Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00037729 | ||
| Relator: | ORLANDO NASCIMENTO | ||
| Descritores: | LIQUIDATÁRIO FALÊNCIA CONTRATO-PROMESSA | ||
| Nº do Documento: | RP200502210457296 | ||
| Data do Acordão: | 02/21/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A competência conferida pela Lei - C.P.E.R.E.F. - ao liquidatário judicial para optar, ou não, pelo cumprimento do contrato-promessa celebrado com a ora falida, não pode ser exercida sem o controle e pronúncia do Tribunal. II - Não se trata de um poder discricionário do liquidatário judicial, o exercício de tal opção. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que constituem o Tribunal da Relação do Porto. 1. RELATÓRIO No processo de falência de B.........., Lda que corre termos no .. Juízo cível da Comarca de .......... sob o n.º .../02, C.......... e mulher D.......... reclamaram a verificação de um seu crédito no valor de € 134.675,44, correspondente ao sinal em dobro relativo a um contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, celebrado entre eles e a falida e que esta não cumpriu. Este crédito não foi impugnado pelos restantes credores e foi reconhecido pela Exm.ª liquidatária. Posteriormente, a Exm.ª liquidatária requereu nos autos a opção pelo cumprimento desse contrato, nos termos do disposto no art.º 164.º-A do C.P.E.R.E.F. ouvida a Comissão de Credores, nos termos do referido preceito, os credores Banco X.......... e E.........., S.A. deram parecer no sentido de não ser cumprido o contrato promessa aduzindo, para além do mais, que o crédito reclamado não reúne condições para poder ser verificado e reconhecido pelo Tribunal e que, ainda que o seja, o mesmo se configura como crédito comum. Sobre este requerimento recaiu o despacho de fls.243-244, no qual o Mm.º Juiz deferiu o requerido pela Exm.ª liquidatária e fixou-lhe o prazo de trinta dias para realização do contrato prometido com fundamento em que: “Embora a lei conceda ao liquidatário este poder, impõe-lhe que ouça previamente a Comissão de Credores, sendo certo que como referem João Labareda e Carvalho Fernandes (in ob. cit. p. 428) tal parecer tem carácter meramente consultivo, podendo o liquidatário afastar-se dele. Assim, tendo a Sr.ª liquidatária nestes autos optado pelo cumprimento do contrato promessa a que se refere a reclamação de fls. 15 a 19, conforme os argumentos expressos a fls. 204, e reiterado a fls. 242, pese embora o parecer desfavorável da comissão de credores, e sendo esta uma decisão que a si lhe cabe, deverá a Sr.ª liquidatária realizar o contrato prometido em causa, fixando-se para o efeito o prazo de trinta dias.”. Inconformada com esta decisão, o Banco X.......... dela interpôs recurso, admitido como agravo e com efeito suspensivo, pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine o não cumprimento do contrato promessa em causa pela massa falida, formulando as seguintes conclusões: 1.ª Se o Tribunal, a requerimento da comissão de credores, pode anular actos praticados pelo liquidatário, se ilegais ou inconvenientes para os interesses da massa falida, - art.º 136.º do C.P.E.R.E.F. – por maioria de razão os poderá impedir, se deles tomar conhecimento antes da sua prática. 2.ª Tal é o caso, relativamente ao pretendido cumprimento do contrato promessa de compra e venda alegadamente celebrado com os credores C.......... e esposa D.........., sobre o qual, pelo menos dois dos três membros da comissão de credores (Banco X.......... e IGFSS) manifestaram a sua oposição. 3.ª A falta de impugnação, por parte de qualquer credor ou do liquidatário ou da comissão de credores relativamente a um dos créditos reclamados não implica que o tribunal gradue o respectivo crédito reclamado, atribuindo-lhe, "sem julgamento", a garantia que esse mesmo credor eventualmente invoque. 4.ª É o que decorre, desde logo, do art.º 196.º, nºs 4 e 5 do CPEREF: enquanto que a primeira norma se reporta apenas ao reconhecimento "automático" do respectivo crédito, a segunda expressamente estipula que a graduação será feita "de harmonia com as disposições legais". 5.ª O que implica desde logo a apreciação, em sede de direito, de duas questões: A qualificação do crédito como comum ou privilegiado e a sua graduação em função do tipo de garantia de que, eventualmente, beneficie (ou não). 6.ª Dos factos alegados por aqueles credores não se conclui que o seu crédito beneficie de direito de retenção, na medida em que não decorre do mesmo articulado (reclamação do crédito) que o contrato promessa em causa, à data da declaração de falência tivesse caído numa situação de incumprimento definitivo, imputável à ora falida. 