Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
134/08.3TBMSF.P1
Nº Convencional: JTRP00044148
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-NEGOCIAL
BOA-FÉ
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20100629134/08.3TBMSF.P1
Data do Acordão: 06/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ART. 227.° DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: Na responsabilidade pré-negocial, a que alude o art. 227.° do Código Civil, é à parte lesada que incumbe alegar e provar a falta de boa fé da contraparte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 134/08.3TBMSF.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 19-05-2010
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Sílvia Maria Pires

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO
1. B………., LIMITADA, com sede na ….., …., Mesão Frio, instaurou, no Tribunal Judicial dessa comarca, acção declarativa de condenação com processo comum sumário, contra C………, S.A., com sede no Polígono Industrial "…..", Madrid, Espanha, e D………, residente em Matosinhos.
Alegou, em síntese, que, após negociações mantidas pelo gerente da autora com o 2.º réu (D……….), na qualidade de representante da 1.ª ré (C…….), encomendou a esta 5.000 caixas (boxes) e 1.600 sacos (bags) para "bag-in-box" [sacos de plástico revestidos a alumínio (bags) colocados no interior de caixas de cartão (boxes) com uma asa e uma pequena torneira] para a embalagem de vinho tinto por si produzido na região demarcada do Douro, da marca "E……..", destinado ao comércio em território nacional e a exportação para o mercado angolano, no qual esperava vender, no primeiro ano, pelo menos 1000 "bag-in-box", ao preço unitário de 5€, facto que foi comunicado aos réus; preliminarmente, o gerente da Autora tinha posto como condição da aquisição dos "bag-in-box" que assegurassem a conservação dos vinhos neles embalados por períodos pelo menos idênticos aos das embalagens de vinho tradicionais, ou seja, por períodos de 3, 4, 5 ou mesmo mais anos após o engarrafamento sem perda de qualidade, o que lhe foi assegurado; daquela encomenda, a ré forneceu à autora, em 27-09-2004, 4265 caixas (boxes) e 4800 sacos (bags) e respectivas asas e torneiras, as quais utilizou na embalagem de 10.500 litros de vinho que possuía em stock, que depois comercializou; a partir de Abril de 2005, começou a receber reclamações de clientes que tinham comprado o vinho embalado em "bag-in-box" e, após inspecção, verificou-se que os sacos apresentavam graves sinais de deterioração e que o vinho embalado há mais de seis meses encontrava-se impróprio para consumo; pelo que a autora teve de recolher centenas de litros de vinho embalados e já vendidos e cancelar a comercialização de todo o vinho embalado em "bag-in-box", há mais de seis meses, o que lhe causou um prejuízo de 5.900€, para além dos danos causados na imagem da marca "E…….." no mercado nacional, no valor de 15.000€ e os danos decorrentes da frustração da expectativa económica de exportação, em valor não inferior a 5.000€
Em consequência, pediu a condenação solidária dos réus no pagamento à autora dos seguintes quantias:
a) de 5.900€ correspondentes ao valor do vinho embalado em bag-in-box que não pôde ser comercializado ou que foi devolvido;
b) de 15.000€ a título de danos causados à imagem da marca "E……." no mercado nacional;
c) de 5.000€ a título de danos resultantes da frustração das expectativas de exportação;
d) juros, à taxa legal, sobre aquelas quantias, contados desde a citação até integral pagamento.
Pediu ainda que o 2.º réu D……… seja condenado a entregar-lhe a factura e o recibo respeitante à máquina para embalamento dos vinhos identificada no art. 45.º da p.i., que lhe comprou pelo preço de 4.000€.
Os réus contestaram e, em síntese, negaram que tenham omitido informação relevante ao representante da autora sobre as características dos bag-in-box, até porque se trata de um produto muito divulgado e utilizado nos mercados nacional e internacional; negaram que o representante da autora tenha feito qualquer exigência acerca das condições de conservação dos vinhos embalados em bag-in-box e que os réus lhe tenham assegurado que o vinho se pudesse conservar por 3, 4, 5 ou mais anos após o engarrafamento; alegaram que a única condição que esteve sempre presente nos contactos havidos entre as partes foi que o vinho a embalar em bag-in-box se destinava a ser comercializado de imediato, após o engarrafamento; e concluíram que não assumem qualquer responsabilidade pela reparação dos danos que a autora alega ter sofrido em resultado da suposta avaria do seu vinho embalado em bag in box porque a mesma pode ter tido origem em múltiplos factores estranhos às características da embalagem.
Realizada a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto controvertida que constava da base instrutória, foi proferida sentença, a fls. 242-253, que julgou a acção improcedente e absolveu os réus de todos os pedidos formulados pela autora.

2. Desta decisão apelou a autora, que extraiu das suas alegações as conclusões seguintes:
1º. Encontram-se incorrectamente julgados os quesitos 1.º e 6.º da matéria de facto constantes da base instrutória.
2º. Resulta do depoimento da testemunha F…….. […] que os vinhos produzidos pela A., se embalados em garrafas ou garrafões de vidro, conservam-se por vários anos.
3º. Ao contrário do que se refere na fundamentação da resposta a tal quesito [trata-se do quesito n.º 1], a testemunha em causa referiu-se especificamente aos vinhos produzidos pela A. e, em particular, ao vinho embalado nos bag in boxes fornecidos pela R.
4º. Deve consequentemente, alterar-se o teor do ponto 15 da matéria de facto assente (correspondente ao referido quesito primeiro), de modo a que dele passe a constar o seguinte: "Os vinhos produzidos pela A., se embalados em garrafas ou garrafões de vidro, conservam-se por vários anos".
5º. Há manifesta contradição entre a matéria dada como assente nos pontos 3 e 4 da matéria de facto (assente por confissão das partes, logo no saneador) e a resposta negativa ao quesito 6.
6º. Não pode dar-se como provado, simultaneamente, que "Nas suas abordagens iniciais, a 1.ª Ré informou a A., através do seu representante, isto é do 2.º Réu, que o sistema bag in box era um sucedâneo dos tradicionais garrafões de vidro", "Com as mesmas vantagens" e, em simultâneo, dar-se como não provado que "Os RR. sempre asseguraram à A. que as embalagens do tipo bag in box respeitavam a exigência de conservação dos vinhos neles embalados por períodos pelo menos idênticos aos das embalagens de vidro tradicionais".
7º. A eventual menor duração do vinho em boas condições de consumo nos bag in box, face aos recipientes de vidro é manifestamente contraditória com a afirmação de que aqueles têm as mesmas vantagens que estes.
8º. Por outro lado, mesmo na audiência de julgamento, as testemunhas arroladas pelos RR. referiram expressamente que a duração do vinhos nos bag in box não é inferior à duração do mesmo vinho em recipiente de vidro, como expressamente reconhece o tribunal recorrido na fundamentação da matéria de facto, ao afirmar que "a testemunha arrolada pela ré G………, que prestou um depoimento absolutamente imparcial, objectivo e credível, logrou esclarecer o Tribunal que inexiste um período de duração do vinho dentro do bag in box, até porque este acaba por garantir um período de duração superior ao garrafão, razão pela qual surgiu no mercado para o substituir".
9º. Deverá, por isso, alterar-se a resposta dada ao quesito 6.º da base instrutória, acrescentando-se à matéria assente um facto provado com o seguinte teor: "Os RR. asseguraram à A. que as embalagens do tipo bag in box asseguram a conservação do vinho por período pelo menos idêntico ao dos garrafões de vidro".
10º. A má fé dos RR., na fase pré-contratual constitui matéria de direito.
11º. A A. logrou provar que: a) os RR. asseguraram-lhe, nas negociações que culminaram com o fornecimento dos bag in box que estes constituíam sucedâneos dos garrafões de vinho tradicionais, com as mesmas vantagens (pontos 3 e 4 da matéria assente) e ainda outras; e, b) que os vinhos por si embalados nos bag in boxes não se mantiveram em boas condições de consumo durante o mesmo tempo em que se conservariam se embalados em recipientes de vidro, antes se apresentando impróprios para consumo poucos meses depois de embalados.
12º. Deu assim cumprimento ao disposto no artigo 342.º do Código Civil
13º. Provando-se que os bag in boxes fornecidos pela Ré não possuíam as características por esta asseguradas — o que inequivocamente se conclui da demonstração de que o vinho produzido pela A., qualificado pelo IVDP como VQPRD e devidamente estabilizado antes da embalagem, se deteriorou poucos meses depois de embalado em tais bag in boxes — provada está a referida má fé.
14º. O Tribunal recorrido interpretou e aplicou, por isso, erradamente o artigo 342.º do Código Civil.
15º. O Tribunal recorrido podia e devia ter apreciado o incumprimento do contrato de compra e venda por parte dos RR., se não na parte respeitante às obrigações acessórias, mormente o dever de informar, pelo menos quanto à obrigação principal, qual seja a de fornecimento de coisa isenta de vícios ou desconformidades com o contratualmente acordado.
16º. Da matéria de facto assente resulta que: ou os produtos fornecidos pela R. não possuem as características por esta assegurados, verificando-se, assim, os pressupostos da responsabilidade pré-contratual ou, em alternativa, têm-nas em geral, mas não as tinham os produtos concretamente entregues à A., verificando-se assim uma violação do dever de cumprimento pontual do contrato, plasmado, inter alia, no artigo 762.º do Código Civil, expressamente invocado pela A. na sua petição.
17º. Em qualquer dos casos, são as RR. responsáveis pelos danos sofridos pela A. em consequência da violação culposa dos seus deveres, seja por violação do dever imposto pelo artigo 227.º do C. Civ., seja por violação do referido artigo 762.º.
18º. Ao decidir diversamente, violou o Tribunal recorrido as referidas disposições legais.
19º. No que à segunda hipótese referida na conclusão 17.ª concerne, a prova de que a falta de qualidades asseguradas não é imputável às RR. cabia-lhes a elas, atenta a presunção de culpa na responsabilidade contratual, plasmada no artigo 799.º do Código Civil.
20º. Os RR. não provaram que os danos sofridos pela A. não provêm de culpa sua.
21º. Pelo que sempre deveriam os RR. ser condenados no pagamento à A. dos danos por esta sofridos e demonstrados.
22º. Ao decidir diversamente, violou, também o Tribunal recorrido o disposto na referida norma legal.
23º. Os danos sofridos pela A. resultam da conjugação dos pontos da quantidade de vinho referida em 13, bem como da matéria constante dos pontos 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29 da matéria assente.
24º. Pelo que, a final deverá julgar-se procedente a acção, no que respeita aos pedidos formulados nas alíneas a), b) e d) do pedido formulado na petição inicial.
Os réus contra-alegaram e concluíram pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.

II – FACTOS PROVADOS
3. O tribunal de 1.ª instância julgou provados os factos seguintes:
1) No início de 2004, o gerente da autora foi contactado pelo 2.º réu, na qualidade de representante da 1.ª ré, que lhe propôs, em nome desta, o fornecimento de embalagens para a comercialização de vinho, denominadas "bag in box" – [al. A) dos factos assentes].
2) As "bag in box" consistem em sacos plásticos revestidos a alumínio (bags) colocados no interior de caixas de cartão (boxes), com uma asa e uma pequena torneira – [al. B) dos factos assentes].
3) Nas suas abordagens iniciais, a 1.ª ré informou a autora, através do seu representante, isto é, do 2.º réu, que o sistema "bag in box" era um sucedâneo dos tradicionais garrafões de vidro – [al. C) dos factos assentes].
4). Com as mesmas vantagens – [al. D) dos factos assentes].
5) Acrescidas de um menor peso – [al. E) dos factos assentes].
6) Maior facilidade de transporte e armazenamento – [al. F) dos factos assentes].
7) E maior tempo de conservação após abertura – [al. G) dos factos assentes].
8) A autora produz vinho na região demarcada do Douro – [al. H) dos factos assentes].
9) No âmbito da sua actividade a autora, em Julho de 2004, solicitou à 1.ª ré 5000 caixas (boxes) para "bag in box" e 1600 sacos (bags), para a embalagem de vinho tinto, produzido pela autora na região demarcada do Douro, sendo o preço unitário, acordado com a primeira ré, de cada conjunto (caixa e saco) de 1,20€ (um euro e vinte cêntimos) – [al. I) dos factos assentes].
10) As caixas e sacos referidos em 9) destinavam-se à embalagem, para comércio de vinho produzido e comercializado sob a marca "E……….", registada pela autora, marca sob a qual parte do vinho produzido pela autora é comercializado no mercado nacional – [al. J) dos factos assentes].
11) A 1.ª ré viria a entregar à autora, em 27 de Setembro de 2004, 4265 caixas (boxes) e 4800 sacos (bags) e respectivas asas e torneiras, mediante a entrega por parte desta àquela do preço unitário referido em 9) – [al. K) dos factos assentes].
12) Na sequência do referido em 11), a autora passou a utilizar as embalagens "bag in box" referidas em 9) para embalar vinho que produz e comercializa sob a marca "E………" – [al. L) dos factos assentes].
13) No 2.º semestre de 2004, a autora procedeu à embalagem nos "bag in box" indicados em 9) de 10.500 litros de vinho que possuía em stock – [al. M) dos factos assentes].
14) Iniciando, em seguida, a sua comercialização junto de alguns clientes – [al. N) dos factos assentes].
15) Os vinhos se embalados em garrafas ou garrafões e vidro, conservam-se por vários anos – [resposta ao n.º 1 da b.i.].
16) Podendo, por isso, ser consumidos três, quatro, cinco ou mais anos após o engarrafamento sem perda de qualidade – [resposta ao n.º 2 da b.i.].
17) Podendo, mesmo verificar-se, com o decorrer do tempo, uma melhoria das qualidades organolépticas dos vinhos engarrafados – [resposta ao n.º 3 da b.i.].
18) Pelo que, para a autora era condição essencial da eventual aquisição dos "bag in box" que estes assegurassem a conservação dos vinhos neles embalados por períodos pelo menos idênticos aos das embalagens de vidro tradicionais – [resposta ao n.º 4 da b.i.].
19) A autora estava convencida de que os "bag in box" poderiam ser utilizados em condições semelhantes às dos garrafões de vinho tradicionais – [resposta ao n.º 7 da b.i.].
20) Ou seja, que o vinho embalado poderia ser consumido, com segurança, durante pelo menos 3 anos – [resposta ao n.º 8 da b.i.].
21) A autora recebeu diversas reclamações apresentadas por clientes que tinham comprado à autora vinho embalado em "bag in box" – [resposta ao n.º 12 da b.i.].
22) Designadamente, os primeiros a apresentarem reclamações foram os proprietários dos estabelecimentos "H……..", na cidade do Porto, e "I……..", na cidade de Matosinhos – [resposta ao n.º 13 da b.i.].
23) Ambos os estabelecimentos reportaram à autora que o vinho não se encontrava em boas condições de consumo – [resposta ao n.º 14 da b.i.].
24) Em virtude do referido em 21), a autora procedeu à análise das embalagens referidas em 11), ainda na sua posse e verificou que o vinho embalado em "bag in box" se encontrava impróprio para consumo ou, no mínimo, com as suas características significamente alteradas (designadamente paladar, cor, cheiro) – [resposta ao n.º 16 da b.i.].
25) Na sequência do referido em 21), a autora viu-se obrigada a recolher centenas de litros de vinho embalados em "bag in box" já vendidos e cancelou a comercialização de todo o vinho embalado em "bag in box" – [resposta ao n.º 19 da b.i.].
26) A autora tem na sua posse vinho impróprio para consumo, que foi devolvido, retirado do mercado ou cancelada a sua venda – [resposta ao n.º 20 da b.i.].
27) A autora vendia cada "bag in box" ao preço de 5,00€ – [resposta ao n.º 21 da b.i.].
28) Para tentar minimizar os prejuízos, a autora viu-se obrigada a vender o vinho embalado em "bag in box" ao preço de 4,00€ por unidade – [resposta ao n.º 22 da b.i.].
29) Mais, a marca "E………" deixou de figurar nas cartas de vinho de todos os restaurantes cujos proprietários, por serem amigos do gerente da autora ou pelos descontos efectuados, continuaram a comprar-lhe vinho comercializado sob a referida marca, privando assim o contacto do público em geral com a mesma – [resposta ao n.º 24 da b.i.].
30) A autora solicitou ainda aos réus a entrega de uma máquina de embalamento dos vinhos nos "bag in box", o que estes fizeram por 4.000€ – [resposta ao n.º 26 da b.i.].
31) A autora nunca tinha comprado "bag in box" e por isso não estava familiarizada com a tecnologia e características do produto – [resposta ao n.º 30 da b.i.].

III – AS QUESTÕES DO RECURSO
4. À tramitação e julgamento do presente recurso é aplicável o novo regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada após 01-01-2008 (cfr. art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
As conclusões formuladas pela recorrente reportam à sentença recorrida as seguintes questões:
1) quanto à decisão sobre a matéria de facto, a apelante impugna as respostas dadas aos n.ºs 1 e 6 da base instrutória, a primeira por desconformidade com o depoimento da testemunha F……… e a segunda por contradição com os factos descritos como assentes nas als. C) e D) – itens 3) e 4) da sentença — e por desconformidade com o depoimento da testemunha G…….. [cfr. conclusões 1.ª a 9.ª];
2) quanto à decisão de direito, alega que o tribunal recorrido não apreciou devidamente o incumprimento dos réus quanto ao dever de informar adequadamente a autora sobre as características do produto que esta adquiriu, incorrendo em responsabilidade pré-contratual (art. 227.º do Código Civil) ou, pelo menos, quanto à obrigação de lhe fornecerem coisa isenta de vícios e adequada à sua finalidade, incorrendo em responsabilidade contratual [conclusões 10.ª e seguintes].

5. No tocante à decisão sobre a matéria de facto, a apelante impugna as respostas dadas aos n.ºs 1 e 6 da base instrutória.
Alega que o facto constante do n.º 1 deve ser respondido como provado na íntegra, com base no depoimento prestado pela testemunha F…….., e não apenas em parte como respondeu o tribunal de 1.ª instância; e que o facto do n.º 6 também deve ser julgado provado na íntegra, quer tendo em conta os factos considerados como assentes nas als. C) e D) — itens 3) e 4) da sentença — com os quais diz estar em contradição a resposta dada na 1.ª instância, quer ainda com base no depoimento da testemunha G……...
Os factos em causa são os seguintes:
n.º 1 – "Os vinhos produzidos pela A., se embalados em garrafas e garrafões de vidro conservam-se por vários anos?";
n.º 6 – "Os RR. sempre asseguraram à A. que as embalagens do tipo 'bag in box' referidas em B) respeitavam tal exigência?" [referindo-se à exigência mencionada no quesito n.º 4, de que "assegurassem a conservação dos vinhos neles embalados por períodos pelo menos idênticos aos das embalagens de vidro tradicionais"].
O tribunal de 1.ª instância respondeu restritivamente ao n.º 1, considerando ter-se apenas provado que "os vinhos, se embalados em garrafas e garrafões de vidro, conservam-se por vários anos", e suprimindo a referência ali feita ao exclusivo dos "vinhos produzidos pela Autora". E respondeu "não provado" ao quesito n.º 6.
Na fundamentação da resposta restritiva dada ao n.º 1, disse que:
«… nenhuma das testemunhas … que depuseram acerca desta matéria em momento algum se referiram (em exclusivo) aos vinhos produzidos pela autora.
Na verdade, a testemunha F……, enólogo que trabalha para a autora desde 2000, de forma sincera e objectiva, referiu-se aos vinhos em geral, esclarecendo até que a durabilidade do vinho quer nas garrafas quer nos garrafões, depende do seu tipo.
Do mesmo modo, a testemunha J……., tio do sócio-gerente da autora, de forma imparcial referiu-se aos vinhos em geral, e não em concreto aos vinhos produzidos pela autora.
Também a testemunha G…….., arrolada pela ré C…….. a esta matéria, … referiu-se aos vinhos em geral e ao prazo de duração dos mesmos após o respectivo engarrafamento».
Como se constata, a Sra. Juíza ponderou na resposta dada que dos depoimentos das três testemunhas inquiridas a este facto resultou a convicção de que o maior período de conservação dos vinhos quando embalados em garrafas e garrafões de vidro não era um exclusivo dos vinhos da autora, como a formulação do quesito sugeria. Era, sim, uma qualidade inerente à generalidade dos vinhos, não obstante as características específicas do tipo de vinho também pudessem influir na maior ou menor durabilidade do engarrafamento.
Quanto a esta fundamentação, corrige-se apenas que a testemunha F………. declarou que era "engenheiro agrícola" e era nessa função que trabalhava para a autora, e não como enólogo.
A recorrente alega que a apreciação feita pelo tribunal recorrido sobre o depoimento da testemunha F……… não corresponde ao que a testemunha declarou. E para ilustrar essa desconformidade, transcreve os seguintes trechos do depoimento da testemunha:
"O vinho, dado que na altura tinha sido valorado como VQPRD Douro, era por isso um vinho de qualidade; num garrafão de cinco litros aguentaria pelo menos um ano e meio a dois anos sem grandes alterações".
"O que mais tenho a dizer sobre isso é que o vinho estava em condições para meter nos bag in box, porque, senão, também nem da minha parte nem da parte do proprietário da Quinta íamos meter um vinho que já estivesse avariado dentro da bag in box (…)".
Ora, nenhuma destas declarações contradiz ou altera a apreciação feita pelo tribunal recorrido. Primeiro, porque não se contém no facto quesitado saber se o vinho da autora é de qualidade, nem tão pouco saber se, no momento em que foi metido nos bag in box, mantinha toda a sua qualidade. Segundo, porque o quesito refere a conservação "por vários anos" dos vinhos embalados em garrafas e garrafões de vidro, e a testemunha apenas atribuiu aos vinhos do autor a conservação "sem grandes alterações" por ano e meio a dois anos. Terceiro, mas não menos importante, porque não está explícito ou implícito nas declarações transcritas que a conservação por vários anos nas garrafas e garrafões de vidro seja uma qualidade exclusiva dos vinhos da autora. E foi esta particularidade que a resposta do tribunal quis salvaguardar.
De resto, a questão posta pela apelante é meramente teórica e sem a menor influência na decisão da causa. É que, ao responder como provado que "os vinhos embalados em garrafas e garrafões de vidro conservam-se por vários anos", sem excluir, aí ou noutro facto, os vinhos produzidos pela autora, não pode deixar de significar que também os vinhos da autora, quando embalados em garrafas e garrafões de vidro, se conservam por vários anos.
O que releva na resposta dada pelo tribunal de 1.ª instância não é a exclusão dos vinhos da autora — exclusão que não aconteceu — mas "a não exclusividade" dos vinhos da autora. O que é diferente.
E sendo esta a interpretação da resposta dada ao quesito n.º 1, nenhuma alteração se justifica, e muito menos impõe, realizar.
Quanto à resposta dada ao n.º 6, o tribunal recorrido apresentou a seguinte justificação:
«… o Tribunal respondeu negativamente … (por) nenhuma prova a autora ter logrado efectuar a esse propósito.
Com efeito, a única testemunha [da autora] que depôs acerca desta matéria foi a testemunha K…….., mulher do sócio-gerente da autora, cujo depoimento se afigurou claramente parcial.
Na verdade, a apontada testemunha, segundo o que referiu, esteve presente nas negociações efectuadas com o réu D…….. tendo este assegurado que as "bag in box" conservavam o vinho, caso contrário não as teria comprado.
Ora, como se disse, o depoimento desta testemunha revelou-se acalorado e revoltado, tendo até assumido contornos de um depoimento próprio de uma parte, por excessivamente parcial, razão pela qual o Tribunal não lhe atribuiu credibilidade.
[…]
… prestou [ainda] depoimento [a esse quesito] a testemunha da ré L………, responsável técnico de máquinas daquela, depoimento esse que se nos afigurou claro, transparente, descomprometido e objectivo, não tendo em momento algum o Tribunal duvidado da credibilidade do mesmo.
De facto, o depoimento desta testemunha, pese embora não ter presenciado as negociações entre o réu D……… e a autora, foi esclarecedor no sentido de que a ré C…….. não assegura, nem sequer pode assegurar, conforme referiu, que as "bag in box" garantiam a conservação do vinho nelas embalado por períodos pelo menos idênticos aos das embalagens de vinho tradicionais.
A única coisa que podem e devem garantir é a qualidade do "saco", pois que, apenas podem controlar as características do mesmo, não podendo controlar as características do vinho que se mete lá dentro, por tal depender da qualidade do mesmo e das condições do respectivo armazenamento.
Ora, para nós faz todo o sentido, socorrendo-nos até das regras da experiência comum, que a ré apenas possa garantir a qualidade do "bag in box" e nada mais, uma vez que é isso que comercializa, ou seja, o negócio da ré e portanto a sua responsabilidade limita-se à qualidade do saco, ao assegurar as características e condições do mesmo para ser utilizado, e já não assegurar que o que se meter lá dentro durará "x" tempo, tanto mais que, de acordo não só com os esclarecimentos desta testemunha, como também com os conhecimentos técnicos da testemunha G………, que trabalha com este tipo de "bag in box" há mais de 10 anos, a "durabilidade" do vinho dentro do saco, dependerá do tratamento do mesmo e da respectiva estabilização.
Em nosso entendimento, não faria então sentido que a ré C…….. estivesse a assegurar as qualidades e durabilidade de uma coisa que não controla, e que é o produto que se coloca no interior do saco.»
Diz a apelante que a resposta dada está em contradição com os factos declarados como assentes nas als. C) e D) — itens 3) e 4) da sentença — e está em desconformidade com o depoimento da testemunha G……...
Nenhuma destas alegações nos parece proceder.
Nas als. C) e D) dos factos assentes consta que: C) "Nas suas abordagens iniciais, a 1.ª ré informou a autora, através do seu representante, isto é, do 2.º réu, que o sistema "bag in box" era um sucedâneo dos tradicionais garrafões de vidro"; D) "Com as mesmas vantagens".
A apelante conclui que nestes factos, ao considerar-se assente que a ré informou a autora de que as embalagens do tipo bag in box garantiam as mesmas vantagens dos tradicionais garrafões de vidro, já se contém implícito que a ré assegurou à autora que tais embalagens "respeitavam a exigência de assegurarem a conservação dos vinhos neles embalados por períodos pelo menos idênticos aos das embalagens de vidro tradicionais".
Mas se assim fosse, então a inclusão na base instrutória do quesito n.º 6 teria sido inútil e incorrecta. Inútil, porque repetia um facto já considerado assente. Incorrecta porque deveria figurar nos factos assentes, e não na base instrutória. Ora, não consta do processo que a autora tenha reclamado contra a inclusão desse facto na base instrutória. A única reclamação existente foi apresentada pela ré (a fls. 112) e não se referia a este facto.
Para além desse aspecto meramente formal, e não obstante a interrelação entre os factos em causa, dizer que as embalagens bag-in-box são "um sucedâneo dos tradicionais garrafões de vidro, com as mesmas vantagens", não permite inferir que essas vantagens se referiam à conservação dos vinhos por períodos idênticos aos dos garrafões ou garrafas de vidro. É que, se fosse esse o significado dos factos inseridos nas alíneas C) e D) dos factos assentes, então esses factos teriam que considerar-se controvertidos e não provados. Porque foram impugnados na contestação dos réus, que a esse respeito alegaram que nas conversações preliminares entre as partes nunca asseguraram tal vantagem, antes, pelo contrário, que a condição que esteve sempre presente nessas negociações foi que o vinho a embalar em bag-in-box se destinava a ser comercializado de imediato, após o engarrafamento (cfr. arts. 18.º a 20.º da contestação). As vantagens que os réus aceitaram terem assegurado à autora e compreendidas nas als. C) e D) dos factos assentes eram tão só as que se referiam às características da embalagem, e não à conservação dos vinhos que ali fossem embalados. Pela razão óbvia, a que o tribunal recorrido faz referência, de que o produtor-vendedor das embalagens bag-in-box só podia dar garantias da durabilidade do seu produto, ou seja, das embalagens, e não dos produtos (vinhos) que nelas sejam embalados.
Inexiste, pois, a apontada contradição.
Quanto à (in)compatibilização da resposta dada com o depoimento da testemunha G………, todos os trechos do depoimento desta testemunha transcritos pela apelante nenhuma relação têm com o facto do quesito n.º 6. O que, aliás, faz todo o sentido, porquanto esta testemunha não foi sequer indicada para depor ao quesito n.º 6 (foi indicada para depor aos n.ºs 1 a 4, 16, 28 e 30 da base instrutória), como consta da acta de fls. 226. E também não se detecta no seu depoimento que tenha dito algo de relevante sobre o facto do quesito n.º 6. Que não se refere, directamente, às qualidades ou características das embalagens bag-in-box, mas ao que as partes conversaram e acordaram entre si, nas negociações preliminares que mantiveram e, portanto, ao conteúdo do acordo estabelecido pelas as partes. Ora, a este respeito, o que a testemunha declarou foi que não conhecia nem a autora ou os seus representantes, nem os réus. Nem sequer conhecia a marca do vinho produzido e comercializado pela autora. E nada sabia sobre as relações comerciais mantidas entre autora e réus. Tudo quanto disse foi em termos genéricos, da sua experiência como enólogo desde 1970. E falou, e muito bem, das embalagens bag-in-box e das suas vantagens em relação aos garrafões de vidro, bem como do seu elevado uso, desde há mais de 10 anos, designadamente nos vinhos exportados para o mercado angolano e para os mercados dos países nórdicos. E esclareceu também que a generalidade dos enólogos e dos produtores de vinho conhecem há muito as embalagens bag-in-box e sabem que os vinhos aí embalados são para consumo imediato, e não para conservar.
Não se vê, pelo exposto, em que é que o depoimento desta testemunha pode justificar e muito menos impor resposta diferente ao quesito n.º 6.
Em consequência, nenhuma alteração se impõe realizar na matéria de facto provada.

6. No tocante à decisão de direito, a autora contrapõe o seguinte:
"A autora estruturou a sua petição na violação, por parte dos RR., do dever de agir de acordo com a boa fé, bem como no incumprimento do contrato de compra e venda celebrado entre as partes.
Em síntese, alegou a autora que, na fase pré-contratual, as RR. lhe asseguraram que os produtos por estas comercializados (bag in boxes) possuíam características que, de facto, se vieram a revelar não corresponderem à verdade, verificando-se, por isso, uma violação do dever de agir com boa fé, nos termos do artigo 227.º do Código Civil.
Mais alegou a A. que as RR. não cumpriram o contrato, na medida em que o produto fornecido não possuía as características asseguradas durante a fase pré-contratual e contratual, o que sempre constituiria violação do correspondente dever de cumprimento pontual, isto é, ponto por ponto, do contrato.
(Ora), da matéria dada como provada, mesmo sem a correcção propugnada supra, resulta claro que: a) as RR., na fase pré-contratual, sempre asseguraram à autora que os bag in boxes tinham as mesmas vantagens que as embalagens de vidro tradicionais, incluindo a durabilidade dos produtos nelas embalados; b) os vinhos por si embalados nos bag in boxes não se mantiveram em boas condições de consumo durante o mesmo tempo em que se conservariam se embalados em recipientes de vidro, antes se apresentando impróprios para consumo poucos meses depois de embalados".
Para concluir que provada está a má fé dos réus, seja na fase pré-negocial (art. 227.º do Código Civil), seja quanto ao cumprimento do contrato (762.º, n.º 2, do Código Civil).
O que a apelante quer dizer é que os réus negociaram com a autora a venda de um tipo de embalagem para o vinho, designada de "bag in box", com a garantia de que possuía determinadas características que, depois, se veio a confirmar que não possuíam. E em termos de consequências jurídicas, coloca essa questão num destes dois patamares: 1) ou os réus enganaram a autora quanto às características da embalagem, assegurando-lhe que possuíam determinadas características para a conservação do vinho que não possuíam, e, neste caso, diz que incorreram em responsabilidade pré-negocial, nos termos do art. 227.º do Código Civil; 2) ou venderam à autora um tipo de embalagem avariada, por não possuir as características contratadas, incorrendo em responsabilidade contratual.
A sentença recorrida analisou essas duas perspectivas da causa de pedir e concluiu que a autora não fez prova nem de uma nem de outra.
Parece-nos, salvo o devido respeito por opinião diferente, que qualquer daquelas duas perspectivas se reporta ao cumprimento do contrato, e já não, ou não apenas, às negociações preliminares com vista à formação do contrato. Porque se referem ambas à desconformidade da prestação realizada pelos réus, traduzida na falta de qualidade das embalagens entregues à autora, com o que fora acordado entre as partes.
Colocar-se-ia a questão no âmbito da responsabilidade pré-negocial se estivesse em causa a omissão de um dever de informação sobre as características da embalagem, numa situação em que o vendedor soubesse que o comprador fazia depender a sua decisão de comprar da existência dessas características. O que não corresponde à situação exposta pela autora na petição inicial.
O Prof. MENEZES CORDEIRO refere, a este respeito, que a concepção da culpa in contrahendo acolhida no art. 227.º do Código Civil "encerra os deveres de protecção, de informação e de lealdade" e que o dever de informação "adstringe as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato". E acrescenta: "A culpa in contrahendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam" (em Da Boa-Fé no Código Civil, Colecção Teses, p. 583-584. Ver ainda, do mesmo autor, em Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição, 2005, Almedina, p. 408 e 497 e ss.).
Também o Prof. M. J. ALMEIDA COSTA escreve que "durante as fases anteriores à celebração do contrato … o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. De modo mais concreto: apontam-se aos negociadores certos deveres recíprocos, como, por exemplo, o de comunicar à outra parte a causa de invalidade do negócio, o de não adoptar uma posição de reticência perante o erro em que esta lavre … Através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduz as negociações segundo a boa fé" (cfr. "Intervenções fulcrais da boa fé nos contratos", na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, p. 297).
Esta é também a perspectiva que serve de orientação à jurisprudência. O acórdão do STJ de 22-01-2009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B3301) considerou, em síntese, que "a responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo), prevista no n.º 1 do art. 227.º do CC, assenta num conceito indeterminado — o conceito de boa fé — e tem lugar quando, na fase preparatória de um contrato, as partes, ou alguma delas, não observam certos deveres de actuação — deveres de protecção, de informação, de lealdade, e outros — que sobre elas impendem. […] Na culpa in contrahendo assumem primordial relevância os deveres de informação e de esclarecimento, respeitantes, antes de mais, ao clausulado contratual pretendido, e, particularmente, quando estamos perante sujeitos com poder contratual desequilibrado, com conhecimentos e experiências negociais e jurídicas desiguais, revestindo tais deveres, neste caso, maior amplitude, intensidade e extensão para a parte que detém a posição negocial mais forte, que lhe permite impor à contraparte, mais inexperiente ou menos esclarecida, cláusulas de que esta, por força dessa sua debilidade contratual, não logra colher o verdadeiro significado ou de que, pela mesma razão, nem sequer toma conhecimento. […] A responsabilidade in contrahendo exige a verificação cumulativa dos requisitos da responsabilidade civil, pelo que não estando provado … que [o réu] haja posto em causa deveres de conduta, de base legal, na fase negociatória com os autores — designadamente os de informação ou esclarecimento, de protecção ou de cuidado — ou que a sua conduta tenha constituído violação objectiva da boa fé (…), fica arredada a responsabilidade in contrahendo daquele, faltando logo o primeiro de tais requisitos".
Neste caso, o que o autor alegou logo na petição inicial foi que, "para a autora, era condição essencial da eventual aquisição dos 'bag in box' que estes assegurassem a conservação dos vinhos neles embalados por períodos pelo menos idênticos aos das embalagens de vidro tradicionais, facto que foi comunicado, desde o início das negociações, aos réus, [que] sempre asseguraram à autora … que as embalagens do tipo 'bag in box' respeitavam tal exigência" (cfr. arts. 13.º a 15.º da p.i.).
Como se constata, na tese desenvolvida pela autora na petição inicial, o problema surgido com as embalagens do tipo "bag in box" fornecidas pela ré não resultou da falta de informação quanto às características pretendidas pela autora, aquando das negociações preliminares. Aí as partes terão comunicado uma à outro o tipo de embalagem que a autora pretendia para o seu vinho e o que a ré se propunha satisfazer. O problema da falta de qualidade que a autora aponta às embalagens fornecidas pela ré já surgiu na fase do cumprimento do contrato. Em que teria ocorrido (e continuamos a reportar-nos à tese alegada pela autora) uma destas duas situações:
1) ou os réus enganaram a autora quanto às características da embalagem, assegurando-lhe que possuíam determinadas características para a conservação do vinho que não possuíam — e, neste caso, a consequência jurídica não era apenas a prevista no art. 227.º do Código Civil, inerente à responsabilidade pré-negocial, mas também a prevista nos arts. 253.º, 254.º, 798.º, 905.º e 908.º, ex vi 913.º, n.º 1, todos do Código Civil;
2) ou, por erro, venderam à autora um tipo de embalagem avariada, por não possuir as características contratadas, e a consequência jurídica era a prevista nos arts. 905.º e 909.º, ex vi 913.º, n.º 1, do Código Civil.
Os factos provados não confirmaram nenhuma destas duas situações. As respostas negativas dadas aos n.ºs 5 e 6 da base instrutória afastam a primeira daquelas hipóteses. E a resposta negativa dada ao n.º 15 da base instrutória afasta a segunda hipótese, já que não permite imputar a deterioração do vinho a qualquer anomalia ou falta de qualidade das embalagens fornecidas pela ré.
Mas ainda que se entendesse haver lugar à aplicação do art. 227.º do Código Civil, no pressuposto de que os réus não tinham agido de boa fé quanto ao dever de informar correctamente a autora sobre as características do produto negociado entre as partes — as embalagens do tipo bag in box — as respostas negativas dadas aos n.ºs 11, 17 e 18 e parcialmente negativa ao n.º 7 da base instrutória não permitem concluir que os réus tenham omitido essas informações e não tenham agido de boa fé.
Sendo a falta de boa fé requisito essencial da responsabilidade in contrahendo, era à autora que competia o ónus de demonstrar que os réus tinham violado esse dever, e não o contrário (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil). Tal como refere o acórdão do STJ anteriormente citado.
É certo que os factos provados revelam que a ré, através do 2.º réu, informou a autora de que a embalagem do tipo "bag in box" era um sucedâneo dos tradicionais garrafões de vidro e tinham as mesmas vantagens destes. Mas como já esclarecemos supra, essas vantagens reportam-se tão só às características intrínsecas da embalagem, e não ao período de conservação dos vinhos embalados. Porque, se nessas vantagens estivesse compreendido o período de conservação dos vinhos embalados, esse facto não podia ser considerado provado, na medida em que tal vantagem foi impugnada pelos réus e sobre ela não foi produzida qualquer prova. A interpretação dos factos tem que respeitar o sentido da sua alegação, sob pena de violação do princípio constante dos arts. 264.º, n.º 2, e 664.º do Código de Processo Civil, que impõe ao Juiz o dever de sujeição aos factos alegados pelas partes. Sem deturpação do seu significado.
Não se mostram, pois, retratados nos factos provados nem os requisitos da responsabilidade pré-contratual, nem os requisitos da responsabilidade contratual. E, por isso, a decisão que julgou improcedente a acção não merece qualquer censura.

7. Sumário:
i) A resposta restritiva dada pelo tribunal recorrido ao facto do n.º 1 da base instrutória está conforme com o sentido do depoimento prestado pela testemunha F………..
ii) A resposta negativa dada ao n.º 6 da base instrutória não está em contradição com os factos declarados assentes por acordo das partes sob as als. C) e D) e também não se mostra desconforme com o depoimento da testemunha G…….., a qual não depôs nem foi indicada para depor a esse facto.
iii) Na responsabilidade pré-negocial, a que alude o art. 227.º do Código Civil, é à parte lesada que incumbe alegar e provar a falta de boa fé da contraparte.
iv) Neste caso, os factos provados não permitem imputar aos réus responsabilidade pelos danos sofridos pela autora com a deterioração do vinho, seja a título de responsabilidade pré-negocial, seja a título de incumprimento contratual.

III – DECISÃO
Pelo exposto:
1) Julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
2) Custas pela apelante (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
*
Relação do Porto, 29-06-2010
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires