Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0650216
Nº Convencional: JTRP00039823
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200612040650216
Data do Acordão: 12/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 282 - FLS 125.
Área Temática: .
Sumário: No contrato de empreitada – reparação de um veículo automóvel – tendo o Autor, dono do veículo, invocado como causa de pedir a resolução do contrato, por incumprimento do Réu, apenas deve ser indemnizado pelos danos correspondentes ao interesse contratual negativo, ou seja, a indemnização deverá colocar o lesado na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato em causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I
B………., casado, empresário, residente no ………., freguesia de ………., concelho de Bragança veio intentar acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C………., LDA, com sede na Rua ………., em Bragança, alegando em resumo que:
É proprietário dum veículo que mandou reparar à Ré e que foi mal reparado. O preço foi pago, a viatura foi sujeita a segunda reparação pela Ré mas manteve os mesmos problemas. Desta vez a Ré recusou-se a nova reparação sem custos para o Autor, tendo este, por isso, levado a viatura a outra oficina que finalmente o deixou em condições, reparação que teve que custear no valor de 2.985,90 Euros.
Nesse período de tempo teve de adquirir outra viatura por 2.500 Euros, a qual vale agora 1.500 Euros, ficando assim prejudicado na quantia de 1.000 Euros.
Pede, para ressarcimento de tais prejuízos, a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 3.985,90 Euros, equivalente ao valor pago a terceiro e à desvalorização da viatura de substituição, a que acrescem juros de mora, a contar da citação e até integral pagamento.

Contestou a Ré, por excepção e impugnação.
Assim, alega ter entregue a viatura devidamente reparada, embora com peças de outro motor usado, por opção do Autor.
Impugna os defeitos que o Autor alega terem sido detectados na Garagem de terceiro e nega que se tenha recusado, alguma vez, a proceder a qualquer reparação na viatura.
Conclui arguindo a excepção de caducidade do direito do Autor, pois que este demorou dois meses a trazer, de novo, o OT às oficinas da Ré, após a sua entrega, devidamente reparado, pelo que, decorreu o prazo da denúncia dos defeitos.
Pediu que a acção seja julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Replicou o Autor mantendo a sua posição vertida na petição inicial.

Prosseguindo os autos, teve lugar a audiência de julgamento e veio a ser proferida sentença, na qual se julgou a acção improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Autor, da matéria de facto e de direito, concluindo as alegações pela seguinte forma:
1- Está provado que passado algum tempo sobre a entrega do OT e após o Autor ter ido à terra com ele (Minho), a Ré, a pedido do Autor desmontou do OT a bomba de injecção, que o Autor levou a Espanha para ser reparada e, após, voltou a montá-la no OT, já reparada.
2- Salvo melhor opinião não foi questionado que o Autor tenha recebido o veículo automóvel após a colocação da bomba injectora, sabendo-se apenas que tal bomba injectora foi colocada.
3- Porém, uma coisa é concluir a reparação, outra entregá-la e ser aceite, nomeadamente com defeitos.
4 – Este quesito falta para a boa decisão da causa, pelo que, a audiência de julgamento deverá ser repetida para que seja tomada em conta esta matéria, visto o disposto no artigo 712º, nº 4 do Código de Processo Civil.
5 – Se assim não se entender, deve constar da matéria dada como provada, porque de interesse para uma boa decisão, e porque consta de uma carta registada, dirigida à Ré, com data de 21 de Janeiro de 2003, documento que não foi impugnado que:
5.1 – O Autor solicitou à Ré que eliminasse os problemas que o OT tinha, que eram os mesmos que tinha antes de efectuada a reparação, ou em alternativa, que procedesse à devolução da quantia de 2.142,00 Euros.
5.2 – A Ré não eliminou os defeitos nem procedeu à devolução da quantia peticionada.
6 – Na execução do contrato deveria a Ré conformar-se rigorosamente com as regras da mecânica e da arte oficinal, sendo responsável além do mais, pelos vícios advenientes do emprego de materiais afectados ou inadequados ou de imperícia no âmbito da mão-de-obra.
7- O Autor cumpriu com a Ré pontualmente a sua obrigação de pagamento do preço decorrente do contrato de empreitada.
8- Mas outro tanto não ocorreu em relação à Ré, porque não procedeu à devida reparação da viatura.
9- O Autor apenas pretendia que o seu veículo automóvel fosse reparado, não lhe importando se para tal fosse necessário substituir quatro pistões, como consta do orçamento inicial, ou deslocar os motores e trocar peças como consta da reparação efectuada.
10- Tanto assim é, que o Autor pagou mais pela reparação efectivamente efectuada – 2.320,00 Euros – do que a quantia prevista no orçamento inicial – 1.871,16 Euros.
11- Tendo, posteriormente, despendido a quantia de 2.985,00 Euros na E………. para a efectiva reparação do seu veículo automóvel.
Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue o recurso procedente.

Não houve contra-alegações.
II
Na sentença recorrida, deram-se por provados os seguintes factos:
1 - ) O Autor é proprietário do veículo automóvel de matrícula OT-..-.. (doravante designado OT), de marca Citroen.
2 - ) A Ré dedica-se à reparação de veículos automóveis.
3 - ) Na sequência da avaria do OT, o Autor pediu à Ré que elaborasse o respectivo orçamento de reparação, o que esta fez, no dia 3 de Maio de 2002, tendo-lhe entregue, o orçamento com o nº …., no montante de 1.871,16 Euros, que constitui o doc. de fls. 9, cujo teor se deu por integralmente reproduzido.
4 - ) Em tal orçamento consta, designadamente, a necessidade de se substituir quatro pistões, um jogo de juntas, seis litros de óleo, um filtro, entre outros.
5 - ) O Sr. D………., sócio gerente da Ré contactou o Autor, informando-o que o bloco do motor estava riscado, sendo necessário colocar diversas peças no motor.
6 - ) O Autor adquiriu um motor idêntico (quanto à marca e modelo, mas não da mesma série), ao do OT e colocou-o nas instalações da Ré, o qual foi instalado no OT, com excepção da culassa (que se encontrava partida, devido ao gelo).
7 - ) O Autor pagou a reparação do OT, no valor de 2.320 Euros, em 15 de Julho de 2002, conforme documento que constitui o doc. de fls. 10, cujo se deu por integralmente reproduzido.
8 - ) Tal reparação, segundo informação prestada pela Ré, consistiu, designadamente, na deslocação de motores e caixas de velocidade de dois carros, desmontar motores para trocar peças, reparar válvulas de culassa, acerto e ajuste de peças, reparar sistemas de injecção, tubos de gasóleo, montar caixa e motor no chassis, fazer limpeza de radiador, montar faróis e transmissões de caixa, filtro de óleo, gasóleo no carro, uma junta de culassa, uma tampa, um rolamento e 6 litros de óleo, conforme facturas nºs ….., ….., ….., ….., ….., ….., que constituem os docs. de fls. 11 a 16, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.
9 - ) Aquando da entrega do OT, em Julho de 2002, ao Autor pela aqui Ré, o veículo não desenvolvia tanto quanto um carro novo e deitava fumo, em quente, mas não em frio.
10 - ) O Autor solicitou a reparação do OT à E………., de F………., com sede na ………., ..-.., em Bragança, tendo pago a título de reparação a quantia de 2.985 Euros, em 13/03/03.
11 - ) Na aludida Garagem “E……….” detectou-se que os orifícios do circuito de arrefecimento do motor (culassa) não coincidiam perfeitamente com o bloco, dado que o motor colado no OT e a culassa não eram da mesma série, e detectou-se ainda que não havia sido colocado anti-congelante na água do motor.
12 - ) A aludida reparação consistiu na colocação de quatro pistões, uma junta, vedante de cambota, soldar a culassa, rectificação da culassa, reparação da bomba injectora, bicos de injectores, filtro de óleo, tubo de returno, rectificação do colector, rectificação face do bloco, rectificação do bloco, conforme doc. de fls. 17/18, cujo teor se deu por integralmente reproduzido.
13 - ) O Autor é empresário da restauração, necessitando do veículo automóvel para a sua actividade profissional.
14 - ) O Autor adquiriu outro veículo pelo preço de 2.500 Euros, o da marca Mitsubishi, matrícula JA-..-.. .
15 - ) Aquando da sua venda, o JA foi vendido pelo valor de 1.500 Euros .
16 - ) Em 08/07/02, a Ré entregou ao Autor o OT.
17 - ) Passado algum tempo sobre a entrega do OT e após o Autor ter ido à terra, com ele (Minho), a Ré, a pedido do Autor, desmontou do OT a bomba de injecção, que o Autor levou a Espanha, para ser reparada, e, após, voltou a montá-la no OT, já reparada.
III
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do C. P. Civil).
O Apelante impugnou a matéria de facto, alegando não ter sido questionado que o Autor tenha recebido o veículo automóvel após a colocação da bomba injectora, sabendo-se apenas que tal bomba injectora foi colocada, devendo para tanto repetir-se a audiência de julgamento, com vista a conhecer desse facto; e, discordando, de não se ter dado como provado, com base na carta registada dirigida à Ré, com data de 21 de Janeiro de 2003, documento que não foi impugnado, que o Autor solicitou à Ré que eliminasse os problemas que o OT tinha, que eram os mesmos que tinha antes de efectuada a reparação ou, em alternativa, que procedesse à devolução da quantia de 2.142,00 Euros.

Vejamos a 1º questão suscitada:
Na alegação da execução de uma empreitada com defeitos, a entrega da obra ao seu dono constitui pressuposto fáctico para se aferir do cumprimento da empreitada ou da verificação dos defeitos e correspondente denúncia ou aceitação.
Relativamente a quem reclama a existência de defeitos e a sua oportuna denúncia, a entrega da obra constitui, tão só um facto instrumental ou indiciário.
A sua autonomização enquanto facto a ser quesitado não se mostra, por isso, necessária, podendo o juiz entender fazê-lo ou não, com toda a liberdade que lhe é outorgada pelo artigo 650º nº 2 alª f) do Cód. Processo Civil.
Trata-se de facto que se integra na categoria de factos instrumentais ou indiciários, os quais se caracterizam, no dizer de Anselmo de Castro in Processo Civil Declaratório, vol III, pág. 275, como os que “não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes, e que apenas servem para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção (constitutivos)”.
Assim, tal facto – o recebimento do veículo automóvel pelo Autor após a colocação da bomba injectora - não tem de ser autonomamente considerado.
O artigo 20º da base instrutória em cujo texto se lê: «...Reparação que efectuou em Espanha, tendo sido, passados 2/3 dias, colocada a bomba no OT, pela Ré, gratuitamente, sem que o Autor fizesse quaisquer reparos?» tem implícito o recebimento da viatura pelo Autor, após a colocação da bomba de injecção e a sua verificação sem reparos, sendo estes últimos, os factos que importa provar no apuramento da responsabilidade do empreiteiro e do direito ao ressarcimento dos prejuízos causados e que foram sujeitos ao probatório.
Assim, nenhuma razão assiste ao Apelante na pretendida repetição da audiência do julgamento para que seja tomada em conta tal facto.

Pretende o Apelante que conste da matéria dada como provada, porque de interesse para a boa decisão da causa, e porque tal consta da carta registada, dirigida à Ré, com data de 21 de Janeiro de 2003, documento que não foi impugnado, que:
“O Autor solicitou à Ré que eliminasse os problemas que o OT tinha, que eram os mesmos que tinha antes de efectuada a reparação ou, em alternativa, que procedesse à devolução da quantia de 2.142,00 Euros”.
Foi junta aos autos, em sede de audiência de julgamento uma carta subscrita por mandatário judicial, dirigida à Ré, que dita o seguinte:
«Segundo o meu cliente, mandou reparar na vossa oficina, o veículo à margem referenciado. Por tal reparação, despendeu a quantia de 2.142,00 Euros (dois mil cento e quarenta e dois euros). Contudo, tal veículo automóvel continua com os mesmos problemas que tinha antes de efectuada a reparação. Por tal, solicito a V. Exºs se dignem proceder à reparação de tal veículo automóvel, conforme acordado, ou, em alternativa, à devolução da quantia de 2.142,00 euros».
Não foi impugnada a autoria e recepção de tal documento, conforme acta de fls. 99 e ss., pelo que, as declarações atribuídas ao seu autor fazem prova plena, nos termos do artigo 376º nº 1 do C.Civ..
Assim, constitui tal declaração uma denúncia dos defeitos, facto que destroi a conclusão exposta na sentença da 1ª Instância de que «da matéria de facto dada como assente não resulta que tenha sido realizada qualquer denúncia, de quaisquer defeitos (vide respostas negativas dos Artºs 7º a 11º)».
Entendemos, por isso que a factualidade constante da sentença deve ser alterada, aditando-se à mesma, ao abrigo do disposto no artigo 712º nº 1 alª a) e nº 2, do Cód. Processo Civil, o seguinte facto, decorrente do documento de fls. 97:
“Por carta de 21 de Janeiro de 2003 o Autor comunicou à Ré que a viatura OT continuava com os mesmos problemas que tinha antes da reparação, e solicitou a reparação da mesma, conforme acordado, ou em alternativa, a devolução da quantia de 2.142,00 “.
Ora, a consideração da denúncia contida em tal declaração implica que se releve, porque igualmente não impugnado, o documento resposta, junto aos autos, na mesma audiência de julgamento.
E, com base no mesmo há que dar como assente que:
“A Ré respondeu por carta datada de 24 de Março de 2003, recusando a pretendida reparação”.
Os elementos trazidos ao processo impõem, assim, decisão sobre a matéria de facto diversa da considerada em 1ª Instância.
Assim, à factualidade provada deverão ser aditados dois novos factos do seguinte teor:

18)
“Por carta de 21 de Janeiro de 2003 o Autor comunicou à Ré que a viatura OT continuava com os mesmos problemas que tinha antes da reparação, e solicitou a reparação da mesma, conforme acordado, ou em alternativa, a devolução da quantia de 2.142,00”.

19)
“A Ré respondeu por carta datada de 24 de Março de 2003, recusando a pretendida reparação”.

Vejamos agora, que implicações têm tais factos na fundamentação jurídica.
Pretende o Apelante que a Ré não procedeu à devida reparação da viatura, que o Autor apenas pretendia que o seu veículo automóvel fosse reparado, não lhe importando se para tal fosse necessário substituir quatro pistões, como consta do orçamento inicial, ou deslocar os motores e trocar peças como consta da reparação efectuada, tanto assim que pagou mais pela reparação efectivamente efectuada do que a prevista inicialmente, tendo posteriormente despendido nova quantia numa outra garagem para a efectiva reparação do seu veículo automóvel.
Vejamos:
O orçamento de reparação que constitui o doc. de fls. 9 no valor de 1.871,16 Euros uma vez aceite, constituía à data de 03 de Maio de 2002, o acordo de vontades conformador das prestações a cumprir: a obra a realizar e o preço a pagar.
Posteriormente a Ré contactou o Autor, informando-o que o bloco do motor estava riscado, sendo necessário colocar diversas peças no motor.
Tal informação constitui uma alteração ao contratado inicialmente e teve a sua concretização através da colocação na viatura dum motor idêntico trazido pelo Autor.
A reparação foi dada pela Ré como concluída, em 08/07/2002, tendo o Autor pago o preço de 2.320 Euros em 15/07/2002.
Provado está que, aquando da entrega do OT ao Autor pela aqui Ré, em Julho de 2002, o veículo não desenvolvia tanto quanto um carro novo e deitava fumo, em quente, mas não em frio (ponto 2.9 da factualidade exposta na sentença).
Tal significa que a viatura foi reparada defeituosamente, pois que deitava fumo em quente, sendo já normal que não desenvolvesse tanto quanto um carro novo, que o não era.
Passado algum tempo a Ré, a pedido do Autor, desmontou do OT a bomba de injecção, que o Autor levou a Espanha, para ser reparada e, após voltou a montá-la no OT já reparada.
Na cronologia dos factos surge o que atrás demos como assente:
Em 21 de Janeiro de 2003 o Autor comunicou à Ré que a viatura OT continuava com os mesmos problemas que tinha antes da reparação, e solicitou a reparação da mesma, conforme acordado, ou em alternativa, a devolução da quantia de 2.142,00.
Tal comunicação constitui uma denúncia dos defeitos.
A resposta tardou.
Apenas em 24 de Março de 2003 a Ré recusou, por escrito, a pretendida reparação.
Entretanto, em 13 de Março de 2003 o Autor recorrendo a uma outra oficina custeou a reparação feita por esta.
E tal reparação foi motivada pelo facto de os circuitos de arrefecimento do motor (culassa) não coincidirem perfeitamente com o bloco, dado o motor colocado no OT e a culassa não serem da mesma série, e detectou-se ainda que não havia sido colocado anti-congelante na água do motor.
Os serviços a prestar pela Ré haveriam de ser os aptos a satisfazer os fins a que se destinavam, e produzir os efeitos que se lhes atribuíam, ou seja, a efectiva reparação.
Bem considerou a 1ª Instância na sua fundamentação jurídica ao afirmar que “Não há dúvidas que tal matéria consubstancia a existência de defeitos, mais não seja atendendo-se à adequação do bem face ao uso normal a que o mesmo se destina ou à qualidade normal de coisas daquele tipo (isto é, do tipo de serviço prestado). Isto é, quem leva um veículo à oficina para ser reparado e o recebe, de volta, pressupõe que a reparação foi efectuada e a avaria eliminada”.
E, se assim é, cabe à oficina recusar a utilização de um qualquer equipamento que o dono da viatura lhe apresente para ser aproveitado nessa reparação se o mesmo se não mostrar idóneo a tal finalidade.
Cabia à Ré, que é quem domina os conhecimentos técnicos e a arte, informar o Autor que tal motor de “substituição” continha desfasamentos que o tornavam inadequado à reparação.
A responsabilidade por essa inadequação não pode deixar de ser atribuída à Ré.
Discordamos pois, do afirmado na sentença da 1ª Instância de que: “O devedor, neste caso, a Ré logrou ilidir a presunção de culpa, quanto ao incumprimento, que sobre si impendia, na medida em que logrou fazer cair sobre o aqui Autor, credor a responsabilidade pela não reparação do OT. Na verdade, resultou da matéria assente, que a Ré colocou peças de um motor usado, arranjado pelo Autor, idêntico quanto à marca e modelo mas não quanto à série, sendo certo que não se procedeu à reparação necessária, tal qual preconizada pela Ré, no orçamento a que se alude no ponto 2.3 e 2.4”.
Ora, tal orçamento que constituía o acordo inicial foi alterado, na sequência da informação da Ré de que o bloco do motor primitivo estava riscado, sendo necessário colocar diversas peças no mesmo. O Autor adquiriu um motor idêntico e a Ré aceitou instalá-lo na viatura.
Em lado algum se provou que a Ré advertiu o Autor para as consequências da utilização daquele motor de substituição, e que o Autor, previamente informado, nisso insistiu, assumindo o risco do insucesso de tal reparação.
Ocorrendo defeitos na reparação, presume-se, assim, a culpa de quem reparou.
A prestação do serviço pela Ré foi, assim, defeituoso.
Já atrás referimos que houve denúncia dos defeitos.
Tal denúncia foi acompanhada de um pedido de eliminação dos defeitos, no que se mostra respeitado o preceituado no artº 1221 do C.Civ., ou em alternativa da devolução do montante pago.
Mas os defeitos não foram eliminados pela Ré e esta só respondeu recusando essa reparação passados dois meses.
«Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina» - artº 1222º do Cód. Civil.
A Ré perante a denúncia dos defeitos não só não reagiu em prazo razoável, como veio dois meses depois recusar-se a fazê-lo, pelo que a não eliminação dos defeitos por parte da Ré se há-de tomar por definitiva.
Considerando que os defeitos tornavam a obra inadequada ao fim a que se destina tem o Autor, dono da obra, direito à resolução do contrato, nos termos da disposição do artº 1222 do Cód. Civil.
O Autor exerceu esse direito ao pedir na mesma carta de 21 de Janeiro de 2003, em alternativa à reparação, a devolução da quantia de 2.142,00 Euros.
Este pedido equivale à resolução do contrato.

Na presente acção o A., abdicando dum pedido de eliminação de defeitos que já não lhe interessava, veio formular um pedido indemnizatório correspondente ao valor da reparação paga a terceiro e o valor de desvalorização com a aquisição de uma nova viatura face à demora na reparação.
Vejamos se tal pedido indemnizatório se conjuga com a resolução do contrato.
O artigo 1223º do Cód. Civ. estabelece que “O exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes (eliminação dos defeitos, redução do preço e resolução do contrato) não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais”.
Também o artigo 801º nº 2 confere, nos contratos bilaterais, o direito à resolução do contrato, sem embargo do direito à indemnização.
O que se discute na doutrina e jurisprudência é se a indemnização que se cumula com a resolução visa colocar o lesado na situação que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato (interesse contratual negativo) ou, antes, na que se encontraria se o contrato fosse cumprido (interesse contratual positivo). Por outras palavras: acrescenta-se à resolução a indemnização do dano negativo ou de confiança (dano «in contraendo»), ou a de dano positivo ou de cumprimento (dano «in contractu»).
Tem a jurisprudência vindo a pronunciar-se no sentido de que há lugar a indemnização do credor, ainda que haja resolução do contrato, mas os prejuízos a ressarcir são apenas os correspondentes à diferença entre a situação do credor advinda do incumprimento e a situação em que estaria se não tivesse contratado (já que o credor não pode resolver o contrato e ao mesmo tempo fazê-lo valer pedindo indemnização pelos prejuízos derivados do incumprimento).
Nesse sentido se pronunciou, entre outros o Ac. Rel.Lx de 05.05.2005 in www.dgsi.pt/jtrl:
1. A resolução do contrato de empreitada segue as regras gerais, com a especificidade de só ser admitida quando a obra seja inadequada para o fim a que se destina. Tendo o A. estruturado a sua causa de pedir no direito à resolução do contrato, cumulando tal pretensão com uma pretensão indemnizatória, esta só pode assentar nos prejuízos decorrentes da celebração do contrato (dano in contrahendo), ou seja, para a fixação do quantum indemnizatório só pode relevar a diferença entre a situação patrimonial actual do A. e aquela que provavelmente teria se não tivesse celebrado o contrato.
Na doutrina, existem posições de sentido idêntico. Veja-se, por exemplo, Almeida Costa “Direito das Obrigações”, 7ª ed. P.938:
“Na verdade, optando o lesado pela resolução do contrato, seria em substância contraditório que, ao mesmo tempo, pedisse a indemnização pelo seu não cumprimento. O que decorre da lógica e coerência dessa opção é colocar o prejudicado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado. Portanto não só exonerá-lo da obrigação que assumiu ou restituir-lhe a prestação já efectuada, mas também indemnizá-lo do prejuízo que teve pelo facto de celebrar o contrato”.
Ao prejudicado cabe assim o direito de exigir o ressarcimento, quer dos danos que representam uma desvalorização ou perda patrimonial (por exemplo, seguros efectuados com vista à realização da empreitada), quer ainda dos que se traduzem numa não valorização ou frustração de ganho (negócios que se realizariam se não tivesse sido celebrado o negócio resolvido).
Ora, tendo o A. estruturado a sua causa de pedir no direito à resolução do contrato, o Autor teria direito à restituição do montante pago, cumulando tal pretensão com uma prestação indemnizatória, decorrente da celebração do contrato em causa nos autos (dano in contrahendo), ou seja, para a fixação do quantum indemnizatório só pode relevar a diferença entre a situação patrimonial actual do A. e aquela que provavelmente teria se não tivesse celebrado o contrato.
O preço pago a terceiro pela reparação da viatura, constitui um dano resultante do não cumprimento do contrato.
O mesmo se diga da aquisição de uma viatura de substituição.
Não faria sentido que o interessado resolvesse o contrato e, ao mesmo tempo, o fizesse valer, pedindo uma indemnização pelo seu não cumprimento, que tem como suposto a sua subsistência.
Se o credor optar pela resolução do contrato tem apenas direito a ser indemnizado pelos danos negativos, pelos danos que não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato pois, sendo a resolução equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos, tendo efeito retroactivo, as partes devem ficar na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato e, como se refere no Ac. da RC de 8/2/00, CJ, Tomo I, pág. 8, “nestas circunstâncias, parece mais harmonioso com todo o regime vigente que em caso de opção voluntária do credor pelo accionamento do direito potestativo de resolução, em vez de exercitar o direito ao cumprimento contratual, sejam ressarcidos apenas os danos correspondentes ao interesse contratual negativo”.
No caso dos autos, o A., com base na resolução do contrato, por incumprimento definitivo por parte da R., formula, tão só, pedido indemnizatório por prejuízos resultantes do não cumprimento contratual por parte da R.
Do exposto resulta que não pode reconhecer-se-lhe o direito à peticionada indemnização sob pena de se cair na contradição resultante do facto de o credor optar pela resolução do contrato (embora sem pedir a restituição do prestado) e, simultaneamente, pedir uma indemnização pelo seu não cumprimento, assim improcedendo as conclusões das alegações do apelante.
IV
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em:
- Julgar improcedente a apelação e, embora com fundamentos diferentes, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Porto, 4 de Dezembro de 2006
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho
Baltazar Marques Peixoto