7.ª O que decorre desse articulado é que, à data da declaração de falência, o contrato em causa se encontrava em vigor. 8.ª Por isso e atento o disposto no art. 164-A do CPEREF, tal contrato extinguiu-se com esta, com direito, por parte do credor, ao sinal em dobro. Sem prejuízo da possibilidade de o liquidatário, ouvida a comissão de credores, optar pelo cumprimento do contrato. 9.ª o direito de retenção só é concedido ao promitente comprador em caso de incumprimento do contrato imputável ao promitente vendedor e não também em caso de caducidade do mesmo contrato, por falência daquele. Como decorre directamente do disposto no art.º 775.º, alínea f) do CCivil. 10.ª Por isso, é manifesto o prejuízo que resulta para os credores da decisão tomada –e ainda não executada pela Ex.ma liquidatária, já que se traduz no pagamento de um crédito comum, em condições não paritárias com os demais, preferindo quer aos credores privilegiados, quer aos restantes credores comuns: a totalidade do produto da alienação do imóvel (com excepção dos residuais 2.500,00 €) destinar-se-ia, em exclusivo, ao pagamento do crédito dos referidos C.......... e esposa D.......... . 11.ª O acto que a Exm.ª liquidatária pretende levar a cabo não é uma venda "normal" a um credor privilegiado e à qual fosse aplicável, ex vi do art.º 183 CPEREF, o disposto no art.º 887.º, n° 2 CPCivil e, por conseguinte, o mesmo apenas estivesse dispensado de depositar o valor correspondente ao seu crédito até à prolacção da sentença de gradação de créditos, ficando a sua eventual obrigação de pagar o preço correspondente a esse crédito garantida por hipoteca -citado artigo. 12.ª Mas ainda que assim não fosse e se pretendesse encaixar o caso sub judice nessa previsão legal –art.º 887, n° 2 CPCivil - então sempre deveria o douto despacho ter declarado expressamente a verificação de tal situação, para que fosse dado cumprimento ao disposto nesse normativo. 13.ª Decidindo de modo diferente o douto recorrido violou o disposto nos art.ºs 136 CPEREF 196, nºs 4 e 5, 164-A e 183 todos do CPEREF, art.º 775, alínea f) e 808, n° 1 do CCivil e 887 n° 2 CPCivil. Não foram apresentadas contra-alegações. 2. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS A matéria de facto a considerar é a acima descrita uma vez que a questão a decidir se configura, essencialmente, como uma questão de direito. B) O DIREITO APLICÁVEL O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto á matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C.P.Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C.P.Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso). Não obstante a extensão das conclusões da agravante acima descritas, pelos seus próprios termos, atento o conteúdo da decisão recorrida (que é uma decisão judicial e não um acto da Exm.ª liquidatária da falência), as questões que nos cumpre apreciar consistem, tão só, em saber, primeiramente, se a opção pela conclusão do contrato prometido, estabelecida pelo art.º 164.º-A do C.P.E.R.E.F. é um acto cuja prática se encontra na esfera de decisão do liquidatário judicial ou se o mesmo deve ser precedido de decisão judicial e, portanto, com as suas características de acto fundamentado e, em princípio, recorrível e, em segundo lugar, se a mesma poderia ser tomada nas condições em que o foi, ou seja, antes da graduação dos créditos reclamados. Quanto à primeira questão. O art.º 164.º-A do C.P.E.R.E.F., inserido sistematicamente na Secção II do Titulo IV, referente aos efeitos da falência em relação aos negócios jurídicos do falido, dispõe que “O contrato promessa sem eficácia real que se encontre por cumprir à data da declaração de falência extingue-se com esta, com perda do sinal entregue ou restituição em dobro do sinal recebido, como dívida da massa falida, consoante os casos;”. No caso sub judice os promitentes compradores, imputando a falta de cumprimento do contrato à falida, reclamaram nos autos o sinal em dobro como crédito a seu favor. Este crédito não foi impugnado pelos restantes credores e foi reconhecido pela Exm.ª liquidatária constituindo, assim, dívida da massa falida a graduar com os restantes créditos nos termos do disposto nos art.ºs 196.º, n.ºs 4 e 5 e 200.º do C.P.E.R.E.F. como alternativa a esta via de reclamação do sinal em dobro, a 2.ª parte do art.º 164.º-A cit. ressalva a possibilidade de o liquidatário judicial optar por cumprir o contrato, ouvida a comissão de credores. Não se trata aqui de um poder discricionário do liquidatário, mas de um dever funcional a exercer tendo em atenção as funções que a este são cometidas pelo art.º 134.º do C.P.E.R.E.F., os poderes de fiscalização da comissão de credores (n.º 1 desse preceito e art.ºs 140.º e 141.º) e os poderes de decisão do Tribunal (art.º 136.º, 141.º e 144.º), tendo sempre em atenção que essas funções se dirigem a “...preparar o pagamento das dívidas do falido à custa do produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que integram o património deste” (art.º 134.º, n.º 1). No caso sub judice a Exm.ª liquidatária achou por bem cumprir o contrato promessa celebrando com os reclamantes o contrato prometido. Tendo a Comissão de Credores dado parecer em sentido contrário, competia ao Tribunal apreciar os respectivos fundamentos e decidir segundo a lei, como é apanágio das decisões judiciais e impõem os art.ºs 136.º, 141.º e 144.º do C.P.E.R.E.F.. Ao invés, a decisão em recurso considerou que a decisão de realizar o contrato prometido cabia à Exm.ª liquidatária, limitando-se a reconhecê-la e a fixar prazo para o seu cumprimento. Ora, como vimos, não é apenas essa a função do Tribunal pelo que, quanto a esta primeira questão, não podemos confirmar a decisão recorrida. Quanto à segunda questão - se a decisão de celebrar o contrato prometido poderia ser tomada nas condições em que o foi, ou seja, antes da graduação dos créditos reclamados. É certo que, como se decidiu no despacho recorrido, já não é este o momento processual para os restantes credores contestarem o crédito reclamado pelos promitentes compradores, o que deveria ter sido feito nos termos do art.º 192.º do C.P.E.R.E.F.. Mas, o efeito da não contestação é apenas o reconhecimento do crédito não impugnado (art.º 196.º, n.º 1 do C.P.E.R.E.F.), permanecendo por decidir todas as outras questões, como sejam a graduação desse crédito a qual, neste caso, estará dependente entre outras da questão de saber se houve “tradição da coisa” prometida vender (da fracção) para os promitentes vendedores reclamantes. No art.º 18.º do seu requerimento (a fls. 18) referem os reclamantes que nos autos de embargos de terceiro, que correram por apenso ao processo de execução fiscal n.º ../92-... do Tribunal Tributário de .........., se decidiu que lhes assiste o direito de retenção sobre a fracção, enquanto não forem ressarcidos do seu crédito. Compulsada a respectiva decisão (a fls. 75 a 82, v.º) verificamos que nela se decidiu, tão só, pela improcedência dos embargos de terceiro e pela manutenção da penhora da fracção. Quanto à tradição da fracção, nos fundamentos da decisão refere-se que a entrega das chaves da fracção terá ocorrido por mera tolerância da promitente vendedora, sendo os reclamantes meros detentores ou possuidores precários. E quanto a eventual direito de retenção, por eles sobre a mesma, considerou-se que, ainda que existisse, não obstava à penhora. Ora, esta decisão e fundamentos são substancialmente diferentes do alegado pelos reclamantes. Não só não foi decidido que lhes assiste o direito de retenção (o que teria apenas o valor que lhe advém do disposto nos art.ºs 497.º e 498.º do C.P.Civil) como, nem sequer, foi emitido um juízo técnico-jurídico favorável a esse entendimento. Esta matéria (existência de direito de retenção) não pode deixar de ser decidida, por necessária, na decisão de graduação de créditos (art.º 197.º, n.º 4 e 5). Assim sendo, não vislumbramos fundamento válido para a celebração do contrato prometido neste momento processual e contra o parecer da Comissão de Credores. Embora não se trate de questão que nos cumpra decidir, importa referir ainda que a opção pela celebração do contrato prometido, prevista no art.º 164.º-A do C.P.E.R.E.F. se não confunde com a venda de bens a credor privilegiado, prevista no art.º 183.º do mesmo Código. No primeiro caso, o crédito extingue-se pelo cumprimento com a celebração do contrato prometido e no segundo ficará dependente da graduação e pagamentos respectivos. Procedem, pois, as conclusões da agravante 3. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em dar provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que indefira a pretensão da Exm.º liquidatária e determine o não cumprimento do contrato promessa pela massa falida. Custas pela massa falida. Porto, 21 de Fevereiro de 2005 Orlando dos Santos Nascimento José António Sousa Lameira José Rafael dos Santos Arranja |