Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00037768 | ||
| Relator: | MARQUES DE CASTILHO | ||
| Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS HIPOTECA LEGAL PRIVILÉGIO CREDITÓRIO DÍVIDA ESTADO | ||
| Nº do Documento: | RP200503010420115 | ||
| Data do Acordão: | 03/01/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A referência aos "privilégios creditórios" contida no artigo 152 do CPEREF abrange não só tais garantias stricto sensu consideradas, mas igualmente outras garantias, nomeadamente a hipoteca legal, cujas afinidades com aquelas são manifestas. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto Relatório Nos autos de recuperação de empresa foi por sentença de 2/8/02, transitada em julgado, decretada a falência de B....., Ldª., já melhor identificada com os sinais dos autos e fixado para a reclamação de créditos o prazo de 30 dias, contado a partir da última publicação do anúncio no Diário da República III Série nº206 em 6/9/02. Foram apresentadas as seguintes reclamações de créditos que se passam a indicar: I – Créditos reclamados nos termos do nº1 do artigo 188° do Código Processos Especiais de Recuperação de Empresas e Falência que doravante será designado pela sigla - CPEREF 1) C....., Ldª reclamou o crédito de 4.775,48 €, proveniente de transacções comerciais. 2) D....., S.A. reclamou o crédito de 42.808,38 €, proveniente de transacções comerciais. 3) Banco E....., S. A. reclamou o crédito de 1.483,74 €, proveniente de actos comerciais. 4) F.....,. Ldª reclamou o crédito de 194.930,22 €, proveniente de acto comercial - que detém hipoteca sobre o imóvel apreendido para a massa falida. 5) G....., Ldª reclamou o crédito de 758,06 €, proveniente de transacções comerciais. 6) H....., S.A. reclamou o crédito de 52.538,94 €, proveniente de transacções comerciais. 7) O credor Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, sucessor do Centro Regional de Segurança Social, veio reclamar o seu crédito de 63.557,10 €, sendo 55.301,04 € por dívida de contribuições respeitantes aos meses de Dezembro de 2000 a Novembro de 2001; e 8.256,04 € por dívida de juros de mora vencidos até Agosto de 2002. Deste crédito alega beneficiarem do disposto no artigo 152° do CPEREF 11.385,69 €, acrescidos de juros de mora vencidos até Agosto de 2002, no montante de 1.150,88 €, e encontrar-se garantida por hipoteca legal, num montante máximo de 35.016,25 €, a dívida de contribuições dos meses de Dezembro de 2000 a Junho de 2001, no montante de 31.999 ,76 € e respectivos juros de mora vencidos até Dezembro de 2001, no valor de 3.016,49 €. 8) I....., reclamou o crédito de 24.939,90 €, relativo a acta comercial. 9) I..... reclamou o crédito laboral de 8.753,85 €. 10) J..... reclamou o crédito laboral de 6.743,70 €.. 11) Vieram os credores K....., L....., M....., N....., P....., Q....., R....., S....., T....., U....., V....., W....., X....., Z....., Y....., AB..... e AC....., reclamar os seus créditos laborais nos valores de 19.069,04 €, 26.485,17 €,. 24.180,68 €, 18.578,18 €, 7.156,15 €, 10.198,51 €, 9.039,21 €, 7.743,60 €, 26.670,68 €, 6.076,89 €, 13.466,60 €, 23.853,28 €, 4,705,95 €, 11.860,90€, 5.627,40€, 14.193,26€e 5.627,40€, respectivamente. 12) AE.....; Ldª, reclamou o crédito de 22.105,05 €, proveniente de transacções comerciais. 13) AF....., reclamou o seu crédito de 7.980,80 €, relativo à sua remuneração enquanto gestor judicial. 14) AG...... (AG.....) Fábrica de Calçado reclamou o seu crédito de 1.955,79 € proveniente de transacções comerciais. 15) A credora AH....., com estabelecimento em....., reclamar o seu crédito de 9.098,44 €, proveniente de transacções comerciais. II - Créditos reclamados nos termos do n°4 do artigo 188° do CPEREF 1) da credora AI....., S.A., no valor de 28.809,35 € relativo a fornecimentos; 2) do credor AJ....., no valor de 28.764,58 €, relativo a fornecimentos; 3) da credora AL....., Ldª, no valor de 121,57 € relativo a serviços; 4) da credora Banco AM....., S.A., no valor de 7.624,03 €, relativo a financiamentos . 5) da credora Banco AN....., S.A., no valor de 6.723,68 €, relativo a financiamentos; Na lista de créditos não reclamados de existência provável apresentada a fls. 171, pelo Exmº Liquidatário, encontram-se os seguintes créditos: - do credor AP....., - do credor AQ....., - do credor AR....., - do credor AS....., - do credor AT..... todos relativos a remunerações, mas sem indicação dos respectivos valores. Somente o credor AR....., veio reclamar o seu crédito no valor de 3.135,70 €, relativo a remuneração (beneficiando da interrupção do prazo em curso, por ter requerido apoio judiciário). Notificado para o efeito, pronunciou-se o Exm.º Liquidatário no sentido do seu reconhecimento (fls. 243). III - Créditos reclamados nos termos do n° 1 do artigo 205° do CPEREF: Por apenso ao processo principal veio o Ministério Público no processo n° ..-D/2001, reclamar o crédito no valor de 174,59 €, por custas, tendo sido nesta data proferida sentença a reconhecer este crédito. Findo o prazo para a reclamação apresentou o Liquidatário a relação dos créditos reclamados de acordo com o disposto no artigo 191 ° do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência aprovado pelo DL n°132/93, de 23 de Abril, alterado pelo DL n°315/98, de 20 de Outubro (adiante designado abreviadamente por CPEREF) e a relação de créditos não reclamados de existência provável. Foi apresentada relação de créditos não reclamados de existência provável. Não foi apresentada qualquer contestação dos créditos nos termos do artigo 192° do CPEREF. A fls. 198 e sgts. do apenso de reclamação de créditos foi emitido pelo Liquidatário o parecer previsto no artigo 195° do CPEREF no qual fundamentando pronuncia-se sobre os créditos reclamados, considerando que deverão ser reconhecidos na totalidade. Não foi junto aos autos parecer da Comissão de Credores. Posteriormente e já fora do prazo legal vieram H....., S.A. e G....., Ldª, membros da Comissão de Credores, dar parecer negativo ao crédito de F....., alegando não lhes terem sido “exibidos documentos bastantes para suportar a existência do crédito que foi garantido por hipoteca” (fls. 248 e 249). Para a massa falida foram apreendidos bens móveis e um imóvel. Nenhum dos créditos reclamados sofreu impugnação tempestiva. Tendo relativamente ao crédito garantido por hipoteca, a impugnação sido apresentada fora do prazo, pelo que não foi considerada de harmonia com o artigo 195° e seguintes Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência pelo que foram reconhecidos como tal. Foi proferida decisão relativamente à graduação dos referidos créditos na qual se fixou o seguinte que para melhor compreensão expositiva se passa a reproduzir: “I) Sobre o produto do bem imóvel Em primeiro lugar o crédito de "F...... Ldª", no montante de 194.930,22 €, que beneficia de hipoteca voluntária sobre o imóvel, conforme artigo 686°, n° 1 do Código Civil. Em segundo lugar e rateadamente os créditos acima indicados sob os nos 9, 10, 11, bem como o crédito do credor AR....., no valor de 3.135,70 E, os quais, por se tratarem de créditos emergentes de contratos de trabalho, gozam de privilégio imobiliário geral. Em terceiro lugar o crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, vencido durante o processo de recuperação de empresa e de falência, que beneficiando do disposto no artigo l52° do CPEREF, mantém o privilégio imobiliário geral, no valor de 11.385,69 euros, e juros de mora até Agosto de 2002 no montante de 1.150,88€; Em quarto lugar e rateadamente todos os demais créditos (entre os quais se incluem os créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que não beneficiam do disposto na última parte do artigo 152° e de F....., Lda. que excedesse o limite da hipoteca voluntária). II) Sobre o produto dos demais bens (móveis) Em primeiro lugar e rateadamente os créditos acima indicados sob os nºs os nºs 9, 10,11, bem como o crédito do credor AR....., no valor de 3.135,70 euros, os quais, por se tratarem de créditos emergentes de contratos de trabalho, gozam de privilégio mobiliário geral. Em segundo lugar o crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social vencido durante o processo de recuperação de empresa e de falência, que beneficiando do disposto no artigo 152° do CPEREF, mantém o privilégio mobiliário geral, no valor de 11.385,69€, e juros de mora até Agosto de 2002 no montante de 1.150,88€; Em terceiro lugar e rateadamente todos os demais créditos (entre os quais se incluem os créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que não beneficiam do disposto na última parte do artigo 152° e da credora " F....., Lda", se para pagamento do seu crédito não tiver sido suficiente o valor garantido pela hipoteca). Saem precípuas as custas da falência, todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida e as despesas de liquidação, nos termos do disposto no artigo 208º do CPEREF Inconformado com a decisão assim proferida veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de....., Instituto Público, sucessor do Centro Regional de Segurança Social do Centro, Serviço Sub-Regional de..... interpor tempestivamente o presente recurso tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que se passa a reproduzir.: 1. O Apelante viu o seu crédito graduado como comum através de despacho de verificação e graduação de créditos proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de....., invocando para o efeito o art.º152 do C.P.E.R.E.F. 2. Tal fundamentação legal é aplicável tão somente aos privilégios creditórios, privilégios estes que se extinguem, passando os respectivos créditos a ser exigidos como comuns, com as limitações decorrentes da parte final do art.º152.º do CPEREF. 3. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de..... reclamou os seus créditos no montante total de 63.557, 10 E, sendo 55.301,04 E de contribuições não pagas declaradas nas folhas de remunerações respeitantes aos meses de Dezembro de 2000 a Novembro de 2001, e respectivos juros de mora vencidos até Agosto/2002, no montante de 8.256,04 €. 4. Tendo invocado a excepção da última parte do art.º152.º. 5. E, ainda, hipoteca legal, que constituiu e que foi registada pela Ap.03/08042002, para garantia da divida de contribuições e juros vencidos referente aos meses de Dezembro de 2000 a Junho de 2001, no valor de 31.999, 76 €, respeitante a contribuições, e no valor de 3.016,49 E respeitante a juros de mora vencidos até Dezembro de 2001, num montante máximo de 35.016,25 E, sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de....., com a descrição predial n.º 00774/11 0288,conforme se prova pela certidão da referida Conservatória, anexa como documento 4, à reclamação supra citada. 6. Deve, por isso, ser graduado como privilegiado o crédito do apelante pelo produto da liquidação do imóvel supra identificado, uma vez que apenas se extinguem os privilégios creditórios de acordo com o art.º152 do C.P.E.R.E.F.. 7. Foram por isso violados os artigos 686°, 687°,705° e 708° do Código Civil, uma vez que as hipotecas legais constituídas, tem como finalidade a protecção dos credores hipotecários e a possibilidade de ser pago pelo produto ou valor de certos bens imóveis. 8. Bem como foi dada ao art.º152° do CPEREF uma interpretação manifestamente "contra legem". 9. Devendo assim, ser rectificado o despacho de verificação e graduação de créditos, graduando-se o crédito do apelante como privilegiado no lugar competente. 10. Pelo que, pelo produto do bem imóvel apreendido para a massa falida e, atendendo à não aplicação do regime do art. 152º do C.P.E.R.E.F. à hipoteca legal, nos termos expostos, deverá graduar-se a hipoteca legal constituída pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de....., pelo produto da liquidação do imóvel supra identificado, como crédito privilegiado no lugar que lhe competir tendo em atenção o disposto na lei 17/86 de 12.º da lei 17/86, de 14/06, com a redacção dada pela lei 96/2001 de 20 de Agosto e na legislação civil, bem como ainda a consideração do crédito do ora apelante reclamado nos termos do art.º 152.º do CPEREF. 11. Assim sendo, em relação ao produto do bem imóvel, deverá o crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ser graduado em segundo lugar, ao abrigo da excepção da segunda parte do ano 152.º do C.P.E.RE.F.. pelo valor de 12.536.60 euros. 12. Devendo ser graduado, considerando-se o princípio da prioridade de registo, em terceiro ou em quarto lugar, tendo em conta a hipoteca do credor F....., L.da, uma vez que o crédito do IGFSS, no valor de 35.016,25 E, respeitante ao período de Dezembro de 2000 a Junho de 2001 e juros até Dezembro de 2001, se encontra protegido por hipoteca legal registada. 13. e, logo após, a parte remanescente do crédito a par dos restantes créditos comuns, rateadamente, se necessário. 14. Operando-se desta forma, as regras gerais das garantias. 15. Uma vez que, extinguir as hipotecas legais, nos termos em que o fez a sentença recorrida, seria desvirtuar o instituto prescrito no Código Civil, mais concretamente o disposto no art.ºs 686.º, 704.º, 705.º e 708.º. 16. Além de que, salvo melhor opinião, não parece que a omissão no art. 152° CPEREF, seja de todo inócua nem tão pouco se resuma a um mero esquecimento do legislador. 17. Ter-se-á de ponderar o incontornável elemento literal da norma 152º do CPEREF, buscar a "ratio legis", pois que, sendo diferentes os universos de ambas as garantias - privilégios creditórios e hipoteca legal - apesar de ambas resultarem da lei (cfr. Arts. 704°, 705.º e 733 e seguintes do CC) se o legislador pretendesse tratá-las da mesma forma (extinguindo ambas as garantias) tê-lo-ia dito expressamente, e não o fez, prevendo apenas a extinção dos privilégios creditórios ( com a excepção da parte final do art. 152.º). 18. "A lei é bem clara: escreveu-se "privilégios creditórios"! 19. Parece, de todo, inconcebível que o legislador não distinga privilégio creditório e hipoteca legal! 20. Tem de presumir-se que ele se sabe exprimir com correcção - artigo 9.º, n.º 3 do CC -designadamente quando usa expressões da técnica jurídica". - cfr. Ac. STJ de 3 de Março de 1998, P. 71/98, in BMJ 475 (1998) - págs. 548 e sgs. 21. E, sendo assim, se o legislador deixou "no olvido as hipotecas legais, se o legislador "entendeu por bem não se pronunciar" sobre essa "omissão", a interpretação correcta é que estamos perante um "caso não regulado" (intencionalmente), que não um "caso omisso" - por outras palavras, justifica-se concluir que deparamos com um silêncio "eloquente", significativo de que o legislador não quis abranger aquelas garantias (as hipotecas legais), de que as quis, excluir da extinção que decretou, em suma, de que quis restringir essa extinção aos privilégios creditórios e só a eles", - AC.STJ - Revista n.º 1141/02. 22. E, o Tribunal "a quo" desprotegeu o crédito da Segurança Social da garantia de que vem acompanhado! 23. Sacrificando a segurança social, e, possivelmente, potenciando o favorecimento em relação aos restantes credores Termina pedindo que seja rectificado o despacho de verificação e graduação de créditos, devendo o crédito do apelante ser ai considerado como privilegiado e colocado no lugar que lhe compete, quer no que ao montante do crédito protegido pela excepção da segunda parte do art.º 152.º do CPEREF respeita, quer quanto ao montante protegido pela hipoteca legal registada, uma vez que o art.º 152.º não extinguiu esta garantia. Não foram apresentadas contra alegações. Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir. THEMA DECIDENDUM A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3. A questão a decidir consiste em saber se o artigo 152º do CPEREF deve ser interpretado no sentido de abranger não apenas os privilégios creditórios, mas também as hipotecas legais. DOS FACTOS E DO DIREITO A matéria de facto de relevância para a decisão mostra-se exarada supra no relatório enunciado sendo aquela que se tomará em consideração para o efeito de apreciação do presente recurso relevando ainda a certidão de registo predial junta aos autos bem como os respectivos ónus e encargos na mesma publicitados relativamente ao imóvel que se mostra apreendido para a massa e que se mostra junta sob a forma de certidão de fls. 37 39. Dispõe o art. 152º do C.P.E.R.E.F., na redacção do Dec-lei 315/98, de 15 de Outubro que: “Com a declaração da falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação de empresa ou de falência". A questão tem sido objecto de alguma controvérsia em termos jurisprudenciais perante duas teses em confronto. Assim no sentido de que o art. 152º do C.P.E.R.E.F. se aplica não só aos privilégios creditórios, mas também às hipotecas legais se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, Anotado, 3ª Ed. pág. 404; A. Nunes Carvalho, RDES, Janeiro/Setembro de 1995; Ac. Rel. de Coimbra de 23-1-01, Col. XXVI, 1º, pág. 17 bem como entre outros que para alem dos que foram citados igualmente deste Relação no processo em que fomos Relator nº 5226/03 da 2ª Secção e ainda do STJ de 27/5/2003 in www.dgsi.stj.pt e que de perto será seguido em toda a sua argumentação porque inteiramente se sufraga. Todavia igualmente outro sector da doutrina e a jurisprudência designadamente do Supremo Tribunal perfilham o entendimento contrário de que o mencionado artigo 152º apenas se aplica aos privilégios creditórios (Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 1998, pág. 129; António Silva Rito, Privilégios Creditórios na nova legislação sobre Recuperação e Falência da Empresa, Revista da banca nº 27, Julho/Setembro de 1993, pág. 103 ; Ac. S.T.J. de 3-3-98, Bol. 475-548 ; Ac. S.T.J. de 8-2-01, Revista nº 3968/00; Ac. S.T.J. de 18-6-2002, Col. Ac. S.T. J., X, 2º, pág. 115). A 1ª instância julgou no sentido da primeira das apontadas teses tendo para o efeito justificado doutamente a posição assumida com a argumentação e sustentação doutrinal que lhe é reconhecida quando refere que se extingue a hipoteca legal perante o disposto no artigo 152º, 1ª parte do CPEREF, face à ratio legis do preceito “evitar que esses credores fossem afastados de colaborar em medidas de recuperação por os seus créditos serem privilegiados e que os credores comuns em consequência se convencessem da inutilidade dos seus esforços”, quando tenha por objecto créditos constituídos antes do processo de recuperação ou de falência [neste sentido Luís A Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, 3ª edição, pág. 404, que citam no mesmo sentido Antunes Varela, in "A Recuperação das empresas economicamente viáveis em situação financeira difícil" in RLJ 123, nº3794 e ss., pág. 203 e ss.; Lima Guerreiro, in "Os Créditos Fiscais", págs. 12 e 13, e este último autor em conjunto com Norberto Severino, in "Código dos Processos Especiais", pág. 153 e ss., sobretudo pág. 185]. E prossegue referindo, no que tange à segunda parte do citado normativo do CPEREF ou seja que com a declaração de falência extinguem-se imediatamente os privilégios creditórios do Estado, … e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigíveis apenas como créditos comuns, com excepção dos créditos constituídos no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência na nova redacção conferida a este artigo pelo DL nº315/98, aplicável às acções instauradas após 20.11.98 ex vi nº2 do artigo7º do DL nº315/98 referindo encontrarem-se entre estes últimos parte dos créditos reclamados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que beneficiam de privilégio mobiliário e imobiliário geral nos termos dos artigos 10° e 11º do DL nº103/80, de 9 de Maio, a graduar a seguir aos derivados de impostos da titularidade do Estado e das autarquias locais referidos nos artigos 747º nº1 alínea a) e 748° do Código Civil desconsiderando a hipoteca legal e entendendo que os credores referidos no aludido preceito continuam a beneficiar delas, seria frustar a intenção legislativa. Salvo o devido respeito pelas doutas opiniões e argumentações emitidas e sufragadas na tese contrária não vemos razão para deixar de seguir a corrente jurisprudencial do Supremo Tribunal, que vem decidindo no sentido de que o art. 152º do C.P.E.R.E.F. tem aplicação aos privilégios creditórios e igualmente às hipotecas legais designadamente o aludido Acórdão de 27/5/2003 cujo sumário se passa a reproduzir dispensando-nos de no demais designadamente na sua argumentação o fazer dado que se traduziria em puro acto de repetição retórica: “A referência a "privilégios creditórios" das instituições de segurança social no artigo 152º do CPEREF abrange não só tais garantias stricto sensu consideradas, mas igualmente outras garantias, nomeadamente a hipoteca legal, cujas afinidades com aqueles são manifestas. Tal resulta da integração de uma lacuna legislativa, através do recurso à analogia, nos termos do artigo 10º nºs 1 e 2, do Código Civil. Assim, a extinção dos privilégios creditórios dessas entidades acarreta simultaneamente a extinção das respectivas hipotecas legais, mesmo que estas tenham sido objecto de registo predial, nos termos do artigo 12º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio”. A decisão proferida, importa dizê-lo, apenas não está em consonância com o que temos defendido relativamente aos créditos dos trabalhadores concretamente no citado Acórdão supra citado de que fomos Relator e que consideramos deverem ser graduados mesmo anteriormente às hipotecas constituídas isto é, que o regime a aplicar in casu criado pelas Leis n° 17/86 de 14/6 e n° 96/2001 de 20/8 - será o previsto no artigo 751° do Código Civil. Os privilégios consagrados no Código Civil são na verdade apenas os privilégios mobiliários gerais e especiais e os imobiliários especiais de harmonia com o disposto no artigo 735º do Código Civil, e assim o privilégio imobiliário geral criado, pelos referidos diplomas relativamente a créditos laborais, constitui uma anomalia face ao sistema jurídico vigente à data da sua introdução e daí que assim não poderia o Código Civil prever o regime jurídico da sua oponibilidade a direitos de terceiros, como fez para os privilégios gerais de acordo com o 749° do mesmo código e, bem assim, para o privilégio imobiliário. Não prevendo a lei especial que criou tal privilégio imobiliário geral o referido regime jurídico, então tem de procurar-se na lei geral se dele resulta um regime que se aplique directamente e, para a hipótese de este não existir, então tem de procurar-se nela o regime aplicável que mais se aproxime, tendo em conta o disposto no n°2 o art. 1° da Lei n° 17/86 já citada em que se determina a aplicabilidade da lei geral em tudo o que nela se não encontra especialmente previsto. Assim e em sustentação do que vem de ser dito cremos que não poderá deixar de ser o regime previsto no artigo 751° do Código Civil porque face ao objecto do privilégio imobiliário - imóveis - é neste que se regula a preferência relativamente a outras garantias susceptíveis de terem como seu objecto um imóvel, constituindo este, por isso, o regime mais próximo. Existe uma “particular relação de proximidade entre o objecto da garantia - património do devedor (empresa) - e o crédito garantido, na medida em que a prestação laboral que dá origem ao crédito (salário) contribui, se não directamente, pelo menos indirectamente, para a criação e aumento ou, no mínimo, para a conservação e manutenção daquele património (empresarial ou societário), encontrando-se também neste privilégio imobiliário, apesar da sua designação como geral, a especificidade e motivos que justificaram os privilégios imobiliários previstos no Código Civil, admitindo-se que o legislador especial tenha designado aquele privilégio imobiliário como geral por experimentar, face à função e alguma indefinição do património da empresa, dificuldade em o determinar de forma concreta e permanente.” Importa referir en passant que o disposto no n°3 al. b) do artigo 12° da Lei n° 17/86, e n°4 al.b) do art. 4° da Lei n° 96/2001 impõem a aplicabilidade do regime previsto no artigo 751° do Código Civil ao privilégio imobiliário por eles criado, dado que determina que a graduação do crédito por ele garantido haverá de efectuar-se à frente dos créditos mencionados no art. 748° do mesmo diploma e que beneficiam de privilégio imobiliário especial. O contrário, ou seja, a não aplicação do regime do artigo 751° do Código Civil, determinaria uma dificuldade de conjugação de tais normativos sempre que houvesse que proceder à graduação de créditos privilegiados e referidos no art. 748°, créditos garantidos por hipoteca e créditos por salários em atraso, na medida em que estes cederiam, então, perante a hipoteca e aqueles teriam de ficar à frente da hipoteca por força do art. 751° do que não podia deixar de se lhe aplicar, tornando-se deste modo plenamente ineficazes as normas contidas nos art.12° n°3 al. b) da Lei n°17/86 e 4° n°4 al. b) da Lei n° 96/2001, relegados que ficariam os créditos por salários em atraso para depois da hipoteca e, por consequência, para depois dos créditos referidos no artigo 748° do C Civil, prejudicando ou impedindo a aplicabilidade de tais preceitos legais. Finalmente importa referir o último diploma trazido à estampa o Código de Trabalho publicado pela Lei n° 99/2003, de 27 de Agosto que no artigo 21° n°2 als. e) e t) que revogam expressa e respectivamente as citadas Lei n° 17/86 Lei n° 96/2001 e no seu artigo 377º estatui que “1. Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade. 2. A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil; b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no art. 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social.” É inequívoco que através deste regime o legislador exclui a divergência que se instalou com as referidas leis para garantir o pagamento das retribuições que são devidas aos trabalhadores e toma claramente posição directa quanto ao regime jurídico de oponibilidade de tais privilégios aos direitos de terceiros, recolocando-se sob a orientação seguida pelo Código Civil, isto é de que os privilégios imobiliários são sempre especiais, cumprindo o que, com aquelas Leis e este Código de Trabalho, se determina no citado art. 59° nº 3 da CRP pese embora refira-se que malogradamente o conceito utilizado para determinar os “imóveis” fica uma vez mais sujeito a novas discussões doutrinais e jurisprudências para o seu preenchimento valorativo, sendo certo que in casu mais transparece a justiça da decretação proferida se atentarmos designadamente na descrição registral do bem em causa e que se verifica ser ”casa destinada a industria – r/ch, 1ºandar, anexos e logradouro…”. Estamos todavia impedidos de assumir outra posição relativamente a tal matéria por força do estatuído no artigo 684º nº 4 uma vez que “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo” pelo que assim sendo necessariamente que se tem de manter a decisão nos termos em que foi proferida ou seja com preferência de graduação da hipoteca voluntária. DELIBERAÇÃO Nestes termos em face do que vem de ser exposto pela improcedência das conclusões recursivas deliberam os Juízes que compõem este Tribunal por unanimidade, na conformidade do estatuído no artigo 713º nº 5, manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seus precisos termos. Sem custas por delas estar isento o Apelante. * Porto, 01 de Março de 2005Augusto José Baptista Marques de Castilho Maria Teresa Montenegro V C Teixeira Lopes Emídio José da Costa |