do fundamento da acção ou da defesa em que a parte vencedora decaiu (n.º 1), bem como da nulidade da sentença ou da impugnação da matéria de facto (nº 2), desde que o recorrido formule tal pretensão na respectiva alegação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B………. veio requerer no Tribunal do Trabalho de Lamego, a suspensão do despedimento que lhe foi comunicado no dia 15.1.2007 pela sua entidade patronal, a C………., alegando a nulidade do processo disciplinar e a inexistência de justa causa.
Foi proferida decisão a decretar a suspensão do despedimento.
Inconformada com tal despacho veio a requerida recorrer pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que julgue improcedente a suspensão do despedimento, concluindo nos seguintes termos:
1. A Mma. Juiz a quo não avaliou convenientemente todos os elementos constantes do processo disciplinar, nem tão pouco conseguiu retirar desse processo os pontos relevantes e de interesse para uma boa decisão.
2. Com efeito, não se vislumbra nenhuma razão para que a Mma. Juiz a quo veja no processo em causa uma probabilidade séria de insuficiência de prova quanto aos factos que constituem a acusação.
3. Os pressupostos apresentados pelo Tribunal a quo não são aceitáveis porque omitem factos que vêm relacionados na nota de culpa e que aparentemente não foram tidos em conta na decisão tomada.
4. È o caso da concretização dos factos que puseram em causa a honestidade da DT., superiora hierárquica da arguida.
5. Nomeadamente, que “assistiu a um abastecimento de € 10,00 de combustível e solicitou uma factura de € 20,00 com o intuito de haver para si indevidamente mais € 10,00”, “ que a DT levou guarda sóis do D………. para sua casa, bem como arroz”.
6. Acusações essas feitas de um modo agressivo e intencional, com o propósito de colocar a sua superior hierárquica numa situação complicada, dado terem sido efectuada na frente do presidente da instituição.
7. Tal situação é gravíssima mas não teve qualquer relevância para a Mma. Juiz a quo.
8. Porém, outras acusações foram efectuadas na nota de culpa, com uma gravidade extrema, mas que para o Tribunal a quo pouco ou nada tem de importante, pelo menos que implicassem um despedimento.
9. È o caso do tom de voz alto e agressivo, caracterizado na nota de culpa como “altos berros”, que apesar de por diversas vezes ter sido alertada pelo presidente da instituição para moderar tais modos, não o fez, continuando tal desplante.
10. Como consequência criou uma situação de alarido e desestabilização no interior da instituição, que levou à deslocação de alguns funcionários ao local para aferição do sucedido.
11. E demonstrou um completo desrespeito pelos seus superiores hierárquicos ao não obedecer às ordens por eles emanadas, pondo em causa perante mais de 4 funcionários a autoridade dos mesmos.
12. Logo, existirem razões mais que suficientes para promover o despedimento da arguida, como veio a acontecer.
13. E as imputações feitas na nota de culpa não contêm menções genéricas tendo as mesmas sido bem entendidas pela arguida que das mesmas se defendeu.
14. A nota de culpa cumpre com todos os requisitos legais.
A requerente veio contra alegar pedindo a manutenção do despacho recorrido e também, ao abrigo do disposto no art.684º-A do CPC., arguir a nulidade da decisão por falta de pronúncia quanto à invocada nulidade do processo disciplinar, concluindo nos seguintes termos:
1. O procedimento disciplinar movido à recorrida é inválido nos termos do disposto no art.430º nº2 al.b) do CT., porquanto a nota de culpa é vaga, genérica e imprecisa, não contendo a descrição circunstanciada dos facto como prescreve o art.411º do CT..
2. È também inválido porque o Instrutor do Processo em vez de realizar as diligências referidas na resposta à nota de culpa, procedeu à inquirição de sete testemunhas, sem a presença da recorrida e do seu mandatário, como havia sido requerido na resposta, violando, assim, o disposto no art.414º do CT e o princípio do contraditório e da verdade.
3. O procedimento disciplinar é ainda inválido porque o Instrutor não facultou no prazo concedido para a apresentação da resposta à nota de culpa a consulta do processo disciplinar à recorrida, mas apenas parte do mesmo, constituído pela nota de culpa e por uma declaração/abaixo assinado, quando para além dessas peças, a acusação continha também as declarações de mais sete testemunhas, violando, assim, o art.413º do CT..
4. O processo disciplinar é ainda inválido porque o Instrutor impediu a presença da recorrida na inquirição das testemunhas arroladas, o que viola o princípio do contraditório.
5. O processo disciplinar é ainda inválido porque o Instrutor deu como provados factos com base em depoimentos de testemunhas que, lidos, logo se conclui que não podem contribuir para tal.
