Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040614 | ||
| Relator: | COELHO DA ROCHA | ||
| Descritores: | DIREITO DE RETENÇÃO PROMITENTE-COMPRADOR BEM COMUM DO CASAL TRADITIO GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
| Nº do Documento: | RP200709130733924 | ||
| Data do Acordão: | 09/13/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 728 - FLS. 132. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – A “traditio” do bem prometido vender e bem comum do casal por parte, apenas, do marido e promitente-vendedor pode fundamentar o direito de retenção sobre tal bem por parte do “accipiens”, mesmo sem o consentimento e o conhecimento da (então) mulher e promitente-vendedora. II – Tal direito não carece de registo, deve ser graduado com prevalência sobre o do credor hipotecário, ainda que registado anteriormente, funciona como garantia do crédito (indemnização) resultante do incumprimento imputável à parte que prometeu transmitir ou constituiu um direito real e é oponível a terceiros até ser paga a indemnização. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Em 28.11.2003, B………………….. e mulher C……………………., por apenso aos autos de execução para pagamento por quantia certa, com o nº ……../2001, do …º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) moveu contra D………………….. e E……………..….., vieram, “ut” art. 871º, CPrC, apresentar reclamação de crédito sobre estes, pedindo a sua admissão, verificação e reconhecimento sobre o executado marido, no montante de € 40.611,35, acrescido de juros vincendos até efectivo e integral pagamento; e que seja graduado em primeiro lugar, “ex vi” direito de retenção de que beneficia – art. 759º, CC – para ser pago pelo produto da venda da fracção C – habitação do rés do chão esquerdo, com entrada pelo nº 17, da Rua das …………, com um lugar de garagem na cave, com entrada pelo nº 117, da Rua do ……………, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, matriciado no art. 4 493-C, e descrito sob o nº 01 550/29 07 97-C, da freguesia de Custóias, Matosinhos – penhorada nos autos, porquanto desta fracção são donos os executados, D........................ e E........................, que, por contrato promessa, de 23.11.1998, a prometeram vender aos reclamantes, B…………… e mulher, que, por sua vez, a prometeram comprar, pelo preço de ... Em 5.3.1999, o executado marido entregou “sponte sua” aos reclamantes as chaves da fracção prometida vender e penhorada nos autos; passando, desde então, os reclamantes a nela viverem, com o seu consentimento. Os executados não compareceram para outorgar a respectiva escritura, para a qual foram convocados, caindo em incumprimento do contrato promessa, tendo os reclamantes perdido o interesse na aquisição da fracção. Para o efeito, contra eles intentaram acção declarativa (com o nº ……/2000, deste mesmo Juízo), que culminou com a sentença de 28.3.2003, tendo o executado marido sido condenado a pagar aos reclamantes a quantia global de € 36.162,85, acrescida de juros de mora, desde a citação que, conforme aí lhes foi reconhecido, tinha o seu pagamento garantido por direito de retenção sobre esta fracção penhorada. Os executados não pagaram a quantia devida aos reclamantes, pelo que vieram dar à execução a respectiva sentença (proc. nº ……-A/2000) ... Tem a reclamação, pois, por base tal sentença e goza o crédito do direito de retenção sobre o prédio penhorado, pelo que reclama o pagamento, em 1º lugar (art. 759º, 2, CC) do seu montante pelo produto da venda da fracção penhorada, preferindo aos demais credores do devedor/executado marido, prevalecendo tal seu direito sobre a hipoteca existente da CGD, ainda que tenha sido registada ante-riormente. Apresentou contestação a CGD, invocando a inconstitucionalidade material - por violar o art. 2º, CRP - da norma do art. 759º-2, CC, cuja aplicação os reclamantes reivindicam; sem prescindir, a sentença que julgou do incumprimento do contrato promessa e constituiu o direito de retenção a favor dos reclamantes (promitentes compradores) não tem efeito de caso julgado quanto a si (CGD), credora hipotecária, por na respectiva acção declarativa não ter sido parte, nela não tendo intervindo, assim não a vinculando, sendo que a entrega da fracção aos reclamantes foi feita sem o consentimento e conhecimento da executada mulher - necessários “ut” art. 1682º-1 a), CC: fracção C penhorada era bem imóvel comum do (então) casal. A fracção, ao tempo do incumprimento, tinha menor valor ... o crédito a reconhecer aos reclamantes não pode ser superior ao dobro do sinal, ou seja, € 26.935,09; e deve ser graduado depois do seu (CGD) crédito exequendo. Responderam os reclamantes ao excepcionado; que refutam. (Cfr. fls. 210 – “anulado todo o processado, com aproveitamento apenas e tão só da p. i., da contestação e da resposta, ficando tudo o mais prejudicado ...”). Julgou-se improcedente a alegada excepção do caso julgado (fls. 226/7). Considerou-se a primazia do direito de retenção sobre a hipoteca, mesmo que anteriormente registada (art. 759º-2, CC), não se atendendo à invocada inconstitucionalidade por parte da exequente CGD e proferiu-se saneador, dando-se por verificados todos os pressupostos processuais (fls. 140/1, “ex vi” despacho de fls. 227, linha 20). Elaborou-se o condensador (fls. 227-231); tendo sido “ex officio”, posteriormente, aditado à BI o quesito 8- A (fls. 311); de cuja inclusão a CGD veio reclamar (fls. 320/1) e os reclamantes responderam (fls. 336-339); tendo sido indeferida a reclamação (fls. 345). Produzida prova em audiência de discussão e julgamento, o Tribunal teve por provado: A).- Encontra-se registada a favor de D……………….. e E…………………. – então, casados um com o outro, no regime da comunhão de adquiridos (doc.s de fls. 90/1 e item 22º contestação) - a fracção autónoma C, habitação no rés do chão esquerdo ... matriciada no art. 4 493-C, de Custóias, Matosinhos (em precedência integralmente identificada) ... B).- O preço acordado no contrato promessa de compra e venda foi de PTE 13.500. 000$00 (€ 67.337,72). C).- Os reclamantes intentaram acção declarativa de condenação contra os executados D........................ ... e E........................ ... que correu termos sob o nº ……/2000, deste mesmo Juízo Cível, D).- tendo-se nela sentenciado, em 28.3.2003, a condenação do executado marido D........................ a pagar aos reclamantes a quantia global de € 36.162,85, acrescida de juros desde a citação ... como E).- também lhes foi reconhecido o direito de retenção, enquanto garantia de tais quantias sobre a fracção autónoma penhorada nos autos. F).- Os reclamantes intentaram contra o executado D........................ execução da sentença, que corre termos sob o nº ……-A/2000, deste mesmo Juízo Cível. G).- Na data da entrada do requerimento executivo (5.6.2003), os juros do capital dívida, totalizavam o montante de € 2.666,14; H).- os juros, desde o trânsito em julgado da sentença (22.4.2003) até à data da entrada em Juízo do requerimento executivo, ascendiam a € 213,00. I).- Na execução vieram os exequentes/reclamantes requerer a penhora da fracção C, para garantia do seu crédito, que, à data da entrada em Juízo da execução, era de € 39.041,99. J).- Em 12.6.2003, foi proferido despacho de penhora da fracção, k).- tendo os reclamantes procedido ao registo na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos da penhora, em 20.8.2003. 1.-Por contrato promessa de compra e venda, outorgado em 23.11.1998, os reclamantes prometeram comprar a fracção C ao D........................ e E........................ que, por sua vez, lha prometeram vender. 2.- Em 5.3.1999, o executado marido entregou aos reclamantes todas as chaves da fracção prometida vender e penhorada nos autos. 3.- Desde essa data, os reclamantes passaram a viver na fracção, com autorização dos executados. Situação que se mantém ainda hoje. 4.- Aí comem, dormem, passam os tempos livres, recebendo familiares e amigos. 5.- Os executados não compareceram, por duas vezes, à escritura pública de compra e venda da fracção para a qual foram convocados. 6, 7 .- ............. 8.- Tinha sido estipulado o sinal de PTE 2.700.000$00. 8-A.- Os reclamantes pagaram o sinal convencionado aos promitentes vendedores. 9.- A entrega da fracção foi feita sem o conhecimento e o consentimento da executada mulher. Com base no que se sentenciou: 1 a). a parcial procedência da reclamação do crédito que detém sobre o executado D……………, no montante de € 26.935,09, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data em que este foi citado para os termos da acção ordinária 106/2000 referida e b). julgando-o reconhecido neste montante; 2.-a improcedência, quanto à parte restante reclamada; 3.-a graduação do crédito 1 a) dos reclamantes B…………… e mulher – titulares do direito de retenção, para ser pago pelo produto da venda do imóvel penhorado, com prevalência sobre o crédito exequendo da CGD – credora hipotecária. Inconformada, a CGD apelou; e, alegando, concluiu: - O imóvel prometido vender estava integrado no património comum dos promitentes vendedores, - o negócio da tradição da coisa prometida vender para os promitentes compradores foi efectuado pelo promitente vendedor marido, sem o consentimento da promitente vendedora mulher, - carecendo ele de legitimidade, para, só por si, transmitir a posse do imóvel para os promitentes compradores, por se tratar de um direito real. - A posse destes/apelados é, assim, ilegítima e, por isso, incapaz de fundamentar o direito de retenção. - Sendo este um direito real de garantia, estava o promitente vendedor marido impedido de onerar o imóvel (comum do casal), desacompanhado do respectivo cônjuge. Daí, - que o contrato promessa de compra e venda dos autos não goze de eficácia real, - que o crédito dos reclamantes/apelados não goza do privilégio de ser pago com preferência sobre os demais credores, nomeadamente sobre a exequente/apelante, credora hipotecária. Deve alterar-se a sentença de graduação de créditos, por forma a que o crédito da CGD/apelante passe a anteceder o crédito reclamado pelo B……………. e mulher, por o mesmo não gozar do direito de retenção. Contraalegando, os reclamantes/apelados pugnam pela manutenção do decidido. Conhecendo. Restringe-se a apelação a impugnar a parte da sentença que graduou em primeiro lugar o crédito dos reclamantes, B…………… e mulher, para ser pago pelo produto da venda da fracção C, penhorada nos autos. Sabemos da matéria de facto provada – considerada “a quo” e que “ad quem” ora não vem impugnada, pelo que ela também aqui se tem como assente, tendo sido já em precedência transcrita – que os executados, D........................ e (então) mulher E…………………, por contrato promessa de 23.11.1998, prometeram vender aos reclamantes/recorridos que prometeram comprar-lhes, a fracção C em causa. Em 5.3.1999, o promitente vendedor/executado marido entregou aos reclamantes/ promitentes compradores todas as chaves da fracção prometida vender, e penhorada nos autos, passando, deste modo, estes últimos a viverem na fracção com autorização daqueles, não obstante a entrega da fracção ter sido feita sem o consentimento e o conhecimento da E……………….. Como assente ainda está, e ora se salienta e adita, que a (hoje) CGD/exequente/ apelante tem o seu crédito sobre os executados, D........................ e E…………….., garantido por hipoteca voluntária – Ap. registral C 1 – 13/ 22 09 97. A partir daqui, coloca, então, a apelante CGD a questão de se saber se a “traditio” efectuada apenas pelo outorgante marido do bem comum do casal (a fracção C) pode fundamentar validamente o direito de retenção sobre a fracção C por parte do “accipiens”. A esta temática recursiva o Tribunal recorrido respondeu afirmativamente. Também entendemos que bem. Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos – art. 865º-1, CPrC. Penhorada aqui a fracção C, confrontam-se, quanto a ela, o crédito hipotecário da instituição de crédito CGD/apelante e o crédito judicialmente reconhecido aos reclamantes/apelados pelo incumprimento definitivo por parte do executado/promitente vendedor faltoso, àqueles se reconhecendo, por isso, o direito de retenção sobre tal fracção C, penhorada. Em 5.3.99, ocorreu a tradição do bem comum do casal pelo executado marido, sem o consentimento e conhecimento da E…..………, para os credores reclamantes/apelados. Pretende a apelante/CGD que o promitente vendedor marido, então, carecia de legitimidade para transmitir ou constituir direitos reais sobre a fracção C, nomeadamente a posse e o direito de retenção, por então, estar colocado numa situação de indisponibilidade, face ao objecto mediato da coisa garantida vender, e carecer do consentimento de ambos os cônjuges, a oneração da fracção comum – art. 1682º-A, 1 a), CC. Não aderimos ao pensamento e pretensão da apelante CGD, por entendermos ser mais ajustada e correcta a interpretação e aplicação das regras jurídicas aplicáveis e citadas na instância recorrida, quanto ao ora questionado. Vejamos, então. Ainda na constância da comunhão do casal dos executados, ocorreu a outorga do contrato promessa sobre a fracção C, em que ambos a prometeram vender aos credores reclamantes, tendo posteriormente o cônjuge marido entregue todas as chaves da fracção aos promitentes compradores, sem o conhecimento e autorização do cônjuge mulher. O contrato promessa de venda de coisa alheia (ou de coisa para cuja alienação o promitente vendedor não tem legitimidade) é um contrato perfeito e inteiramente válido, de que emerge para ambos os contraentes a obrigação de outorgar o contrato prometido, o contrato definitivo de compra e venda da fracção C, sob pena de não o fazendo, por facto que lhe seja imputável, se constituir na obrigação de indemnizar o promitente comprador. Demonstrado está que a fracção está registada a favor do casal dos executados, como que ambos estes outorgaram o contrato promessa como seus promitentes vendedores, ainda que ela mulher tivesse sido “alheia” ao negócio da “traditio”, por esta ter ocorrido sem o seu conhecimento e autorização. Porém, na realidade, o negócio da “traditio” constitui tão só a transmissão pela entrega, da posse (ou detenção) da fracção C – objecto do contrato prometido – para os promitentes compradores e não traduz qualquer acto de alienação ou oneração de direito real, porquanto a posse é apenas uma situação de facto a que a Lei atribui certa relevância jurídica. De outro modo, diremos que a promessa de compra e venda da fracção C – objecto mediato do negócio – com posterior tradição material dela, apenas traduz uma antecipação dos efeitos práticos do contrato prometido. A essa tradição material não corresponde, em regra, a transmissão da posse correspondente ao direito de propriedade, porque a causa daquele acto translativo que é o contrato promessa e a convenção acessória de entrega antecipada da coisa, não se destina à constituição ou transferência de direitos reais, designadamente o direito de propriedade, mas tão só à constituição de um direito de crédito a uma determinada declaração negocial. Então, que “posse” é esta (com “corpus” e “animus” ou mera detenção) que existe nos promitentes compradores, a quem foi antecipadamente entregue a coisa, que é objecto do contrato prometido ? O contrato promessa não é susceptível, só por si, de transmitir a posse aos promitentes compradores, já que estes, mesmo obtendo a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, só adquirem o “corpus” possessório, mas não o “animus possidendi”, ficando, pois, na situação de meros detentores ou possuidores precários (P. Lima e A Varela, CC Anotado, III, 2ª edição, 6). É que tradição da coisa, móvel ou imóvel, realizada a favor dos promitentes compradores, no caso o contrato promessa de compra e venda sinalizada, não investe o “accipiens” na qualidade de possuidor da coisa. Os poderes que os promitentes compradores exercem de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente adquirente perante o promitente-alienante ou transmitente (A Varela, sobre os efeitos da “traditio” que acompanha o contrato promessa de compra e venda, in RLJ 124, 343 ss). Aqui, não houve pagamento integral do preço e a entrega das chaves pelo promitente vendedor marido, sem o consentimento da mulher, é tanto mais equívoca quanto não constitui um gesto privativo de transferência de propriedade. Assim, não deixa de haver “traditio” pelo simples facto de o promitente vendedor marido ter transmitido, sem o consentimento do cônjuge, ao promitente comprador o objecto prometido vender, já que não precisava, para tal, de qualquer autorização (Araújo de Barros, in Ac. STJ, de 13.1.2005, proc. 04 B 3 339). Atento à natureza do acto e à teoria da causa (cfr. Manuel Rodrigues, A Posse, 2ª edição revista e actualizada, pág. 258), para o acto da entrega, a”traditio”, para o qual não havia sequer a necessidade de ser adoptada forma escrita, na realidade, é um acto de administração de um bem comum do casal e para a prática deste gozava o promitente vendedor marido – não obstante o não consentimento na entrega da fracção – de legitimidade – art. 1 678º-3, CC (Lopes Pinto, in Ac. STJ, de 5.7.2005, proc. nº 05 A 2 144). Sabemos até do título executivo dos reclamantes (sentença, de 28.3.2003, junta fls. 95-111) que “o cônjuge E…………………. se encontrava separada do marido/executado e promitente vendedor, desde finais de 1998, que foi este que recebeu o cheque de 2.700 contos e de que deu quitação, e foi quem procedeu à entrega das chaves da fracção. Em suma, a E…………… (promitente vendedora, que não dera o consentimento na entrega das chaves) “nenhum proveito ou benefício teve do dinheiro recebido pelo cônjuge marido, não foi ela a entregar as chaves aos promitentes compradores, logo não há qualquer transmissibilidade de dívidas dele para ela e subsequente responsabilidade desta, pelo que, quanto a ela, improcedeu a acção” (fls. 107). Nesta vertente questionada, se poderá rematar que, constituindo a celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel um acto de administração, sem necessidade de outorga de ambos os cônjuges, por maioria de razão, sendo a ”traditio” uma mera convenção acessória desse mesmo contrato, não constitui a mesma um acto de alienação, não sendo necessário, para o efeito, a autorização do cônjuge mulher. Face à posição assumida e que se deixa exposta, em consequência, bem se ajusta o dizer-se “a quo” que o direito de retenção a favor dos promitentes compradores se constituiu validamente e, por isso, se decidiu que o crédito reconhecido aos credores/ reclamantes/apelados deverá ser pago pelo produto da venda do imóvel com preferência sobre o crédito da exequente CGD/apelante, garantido por hipoteca, constituída em 22.9.1997. Afinal, aos promitentes compradores foi-lhes judicialmente reconhecido o direito de indemnização por incumprimento da promessa do vendedor, assistindo-lhes o direito de retenção, previsto no art. 755º f), CC. Deste direito goza o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º-2, CC (citada alínea f). Assim, assiste aos reclamantes/apelados/promitentes compradores o direito de conservar a detenção da fracção enquanto não forem indemnizados. Isto, por força deste citado normativo 755º f) e do carácter real da garantia instituída, que se impõe não só ao devedor mas também aos terceiros a quem ele tenha transmitido o bem (Quirino Soares, Ac. STJ, de 7.5.2004, proc. nº 04 B 1 445). A atribuição do direito de retenção aos beneficiários da promessa e da tradição da coisa foi uma opção ponderada do legislador governamental – opção de política legislativa no que tange ao direito de retenção, no exercício do poder-dever de conformação à realidade sócio-económica – uma consciente sobreposição dos interesses do consumidor aos das instituições de crédito (veja-se a propósito o que consta do nº 4, do relatório do Dec. Lei nº 379/86, que confirmou tal garantia criada pelo Dec. Lei nº 236/80). O direito de retenção reconhecido “a quo” aos reclamantes/apelados sobre a fracção que lhes foi prometida vender é oponível a terceiros até ser paga a indemnização, não carecendo de registo e é reconhecido só como garantia do crédito (indemnização) resultante do incumprimento imputável à parte que prometeu transmitir ou constituiu um direito real. Daí que o crédito com direito de retenção deva ser graduado com prevalência ao do credor hipotecário, ainda que registado anteriormente, “ut” art. 759º-2, (cfr. nº 1) CC Estamos sintonizados com a fundamentação e decisão tomadas na instância recorrida, para cujos ingredientes adicionais remetemos. Na estrita medida do exposto, improcedem as conclusões da alegação do recurso, quanto ao que, com tal, se não conforme. Termos em que se decide, - julgar improcedente a apelação e, em consequência, - se confirma a sentença impugnada. Custas pela apelante CGD. Porto, 13 de Setembro de 2007 António Domingos R. Coelho da Rocha Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo |