Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0820769
Nº Convencional: JTRP00041137
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MULTA
INDEMNIZAÇÃO
HONORÁRIOS
PREJUÍZO
NULIDADE
Nº do Documento: RP200802260820769
Data do Acordão: 02/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 266 - FLS 40.
Área Temática: .
Sumário: I - A multa devida por litigância de má fé deve ser fixada com base no “prudente arbítrio” do juiz, que deve sopesar a gravidade da infracção e a situação económica do infractor, a maior ou menor gravidade dos riscos de lesão patrimonial causada ao litigante de boa fé, os interesses funcionais do Estado e o valor da acção.
II - Litigando os réus com o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de honorários a patrono, não cumpre ponderar o prejuízo causado pelo eventual “pagamento de honorários” nos termos do art. 457º nº 1 a) do CPC.
III - Todos os demais prejuízos que seriam de ponderar, causados na esfera jurídica dos litigantes de boa fé, devem ser alegados em qualquer momento do processo, sem prejuízo de, na sentença, o juiz dever convidar as partes a alegar os factos necessários à contabilização desses prejuízos – art. 457º nº 2 do CPC.
IV - Não o tendo feito, pratica uma nulidade, a qual, se não reclamada em prazo, é objecto de sanação, não tendo mais o juiz possibilidade de preencher, com factos, os prejuízos conducentes à indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de agravo interposto na acção com processo comum e forma sumária nº…/05.8TBLSD, do .º Juízo da Comarca de Lousada.
Autores – B………. e mulher C………. .
Réus – D………. e mulher E………. .

Tese dos Autores
No ano de 1965, deram de arrendamento aos RR. um prédio urbano, situado no ………., da freguesia de .......... e concelho de Lousada, encontrando-se a renda hoje fixada em € 5.
Os RR. efectuaram no arrendado obras não autorizadas, tendo pintado o exterior da casa e calcetado um caminho; também efectuaram aí deteriorações consideráveis, já que destruíram um forno a lenha e uma lareira.
Tese dos Réus
Não apenas a casa já se encontrava pintada pelo exterior, quando aí foram residir, como há cerca de quarenta anos que os RR. repetem a prática de, pela altura da Páscoa, pintar a casa de azul.
O calcetamento do acesso traduziu-se numa mera obra de melhoramento.
O forno a lenha (que já se encontrava partido, à data do arrendamento) e a lareira caíram com o decurso dos anos.
Pedem a condenação dos AA. como litigantes de má fé em multa exemplar e indemnização a favor dos RR., esta a fixar em valor não inferior a € 3.000.

Não foi produzido articulado “Resposta”, ou outro requerimento, em matéria de má fé, e na fase anterior ao julgamento da causa.

Sentença
Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção foi julgada improcedente, e os RR. absolvidos do pedido.
Determinou-se mais que, “inclusive os Autores”, fossem notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a alegada litigância de má fé.

Despacho Recorrido
Nada tendo as partes requerido, em matéria de má fé, para além do já alegado nos autos, a Mmª Juiz “a quo”, ao abrigo do disposto nos artºs 456º e 457º C.P.Civ., condenou os AA. na multa de € 500 e no pagamento aos RR. de uma indemnização no valor de € 3.000, valores considerados “justos e adequados à gravidade da conduta dos AA., à intensidade dolosa dessa conduta, ao valor e natureza da acção e à situação económica dos litigantes de má fé”.

Conclusões do Recurso de Agravo (resenha)
1 – Os AA. limitaram-se a decair por via da fragilidade da prova e de não se convencer o tribunal do alegado, encontrando-se convencidos do bom fundamento que teriam para deduzir a pretensão.
2 – Entendiam e entendem que o facto de ser retirado um forno a lenha e uma lareira, com dezenas de anos, que tornavam a casa de sua propriedade característica da zona geográfica envolvente, e que pretendiam transmitir aos filhos e netos, seria suficiente para intentar a acção.
3 – A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico.
4 – O montante da multa e da indemnização é exageradíssimo.
5 – Acresce que os Recorridos litigaram com o benefício do Apoio Judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de custas e honorários a patrono nomeado, pelo que as despesas judiciais e com honorários a advogado não poderiam ser tidas em conta para tão elevado valor.
6 – Dos autos não consta sequer a situação económico-financeira dos AA.
7 – O Tribunal “a quo” violou, por erro de interpretação, o disposto nos artºs 456º e 457º C.P.Civ.

Os RR. não apresentaram contra-alegações.

Factos Provados
Os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito no ………., freguesia de ………., Lousada, inscrito na matriz urbana sob o artº 427º e descrito sob o nº 00548/261196, da Conservatória do Registo Predial de Lousada (1º da P.I.).
Os AA. deram de arrendamento aos RR. o prédio urbano identificado para habitação destes, verbalmente, sendo a renda actual de € 5 (2 º e 3º da P.I.).
Os RR., sem autorização dos AA., pintaram o exterior da casa, que é de pedra, de azul e branco e calcetaram o caminho de acesso ao quintal (4º da P.I.).
Quando os RR. foram habitar o arrendado em 1963, este já se encontrava pintado de branco, sendo que os RR. nunca conheceram o arrendado com cor de pedra (6º e 7º da Contestação).
Quase todos os anos, a partir do momento em que passaram a habitar no imóvel, por altura da Páscoa, os RR. pintavam, como pintaram, a casa (8º da Contestação).
A pintura que fizeram na casa em nada difere do que têm vindo a fazer há, pelo menos, 16 anos, obra que sempre foi consentida pelo Autor (9º da Contestação).
Residindo os AA. em prédio contíguo ao dos RR., todos os anos conheceram a pintura do exterior do arrendado e nunca transmitiram o seu desagrado, consentindo na sua feitura (12º da Contestação).
O caminho calcetado dá acesso ao quintal, deixando de se fazer por um pequeno trajecto em terra batida e passa fazer-se sobre pedras, tendo como intuito estabelecer melhor conforto e higiene no gozo do arrendado (15º, 16º e 17º da Contestação).
Quando o imóvel foi dado de arrendamento pelos AA. aos RR., o forno já se encontrava partido (18º e 19º da Contestação).
Os RR. solicitaram a realização de obras, que nunca foram feitas (21º e 22º da Contestação).
Com o decorrer dos anos, e na ausência de obras de conservação, o forno acabou por cair (23º da Contestação).
A lareira também se encontrava completamente deteriorada, pois nunca se efectuaram quaisquer obras de conservação, sendo inclusivamente o albergue de ratos (24º da Contestação).
Perante tais factos, mais uma vez, os RR. solicitaram aos AA. a realização das correspondentes obras, que, mais uma vez, não foram efectuadas (25º e 26º da Contestação).
De forma a poderem utilizar o arrendado para o fim que lhe tinha sido atribuído, os RR. foram obrigados a tapar os buracos deixados pela queda do forno e da lareira deteriorada e cimentaram as paredes da cozinha, colocando alguns móveis de cozinha (27º e 28º da Contestação).
Obras essenciais à habitação do arrendado e a mantê-lo nas condições requeridas pelo fim do contrato de arrendamento e que desde sempre foram conhecidas pelos AA. (29º e 30º da P.I.).
Os AA. nunca se opuseram ou demonstraram qualquer repúdio às obras realizadas pelos RR. e as obras efectuadas sempre foram conhecidas e consentidas (32º e 33º da Contestação).
As obras destinaram-se apenas a possibilitar aos RR. habitar no arrendado, facto que os AA. têm tentado impedir, sendo a sua verdadeira pretensão obrigar os RR. a sair do arrendado (35º, 36º e 39º da Contestação).

Fundamentos
A questão colocada pelo presente recurso consiste apenas em apreciar do bem fundado da condenação dos Autores como litigantes de má fé, em multa e indemnização, ou, pelo menos, da proporcionalidade do montante da condenação, em face dos critérios legais.
Apreciemo-la seguidamente.
I
Nos termos do disposto no artº 456º nº2 C.P.Civ., na actual redacção proveniente da reforma de 1995, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou b) tiver alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa.
Na redacção de 1961, o Código sancionava apenas a falta de fundamento que “não era ignorada” pelo seu autor (artº 456º nº2 C.P.Civ.).
Da redacção do referido artº 456º C.P.Civ. anterior à revisão de 95 do Código para a actual redacção, a expressão “que não devia ignorar” inculca que se passou de um regime de intenção maliciosa ou gravemente negligente (regime de 61 – má fé em sentido psicológico) para um regime que abrange na respectiva previsão a leviandade ou a imprudência manifestas (má fé em sentido ético) – cf. Ac.R.P. 13/10/03 Col.IV/179.
Trata-se assim, no fundo de um regresso à concepção de má fé originária, do Código de Processo Civil de 1939, o qual, na ideia de J. Alberto dos Reis, sancionava a pretensão ou oposição cuja falta de fundamento “o agente não pudesse razoavelmente desconhecer” (M. Cordeiro, Litigância de Má Fé e Abuso de Direito de Acção, 2006, pg. 23).
Ora, os factos provados nos autos conduzem a concluir que os AA. configuraram dolosamente os factos que os conduziriam ao ganho de causa – não apenas a casa já se encontrava pintada, pelo exterior, no momento em que foi dada de arrendamento, como também, nessa mesma altura, o forno já se encontrava partido e a lareira deteriorada, de tal forma que, com o passar de cerca de quarenta anos, vieram a cair.
E todos os citados factos eram do exacto conhecimento prévio dos Autores.
Não vale, quanto a esta conclusão, argumentar com a imponderabilidade da decisão judicial, respectivas provas e fundamentos.
Todo o juízo probatório constitui, em abstracto, um juízo probabilístico, é certo que formulado na base de hipóteses ou inferências fácticas, de um facto para outro “assente na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” (Varela, Bezerra e S. e Nora, Manual, §144), não um juízo probabilístico meramente genérico, na base de hipóteses epistemológicas da frequência em geral com que determinados fenómenos ocorrem – neste sentido, M. Taruffo, La Prueba de los Hechos, Madrid, 2002, pgs. 237 a 240.
O resultado das respostas aos quesitos é apenas baseado na aceitabilidade prevalecente fornecida por todas as hipóteses em jogo e pelo grau de confirmação das mesmas. É esta a base do princípio da “livre convicção do juiz”: um exercício claro, racionalizado e exposto claramente perante as partes, de entre as hipóteses que constituíram o contraditório no processo, evitando assim as chamadas “decisões surpresa” e o risco de arbitrariedade judicial.
O convencimento do julgador é refutável, é certo[1], mas sempre através de um outro teste empírico, pois que o objectivo do processo e da paz social a que almeja apenas se podem conceber com apoio na verdade ou no caminho para esta - M. Taruffo, op. cit., pg. 427.
As consequências da litigância de má fé são a condenação em multa e a condenação em indemnização (artº 456º nº1 C.P.Civ.).
II
A condenação em multa assume carácter oficioso.
Tradicionalmente entende-se que “a fixação do montante da multa por litigância de má fé depende do prudente arbítrio do julgador, entre os limites estabelecidos no Código das Custas Judiciais, tendo em consideração a maior ou menor intensidade do dolo com que tenha agido a parte, entendido este como a consciência da sua falta de razão e da gravidade das consequências prováveis da sua conduta” (Ac.R.E. 17/7/86 Bol.361/627 – Pereira Cardigos).
Noutra formulação, do Ac.R.P. 2/6/87 Bol.368/611 – Leonel Rosa, “deve atender-se não só ao valor do pedido, mas também ao facto de a multa por litigância de má fé não dever ser tão exígua que se torne permissiva, isto é, que não constitua uma condenação simbólica, que incite os litigantes de má fé a reincidir ou outros litigantes a actuar da mesma forma reprovável”.
A consideração do “prudente arbítrio” do juiz, pese embora não resulte expressamente do texto legal, foi adoptada pela doutrina (por todos, J.A. dos Reis, Anotado, II, pg. 268), na sequência do que estipulava o Código de Processo Civil de 1876 – artº 121º §1º.
O juiz goza de arbítrio, diz o consagrado Autor, porque a lei o não submete a qualquer regra pré-determinada; o seu arbítrio tem de ser prudente, porque é inadmissível que fixe a multa a esmo ou sem atenção às circunstâncias.
E que circunstâncias serão estas?
Para J.A. dos Reis (op. cit., pg. 269), uma vez mais, no seguimento do que dispunha o artº 469º do Estatuto Judiciário, a pena de multa deveria ser proporcional à gravidade da infracção e à situação económica do infractor, não admitindo o Autor outros critérios avaliativos, designadamente os propostos por Furtado dos Santos (Bol. 4/52 e 53): “a maior ou menor gravidade dos riscos de lesão patrimonial causada ao litigante de boa fé, aos interesses funcionais do Estado e ao valor da acção, entre outros”.
Já vimos porém como a jurisprudência adoptou o critério da gravidade das consequências prováveis da conduta maliciosa ou negligente, que pode expressar-se nos riscos de lesão patrimonial causados ao litigante de boa fé; e como índice de avaliação destes riscos, sempre poderemos socorrer-nos, se for o caso, do critério do valor da acção.
Quanto aos interesses funcionais do Estado, que J.A. dos Reis punha em questão, foram eles salientados igualmente por outros autores – pretende-se, com o sancionamento da litigância de má fé, o imediato policiamento do processo, sem curar de uma integral indemnização dos malefícios perpetrados, pois que “o tribunal será sempre, em última análise, o sujeito passivo do dolo” (M. Cordeiro, op. cit., pg. 29, apud Paulo Cunha, Simulação Processual e Anulação do Caso Julgado, pgs. 42-43).
A partir de 1/1/07, a Unidade de Conta foi fixada em € 96.
Nos termos do artº 102º al.a) C.C.Jud., as multas para os litigantes de má fé devem oscilar entre as 2 UC e as 100 UC.
Significa isto que a multa fixada em 1ª instância, no montante de € 500, ascendeu a pouco mais de 5 UC, numa acção cujo valor se cifrava em € 3.060, e na qual se discutia, para além de um pedido de despejo imediato, a condenação num montante pecuniário indemnizatório
Pensamos que, a todos os títulos de análise da prudência do julgador, e face aos dados disponíveis no processo, a multa se encontra correctamente fixada.
Vejamos se o mesmo se pode dizer da indemnização, fixada que foi no montante peticionado de € 3.000.
III
Consoante o disposto no artº 457º nº1 C.P.Civ., a indemnização pode consistir “no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo honorários de mandatários” e “na satisfação dos restantes prejuízos, como consequência directa ou indirecta da má fé” – o juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada, fixando-a em quantia certa e poderá optar pela cumulação de indemnizações.
Quer isto dizer que o tribunal imporá ao litigante ou a indemnização simples ou a indemnização agravada conforme o grau da má fé, conforme a maior ou menor gravidade da conduta dolosa (J. A. dos Reis, op. cit., pg. 278).
Ora, desde logo procede a invocação de que, litigando como litigam os Réus com o benefício do Apoio Judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de honorários a patrono, não cumpre ponderar o prejuízo causado pelo eventual “pagamento de honorários” (assim como sempre cumpriria abater o montante que o vencedor teria direito a título de procuradoria – ut J. A. dos Reis, op. cit. pg. 277).
Quanto aos demais prejuízos que seriam de ponderar, causados na esfera jurídica dos litigantes de boa fé, não foram eles alegados ou articulados em qualquer momento do processo, designadamente na Contestação, para além da formulação do pedido de condenação no montante que se liquidou em € 3.000.
É certo que, “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável” (artº 457º nº2 C.P.Civ.).
A Mmª Juiz “a quo”, porém, nada disse no dispositivo da sentença proferida, a esse respeito, designadamente não determinou a audição das partes.
Era na sentença, e só na sentença, que o deveria ter determinado – cf. artº 457º nº2, assim interpretado por J. A. dos Reis, op. cit., pg. 281: “A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; é nesta que há-de decidir se o litigante procedeu de má fé; é aí que, em caso afirmativo, há-de condená-lo como tal em multa e indemnização; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na altura da sentença, o não habilite a determiná-lo”.
O conteúdo do citado artº 457º nº2 C.P.Civ. assume-se assim como um verdadeiro dever vinculado ou obrigação, para o juiz.
Desta forma, afigura-se-nos haver sido praticada nulidade, no sentido de um vício de carácter formal, traduzido num de três tipos: prática de um acto proibido; omissão de um acto prescrito na lei; realização de um acto imposto ou permito por lei, mas sem as formalidades requeridas (artº 201º nº1 C.P.Civ. e, a título meramente exemplificativo, S.T.J. 9/3/93 Bol.425/443 e S.T.J. 12/12/90 Bol.402/514) – ou seja, concretizando, tendo sido omitido um acto prescrito na lei.
Da omissão não se reclamou para o tribunal recorrido, no prazo legal de dez dias – artºs 205º nº1 e 153º nº1 C.P.Civ.
Em face da sanação da falada nulidade, não existe neste momento, nem existia à data em que foi proferido o despacho recorrido, oportunidade de convidar os RR. vencedores a preencher com factos concretos os prejuízos que alegaram.
Desta forma, não tinha o tribunal recorrido, à data da prolação do despacho, nem esta instância possui, elementos suficientes que possam caracterizar qualquer tipo de prejuízo susceptível de conduzir à fixação da indemnização a que alude o disposto no artº 457º C.P.Civ.
Nesta parte apenas, deverá o recurso inevitavelmente proceder.

A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – A multa devida por litigância de má fé deve ser fixada com base no “prudente arbítrio” do juiz, o qual deve sopesar a gravidade da infracção e a situação económica do infractor, a maior ou menor gravidade dos riscos de lesão patrimonial causada ao litigante de boa fé, os interesses funcionais do Estado e o valor da acção.
II – Litigando os Réus com o benefício do Apoio Judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de honorários a patrono, não cumpre ponderar o prejuízo causado pelo eventual “pagamento de honorários”, nos termos do artº 457º nº1 al.a) C.P.Civ.
III – Todos os demais prejuízos que seriam de ponderar, nos termos do artº 457º nº1 al.b) C.P.Civ., causados na esfera jurídica dos litigantes de boa fé, devem ser alegados ou articulados em qualquer momento do processo, sem prejuízo de, na sentença, o juiz, como consagração de um dever vinculado ou obrigação, dever convidar as partes a alegar os factos necessários à contabilização desses prejuízos – artº 457º nº2 C.P.Civ.
IV – Não o tendo feito, pratica uma nulidade, a qual, se não reclamada em prazo (artºs 201º nº1 e 205º nº1 C.P.Civ.), é objecto de sanação, não tendo mais o juiz possibilidade de preencher, com factos, os prejuízos conducentes à indemnização a que aludem os artºs 456º nº1 e 457º C.P.Civ.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Na parcial procedência do recurso de agravo, confirmar o despacho recorrido apenas na parte em que condenou os Autores em multa, e revogando o despacho recorrido no restante.
Custas por Agravantes e Agravados, na proporção de vencido, em ambas as instâncias, e sem prejuízo do benefício do Apoio Judiciário de que gozam os Agravados.

Porto, 26/02/08
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa

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[1] “Todo o conhecimento estagnaria e perderia o seu carácter empírico se não fosse capaz de obter refutações” – Karl Popper, Conjecturas e Refutações, Almedina, 2003, pg.330.