O despacho recorrido foi sustentado.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do agravo e pela nulidade do processo disciplinar (no caso de o agravo proceder).
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Matéria dada como provada pelo Tribunal a quo.
1. A requerente foi admitida ao serviço da requerida em 1.9.2003 para exercer e, exercendo actualmente as funções de educadora de infância coordenadora no D………., sob a direcção, autoridade e no interesse da requerida, até 15.1.2007, data em que foi despedida.
2. A requerida instaurou em 24.11.2006 processo disciplinar contra a requerente, tendo-lhe enviado a nota de culpa junta a fls.4 e seguintes dos autos apensos, cujo teor e conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
3. A requerente respondeu à nota de culpa, por carta enviada à requerida em 8.12.2006, como melhor consta a fls.10-A e seguintes, do apenso, cujo teor e conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
4. Por carta datada de 15.1.2007 a requerida notificou a requerente da decisão proferida a fls.83 e seguintes do apenso, onde lhe aplica a sanção disciplinar de despedimento, com justa causa, pelos fundamentos aí constantes, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
A matéria assente, para além de remeter, na sua maioria, para as peças que constituem o processo disciplinar, é insuficiente para o conhecimento do presente recurso.
Assim, e porque a prova a ter em conta é tão só documental, importa ainda considerar, e dar como provados, os seguintes factos:
5. Com a data de 22.11.2006 a requerida entregou à requerente B………. nota de culpa, que esta recebeu em 23.11.2006, imputando-lhe a prática dos seguintes factos: “No dia 15 de Novembro de 2006, por volta das 10.30 horas, e sem que tenha sido solicitada a sua presença, V. Exa. entrou no gabinete da Directora Técnica, senhora Dra. E………., que se encontrava em reunião com o presidente da Direcção, senhor F………. . Dirigindo-se com alguma aspereza à DT (Directora Técnica), colocou-lhe um problema relacionado com o funcionamento do D………. . Partiu daí, V. Exa., para insinuações e acusações graves dirigidas à senhora DT, sua superior hierárquica, pondo em causa a sua honestidade. Referiu, por exemplo: que assistiu a um abastecimento de 10,00 euros de combustível na viatura pessoal da DT., tendo esta solicitado uma factura de 20,00 euros, com o óbvio objectivo de receber do D………. o pagamento posterior de 10,00 euros a mais do que lhe seria devido por utilizar viatura própria em serviço da instituição. Que a DT levou guarda-sóis do D………. para sua casa, aquando da comunhão da sua filha. Que já tinha visto a DT levar para sua casa arroz do D………. . Ainda e sempre em altos berros ameaçou com a divulgação de outros factos imputáveis à DT, que se fosse necessário diria. Apesar de instada várias vezes pelo presidente da Direcção a baixar o tom de voz, não o fez, demonstrando uma total falta de respeito pelo seu, também, superior hierárquico. A páginas tantas e sempre no mesmo tom exaltado passou a contestar o organigrama que foi definido pela Direcção para o regular funcionamento do D………., revelando uma total falta de respeito pelas decisões desta Direcção. O tom de voz, alto e agressivo, usado por V. Exa., e o facto de ter escancarado a porta do gabinete, provocou uma situação de alarme e escândalo, que levou ao aparecimento de variados trabalhadores do D………., designadamente G………., H………., I………., J………. e K………., que testemunharam o que se passou. Este acontecimento foi, aliás, o culminar de uma série de situações que despoletou uma onda de descontentamento na maior parte desses trabalhadores, e que, por força disso, no mesmo dia fizeram circular uma DECLARAÇÃO/ABAIXO ASSINADO, que foi subscrito por vinte e três dos aludidos trabalhadores, por duas estagiárias e uma voluntária, cujo conteúdo parece deixar transparecer o quanto a presença de V. Exa., será indesejável e perniciosa ao regular funcionamento do referido K……….”.
6. Com a nota de culpa encontra-se junto um documento denominado DECLARAÇÂO/ABAIXO ASSINADO, com a data de 15.11.2006.
7. Com a data de 27.11.2006 o mandatário da trabalhadora/arguida dirigiu à requerida missiva do seguinte teor: “ mandatado pela m/constituinte em refª (doc.1), e ao abrigo do disposto no art.413º do Cód. do Trabalho, sou a informá-los que me irei deslocar a esse D………., amanhã, 3ª feira, 28 de Novembro, pelas 15 horas, afim de consultar o processo disciplinar instaurado à m/ constituinte em refª. Dada a exiguidade do prazo legalmente conferido para a apresentação da defesa, solicito-lhes que o processo esteja disponível para a consulta e me não sejam colocados quaisquer obstáculos ao exercício do mandato que me foi conferido”.
8. Nessa missiva, no canto superior direito, e com a data de 28.11.2006, foi exarado pelo instrutor do processo disciplinar o seguinte: “Fui informado pelo Sr. Presidente da C………. que a visita se concretizou, e que foram facultados ao Sr. Advogado, todos os elementos do procº (até então): os referidos sob fls. 3, 4,5 e 6”.
9. Os elementos indicados a fls.3, 4, 5 e 6 do processo disciplinar são a nota de culpa e o documento DECLARAÇÃO/ABAIXO ASSINADO.
10. A requerente em 8.12.2006 apresentou resposta à nota de culpa arguindo a sua nulidade por não observância do disposto no art.411º nº1, parte final, do CT., e negando a prática dos factos. Com a resposta arrolou 10 testemunhas e requereu a inquirição das mesmas com a presença do seu mandatário. Juntou também três documentos.
11. No dia 12.12.2006 foi designado o dia 15.12.2006 para inquirição das testemunhas G………., H………., I………., J………. e K………. .
12. No dia 11.12.2006 foram tomadas declarações a E………. quanto aos factos constantes da nota de culpa.
13. No dia 12.12.2006 foram tomadas declarações a F………. quanto aos factos constantes da nota de culpa.
14. Com a data de 15.12.2006 a requerida fez chegar ao conhecimento do mandatário da trabalhadora /arguida carta onde lhe comunicava que foi designado os dias 20 e 21 de Dezembro para proceder à audição das testemunhas arroladas na nota de culpa.
15. No dia 15.12.2006 foram tomadas declarações a G………., I………., J………., K………. e H………. quanto aos factos constantes da nota de culpa.
16. No dia 20.12.2006, e na presença do mandatário da trabalhadora/arguida, foram tomadas declarações a G………., K………., J………., H………. e L………. quanto aos factos constantes da resposta à nota de culpa.
17. No dia 21.12.2006, e na presença do mandatário da trabalhadora/arguida, foram tomadas declarações a M………., N………., O………. e P………. quanto aos factos constantes da resposta à nota de culpa.
18. No final das inquirições ocorridas no dia 21.12.2006 o mandatário da trabalhadora/arguida fez o seguinte requerimento: “tendo-me sido dado agora conhecimento de que após a dedução da nota de culpa forma inquiridas testemunhas não arroladas na resposta àquela e a matéria nela não indicada, requer-se nos seja dado conhecimento de tais depoimentos uma vez que, consultado o processo disciplinar após a notificação da nota de culpa aquele era apenas constituído pela nota de culpa e “Declaração/Abaixo assinado” com data de 15 de Novembro”.
19. O Instrutor do Processo, de imediato, entregou cópias contendo as declarações referidas em 11,12, 14,15 e 16.
20. Ainda nesse mesmo dia o mandatário da trabalhadora/arguida fez entrega de requerimento onde, e após ter tomado conhecimento das declarações referidas em 18, arguiu a nulidade do processo disciplinar.
21. No dia 5.1.2007, e na presença do seu mandatário, foram tomadas declarações à trabalhadora/arguida.
22. Em 10.1.2007 a requerida proferiu decisão de despedimento imputando à requerente os seguintes factos: 1. No dia 15.11.2006, pelas 10.30 no Gabinete da Directora Técnica do D………. decorria uma reunião de trabalho entre o Presidente da Direcção da C………., F………. e a DT do D………. - E………. . 2. Inesperadamente, sem se fazer anunciar, e tendo deixado atrás de si escancarada a porta, entrou naquele gabinete a arguida B………. . 3. A arguida, dirigindo-se com aspereza e em altos berros à DT questionou-a sobre um problema relacionado com o funcionamento do D………. .4. Na sequência, dirigiu as seguintes acusações à DT, pondo em causa a sua honestidade: 4.1 Em data que não precisou, disse ter assistido a um abastecimento de 10€ de combustível na viatura pessoal da DT, tendo esta solicitado uma factura de 20€ com o objectivo de receber mais 10€ do que o que lhe seria devido. 4.2 A DT levara para sua casa guarda-sóis do D………. aquando da comunhão da sua filha. 4.3 Que tinha visto, não precisando quando, a DT levar para sua casa arroz do D………. . 4.4 Ameaçou com a divulgação de outros factos imputáveis à DT. 4.5 Por várias vezes foi a arguida instada pelo Presidente da Direcção da C………. a baixar o tom de voz o que nunca acatou. 4.6 Em dado momento sempre em tom exaltado contestou o organigrama que foi definido pela Direcção para o regular funcionamento do D………. .4.7 Em todo o desenrolar dos factos usou a arguida de um tom de voz alto e agressivo que provocou uma situação de algum alarme e escândalo.
* * *
III
Questão a apreciar.
Da probabilidade séria de inexistência de justa causa de despedimento.
A Mma. Juiz a quo concluiu que “não se mostra provável a séria verificação de justa causa, porque, quanto a nós, não são imputados quaisquer factos concretos à requerente e, os que, pese embora de modo genérico a requerida lhe imputa, não são susceptíveis, ou pelo menos não existe uma probabilidade séria da efectivação de prova suficiente, de que tais factos, a terem sido cometidos, pudessem integrar justa causa do despedimento de que a requerente foi alvo”.
A agravante defende que a nota de culpa contem factos concretos que permitem concluir pela probabilidade séria de existência de justa causa para despedir.
Analisemos então.
Determina o art. 39 nº1 do CPT que a suspensão do despedimento é decretada se o Tribunal ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.
Como providência cautelar que é a apreciação do pedido de suspensão do despedimento «bastar-se-á com os elementos indispensáveis ao estabelecimento de uma convicção provisória, em termos de «probabilidade», «aparência» ou «verosimilhança», sobre a licitude do despedimento»... «Mas é, naturalmente, a «aparência» de justa causa que se trata sobretudo de determinar; e essa aparência ou «probabilidade séria», como diz a lei, não pode implicar uma rigorosa determinação dos factores «culpabilidade» e «gravidade», como se de um juízo definitivo se tratasse. O juízo de mérito poderá, inclusivamente, bastar-se com a verificação do preenchimento de um tipo de conduta que a lei enumera» - M. Fernandes, Direito do Trabalho, 7ª edição, pgs.482 e 483.
Assim, para se analisar o pressuposto em questão, há, porém, que ter em conta que «o Tribunal não tem de se pronunciar sobre se existe, ou não, causa de despedimento, mas formular somente um juízo de probabilidade, segundo os dados fornecidos, sobre se os factos atribuídos ao trabalhador são, ou não, susceptíveis de vir a integrar justa causa de despedimento. Não há pois que fazer uma apreciação minuciosa das circunstâncias que justifiquem a impugnação do despedimento, mas apenas emitir um juízo de probabilidade»... – Despedimentos, de Carlos Alb. M. Antunes e Amadeu Guerra, p.172.
Por isso, o Juiz, ao apreciar o pedido de suspensão do despedimento, ainda que de forma sumária, deverá ter em conta precisamente os factos que suportam e baseiam o despedimento decretado, analisando-os, no sentido de concluir, ou não, ainda que provisoriamente pela existência de justa causa. E é através da análise dos factos imputados na decisão final que o Tribunal pode avaliar da dita «probabilidade», nomeadamente, se os mesmos constituem infracção aos deveres profissionais, ou, nas circunstâncias em que ocorreram não podem preencher o requisito de justa causa previsto no art.396º nº1 do CT..
Face à matéria dada como assente podemos afirmar que a nota de culpa e a decisão final contêm algumas afirmações/imputações genéricas (e que deixamos referido em itálico). Porém, também é certo que aí existem factos, precisamente os que deixamos consignados.
Por isso, não pudemos sufragar a decisão recorrida quando afirma que não são imputados à requerente factos concretos.
E através dos elementos constantes do processo disciplinar, nomeadamente da decisão final – e indicados no § II do presente acórdão -, há que concluir que existem indícios sérios dos comportamentos culposos atribuídos à requerente, consubstanciados na violação do dever de respeito e de urbanidade perante os seus superiores hierárquicos – art.121º nº1 al.a) do CT -, e da imputação à sua superior hierárquica da prática de furtos dentro da empresa – art.396º nº2 al.i) do CT..
E tais comportamentos revelam a probabilidade séria de existência de justa causa, a determinar que o rompimento do vínculo laboral assenta em causa legítima, e por isso, não se verifica o pressuposto para decretar a suspensão do despedimento.
* * *
IV
Da ampliação do recurso.
Sobre a epígrafe “ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido” dispõe o art.684º-A nº1 do CPC., que “no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o Tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”, acrescentando o nº2 que “pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este solicitadas”.
Prevenindo a hipótese de o recurso proceder a trabalhadora veio defender que a providência cautelar procede, ainda que por fundamentos diversos, que invocou, e que o Tribunal a quo não conheceu. Assim sendo, passaremos a apreciar a questão colocada pela recorrida/trabalhadora, qual seja a nulidade da sentença por não conhecimento do fundamento que invocou: a invalidade do processo disciplinar.
A. Da nulidade do despacho recorrido.
A requerente veio arguir a nulidade da decisão recorrida por a mesma não ter tomado conhecimento da invocada nulidade do processo disciplinar.
E na verdade a decisão proferida pelo Tribunal a quo é omissa quanto a tal questão, a determinar a sua nulidade nos termos do disposto nos arts.668º nº1 al.d) 1ªparte, e 666º nº3, ambos do CPC..
E porque os autos fornecem todos os elementos este Tribunal vai de seguida conhecer da invocada nulidade atento o disposto no art.715º do CPC..
B. Da nulidade do processo disciplinar.
A nota de culpa – art.411º nº1 última parte do CT..
Conforme já referimos anteriormente a nota de culpa não contém apenas uma descrição genérica e vaga do circunstancialismo imputado à trabalhadora. Alguns factos existem, sendo certo que a trabalhadora /arguida compreendeu o alcance da acusação que lhe foi feita e dela se defendeu por escrito.
E se assim é, não podemos concluir, como pretende a trabalhadora, pela invalidade do procedimento disciplinar nos termos prescritos no art.430º nº2 al.a) última parte do CT..
A violação do princípio do contraditório.
Diz a trabalhadora que o instrutor do processo em vez de realizar as diligências requeridas na resposta à nota de culpa, procedeu à inquirição de sete testemunhas, algumas não arroladas pela recorrida, e tanto estas como as que foram indicadas na defesa foram ouvidas à matéria da acusação (e não à matéria da defesa), e sem a sua presença e do seu mandatário, como tinha sido requerido, violando o disposto no art.414º do CT.. Mais refere que quando consultou o processo disciplinar apenas existia no mesmo a nota de culpa e o documento anexo, e foi nesse proposto que elaborou a sua defesa, sendo que tendo a sua entidade patronal procedido, posteriormente, à inquirição de testemunhas não lhe deu conhecimento de tais diligências em clara violação do disposto no art.413º do CT.. Que dizer?
Nos termos do disposto no art.413º do CT., “o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade”.
O direito do trabalhador à consulta do processo disciplinar destina-se a assegurar-lhe o conhecimento dos elementos que fundamentaram a nota de culpa, nomeadamente dar-lhe a possibilidade de “infirmar”, na resposta à nota de culpa, a prova já produzida. Serve também a referida consulta para o trabalhador “enquadrar” e “preparar” a resposta à nota de culpa.
E necessariamente que a postura do trabalhador é diferente quando através da dita consulta verifica que não existe qualquer depoimento, ou outra prova, a sustentar a nota de culpa, já que o ónus da prova não recai sobre ele mas sobre a entidade patronal (esta tem de provar os factos que sustentam a acusação).
Ora, da matéria provada resulta que quando a trabalhadora/arguida procedeu à consulta do processo disciplinar (através do seu mandatário), os únicos elementos que dele constavam era a nota de culpa e um documento anexo à mesma, sendo certo que a inquirição das testemunhas de acusação só ocorreu em momento posterior à consulta e à apresentação da resposta à nota de culpa.
Tal significa que a entidade patronal inverteu a ordem natural das coisas: primeiro acusou e só mais tarde é que recolheu “a prova” para sustentar a acusação, prova que em parte tinha também sido indicada pela trabalhadora na resposta à nota de culpa (no caso existiam testemunhas comuns à acusação e à defesa). Tal comportamento por parte da requerida permite-nos concluir que a trabalhadora foi totalmente surpreendida com elementos que à data da consulta e da elaboração da resposta à nota de culpa não existiam, e com os quais obviamente não podia contar para “estruturar” e “organizar” a sua defesa. Por tais razões, violou o empregador o princípio do contraditório previsto no art.413º do CT., tornando o procedimento disciplinar inválido nos termos do art.430º nº2 al.b) do CT.
E a invalidade do procedimento disciplinar determina a suspensão do despedimento atento o disposto no art.39º nº1 do CPT..
Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento dos demais vícios do procedimento disciplinar invocados pela trabalhadora em sede de “ampliação” de recurso.
* * *
Termos em que
1. Se concede provimento ao agravo e se revoga o despacho recorrido que decretou a suspensão do despedimento com fundamento na existência de probabilidade séria de inexistência de justa causa.
2. Se declara o despacho recorrido nulo.
3. Se determina a suspensão do despedimento declarado pela requerida à requerente com fundamento na invalidade do procedimento disciplinar (art.430º nº2 al.b) do CT.).
* * *
Custas a cargo da requerida (entidade patronal).
* * *

Porto, 9 de Julho de 2007
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais