Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1024/10.5TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: QUEDA DE ÁRVORE
DANOS CAUSADOS
VEÍCULO
PRESUNÇÃO DE CULPA
PARALISAÇÃO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RP201101181024/10.5TJPRT.P1
Data do Acordão: 01/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 493º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I- A queda de uma árvore existente no parque de estacionamento de um hospital sobre um veículo que aí se encontra estacionado (e em que o condutor deste pagou o preço desse aparcamento), constitui esse mesmo hospital (enquanto entidade dotada de personalidade e de capacidade judiciárias) na obrigação de reparar os danos causados no veículo, por se presumir a sua culpa, nos termos do n° 1 do art. 493° do CCiv..
II- Devendo-se a queda da árvore ao apodrecimento da mesma, a presunção de culpa não fica ilidida com a prova genérica de que o hospital réu tinha funcionários cuja função era a manutenção do dito parque (incluindo as árvores) e a verificação regular do estado das árvores existentes e que, caso verificassem que alguma delas constituía perigo para as pessoas e bens, procederiam imediatamente ao seu abate.
III- O hospital também responde pela privação/paralisação do veículo (tanto mais que no caso de provaram incómodos vários daí resultantes para a autora), sendo o respectivo «quantum» indemnizatório fixado com recurso à equidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc. 1024/10.5TJPRT.P1 – 2ª Secção
(apelação)
______________________
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Ramos Lopes
Des. Maria de Jesus Pereira
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B……., residente em Vila Nova de Famalicão, instaurou a presente acção declarativa (ao abrigo do disposto no DL 108/2006, de 08/06) contra o Hospital de S. João, EPE, com sede nesta cidade do Porto, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 9.519,36€, acrescida do mais que se liquidar em execução de sentença relativamente ao peticionado no art. 33º da petição inicial, tudo acrescido dos juros legais.
Alegou, para tal, que no dia 12 de Outubro de 2009, o seu veículo automóvel de matrícula ..-..-NX foi atingido por uma árvore que estava podre e que se partiu, quando se encontrava estacionado no parque de estacionamento do réu, que a queda da mesma danificou a viatura, cuja reparação ascende a 2.529,36€, e determinou a paralisação da mesma, daí lhe advindo também danos patrimoniais e morais (que descreveu) que pretende, com aquele, ver ressarcidos pelo Hospital.

O réu contestou impugnando a matéria de facto alegada pela autora e afirmou que a queda da árvore ficou a dever-se a factores de ordem natural e que os danos no veículo da autora se deveram, em grande parte, ao modo irregular como ela o estacionou.
Pugnou, por isso, pela improcedência da acção com as legais consequências.

Saneado o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o Hospital réu a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia de 5.029,36€ (cinco mil e vinte e nove euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação sobre a quantia de 2.529,36€, e a partir do trânsito em julgado da sentença sobre a importância de 2.500,00€.

Desta sentença apelou o Hospital réu que culminou as suas alegações do seguinte modo:
“1ª - A queda da árvore não é da responsabilidade do Hospital, ora Recorrente, uma vez que resultou provada a manutenção de cada árvore do Recorrente (não se excluindo a árvore que caiu) e que, no caso de justificada intervenção, por constituir perigo para as pessoas e bens, o mesmo procedia ao abate imediato.
2ª - O recorrente dispõe de uma equipa de 4 jardineiros diários para a manutenção do jardim.
3ª - Nunca foi alegado qualquer facto que sugira que a referida manutenção das árvores fosse realizada de forma negligente ou desleixada.
4ª - O recorrente empregou todas as providências exigidas para evitar os danos causados no veículo da Recorrida, cumprindo o dever de vigilância previsto no art. 493º nº 1 do Código Civil e ilidindo a presunção de culpa dali resultante.
5ª - Ao decidir de outra forma o Tribunal a quo fez uma interpretação errada dos factos dados como provados e da própria lei, não aplicando ao caso concreto o disposto no art. 493° nº 1 do Código Civil.
6ª - Da factualidade provada não resulta que haja qualquer nexo de causalidade entre o comportamento do Recorrente e o período de cerca de 8 meses durante o qual a Recorrida se viu privada do uso do seu veículo.
7ª - Não estando provado qualquer nexo de causalidade, o Recorrente nunca poderia ter sido condenado ao pagamento de uma compensação por danos morais resultante da privação do uso do veículo.
8ª - Ao decidir de outra forma o Tribunal a quo fez uma interpretação errada dos factos dados como provados e da própria lei, não aplicando ao caso concreto o disposto nos arts. 483°, 496° e 563° do Código Civil, no que diz respeito aos seus pressupostos.
9ª - Sem prescindir, face à jurisprudência dominante, o montante de indemnização no valor de 2.500,00€ a que o Recorrente foi condenado em resultado da privação do uso do veículo da Recorrida, é manifestamente exagerado, pelo que carece de ser reduzido a um valor não superior a 500.00€.
Termos em que deve revogar-se a sentença, ora recorrida e, na sequência, proferir-se Acórdão que absolva o Recorrente do pedido ou, se assim não for entendido, condenar-se o Recorrente apenas nos danos materiais, excluindo-se os danos morais ou reduzindo-se os mesmos a um valor não superior a 500,00€”.

A autora contra-alegou em defesa da confirmação da sentença recorrida.
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II. Questões a apreciar e decidir:

Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações do apelante - arts. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3 do CPC, na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24/08, já que a acção foi instaurada depois da entrada em vigor deste diploma, ou seja, depois de 01/01/2008 – e não esquecendo que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que não visam criar decisões sobre matéria nova, as questões que importa apreciar e decidir consiste em saber:
• Se o hospital, ora recorrente, conseguiu ilidir a presunção de culpa prevista no art. 493º do CCiv.;
• Se há motivo para a fixação de indemnização pela privação/paralisação do veículo da autora e, na afirmativa, se o montante fixado é exagerado e deve ser reduzido.
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III. Factos provados:

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (que não vêm impugnados por nenhuma das partes):
a) A autora é dona e legítima possuidora do veículo automóvel de marca Peugeot 206, com a matrícula ..-..-NX, conforme documento junto a fls. 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
b) No dia 12 de Outubro de 2009, a autora, como de costume, deixou aquele seu veículo estacionado no parque automóvel do réu, no sítio que as fotografias juntas a fls. 15 a 22 comprovam.
c) A autora pagou ao réu, no dia 22/09/2009, o preço do estacionamento no aludido parque, respeitante ao mês de Outubro desse ano, conforme recibo junto a fls. 23 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
d) Naquele dia 12 de Outubro de 2009, pelas 14.00 horas, a autora foi informada pelo médico Dr. C…….. de que o dito veículo automóvel de matrícula ..-..-NX tinha sido atingido por uma árvore do parque de estacionamento do réu, conforme fotografias juntas a fls. 15 a 22 dos autos.
e) A autora deu conhecimento desse facto ao responsável pelo serviço de qualidade operativa do réu, Engº D………, em 21/10/2009, conforme carta registada com AR, junta a fls. 24 a 26 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, à qual anexou o recibo de pagamento do parque, as fotografias do sinistro e o orçamento da oficina E……, que fica perto da sua residência, relativo à reparação do veículo de matrícula ..-..-NX, junto a fls. 27 e 28 dos autos.
f) A autora, através do seu advogado, interpelou o réu, por carta registada de 25/01/2010, na pessoa do já referido responsável, Engº D…….., conforme documento junto a fls. 29 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
g) No dia 18 de Fevereiro de 2010, o mesmo Engº D…….. telefonou ao advogado da autora e disse que segunda-feira (22/02/2010) iria falar com o representante do réu, directamente responsável.
h) Nos contactos havidos até hoje, o réu não indicou à autora a identidade de qualquer seguradora para a qual tenha sido transferida a responsabilidade dos danos ocorridos por causa da queda da árvore, no referido parque de estacionamento.
i) Por causa da queda da árvore do réu, a autora ficou com o seu veículo de matrícula ..-..-NX danificado.
j) A autora decidiu ordenar à oficina E….. que desse início aos trabalhos de reparação do seu veículo.
l) A reparação do aludido veículo ascende a 2.529,36€.
m) A autora, desde 12/10/2009 até, pelo menos, à data da entrada da presente acção em juízo, em 02/06/2010, ficou impedida de utilizar o seu automóvel, com que se deslocava, diariamente, da sua residência, na Av. …., da freguesia da …, no concelho de Vila Nova de Famalicão, para o estabelecimento hospitalar do réu, onde trabalha, no Porto.
n) A falta do carro obrigou a autora, desde aquela data de 12/10/2009 até, pelo menos, à data da entrada da presente acção em juízo, em 02/06/2010, a levantar-se, diariamente, às 05,00 horas, para apanhar dois autocarros, às 07,00 horas, um até Vila Nova de Famalicão, onde apanhava outro para o hospital do réu, no Porto, por forma a poder chegar a tempo ao trabalho, às 08,00 horas,
o) A autora sai do trabalho entre as 17,00 e as 18,00 horas e, desde aquela data de 12/10/2009 até, pelo menos, à data da entrada da presente acção em juízo, em 02/06/2010, chegou a casa entre as 19.30 e as 20.00 horas.
p) Quando utilizava o seu automóvel, a autora saía de casa pelas 07.30 horas e, percorrendo um itinerário já conhecido, conseguia chegar às 08.00 horas ao trabalho.
q) Na viagem de regresso, quando utilizava o veículo sinistrado, a autora estava sempre em casa antes das 19.00 horas.
r) O parque de estacionamento onde ocorreu a queda da árvore situa-se em frente ao edifício onde o réu presta os respectivos serviços de saúde, junto à vedação que limita o terreno do Hospital.
s) O réu dispõe de funcionários cuja única função é a manutenção do seu jardim e de todo o seu parque arbóreo, sendo regularmente verificado o estado de cada árvore existente.
t) No caso de se verificar que alguma dessas árvores se encontra num estado que justifique a sua intervenção, por constituir perigo para as pessoas e bens, é decido imediatamente o seu abate.
u) A árvore que caiu sobre o automóvel da autora já carecia de ser cortada e arrancada, por se encontrar doente, vulgo, podre.
v) A autora, no momento anterior à queda da árvore, estacionou o seu veículo ocupando, com a parte da frente do mesmo, parte do parque arbóreo.
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IV. Apreciação jurídica:

1. Descritos os factos dados como provados – que se consideram assentes, por não terem sido impugnados pelo recorrente e por não haver motivo para a sua alteração oficiosa (nos termos do art. 712º do CPC -, comecemos por aferir se assiste razão ao apelante na 1ª questão que suscita e que se deixou enunciada.
Entende ele que os factos provados são suficientes para que se considere ilidida a presunção de culpa em que a sentença recorrida se estribou para o condenar nos termos em que o fez.
A culpa é um dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevista nos arts. 483º e segs. do CCiv. (diploma a que nos reportaremos quando outra menção não for feita); os outros são:
- o acto ilícito, resultante da violação de um direito ou interesse alheio ou de norma destinada à sua protecção;
- a existência de danos
- e o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos, na sua formulação duplamente negativa, correspondente ao ensinamento de Enneccerus-Lehmann, segundo o Prof. Antunes Varela, [in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., pág. 928 a 930], conforme se afere do disposto no art. 563º que impõe a obrigação de indemnizar em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
A culpa, vínculo de imputação do facto ao agente, pode revestir duas modalidades: o dolo ou a negligência. O dolo pode ser directo, necessário ou eventual; a negligência pode ser consciente ou inconsciente.
O art. 487º fixa o critério para aferição da culpa; “para ver se o agente teve culpa compara-se a sua conduta com a que teria tido um «bom pai de família» que é um homem inteiramente abstracto. No funcionamento prático do critério é muito importante a distinção entre circunstâncias externas e internas; - como teria procedido um bom pai de família colocado nas mesmas circunstâncias externas e só nessas em que procedeu o agente. Se um bom pai de família nas mesmas circunstâncias externas teria procedido de outro modo, a conduta do agente será errada e haverá culpa. É a interpretação restritiva da lei” [citação retirada de Pereira Coelho, in “Obrigações”, pg. 150; cfr. também Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pgs. 586 e segs. e Pessoa Jorge, in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1995, pgs. 321 e segs.].
É a quem propõe a acção e pretende ver reconhecido o seu direito indemnizatório que compete alegar a provar os factos integradores da culpa do lesante (art. 342º nº 1), já que na responsabilidade extracontratual não funciona nenhum princípio genérico idêntico ao que existe na responsabilidade contratual, em que o art. 799º estabelece uma presunção de culpa do devedor. Na responsabilidade extracontratual, o lesado só não tem que provar a culpa do lesante (em conformidade com o disposto nos arts. 344º nº 1 e 350º nº 1) quando beneficie, pontualmente, de alguma presunção de culpa deste.
A douta sentença recorrida, além de ter considerado verificados os demais pressupostos da modalidade da responsabilidade civil a que vimos aludindo (e com essa parte da decisão o hospital apelante conforma-se), entendeu também que a queda da árvore que danificou a viatura da demandante é imputável ao recorrente a título de culpa, por violação ou inobservância do dever de vigilância imposto pelo nº 1 do art. 493º e por este não ter logrado ilidir a presunção de culpa estatuída neste normativo.
É contra este segmento da decisão que o hospital apelante começa por se insurgir, sustentando que a factualidade dada como provada, mais concretamente a que ora consta das als. s) e t) do ponto III deste acórdão, é suficiente para que se considere ilidida a referida presunção de culpa.
Vejamos.
Dispõe o art. 493º nº 1 que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, (…), responde pelos danos que a coisa (…) cause, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Que este preceito estabelece uma presunção de culpa não há dúvida alguma. Mas para que ela ocorra é necessário que a coisa (móvel ou imóvel) esteja em poder ou à guarda de alguém e que essa pessoa tenha o dever de a vigiar. Como ficou provado que a árvore que caiu e danificou o veículo da autora estava implantada no parque de estacionamento do hospital recorrente, também não haverá dúvidas quanto à subsunção da situação fáctica (do sinistro) à previsão do nº 1 daquele art. 493º, pois cabia ao demandado-recorrente o dever de vigilância daquela e das demais árvores do seu parque, tanto mais que aí estacionavam (legalmente) veículos mediante o pagamento àquele, por parte dos utentes, de um determinado preço.
Aliás, diga-se que o hospital recorrente não põe, verdadeiramente, em causa esta constatação. O que ele afirma no recurso é que logrou ilidir a apontada presunção de culpa.
Não lhe assiste, porém, razão, já que o descrito nas als. s) e t) dos factos provados é manifestamente exíguo para tal desiderato. Delas resulta tão-só que o réu tinha funcionários cuja função era a manutenção do dito parque (incluindo as árvores) e a verificação regular do estado das árvores existentes e que, caso eles verificassem que alguma delas constituía perigo para as pessoas e bens, procederiam imediatamente ao seu abate.
Mas delas (das mesmas alíneas) não decorre que, relativamente à árvore que danificou o veículo da demandante, tenha sido, devida e atempadamente, observado tal dever de vigilância (e prevenção de danos), pois se assim fosse a árvore em questão não teria caído de podre, como caiu – al. u) dos factos provados. É que o apodrecimento de uma árvore não é um fenómeno instantâneo, que possa ocorrer de um momento para o outro, apanhando desprevenido quem tem o dever de a tratar (no sentido de proceder à sua manutenção) e vigiar. Pelo contrário, trata-se de fenómeno que demanda algum tempo e que se revela por sinais exteriores, na própria árvore, que são facilmente identificáveis por quem tem a seu cargo o respectivo tratamento e vigilância. E se ela caiu de podre, como efectivamente caiu, é porque de duas uma: ou os ditos funcionários negligenciaram os sinais reveladores do apodrecimento da árvore, ou confiaram, erradamente (por falta do cuidado devido), que o estado de apodrecimento em que a mesma se encontrava não seria ainda suficiente para a sua queda. Em qualquer dos casos ocorre negligência por parte dos funcionários do hospital apelante e, por inerência, também deste, nos termos fixados no art. 501º [para algum desenvolvimento das situações abrangidas por este preceito, vejam-se Antunes Varela, obr. e vol. cit., pgs. 669-674 e Dario de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pgs. 296-307].
Como tal, sem necessidade de outros desenvolvimentos, apresenta-se cristalino que o hospital apelante não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ele impende «ex vi» do estabelecido no nº 1 do citado art. 493º.
Nesta parte, improcede a douta apelação.

2. Impugna o apelante, ainda, a condenação de que foi alvo, a título de danos não patrimoniais, pelos incómodos sofridos pela autora devido à privação/paralisação do seu veículo; diz, por um lado, que não é devida qualquer indemnização neste âmbito e, por outro, que, a entender-se o contrário, então o montante fixado é exagerado e deve ser substancialmente reduzido (para 500,00€, na sua perspectiva).
Por ter ficado privada do seu veículo desde a data do sinistro até, pelo menos, à propositura desta acção, a autora, aqui recorrida, reclamou o pagamento de uma compensação de 6.990,00 [cfr. arts. 24º a 34º da p. i.].
Na sentença recorrida considerou-se, face ao apurado sob as als. m) a q) dos factos provados, que os incómodos suportados pela autora “constituem danos não patrimoniais” que “assumem gravidade suficiente para merecer a tutela do direito”; e acrescentou que “o montante peticionado pela autora afigura-se no entanto exagerado, já que os danos não patrimoniais em causa, …, não se podem comparar com outros danos não patrimoniais, nomeadamente com o dano sofrido na integridade física, ou com uma ofensa à honra, ao bom nome ou à reputação, considerando-se ajustada a quantia de 2.500,00€, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora”.
Não há dúvida quanto à ressarcibilidade deste dano quando se prove que a paralisação do veículo sinistrado importou despesas para o lesado (designadamente, por ter tido necessidade de recorrer a transportes alternativos). Mas «in casu» a autora não logrou provar a existência de danos patrimoniais decorrentes daquela paralisação.
Ora, nestes casos em que não ficam provados quaisquer danos patrimoniais em consequência da paralisação/privação do veículo sinistrado, tem havido divergências Jurisprudenciais quanto à ressarcibilidade «per se» da própria paralisação, enquanto dano causador de incómodos para o utilizador habitual da viatura que devem ser compensados como danos não patrimoniais.
Alguns acórdãos entendem que a privação do uso de um veículo automóvel durante um certo lapso de tempo “constitui, só por si, um dano indemnizável”, na medida em que “o dono do veículo, ao ser-lhe tornada impossível a utilização do mesmo durante o período em causa, sofre uma lesão no seu património, uma vez que deste faz parte o direito de utilização das coisas próprias” e que “essa lesão é avaliável, por si só, em dinheiro … e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado” [neste sentido, i. a., Acs. do STJ de 05/07/2007, proc. 07B1849, de 06/05/2008, proc. 08A1279, ambos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, desta Rel. do Porto de 21/12/2006, proc. 0630774, de 04/11/2008, proc. 0824890 e de 19/03/2009, proc. 3986/06.8TBVFR.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Rel. de Évora de 24/05/2007, in CJ ano XXXII, 3, 249; cfr. também o estudo de Abrantes Geraldes, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 3ª edição, onde equaciona as teses que se confrontam sobre esta questão e cita abundante doutrina e jurisprudência]. Outros sustentam que “concedendo, embora, que a privação do veículo constitui um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, o certo é que é necessário que tal seja causal de um dano, isto é, se repercuta em termos negativos na situação patrimonial do lesado”, designadamente por este ter tido necessidade de alugar um veículo de substituição, por ter gasto quantias extra, por ter sofrido incómodos com o recurso a outros transportes, etc. [assim, Acs. do STJ de 05/07/2007, proc. 07B2138, de 30/10/2008, proc. 08B2662, ambos in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação de 16/10/2006, proc. 0654263 e de 17/12/2008, proc. 0856153, in www.dgsi.pt/jtrp].
No caso, face aos incómodos sofridos pela autora, o Tribunal «a quo» arbitrou-lhe, como já se disse, uma compensação de 2.500,00€, ao abrigo dos nºs 1 e 3 do art. 496º.
Seja sob este prisma ou sob o mencionado em primeiro lugar (em que a indemnização é arbitrada a título de dano patrimonial, ao abrigo do nº 3 do art. 566º), nas duas orientações que ficaram referenciadas, não há qualquer dúvida que a autora deve ser ressarcida pela privação da viatura durante o lapso de tempo que ficou provado, pois esta privação/paralisação resultou (foi causada), por um lado, dos danos que o veículo sofreu com a queda da árvore do parque do hospital apelante e, por outro, do facto deste não se ter prontificado a proceder à respectiva reparação em tempo oportuno e ter deixado protelar a situação até à data da propositura da acção (esta constatação afasta as reticências que o apelante aponta nas 6ª e 7ª conclusões das suas alegações).
E, por conseguinte, também neste segmento falece razão ao apelante ao pretender ver afastada a parcela indemnizatória que foi fixada pelo Tribunal «a quo» pela privação do uso do veículo da demandante (ou pelos incómodos que daí lhe advieram).

3. Onde o apelante tem alguma razão é no «quantum» arbitrado pelo dano acabado de indicar. Seja ele uma compensação por dano não patrimonial (opção seguida na sentença recorrida) ou uma reparação de dano patrimonial (por a privação do uso do veículo acarretar, por si só, um prejuízo no património do lesado que demanda ressarcimento), ali nos termos dos nºs 1 e 3 do art. 496º, aqui em conformidade com o nº 3 do art. 566º, o respectivo montante indemnizatório deve ser determinado com recurso à equidade, por estar em causa “uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”, em que imperam “a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva” [cfr. Dario de Almeida, obr. cit., pgs 107-110].
Ora, em termos comparativos com outros casos de privação de uso de veículo que têm sido julgados nesta Relação, parece-nos que o «quantum» fixado na sentença recorrida (2.500,00€) se apresenta algo exagerado, considerando-se mais adequada e justa, ao tempo e extensão do dano, uma indemnização de 1.200,00€.
Nesta parte, impõe-se, então, a parcial procedência da apelação.
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Sumariando o que fica exposto:
• A queda de uma árvore existente no parque de estacionamento de um hospital sobre um veículo que aí se encontra estacionado (e em que o condutor deste pagou o preço desse aparcamento), constitui esse mesmo hospital (enquanto entidade dotada de personalidade e de capacidade judiciárias) na obrigação de reparar os danos causados no veículo, por se presumir a sua culpa, nos termos do nº 1 do art. 493º do CCiv..
• Devendo-se a queda da árvore ao apodrecimento da mesma, a presunção de culpa não fica ilidida com a prova genérica de que o hospital réu tinha funcionários cuja função era a manutenção do dito parque (incluindo as árvores) e a verificação regular do estado das árvores existentes e que, caso verificassem que alguma delas constituía perigo para as pessoas e bens, procederiam imediatamente ao seu abate.
• O hospital também responde pela privação/paralisação do veículo (tanto mais que no caso de provaram incómodos vários daí resultantes para a autora), sendo o respectivo «quantum» indemnizatório fixado com recurso à equidade.
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V. Decisão:

Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar parcialmente procedente a apelação e, por via disso, revogar, também em parte, a douta sentença recorrida, reduzindo-se a parcela indemnizatória pela privação/paralisação do veículo da autora à quantia de 1.200,00€ (mil e duzentos euros) e o montante global da indemnização à importância de 3.729,36€ (três mil setecentos e vinte e nove euros e trinta e seis cêntimos), mantendo-se, no mais, o que ali se decidiu.
2º) Condenar apelante e apelada nas custas, na proporção do decaimento.
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Porto, 2011/01/18
Manuel Pinto dos Santos
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Maria de Jesus Pereira