Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0330740
Nº Convencional: JTRP00036708
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
ADMISSIBILIDADE
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
SERVIDÃO NON AEDIFICANDI
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200304240330740
Data do Acordão: 04/24/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J ESPINHO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: .
Decisão: .
Área Temática: .
Legislação Nacional: CEXP91 ART63 ART8 N2.
CPC95 ART273 N2.
Sumário: I - Em expropriação por utilidade pública, é admissível a ampliação do pedido, por aplicação subsidiária do disposto no artigo 273 n.2 do Código de Processo Civil.
II - Essa ampliação pode ter lugar até às alegações que precedem a prolacção da sentença.
III - Naquela expropriação, há lugar a indemnização por desvalorização decorrente da existência de servidão "non aedificandi" se o prédio, onde vai operar essa servidão, já tiver, anteriormente, aptidão edificativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Expropriante – Câmara Municipal de .........

Expropriados: Ana .......... e outros (herdeiros de Maria ........).

Objecto da expropriação: parcela de terreno a que foi atribuído o n.º .., com a área de 184 m2, de cultivo, sita no lugar dos ........., da freguesia de ........., do concelho de ........, destacada do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 616.º.

Declaração de utilidade pública com carácter urgente: despacho de 24.11.1995 do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, publicado no DR II S, n.º 22, de 26.1.1996.

Vistoria ad perpetuam rei memoriam: fls. 19.

Auto de posse administrativa: fls. 22.

Decisão arbitral: fls. 25 a 29, nela tendo sido o terreno do prédio do qual foi destacada a parcela qualificado como “apto para construção”, por dispor de acesso rodoviário e infraestruturas no mesmo arruamento, existente a poente, mas não poder a parcela ser aplicada na construção, por se achar a mais de 50m da via pública, tendo-se alcançado o valor indemnizatório de 353.280$00.

Despacho de adjudicação da propriedade à expropriante: fls. 48.

Recurso dos expropriados da decisão arbitral: fls. 49, nele se propugnando pela fixação da quantia indemnizatória de 16.497$00.

Resposta da expropriante: fls. 65, nele se pedindo a improcedência do recurso e a confirmação da decisão arbitral.

Nomeação dos peritos: fls. 70.

Laudos periciais:
\ relatório do perito da expropriante – fls. 93 e 94 – nele se encontrando a quantia indemnizatória de 370.944$00;
\ relatório dos demais peritos – fls. 103 e ss. – nele se encontrando os valores de 15.860.320$00 ou de 26.153.344$00, sendo 3.722.320$00 o atribuído à parcela expropriada e as diferenças para as mencionadas quantias consideradas como desvalorização, decorrentes ou de as parcelas não poderem ter acesso ao distribuidor principal ou de ficarem abrangidas, parcialmente, por servidões non aedificandi.

Os expropriados formularam uma ampliação do pedido a fls. 116, para o valor mais alto encontrado pelos peritos maioritários, isto é, 26.153.344$00.

A expropriada opôs-se à ampliação – fls. 126 e 127.

Por despacho de fls. 144 e 145 foi indeferida a ampliação do pedido.

Os expropriados recorreram, a fls. 147, recurso admitido a fls. 149, como agravo, com subida diferida, tendo os expropriados alegado a fls. 150 e ss. e a expropriante contra-alegado a fls.159 e ss.

Foi proferido a fls. 163 despacho a pedir esclarecimentos aos peritos, o qual foi prestado pelo perito da expropriante a fls. 172 e ss. e pelos demais a fls. 189.

Os expropriados ofereceram as suas alegações a fls. 252 e a expropriante a fls. 270.

O agravo do despacho que incidiu sobre a ampliação do pedido requerida pelos expropriados foi reparado por despacho de fls. 276.

A expropriante pediu que o agravo subisse para apreciação dos despachos contraditórios – fls. 281.

Foi proferida sentença a fls. 288 e ss., nela se fixando a indemnização em € 17.240,65.

Ambas as partes recorreram.

\A- Conclusões do recurso de agravo:
1.ª. Em processo de expropriação por utilidade pública, no recurso da decisão arbitral para a 1.ª instância é lícito requerer-se a ampliação do pedido até ao encerramento da prova pericial ou mesmo até à junção das alegações a que se refere o art. 63.º do CExp..
2.ª. Tendo a presente ampliação sido deduzida antes da conclusão da prova pericial é óbvio que o foi atempadamente.
3.ª. A ampliação em apreciação foi deduzida com base na desvalorização da parcela sobrante.
4.ª. A indemnização a este título foi peticionada, este fundamento indemnizatório foi tido em conta, porém não o foi na amplitude que veio ma demonstrar-se ter.
5.ª. Em processo de expropriação impõe-se, para a concretização do preceito constitucional que obriga ao pagamento de uma justa indemnização, que se obtenha uma compensação total para o expropriado, por aquilo que perde.
6.ª. O expropriado não quis fazer qualquer liberalidade à expropriante.
7.ª. Apurou-se em sede de prova que a desvalorização pela depreciação da parcela sobrante é significativamente maior que a peticionada.
8.ª. Então, desenvolvendo o pedido inicial, os expropriados ampliaram-no, concretizando-o e justificando-o.
9.ª. verdadeiro corolário/consequência do pedido inicial.
10.ª. A decisão recorrida violou o disposto no art. 273.º do CPCivil.
Pedem a revogação do despacho recorrido, coma consequente admissão da ampliação formulada.

Na sua contra-alegação, na qual não formulou conclusões, a expropriante considera extemporânea a ampliação, por o processo se encontrar já em recurso da decisão arbitral no tribunal da comarca e por, mesmo que se aceitasse ser admissível formulá-la nesta fase, sempre haveria de sê-lo antes do encerramento das diligências probatórias, sendo que aconteceu já depois das peritagens.
Por outro lado, entendem que a dita ampliação não integra um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, estando os expropriados vinculados ao valor que adiantaram quando recorreram da decisão arbitral.

\B- Conclusões da apelação dos expropriados:
1.ª. No centro de ......., com a factualidade apurada, justifica-se o índice de 15% a título de localização e qualidade ambiental. É público e notório que ........ e o seu centro são do melhor de Portugal.
2.ª. A existência de trânsito não pode afastar a aplicação do índice máximo.
3.ª. A execução da obra de construção do distribuidor principal que justificou a presente expropriação, tornou as parcelas sobrantes subsumíveis no disposto no art. 46.º/2 do RPDM de ....... e, portanto, sujeitas à servidão non aedificandi.
4.ª. Esta servidão é indemnizável, sendo o processo de expropriação o adequado para a determinação do valor indemnizatório.
5.ª. No caso das servidões que passam a existir com a edificação da obra, se não houver expropriação, o facto de os prejudicados terem que recorrer a acção autónoma não impõe que no processo de expropriação não se fixe a indemnização.
6.ª. A desvalorização das parcelas sobrantes para além da que deriva da servidão non aedificandi está bem definida e fundamentada pelos peritos do tribunal, pelo que é devida, já que é real.
Pede a fixação do valor arbitrado pelos peritos do tribunal.

Não foi oferecida resposta.

\C- Conclusões da apelação da expropriante:
1.ª. Para efeitos do art. 748.º/1 do CPCivil a apelante confirma o seu interesse em que seja apreciado o recurso de agravo que manteve, da decisão relativa à impossibilidade de ampliação do pedido inicialmente impugnada pelos expropriados e que teve reparação pelo Sr. Juiz a quo.
2.ª. É inaceitável o valor atribuído à parcela expropriada que ultrapassa o valor da justa indemnização.
3.ª. Na análise das características da parcela expropriada e parcelas sobrantes há que ter em conta as efectivas características dos locais, antes e depois da expropriação, nomeadamente as resultantes do plano de pormenor que já estava aprovado para o local e dava capacidade construtiva ao terreno.
4.ª. Capacidade construtiva que, há que concluir, não desapareceu nas parcelas sobrantes, antes ficou melhorada, pelo que, devendo analisar-se a questão da existência ou não de desvalorização por ónus ou servidão, deverá concluir-se, expressamente, pela negativa.
5.ª. Acresce que, de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis (nomeadamente PDM, Plano de Urbanização de ........., RGEU, DL 445/91 e DL 448/91 – aplicáveis à data), a parcela expropriada nunca poderia ser senão logradouro e, distando mais de 50 metros das frentes, nunca deverá ser valorizada em preço unitário de m2 superior a 20% do eventual preço de terreno para construção, no local, à data da D.U.P..
6.ª. Face à inexistência de elementos que justifiquem uma qualidade ambiental excepcional contemplada com uma percentagem de 15%, esta não deve ultrapassar os 10%, como se tem vindo a decidir em outras parcelas da mesma expropriação, quer nesta comarca quer na Relação do Porto.
7.ª. Não existindo depreciação das parcelas sobrantes, seja por efeitos desta expropriação ou por qualquer servidão non aedificandi e não havendo lugar a indemnização por este motivo, sempre o laudo dos peritos do tribunal deveria ser alterado nessa conformidade, sendo certo que ao juiz do processo compete sindicar os fundamentos legais e técnicos da peritagem e alterá-los de acordo com a lei.
8.ª. Do mesmo modo devendo ser julgado improcedente o recurso da arbitragem dos expropriados, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, reduzindo-se o valor da indemnização à sua justa medida, como é de lei e de justiça.

Os expropriados responderam remetendo para a sua alegação de recurso.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

Factos considerados provados na sentença:
1.º. A parcela expropriada, designada com o n.º .., está incluída na planta cadastral relativa à obra de implementação do Distribuidor Principal – ........ – Avenida .. – ..........
2.º. Tem a área de 184 m2, destacada do prédio sito no lugar dos ........., ........., confrontando do norte com Manuel ........., do sul com Emília ......., do nascente com caminho de servidão e do poente com a Travessa dos ..........., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ........ sob o art. 616.º, não descrito na CRP, de que são proprietários os herdeiros de Maria ..........
3.º. O prédio em questão tem a configuração assinalada na planta de fls. 218, dispõe de frente para a Travessa dos ........., a poente, que tem pavimento betuminoso, a largura de 3 m e é dotada de redes públicas de abastecimento de água e de energia eléctrica, encontrando-se, em Fevereiro de 1996, ladeado por algumas moradias unifamiliares.
4.º. A parcela expropriada fica a mais de 50 m da Travessa dos ......... e da expropriação resultaram duas partes sobrantes, conforme planta de fls. 218, sendo que a parte sobrante situada a nascente tem a área de 704 m2 (apenas com frente para a via que motivou a expropriação – Av. ..) e a que se situa a poente tem a área de 148 m2 (esta com frente para a Travessa dos ......... e para a via em causa nos autos – Av. ..).
(Este facto tem de ser objecto de alteração ao abrigo do disposto no art. 712.º/1-a) e b) do CPCivil, se se entender que não encerra um mero lapso. Com efeito, a decisão arbitral, que nessa parte não foi objecto de impugnação, define a área total do prédio como sendo de cerca de 1 870 m2, a área da parcela expropriada como sendo 184 m2, a área da parcela sobrante nascente como sendo 1 200 m2 e a área da parcela sobrante poente como sendo 486 m2. Por isso, são estas as áreas a considerar).
5.º. A parcela em causa situa-se a cerca de 130 m da escola secundária de .........., a cerca de 700 m da igreja matriz, a cerca de 850 m do tribunal, a cerca de 950 m da CM........ e a cerca de 1 000 m da faixa costeira.
6.º. A parcela de terreno em causa enquadra-se no perímetro urbano da cidade de ......... (em zona de expansão da cidade).
7.º. Segundo o RPDM, o índice de utilização previsto para a zona em que se insere a parcela expropriada é de 1 m2/m2 e insere-se em zona classificada pelo PDM como “espaço urbano central principal”, que corresponde à área da cidade de ......... e envolvente delimitada, no essencial, pelo Anteplano Geral de Urbanização da .......... e caracteriza-se por possuir um carácter fortemente urbano, densidade elevada e elevado nível de funções.
8.º. Os edifícios mais próximos da parcela expropriada são moradias de rés-do-chão e andar.
9.º. A parcela em questão era da propriedade dos expropriados recorrentes.
10.º. Por despacho do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, de 24.11.95, publicado no DR n.º 22, II S, de 26.1.96, foi decretada a utilidade pública com carácter de urgência da expropriação de 83 parcelas de terreno necessárias à obra de implementação do Distribuidor Principal – .......... – Av. .. – ........ e, consequentemente, autorizada a posse administrativa pela entidade expropriante, a CM......., das referidas parcelas, entre as quais se inclui a n.º 31.

\A1- Do recurso de agravo:

O Cód. das Expropriações não dispõe relativamente à possibilidade ou impossibilidade de se formular uma ampliação do pedido, pelo que as normas atinentes se hão-de procurar no Cód. Proc. Civil, que é de aplicação subsidiária – art. 463.º/1 do diploma adjectivo; ac. STJ de 23.1.96, Bol. 453.º-297.
Sobre o tema, estabelece o n.º 2 do art. 273.º do CPCivil que o autor pode, em qualquer altura, ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Assim, quando a ampliação consista, apenas, no desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, o termo final estabelecido na lei para a sua formulação é o encerramento da discussão em 1.ª instância.
E o que deve ter-se como tal em processo de expropriação? Naturalmente que as alegações referidas no art. 63.º do DL n.º 483/91, de 9.11.
Até esse momento, isto é, na própria alegação que precede a prolação da sentença, pode o expropriado ampliar o pedido nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art. 273.º.
Em processo comum o encerramento da discussão coincide com o fim dos debates sobre a matéria de facto – art. 652.º/3-e) do CPCivil – cfr. ac. RL de 28.2.91, CJ, 1991, 1, 168 – que era costume designar por alegações sobre a matéria de facto.
E em processo expropriativo coincide com o momento atrás indicado, não se concordando com o acórdão desta Relação de 17.1.94, Bol. 433.º-617, referido por Abílio Neto em anotação ao seu art. 657.º do CPCivil anot., segundo o qual o momento que neste processo corresponde àquele outro é o da avaliação feita pelos peritos, não sendo de admitir a ampliação do pedido feita nas alegações.
Isso já decidimos na apelação com agravo n.º 654/01, desta Secção, publicada na sessão de 16.1.03 e o mesmo entendimento consta do acórdão do STJ junto pelos expropriados a fls. 256 e ss. com a sua alegação ao abrigo do citado art. 63.º citado.
De todo o modo, a avaliação ainda não estava concluída quando os expropriados formularam a ampliação do pedido, pois que os peritos foram chamados, por mais de uma vez, a prestar esclarecimentos sobre os seus laudos, após o que se concedeu às partes que alegassem de novo – cfr. fls. 252 e 270.
Temos, por conseguinte, como admissível a ampliação do pedido nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art. 273.º do CPCivil, até às alegações, incluindo nestas.
Será que de uma verdadeira ampliação naqueles termos se trata?
Entendemos que sim, porquanto os expropriados já se haviam referido à desvalorização das parcelas sobrantes no recurso interposto da decisão arbitral – cfr. art.s 20.º e ss. a fls. 53 e 54.
O que está em causa é, efectivamente, na tese dos expropriados, a diminuição da capacidade construtiva das parcelas sobrantes, pelo que a ampliação feita já se encontrava virtualmente contida no pedido inicial, sendo consequência ou desenvolvimento do mesmo.
Face ao exposto, nega-se provimento ao agravo da expropriante, confirmando-se o despacho que reparou o dos expropriados.

\B1- Apelação dos expropriados:

Na sentença atribuiu-se a percentagem de 13% a título de localização e qualidade ambiental, nos termos da alínea h) do n.º 3 do art. 25.º do CExp..
Argumentou-se que a parcela se encontra bem situada, porque próxima de equipamentos e infraestruturas, mas isso também lhe retira qualidade ambiental, por via da sua inserção na zona citadina. Por outro lado, o máximo previsto na lei, 15%, só deve ser atribuído em áreas com condições de localização e qualidade ambientais ideais.
Desde o acórdão 1/99 do TC, DR I S, de 13.2.99, ficou esclarecido que o mencionado índice era variável, devendo apurar-se no momento da sua aplicação a cada caso concreto, de acordo com a avaliação nesse sentido dirigida do bem expropriado, visando alcançar a constitucional justa indemnização – cfr. texto do acórdão.
Sendo assim, é ajustada a consideração feita na sentença de que o máximo de 15% só deve aplicar-se em casos ideais, muito embora, não sendo o ambiente uma das principais prioridades do País, dificilmente se encontre um local em que se possa dizer com propriedade que o máximo é ajustado à situação concreta.
De qualquer forma, ......... não será das melhores cidades do País, mas é certo que tem as suas qualidades nesse domínio, por ficar na orla costeira, ter praias e ainda não estar afogada em tráfego. Por isso, atenta a situação da parcela expropriada, perto de vários serviços da cidade a que as pessoas recorrem, não se vislumbra fundamento para lhe atribuir apenas 7%, como fizeram os árbitros, ou 8%, como entendeu o perito da expropriante.
Mas, pelo que já se disse, também não vemos razão para atribuir a percentagem máxima, como fizeram os peritos maioritários.
Na verdade, procurando-se a justa indemnização, cada caso deve ser analisado à luz da sua singularidade, mas a verdade é que tivemos recursos de sentenças proferidas em expropriações da mesma freguesia de ........., embora no lugar de ......., em que os peritos aplicaram a percentagem de 7,5% - cfr. apelações n.ºs 1031/99 e 1478/99.
Não se tratando do mesmo lugar, não parece que a consideração de outro índice ponha em causa o princípio da igualdade que deve existir no tratamento dos expropriados.
É que na dita apelação 1031/99, a parcela expropriada situava-se a cerca de 2 km do centro cívico, por conseguinte mais distanciada deste do que a parcela concernente a estes autos.
Não se vê, assim, fundamento plausível para alterar a percentagem usada na sentença, face aos factos considerados provados.

Seguidamente, os expropriados manifestam a sua discordância relativamente à sentença, na parte em que não considerou a indemnização decorrente da desvalorização advinda da servidão non aedificandi, pretendendo que a mesma seja atribuída.
Na decisão recorrida não se defendeu expressamente que a indemnização não deve ser atribuída, mas apenas que deve ser mais adequadamente pedida noutra sede, que não no processo expropriativo.
Que pode haver lugar a indemnização por via da existência de servidões administrativas em processo expropriativo resulta, desde logo, do art. 8.º/2 do CExp., quando refere que as fixadas directamente na lei não dão lugar a indemnização, salvo se a própria lei determinar o contrário.
Esta norma, que já existia no art. 3.º/2 do DL n.º 845/76, de 11.12, foi já na vigência desse diploma julgada inconstitucional por vários acórdãos do TC, enquanto não permitia que houvesse indemnização pelas servidões non aedificandi derivadas directamente da lei, desde que essas servidões resultassem para a totalidade da parte sobrante de um prédio na sequência de um processo expropriativo incidente sobre parte de tal prédio, e quando este, anteriormente àquele processo, tivesse já aptidão edificativa.
A mesma posição continuou a ser defendida na vigência do CExp. de 1991 – cfr. ac. TC de 19.2.1998, DR II S, n.º 11, de 14.1.1999.
Na verdade, a diminuição das utilidades da coisa por virtude da imposição de certos vínculos administrativos é susceptível de fazer nascer uma obrigação de indemnizar. Por isso, resultando essa servidão do acto expropriativo, tem ela de ser levada em conta na determinação do montante a pagar, a título de indemnização – cfr. referido acórdão.
Alves Correia, RLJ 132.º-301, entende conferirem direito a indemnização, sendo, nesse particular aspecto, insuficiente o que se consagra no n.º 2 do art. 8.º do CExp., as situações em que haja uma modificação ou diminuição acentuadamente gravosa da utilitas rei, já que, se assim não fosse, se veriam violados o princípio da justa indemnização por expropriação (no sentido de “expropriação de sacrifício”), extraído do n.º 2 do art. 62.º da CRP e do princípio do Estado de direito democrático, princípios que conduzem a que os “actos do poder público lesivos ou causadores de danos devem desencadear uma indemnização”, e do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos – cfr. ac. do TC de 12.12.2001, DR II S, n.º 29, de 4.2.2002.
À volta deste entendimento anda a noção de classificação dolosa dos solos.
Mas, para que haja lugar à indemnização por desvalorização decorrente da existência de servidão non aedificandi, necessário se torna que o prédio onde vai operar a dita servidão administrativa tivesse anteriormente aptidão edificativa.
Parece ser o que acontece in casu, porquanto a aptidão construtiva não resulta somente do PDM de ........., segundo o qual a parcela expropriada se insere em zona classificada como “espaço urbano central principal”, que corresponde à área da cidade de ......... e caracteriza-se por possuir um carácter fortemente urbano, densidade elevada e elevado índice de funções, mas já anteriormente detinha essa aptidão, por dispor de acesso rodoviário pavimentado a betuminoso e de rede pública de abastecimento de água e de energia eléctrica – cfr. matéria de facto provada.
Trata-se, assim, de solo apto para construção por dois fundamentos, à luz do art. 24.º/2-a) e c) do CExp..
Parece, pois, que se deve considerar a indemnização por desvalorização com esse fundamento.

\C1- Apelação da expropriante.

Cremos já ter respondido à necessidade de indemnização decorrente da desvalorização por existência da apontada servidão.
Contrariamente ao que pretende a expropriante, a capacidade construtiva das parcelas sobrantes não resultou melhorada, pois, como referem os peritos maioritários, de acordo com o n.º 2 do art. 46.º do RPDM de ........., que define as “zonas de protecção e non aedificandi” para a rede viária, “nas distribuidoras principais em fase de execução ou já concluídas definem-se faixas non aedificandi de 50 m para cada lado do eixo e nunca a menos de 20 m da zona da estrada”.
A fls. 191 os peritos maioritários, no seguimento de pedido de esclarecimento solicitado pelo tribunal, fundamentaram os cálculos a que procederam para contabilizar a desvalorização resultante da apontada servidão. Nomeadamente que a parcela sobrante nascente fica sujeita em cerca de 50% da sua área à servidão, o que acarreta uma desvalorização de, no mínimo, 60%, enquanto que a parcela poente fica ocupada em 70% da área pela mesma servidão.

Defende a expropriante que a parcela expropriada apenas podia ser utilizada como logradouro e que, distando mais de 50 m da via pública, nunca podia ser atribuído um valor unitário de mais do que 20% do valor unitário da frente – art. 25.º/5 do CExp..
Cabe dizer que, com este fundamento, para que se aplique a enunciada norma, se torna necessário que, cumulativamente, o terreno exceda a profundidade de 50 m relativamente aos arruamentos que o ladeiam, o que acontece, e, ainda, que não possa ser aplicado na construção.
Ora, é o próprio perito da expropriante que refere ser possível a construção mediante operação de loteamento – cfr. esclarecimento prestado por determinação do tribunal, a fls. 173.
Mas, a constatação da necessidade deste loteamento implica que se descontem, nos valores encontrados, o respectivo custo.
Com efeito, esse custo resulta de regras que se impõem a qualquer cidadão que queira fazer um loteamento e que, por aplicação do princípio da igualdade – art.s 13.º da Const. e 2.º/2 do CExp. -, que tem nesta área um importante papel, tanto no domínio das chamadas relações internas – obrigando a um tratamento igual dos diversos expropriados – quer nas relações externas – procurando colocar os expropriados em igualdade de circunstâncias com os não expropriados, não faria sentido dele eximir os expropriados.
Estão em causa licenças, taxas de renovação de infraestruturas para as fazer e renovar, etc., tudo valores consideráveis a atender.
Pelo que, para o efectivar, deve deduzir-se aos valores encontrados 30% - cfr. acórdão desta Relação de 16.1.03, proferido na apelação com agravo n.º 654/01.

A quantia indemnizatória será, assim, de quarenta e nove mil, novecentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos (€ 49.926,67), assim calculada:
\ 1870 m2 x 18.785$00 x 70% = 24.589.565$00
\ 184 m2 x 18.785$00 x 70% = 2.419.508$00
\ 1200 m2 x 18.785$00 x 70% x 50% = 6.311.760$00
\ 486 m2 x 18.785$00 x 70% x 20% = 1.278.131$40.

Face ao exposto, julgo ambas as apelações parcialmente procedentes e, alterando a sentença, fixo a indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados em quarenta e nove mil, novecentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos (€ 49.926,67).

O agravo não tem custas, por a CM ....... estar isenta e o mesmo haver sido decidido contra ela.

Nas apelações, as custas são pelos expropriados na proporção de vencido.

Porto, 24 de Abril de 2003
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho