Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0712029
Nº Convencional: JTRP00040458
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ADIAMENTO
Nº do Documento: RP200706250712029
Data do Acordão: 06/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 94 - FLS 59.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do n.º 2 do art. 70º do CPT “a audiência só pode ser adiada, e por uma vez, se houver acordo das partes e fundamento legal”.
II - Não indicando o CPT quais os fundamentos legais de adiamento da audiência, é aplicável o disposto no art. 651º do C. P. Civil.
III - Se a mandatária da ré informou atempadamente o Tribunal e a parte contrária da impossibilidade de comparência e requereu o adiamento da audiência que nunca fora adiada, mostra-se preenchida a situação prevista na al. d) do n.º 1 do art. 651º do CPC, pelo que não poderia ser feito o julgamento sem se ter questionado a parte contrária sobre o seu acordo quanto ao requerido adiamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B………. instaurou no Tribunal do Trabalho de Lamego contra C………., Lda., acção emergente de contrato de trabalho pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as remunerações que indica na petição, acrescidas dos juros de mora.
A Ré contestou e deduziu pedido reconvencional, tendo junto com a contestação procuração cujo teor é o seguinte: “C………., Lda., pessoa colectiva” … “constitui bastante procuradora D………., E………. e Associados – Sociedade de Advogados, com sede” … “representada pelos sócios E………. e D………. e constituindo ainda a Exma. Sra. Dra. F……….., advogada, aos quais confere os mais amplos poderes forenses em Direito permitidos”….
A contestação foi subscrita pela Dra. F………. .
Foi designado para julgamento o dia 3.10.2006, pelas 9.30 horas.
Em 2.10.2006, pelas 16.52 horas, a Dra. F………. remeteu ao Tribunal a quo, via fax, o seguinte requerimento: “F………., advogada, portadora da cédula” ….. “mandatária da Ré C………., Lda., nos presentes autos EXPÕE 1. A exponente encontra-se de licença de maternidade em virtude do nascimento, em 16 de Setembro de 2006, de sua filha, conforme cópia de Boletim de Nascimento que ora se junta. 2. Deparando-se com a impossibilidade de estar presente na audiência de julgamento agendada para o dia 3 de Outubro, pelas 9.30 horas. PELO QUE REQUER Que V. Exa., nos termos do disposto no art.651º do CPC se digne relevar tal impossibilidade considerando justificada a falta da ora requerente e agendando nova data para a realização da audiência de julgamento. JUNTA: cópia de Boletim de nascimento e comprovativo de notificação da parte contrária”.
A fls. 115 dos autos encontra-se junto, via fax, um “Boletim de Nascimento”.
O teor do requerimento foi remetido ao mandatário do Autor, via fax, pelas 16.43 horas do dia 2.10.2006.
Da acta de audiência do dia 3.10.2006 consta, na parte que aqui interessa, o seguinte: … “Presentes: todas as pessoas convocadas, à excepção da Ilustre Mandatária da Ré, bem como das testemunhas da mesma, as quais são a apresentar. Encontrava-se presente o Sr. G………., na qualidade de legal representante da Ré. Iniciada a audiência, o Mmo. Juiz tentou a conciliação entre as partes e não tendo esta sido possível, passou-se de imediato à audição das testemunhas do autor, quando eram 11 horas”….
Após a realização da audiência de julgamento, o Tribunal a quo respondeu à matéria de facto.
A Ré veio arguir a nulidade da audiência de julgamento realizada no dia 3.10.2006 alegando que apesar de ter sido notificada da resposta à matéria de facto não recebeu do Tribunal a quo qualquer notificação de despacho que indeferiu o seu requerimento de pedido de adiamento da audiência, constituindo tal omissão nulidade processual.
O Autor veio responder.
De seguida foi proferida sentença.
A fls.153/154, foi proferido o seguinte despacho: … “Dando de bondade que a ilustre mandatária da Ré esteve impossibilitada de estar presente na audiência de julgamento, tal não significa que a Ré não pudesse fazer-se representar por advogado, uma vez que a procuração junta a fls.58 é passada, além da Sra. Dra. Advogada signatária, ainda aos Srs. Drs. Advogados E………. e D………. . Seja como for, em processo laboral, a falta de advogado a julgamento, ainda que justificada, não é, por si só, fundamento para adiamento – v.art.70º CPT. Pelo exposto declaro inexistir a suscitada nulidade” ….
Inconformada com tal despacho veio a Ré recorrer pedindo seja anulada a audiência de julgamento do dia 3.10.2006, bem como todo o processado posterior àquela diligência, concluindo nos seguintes termos:
1. A mandatária da Ré informou atempadamente o Tribunal e o colega de que estava impedida de comparecer na audiência de julgamento marcada para o dia 3 de Outubro de 2006.
2. A mandatária da Ré comunicou de forma concreta, com junção de prova, as circunstâncias que foram impeditivas da sua presença e que constituíam fundamento para o adiamento da audiência de julgamento.
3. Apesar de tal pedido ter sido previamente comunicado, a dita sessão de audiência de julgamento foi indevidamente realizada, sem a presença da mandatária da Ré.
4. Violando o disposto no art.651º nº1 al.d) do CPC, tendo sido cometida irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa.
5. Pelo que ao não atender ao requerimento apresentado pela advogada signatária, o Mmo. Juiz a quo violou a lei e não procedeu a uma correcta interpretação dos arts. 70º nº2 do CPT e 651º nº1 al.d) e 155º nº5 do CPC.
O Mmo. Juiz a quo sustentou o despacho recorrido.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o agravo não merecer provimento.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Para além do que consta do § anterior nenhuma outra factualidade cumpre aqui referir.
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III
Questão a apreciar.
Se a audiência de julgamento deveria ter sido adiada por no caso se verificar a situação prevista no art.70º nº2 do CPT com referência ao disposto nos arts.651º nº1 al.d) e 155º nº5 do CPC.
A agravante defende que tendo a sua mandatária informado atempadamente o Tribunal e a parte contrária da sua impossibilidade de comparência na audiência, não deveria a mesma ter ocorrido, como facto ocorreu, tendo sido cometida irregularidade a influir no exame e decisão da causa. Vejamos então.
Nos termos do disposto no nº2 do art.70º do CPT “a audiência só pode ser adiada, e por uma vez, se houver acordo das partes e fundamento legal”.
Não indicando o CPT quais os fundamentos legais de adiamento da audiência teremos de recorrer ao disposto no art.651º do CPC., conforme determina o art.1º nº2 al.a) do CPT.
Nos termos do disposto no art.651º nº1 al.d) do CPC., é motivo de adiamento da audiência de discussão e julgamento a falta de algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº5 do art.155º.
Tendo em conta o que se deixou referido no § I do presente acórdão há que concluir que a mandatária da Ré comunicou ao Tribunal a quo, via fax, a sua impossibilidade de comparência na véspera do julgamento, tendo o mesmo dado entrada ainda durante a hora em que o Tribunal se encontrava a funcionar.
Por isso, considera-se que aquela mandatária deu cumprimento ao disposto no art.155º nº5 do CPC., e como tal encontra-se preenchida a situação prevista na al.d) do nº1 do art.651º do mesmo diploma legal.
Contudo, para haver adiamento é igualmente necessário o acordo da parte contrária – art.70º nº2 do CPT.
Do teor da acta de audiência verifica-se que nada é referido quanto ao teor do fax enviado pela mandatária da Ré na véspera do julgamento, tudo se passando como se esse fax nunca tivesse chegado ao conhecimento do Tribunal, não obstante ter estado presente na audiência o legal representante da Ré. E o que acabamos de dizer tem a sua razão de ser.
Com efeito, e admitindo que o Tribunal a quo teve conhecimento do teor do fax enviado, então teria o Mmo. Juiz a quo que “questionar” a parte contrária – o Autor -, no sentido de obter ou não o acordo no adiamento. E se o Autor não se opusesse ao adiamento, então estariam verificados os pressupostos para fazer funcionar o disposto no art.70º nº2 do CPT., com referência ao art.651º nº1 al.d) do CPC.
Ora, a acta é totalmente omissa quanto ao adiamento requerido via fax pela mandatária da Ré. E mesmo posteriormente o Mmo. Juiz a quo não esclarece tal situação (por exemplo, o facto de o fax só ter chegado ao seu conhecimento após a realização da audiência). Por isso, de duas uma: ou o fax não chegou ao conhecimento do Tribunal a quo na data do julgamento (por razões que escapam a este Tribunal), ou então tendo chegado ao conhecimento pelo menos no dia e hora designado para o julgamento, o Mmo. Juiz a quo omitiu o dever de obter o acordo no adiamento. Quer se verifique uma ou outra das situações temos sempre de concluir que foi cometida irregularidade a influir no exame e decisão da causa, mais precisamente a realização do julgamento sem a presença da mandatária da Ré e sem se ter dado cumprimento à 1ªparte do nº2 do art.70º do CPT.
Por isso, estamos de acordo com o Mmo. Juiz a quo quando diz que não basta a falta de advogado para provocar o adiamento da audiência. Só que também o Tribunal a quo não colheu o outro elemento necessário – o acordo da parte contrária.
E a questão objecto do presente recurso – o adiamento da audiência por falta de mandatário de uma das partes – não tem a ver, salvo melhor opinião, com a questão de “representação” da Ré, já que a mandatária faltosa tem poderes para representar a parte (a Ré), atento o teor da procuração junta aos autos.
E igualmente não é defensável (como parece dar a entender o despacho recorrido) que perante a passagem de procuração a uma sociedade de advogados – como é a situação em análise – cada um dos advogados referidos na procuração fica automaticamente a ser “substituto” daquele que patrocina a parte no processo quando ocorrer o impedimento deste. Tal entendimento tornaria praticamente impossível o exercício do mandato no caso em que o advogado ou advogados fazem parte de uma sociedade de advogados, sociedade que não tem como finalidade a referida “substituição”, mas antes o exercício em comum da profissão de advogado com vista a repartir os respectivos lucros (art.1º do DL 229/04 de 10.12 que aprovou o regime jurídico das sociedades de advogados).
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Termos em que se concede provimento ao agravo, se revoga o despacho recorrido e em consequência se anula o julgamento e actos posteriores ordenando-se que o Mmo. Juiz a quo designe nova data para julgamento, proceda à sua realização e demais diligências necessárias ao prosseguimento dos autos e a final profira sentença.
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Sem custas.
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Porto, 25 de Junho de 2007
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais