Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00041309 | ||
| Relator: | PINTO FERREIRA | ||
| Descritores: | MATÉRIA DE FACTO IMPUGNAÇÃO ÓNUS | ||
| Nº do Documento: | RP200805050851517 | ||
| Data do Acordão: | 05/05/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA EM PARTE. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 338 - FLS 85. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O convite ao aperfeiçoamento das conclusões previsto no n.º 4 do art. 690.º do CPC não é aplicável à impugnação da matéria de facto, no âmbito do disposto no art. 680.º- A. II - Caso contrário o legislador tê-lo-ia dito expressamente. Não o fez, para não tornar esta impugnação em mero expediente dilatório. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 1517/08 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório B………., residente na Rua ………., n.º .., Matosinhos, intentou a presente acção contra C………. e D………., residentes na Rua ………., n.º …., ………., Matosinhos, pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a autora e os réus e, em consequência; - a condenação dos réus a restituírem à autora a totalidade do que esta lhes haja prestado a título de rendas, no valor de €450,00; -. a condenação dos réus a pagarem à autora uma indemnização no valor de €5.813,66, correspondente à totalidade das despesas pela mesma suportadas com obras, aquisição e instalação de equipamentos, máquinas e mobiliário no arrendado; - a condenação dos réus a pagarem à autora a compensação de €1.500,00 a título de danos morais, bem como juros de mora sobre os montantes acima mencionados, contados desde a data da citação. Para tanto, alega que, em finais de Setembro de 2005, por contrato escrito, tomou de arrendamento aos réus uma fracção autónoma da propriedade destes, com vista à exploração de um estabelecimento destinado a fabrico de bolos e pastelaria, cuja inauguração seria no final do mês de Outubro de 2005. Antes de celebrar tal contrato informou expressamente os réus da actividade que visava exercer no locado e, bem assim, da data em que pretendia abrir o estabelecimento ao público e, nessa altura, o réu marido assegurou à autora que o locado estava licenciado para essa actividade e que até tinha “licença de hotelaria”. Logo no final de Setembro de 2005, sob o pretexto de que havia mais interessados no locado, o réu exigiu da autora o pagamento da primeira renda, no valor de € 450,00, que pagou, recebendo as chaves do locado. De seguida, a autora iniciou as obras necessárias ao funcionamento do pretendido estabelecimento e adquiriu os equipamentos adequados a tal finalidade e, aproximando-se a data prevista para a inauguração do estabelecimento, a autora foi informada pela Câmara Municipal de Matosinhos que, no locado, não poderia funcionar qualquer estabelecimento de fabrico e venda de bolos e bebidas, sendo ilegal o exercício da actividade de panificação, o que veio a confirmar na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, em face do título constitutivo da propriedade horizontal. Confrontados com esta situação e com o facto de constar expressamente do contrato de arrendamento que “o local arrendado destina-se à actividade de comércio a retalho de confeitaria e pastelaria”, o réu marido limitou-se a dizer que “não tinha nada a ver com isso”. Sucede que os réus não apresentaram comprovativo da autorização camarária para o exercício da actividade de produção, fabrico /comercialização de pastelaria e confeitaria. Ora, para além das despesas que realizou, da renda que pagou e dos lucros que deixou de obter, a autora sentiu-se desesperada, enganada e abalada emocionalmente, não tendo conseguido dormir durante vários dias Nas obras que realizou e na aquisição de equipamentos despendeu € 5.813,66. Parte dessas obras, como pintura de paredes, instalação eléctrica e novas canalizações passaram a integrar o imóvel, como benfeitorias, enquanto os e equipamentos adquiridos foram adequados e feitos por medida por forma a adequar-se ao espaço e disposição do imóvel arrendado. A situação descrita confere à autora o direito de resolver o contrato de arrendamento e à consequente restituição da renda paga, bem como a exigir uma indemnização nos termos gerais, correspondente ao valor das despesas que efectuou e aos danos morais sofridos. Os réus contestam e deduzem reconvenção, impugnando os factos alegados na petição inicial, dizendo ser falso que alguma vez tenham garantido que o local em causa estivesse licenciado para o exercício da actividade de fabrico e venda de bolos e bebidas, posto que, no local, funcionava anteriormente um comércio a retalho de artigos têxteis. De resto, o que foi convencionado, e ficou plasmado no clausulado do contrato de arrendamento, foi que a finalidade do arrendado era a actividade de comércio a retalho de pastelaria, podendo no entanto dedicar-se a qualquer outro ramo comercial desde que seja autorizado por lei e pelas autoridades competentes. Era à autora quem competia a obtenção das necessárias licenças para a visada actividade. Conclui, assim, pela improcedência da acção. A resolução do contrato de arrendamento pela autora, sendo a mesma eficaz, não pode, contudo, fundar-se em “justa causa”. Daí que os réus tenham direito a receber da autora o montante equivalente às rendas vencidas e não pagas pela autora até ao momento em que se operou a resolução do contrato de arrendamento, ou seja, as rendas vencidas desde Novembro de 2005 até Janeiro de 2.006, à razão mensal de €425,00. Porém, mesmo após a resolução do contrato pela autora, continua esta a usar o locado pelo que, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, deverá ser condenada a pagar aos réus o montante de €425,00 por cada mês que, após aquele momento, tem vindo a usar do imóvel dos réus. Acresce que a autora não procedeu, tal como estava contratualmente obrigada, ao pagamento do condomínio do arrendado relativo ao quarto trimestre de 2005, cujo montante é de €75,00. Terminam pedindo a condenação da autora/reconvinda a pagar aos reconvintes a quantia global de €2.625,95 e, bem assim, a entregar o arrendado livre de pessoas e de coisas. Os autores apresentaram resposta onde concluem pela improcedência da reconvenção. Por despacho foi admitido o pedido reconvencional e elaborado o despacho saneador, com organização da matéria assente e selecção da base instrutória. Realizou-se a audiência de julgamento e respondeu-se à matéria dos quesitos. Profere-se sentença em que se julga tanto a acção como a reconvenção, como parcialmente procedentes. Inconformados, recorrem os réus. Recebido o recurso, apresentam-se alegações e contra-alegações. Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso. * II - Fundamentos do Recurso É sabido que são as conclusões dos recursos que delimitam e demarcam o seu âmbito - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC - Este pormenor faz com que se justifique a sua transcrição. Assim: 1) O Ilustre Tribunal a que errou no julgamento da matéria de facto: ao julgar provado que a Recorrida antes de celebrar o Contrato de Arrendamento Comercial informou os Apelantes de que pretendia instalar no arrendado um estabelecimento para venda de bolos; ao julgar provado que a recorrida só celebraria o contrato se a licença de utilização do imóvel permitisse esse tipo de actividade comercial, caso contrário não teria interesse na celebração do mesmo; ao julgar provado que a supra consignada condição era do conhecimento dos Apelantes; ao julgar provado que posteriormente à assinatura do contrato de arrendamento, a Recorrida pediu ao seu marido que confirmasse junto da Câmara Municipal de Matosinhos que o estabelecimento que pretendia abrir podia funcionar no arrendado; ao julgar provado que, no dia 19 de Outubro de 2005, a Apelada foi informada que a licença de utilização do arrendado apenas permitia o exercício de comércio e prestação de serviços, não estando licenciado para o exercício da actividade de fabrico e venda de bolos e bebidas; e, ao julgar provado que a inauguração do estabelecimento foi agendada, pela Recorrida, para o dia 22 de Outubro de 2005, pois, do depoimento prestado pela Apelante e dos testemunhos prestados pelas Testemunhas: E……….; F……….; G………. e H………., desde que, obviamente, conjuguemos os depoimentos e testemunhos prestados com as regras ou máximas da experiência comum, somos, necessariamente forçados a concluir que, a realidade dos factos é bem diferente. Os depoimentos e testemunhos supra referidos foram prestados, em 17 de Maio de 2007, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, vide - Fls. 192 e 193. 2) O Ilustre Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de direito, pois, como resulta da impugnação da Sentença proferida sobre a matéria de facto - errado julgamento dos factos -: A) não obstante a resolução do Contrato de Arrendamento efectuada pela Apelada ser EFICAZ, cristalino é que, a resolução contratual efectuada pela Recorrida carece de JUSTA CAUSA, ergo, em nada têm os aqui Recorrentes que indemnizar a aqui Recorrida, dado que, os aqui Apelantes não incorreram em qualquer Responsabilidade Contratual, o mesmo é dizer: os aqui Recorrentes não provocaram com o comportamento contratual que tiveram quaisquer danos patrimoniais e/ ou não patrimoniais à aqui Apelada. Assim sendo, o Ilustre Tribunal a quo ao condenar os aqui Recorrentes através do instituto da Responsabilidade Contratual previsto no Código Civil, errou, já que, a conduta dos aqui Apelantes não é subsumível em semelhante instituto legal; B) o Ilustre Tribunal a quo ao condenar os aqui Apelantes a restituírem à aqui Recorrida o quantia de €: 425, 00 (Quatrocentos e vinte e cinco euros), equivalente à renda do mês de Outubro de 2005 paga por esta, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, violou o prescrito no art. 434º do C. C., pois, por força de semelhante dispositivo legal, a resolução efectuada, por não existir JUSTA CAUSA da mesma, não abrange a prestação efectuada; e, C) a resolução do Contrato de Arrendamento operada pela Apelada ao carecer de Justa Causa, levaria, de per si a que o pedido reconvencional deduzido pelos aqui Recorrentes, concretamente, nos arts. 47.° a 71.° inclusive da Contestação/Reconvenção, tivesse sido julgado totalmente procedente, por provado, pelo Ilustre Tribunal a que, e, ao contrário do erradamente decidido pelo Ilustre Tribunal a que, os Apelantes não pediram apenas a indemnização correspondente ao período compreendido entre Janeiro de 2006 e a data da dedução da Reconvenção ou seja, Abril de 2006, não compreendendo o pedido de pagamento das “rendas” vencidas e vincendas após aquela data, levando a que a aqui Apelada apenas possa ser condenada a pagar - ex vi do art. 661.° do Código de Processo Civil - a este título, o peticionado montante de €: 1.250,00 (Mil duzentos e cinquenta euros), já que, os arts. 47.° a 71.° inclusive da Contestação/Reconvenção são bem explícitos do Pedido Reconvencional, efectivamente, deduzido, e, aqui Apelada, apenas e só, entregou o arrendado aos aqui Recorrentes, em 23 de Agosto de 2007 - como se alcança da beclaração junta a esta peça processual, sob a designação de documento n.° 1 - donde, o Ilustre Tribunal a que ao condenar, tão somente, a aqui Recorrida, a pagar aos aqui Apelantes o montante de € 1.250, 00 (Mil duzentos e cinquenta euros), violou o art. 661.° do C. P. C., em virtude de, o não ter interpretado e aplicado correctamente, pois, o limite do Pedido Reconvencional deduzido não é o correspondente ao período compreendido entre Janeiro de 2006 € a data da dedução da Reconvenção, mas sim, o correspondente ao período entre Novembro de 2005 e Agosto de 2007, tudo com o legal consectário implícito. * Nas contra-alegações a autora pugna pela manutenção do decidido.* III - Factos Provados Após o julgamento o tribunal considerou assente: 1. Os réus são donos de um estabelecimento correspondente a uma fracção autónoma designada pela letra "AC", com entrada pelo n.º … da Rua ………. e Rua ………., n.º …, que faz parte do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ………., n.ºs … a … e Rua ………., n.ºs … a …, freguesia e concelho de Matosinhos, inscrito na respectiva matriz sob o art. 7271 e inscrito na Conservatória do Registo predial de Matosinhos sob o n.º 01395/200395-AC; 2. No decurso da última semana de Setembro de 2005 a autora e os réus acordaram entre si celebrar um contrato de arrendamento tendo por objecto a fracção autónoma identificada em 1), o qual foi mais tarde reduzido a escrito nos termos constantes de fls. 28 e 29, segundo o qual: a) "O local arrendado destina-se à actividade de comércio a retalho de pastelaria e confeitaria"; b) "O prazo de duração do arrendamento é de um ano, com início em 01/10/05 e com termo em 30/09/06, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, caso não seja denunciado por qualquer das partes, nos termos da lei". c) "A renda anual é de 5.100,00 (...) euros, e será paga em duodécimos de 425,00 (...), actualizada segundo as normas legais (...) e o pagamento processar-se-á na morada do senhorio, até ao oitavo dia útil do mês anterior aquele a que disser respeito". d) "A arrendatária, obriga-se ao pagamento do condomínio e da água e energia eléctrica que consumir (...)". 3. Em 28 de Setembro de 2005, a Autora pagou o duodécimo de Renda do mês de Outubro de 2005. 4. Com o pagamento da primeira renda, no final de Setembro de 2005, os Réus entregaram à autora as chaves do imóvel e autorizaram-na a iniciar todas as obras que a mesma entendesse por necessárias com vista à instalação do estabelecimento; 5. Só desde o dia 18 de Outubro de 2005 é que a Autora passou a ter em seu poder a cópia do Contrato de Arrendamento com a menção da liquidação do respectivo Imposto de Selo; 6. Consta do registo na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, que a fracção autónoma identificada em 1) se destina a comércio, prestação de serviços e outras que não exijam alvará de sanidade ou de indústria. 7. A Autora gastou na realização dos seguintes trabalhos: a) Pintura de todas as paredes e tectos do arrendado; b) Compra e instalação de um cilindro de 50 litros; c) Compra e instalação de tubos de inox para alimentar a banca e máquina do café, incluindo o esgoto para a banca; d) Compra e instalação de plástico de parede para a parede junto à banca e máquina da tripa; e) Encomenda por medida, compra e instalação de bancadas feitas em madeira M.F.F. Hidrofugado; f) Encomenda por medida, compra e instalação de vidros para as bancadas; g) Compra e instalação de 5 tomadas estanques; h) Compra e instalação de uma torneira para a banca, incluindo um sifão e dois passadores e duas bichas de aço; i) Encomenda por medida e colocação de uma parede de pladur, incluindo estrutura metálica e massamentos; a quantia de € 2.863,47 (dois mil oitocentos e sessenta e três euros e quarenta e sete cêntimos; 8. A autora encomendou e instalou um balcão frigorífico e uma arca frigorífica, pelos quais pagou € 1.500 (mil e quinhentos euros); 9. A autora comprou e instalou uma banca em inox e dois balcões pelo preço global de €1000,19 na mesma apurada; 10. Em virtude de não ter inaugurado o estabelecimento, a autora sentiu-se desesperada, enganada, abalada emocionalmente, não tendo conseguido dormir durante vários dias em que apenas conseguia chorar; 11. As obras realizadas no arrendado, como sejam a pintura das paredes, a instalação eléctrica, as canalizações aplicadas, ficam a integrar o mesmo; 12. Todos os móveis, equipamentos, balcões e arcas frigoríficas foram encomendados e feitos por medida de forma a caber e adequar-se ao espaço e disposição do imóvel arrendado; 13. Em 21/10/2005, a mandatária da autora, remeteu aos Réus a carta junta a fls. 46 e que se dá por integralmente reproduzida, em que lhes solicitou toda a documentação comprovativa da autorização camarária para o exercício da actividade de produção/fabrico e comercialização de pastelaria e confeitaria; 14. À qual os réus responderam com as cartas junto a fls. 73 e 75, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 15. Os réus não demonstraram, nem demonstram qualquer vontade de pagar o que quer que seja à autora; 16. Por carta de 3 de Janeiro de 2006, a autora expediu aos réus a carta constante de fls. 50, que estes receberam em 6 de Janeiro de 2006, pela qual esta declarou considerar resolvido o contrato de arrendamento referido em 2); 17. A autora não procedeu ao pagamento de qualquer renda desde o mês de Outubro de 2005; 18. A Autora ainda ocupa o locado referido em 1); 19. A Autora não procedeu ao pagamento do quarto trimestre do condomínio de 2005, correspondente à fracção identificada em A), no montante de € 75,95; 20. Antes de celebrar o contrato de arrendamento referido em 2), a autora informou os Réus que pretendia instalar no arrendado um estabelecimento para venda de bolos; 21. E que só celebraria o contrato se a licença de utilização do imóvel permitisse esse tipo de actividade comercial, caso contrário não teria interesse na celebração do mesmo; 22. Sendo tal condição do conhecimento dos RR; 23. Posteriormente à assinatura do contrato de arrendamento, a autora pediu ao seu marido que confirmasse na Câmara Municipal de Matosinhos que o estabelecimento que pretendia abrir podia funcionar no arrendado; 24. No dia 19 de Outubro de 2005, a autora foi informada que a licença de utilização do arrendado apenas permitia o exercício de comércio e prestação de serviços, não estando licenciado para o exercício da actividade de fabrico e venda de bolos e bebidas; 25. A inauguração do estabelecimento foi agendada, pela autora, para o dia 22 de Outubro de 2005; * IV - O Direito O recurso tem de ser visto sobre três vertentes distintas e abarca tanto sobre a impugnação da matéria de facto dada como provada, como da integração jurídica que lhe está subjacente, como ainda da improcedência parcial do pedido reconvencional. Vejamos cada um de per si. E desde logo sobre a questionada decisão da matéria de facto dada como assente. Esta posição processual das partes de pretenderem ver alterada, em sede de recurso, a matéria de facto dada na 1ª instância, está a tornar-se em hábito. E daí que seja necessário, cada vez mais, tecer certas e determinadas considerações sobre esta problemática de modo a que se fixem princípios básicos orientadores da perspectiva, pretensão e visão do legislador e do conteúdo das normas que lhe são aplicáveis. A prova produzida em audiência de julgamento foi gravada, o que coloca às partes a possibilidade de poderem impugnar a sua fixação, mas consideramos, apesar do preenchimento dessa condição, que os apelantes não cumprem correctamente tanto o art. 690º-A como o art. 712º do CPC. De facto, quando se impugna a matéria de facto, pretendendo ver alterada a decisão sobre uma concreta e precisa matéria de facto, reapreciando-a em sede de recurso, impõe e obriga os arts. 712º e 690º-A do CPC, certas e determinadas regras a cumprir pelos impugnantes, constituindo mesmo um ónus do recorrente. É que, para facilitar e viabilizar esta função e este encargo, concedeu-se mesmo à parte que dela pretende usar, e só a ela, um prazo adicional e suplementar para produzir as suas alegações – art. 698º n.º 6 do CPC -. Acontece que, no caso concreto, pese embora tenha havido gravação da prova, o certo é que os apelantes não indicam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, nem o sentido ou a redacção a dar aos factos apurados e daqueles que considera deverem ser também dados como apurados, pese embora apontar os concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação nele realizada e indicar os depoimentos em que se funda, tudo como exige e impõem a al. b) e c) do n.º 1 e o n.º 2 do art. 690º-A do CPC. Isto é, quando se impugna a decisão sobre a matéria de facto exige-se que: - se especifique os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados. - que se fundamente as razões da discordância, especificando os concretos meios de prova em que funda a impugnação: - que seja efectuada a localização na fita registadora, por referência ao assinalado na acta de julgamento, dos respectivos depoimentos. - que se indique o sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das já consideradas ou aquelas que pretende ver inseridas na matéria de facto dada como provada. Estas exigências serão ainda mais salientes quando o tribunal se abstém de fixar a base instrutória - art. 787º do CPC -, o que não foi, porém, o caso. Ora, como é bom de ver das alegações dos apelantes, as referências feitas aos depoimentos das testemunhas E………., F………. e G………. e a indicação do seu depoimento nas cassetes, não obedecem, nem minimamente, ao estabelecido na lei. E a referência feita à testemunha H………., sofre de idêntico pecado, mesmo que se apele, numa visão global, às regras ou máximas da experiência comum. Mesmo sem ter em conta que na motivação dada pelo tribunal a quo ao sentido dado às respostas aos quesitos 2º e 3º, entre outras, pelos quais se apurou que a autora “só celebraria o contrato se a licença de utilização do imóvel permitisse esse tipo de actividade comercial, caso contrário não teria interesse na celebração do mesmo, sendo tal condição do conhecimento dos RR”, teve também como suporte o depoimento do filho dos réus (H……….), como fundamental, aliado ao conteúdo do contrato de arrendamento que fora celebrado e ao depoimento de F………. e G………., sem esquecer também aqui as regras ou máximas da experiência comum. Por outro lado a perspectiva que pretende ver induzida de que a autora teria largos conhecimentos na Câmara de Matosinhos que lhe resolveriam o problema da falta de licenciamento do arrendado nem sequer surge alegada em sede de contestação e muito menos da matéria quesitada e dada como provada. Mais, embora a pretensão da eventual modificação e reapreciação da matéria de facto conste das alegações, o certo é que o mesmo conteúdo foi transferido para as conclusões, as quais continuam completamente omissas quanto a este aspecto, sendo sabido que por elas se fixa e limita o âmbito do recurso - art. 690º n.º 1 do CPC - Portanto, das respostas constantes aos factos provados dadas pelo tribunal a quo e cujo erro os apelantes apontam, não relativamente a esta ou àquela resposta mas a todas elas, não há uma única indicação por parte do apelante para que esta ou aquela resposta seja neste ou naquele sentido, em função do depoimento desta/s ou daquela/s testemunhas. E nem mesmo indica se a resposta a cada quesito deve ser totalmente negativa ou se aceita alguma ou algumas respostas como explicativas. Os apelantes impugnam toda a matéria dada aos quesitos formulados e que receberam sentido positivo e mesmo em relação a matéria alegada e que não foi dada como provada, não têm os apelantes qualquer indicação no sentido de ser dada esta ou aquela resposta, a este ou àquele facto que alegou e que o tribunal não atendeu. Ou seja, os apelantes apontam a matéria de facto que impugnam, que incide sobre toda ela, mas não indicam o sentido nem o conteúdo dos mesmos quesitos que, segundo eles, seriam as respostas correctas. Fazem apenas e só uma afirmação genérica e global de reprovação das respostas positivas dadas, por sinal sobre todas, o que se deve considerar como insuficiente, não bastante nem correcto. O assunto tem já tratamento doutrinal e jurisprudencial e sobre esta matéria, problemática e soluções, vejam-se, entre outros, os ensinamentos prestados por Lopes do Rego, Comentários ao CPC, 2ª Ed. vol. I, págs. 468 e 592, em anotação, respectivamente, aos artigo 522º-C e 690º-A do CPC e da finalidade última da disposição legal, sabendo-se que o pretendido pelo legislador não foi, pura e simplesmente, obter a repetição do julgamento junto do Tribunal da Relação, mas antes «….a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento». Portanto, sobre qualquer recorrente que impugne a matéria de facto, impõe-se agora o ónus, para além do mais que acima se enumerou, de indicar os depoimentos em que se funda o invocado erro de julgamento, devendo necessariamente fazê-lo mediante referência para o assinalado na acta, nos termos do n.º 2 do art. 522º-C. Por outro lado, não previu o diploma a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento da alegação que versa esta matéria e com a finalidade evidente de desincentivar o uso de manobras dilatórias, que a lei sempre quer diminuir – art. 265º n.º 1 do CPC – Assim entende, Moitinho de Almeida, Ac. STJ, de 25-11-04, em www.dgsi.pt, para quem o convite para o aperfeiçoamento das conclusões do art. 690º n.º 4 do CPC não tem lugar no âmbito do art. 690º-A do mesmo código. E explica que se o legislador o tivesse querido tê-lo-ia dito expressamente e não o fez por entender que tal convite se prestava a chicanas e atrasos processuais. No mesmo sentido também se manifesta o Ac. STJ, de 20-09-2004, em www.dgsi.pt, segundo o qual, «………Não é de atender à pretensão no sentido de ser aplicável o n.º 4 do art. 690º C.P.C. já que os ónus impostos à recorrente, e a que se fez alusão, visam o corpo da alegação, insusceptível de ser corrigido ou completado no nosso ordenamento processual pela via do convite». E aí se indica, tendo-o como apoiante, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5ª ed., Almedina, pág. 161), o qual sufraga o mesmo sentido. E ainda o Ac. STJ, de 31-05-06, em www.dgsi.pt para quem: “1. Ao admitir a gravação da prova, o legislador não quis que esse mecanismo processual fosse transformado em expediente dilatório para retardar o trânsito em julgado da decisão final, o que facilmente aconteceria se a matéria de facto pudesse ser global e genericamente impugnada. 2. Para evitar isso, sujeitou o recorrente ao cumprimento de rigorosos ónus, cujo incumprimento determina a imediata rejeição do recurso, sem prévio convite ao aperfeiçoamento da alegação. 3. A especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados é um desse ónus.” Mas também surge opiniões contrárias, que julgamos minoritárias, com as quais não concordamos, e por todos, o Ac. STJ, de 29-11-2005, em www.dgsi.pt. A orientação acima exposta recebe ainda apoio, naquele mesmo autor – Lopes do Rego -, o qual cita e transcreve parte de um Acórdão do TC n.º 140/04 de 10 de Março que, embora aplicado ao processo penal, traz novas luzes sobre esta problemática e também ele vai no sentido do não uso do convite ao aperfeiçoamento. Lebre de Freitas, em CPC Anotado, vol. 3, pág. 53 indica que o recorrente tem de indicar obrigatoriamente não só os ponto de facto que considera incorrectamente julgados como os concretos meios probatórios constantes da gravação Como afirma Ac. STJ, de 8-03-05, em www.dgsi.pt, «......... não basta nem se pode admitir o recorrente se limite a fazer uma impugnação genérica dos factos que impugna. Ele tem de concretizar um a um quais os pontos de factos que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal». Mas também não é suficiente que ele especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. É preciso que ele indique, em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente e quando esses meios de prova tenham sido gravados, o recorrente terá de indicar ainda quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, por referência ao indicado na acta da audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522.º-C do CPC, ou seja, terá de indicar o número da cassete em que o depoimento se encontra gravado e o local onde começa e acaba a gravação de cada um dos depoimentos por ele invocados. Ora, não tendo a apelante cumprido os normativos indicados e nos termos acima expostos, vedado fica ao tribunal, sob pena de violação da lei imposta, conhecer do recurso ora interposto, concretamente, sobre a reapreciação e modificabilidade da matéria de facto. E deste modo, apenas e só com a matéria dada como provada e considerada assente, a qual se deve considerar como definitivamente fixada, se poderá questionar a decisão. E aqui, cingindo-nos ao segundo problema levantado nas conclusões, respondemos também aos apelantes, de forma negativa, quando consideram que o julgamento da matéria de direito sofre de erro e questionam a subsunção legal efectuada pelo tribunal a quo, afirmando esta Relação que não merece a decisão qualquer reparo e muito menos os que lhe são apontados nas alegações de recurso. De facto, neste particular, da integração jurídico-fáctica efectuada pelo tribunal de 1ª instância, consideramos que será de usar o fixado no n.º 5 do art. 712º do CPC, na medida em que este tribunal concorda inteiramente tanto com a decisão como com os seus fundamentos. Finalmente, quanto ao pedido reconvencional e da arguição de que houve violação do art. 661º do CPC. O tribunal a quo cindiu, correctamente, os dois momentos do pedido dos réus: A) - a condenação da autora a desocupar o locado, entregando-o aos reconvintes livre de pessoas e de coisas e, bem assim, a pagar-lhe o montante das rendas vencidas e não pagas até ao momento em que operou a resolução do contrato de arrendamento, bem como o valor correspondente às despesas do condomínio do arrendado a que estava contratualmente obrigada; B) - a condenação da autora/reconvinda a pagar-lhes o montante de €1.250,00 correspondente à indemnização pela não restituição da fracção arrendada após a resolução do contrato. Quantificam os montantes em dívida em €2.625,95. O tribunal, logicamente com o que anteriormente havia decidido, apenas aceitou o pedido de B) e com fundamento em que, quanto ao pedido de A), ocorreu justa causa de resolução do contrato e esta produziu os seus efeitos - art. 436º n.º 1 - e quanto àquela, por aplicação dos artigos 1045º n.º 1 e 754º, ambos do CC. Mas aqui têm razão os réus. Vejamos porquê. Diremos que consta da matéria provada - facto relatado em 18º da sentença -, que a autora ainda ocupa o locado. Em sede de alegações apresentam documento de entrega do locado pela autora, em Agosto de 2007. Ora, a condenação efectuada à autora de entregar aos réus, livre de pessoas e coisas, o arrendado, acarreta o pagamento de uma indemnização no atraso da restituição do imóvel, o qual deverá ser calculada em função do valor da renda. Esta foi a sensibilidade do tribunal a quo e correctamente. Trata-se de uma indemnização prevista no 1045º n.º 1 do CC - indemnização por enriquecimento sem causa -, que como acentua a decisão, o ex-locatário deve ao ex-senhorio por o estar a privar do uso do prédio, e correspondente, no seu montante, ao quantitativo da renda, por este ser o valor do uso do prédio. É devida logo que, independentemente da causa, o contrato cesse seus efeitos e o ex-arrendatário continue na detenção da coisa locada, pois a partir desta altura a detenção passa a ser ilegítima. Assim sendo, o período deveria ser contado desde a data da resolução - 6 de Janeiro de 2006 - até entrega do mesmo locado - Agosto de 2007 -. No entanto, tal pedido, ainda que não expressamente formulado, resulta do seu sentido e querer. De facto, os réus, na sua contestação/reconvenção, afirmam (64,65,66 e 67) que a autora detém o locado e que deverá pagar 425€ por cada mês, sendo que, naquela data, (da contestação/reconvenção) a dívida era já de € 1.275,00. Isto é, contrariamente ao entendido pela decisão recorrida, os réus não pedem apenas o montante desde Janeiro de 2006 e a data da dedução da contestação/reconvenção, mas antes desde a resolução do contrato e até entrega do locado livre de pessoas e bens. O valor que indicam - 1.275,00€ -, refere-se apenas ao cálculo efectuado até àquele momento, “nesta data”, mas a indemnização por enriquecimento sem causa não se esgota ali, naquele momento, mas antes terá de ir até ao momento da entrega do locado. Este é o pensamento que ressalta do pedido e que se mostra aí implícito. A condenação do pedido dos réus tem que ter este enquadramento, para assim se cumprir o art. 661º n.º 1 do CPC. Portanto, restando provado que autora ainda mantinha a detenção de tal fracção e que não invocara qualquer causa impeditiva da obrigação de restituição do locado, cuja entrega se operou em Agosto de 2007 (documento ora junto de fls.255), terá a autora/reconvinda de ser condenada não apenas na peticionada entrega do locado aos reconvintes, como também no pagamento de uma indemnização pelo atraso na restituição do imóvel, equivalente ao montante mensal de € 425,00 (quatrocentos e vinte e cinco euros), num total de 18 meses de ocupação indevida, perfazendo o montante de € 7.650,00. * V - Decisão Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se dar parcial provimento ao recurso e como tal revogar a decisão recorrida, apenas na parte firmada como 3.2, e só quanto à indemnização pelo atraso na desocupação do locado, que se fixa em € 7.650,00. Em tudo o mais se manterá a decisão. Custas do recurso por autora e réus, em função do respectivo decaimento. * Porto 05/05/2008 Rui de Sousa Pinto Ferreira Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira Manuel José Caimoto Jácome |