Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0544365
Nº Convencional: JTRP00039425
Relator: FERNANDES ISIDORO
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RP200607100544365
Data do Acordão: 07/10/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 38 - FLS. 7.
Área Temática: .
Sumário: I- É inadmissível a prova testemunhal em relação ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocada pelos simuladores (art. 394º, 2 do C. Civil).
II- Tal regime não obsta a que, nos casos em que exista um começo de prova documental que torne verosímil a invocada simulação, se recorra à prova testemunhal dos simuladores para complementar aquela prova e, ainda, para interpretação do conteúdo dos respectivos documentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I –B.......... intentou a presente acção com processo comum, contra C.........., pedindo:
- Se declare ilícito o seu despedimento; e
- Seja a ré condenada no pagamento das retribuições que a Autora deixou de auferir desde 30 dias anteriores à entrada da acção até à data da sentença, incluindo o subsídio de alimentação e a indemnização por antiguidade; no pagamento de 20 dias de Março de 2003 e da retribuição das férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2003 e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes a 2003; no pagamento das diferenças salariais peticionadas e, em juros legais desde o vencimento das obrigações.

Alega, para tanto e em síntese, a ilicitude do seu despedimento - em Março de 2003 -, e o não pagamento das quantias que ora peticiona.

Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, contestou a ré, por excepção, e impugnando outrossim o articulado pela autora, sustenta a rescisão unilateral do contrato de trabalho por parte da autora e o pagamento à mesma de todos os vencimentos, subsídios e demais retribuições a que tinha direito, á excepção das quantias devidas a título de férias e subsídio de férias vencidas a 01.01.2003 e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, relativos a 2003. Concluí, no mais, pela improcedência da acção.
A autora apresentou resposta.

Elaborou-se despacho saneador, fixou-se a matéria de facto admitida por “não impugnação especificada e prova documental”, tendo sido conduzidas para a base instrutória as questões controvertidas.

Na oportunidade, procedeu-se à audiência de julgamento e, no seu decurso, foi exarado em acta (a fls. 157/159) despacho a julgar inadmissível a prova testemunhal sobre os quesitos 4.º a 6.º da base instrutória, tendo a final sido decidida, sem censura, a matéria de facto.

Inconformada com o referido despacho, veio a ré interpôr recurso de agravo, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
É de admitir a produção de prova testemunhal à matéria dos quesitos 4º a 6º, da Base Instrutória;
Não se vislumbra a capacidade objectiva documentos de fls. 8 e 9, dos autos valer como declaração unilateral de despedimento ou de onde se possa aferir da matéria dos quesitos 4º a 6º, a existência de um acordo simulatório ou como vem de referir divergência entre a vontade declarada e a vontade real, donde resulta, desde logo, prejudicado o requisito “intuito de enganar terceiros”;
No despacho sub recurso ignorou o Mmo. Juiz “ a quo” o desfasamento temporal das realidades a que aludem os quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória e neles afirmadas, como sejam: Que a rescisão por parte da A. terá ocorrido em 14 de Março de 2003 tal como a R. se propunha provar; Que dos documentos invocados pelo Mmo. Juiz “a quo” na sua decisão também consta a cessação por mútuo acordo, na tese do despacho em crise, sempre poderá será entendido como princípio de prova documental; Que tais documentos foram elaborados e subscritos após a rescisão do contrato, pelos motivos que a R./Recorrida pretendida demonstrar;
Não constitui matéria de defesa da ora, Recorrida e que esta vise provar nos autos a existência de acordo simulatório, no intuito de usar a Segurança Social ou outra, nem tal resulta do teor do quesito 4.º, da base instrutória;
Pretende-se em 4.º, da base instrutória a prova de que a A./Recorrida rescindiu o contrato de trabalho dos autos, no dia 14 de Março de 2003;
Os documentos de fls. 8 e 9 dos autos reportam-se a realidades desfasadas no tempo em relação à matéria do referido quesito 4.º;
O conteúdo dos referidos documentos não tem potencialidades de abarcar a matéria do quesito 4.º e, por isso, tais documentos são incapazes à sustentação e prova suficiente, donde saia prejudicada a valoração de tal matéria;
A realidade de que se pretende fazer prova em 5.º e 6.º, da base instrutória, difere da matéria a provar naquele quesito 4.º;
Não se vislumbra do teor dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória, qualquer acordo simulatório, susceptível de impedir ou negar a produção de prova testemunhal;
Não se extrai do teor dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória ou invoca a Recorrente divergência entre a vontade declarada nos documentos de fls. 8 e 9, dos autos e a vontade real, nem há um intuito de enganar um ente privado;
“O intuito de enganar tem de ter por sujeito passivo um indivíduo de direito privado, não bastando uma mera fraude à lei”. (Ac. RL de 1987/11/26, in CJ Ano XII Tomo V, pág. 128);
Não bastando,
“A intenção de enganar terceiros, requisito da simulação, tem de considerar-se como matéria de facto, e, portanto, susceptível de prova testemunhal”. (Ac. RP de 13.12.2001 in www.dgsi.pt)
A rescisão por parte da A. veio de encontro às necessidades da recorrente o que originou a extinção do posto de trabalho da A., ora, recorrida, após a rescisão do contrato de trabalho, por iniciativa da A.;
Não é falso ou arredado da realidade que a empresa vinha a proceder a uma reestruturação e, também, que o posto de trabalho da A., ora, Recorrida foi extinto, o que efectivamente se lê, nos documentos de fls. 8 e 9, dos autos, subscritos, assinados e entregues à Recorrida no dia 20 de Março de 2003, ou seja, em momento posterior à rescisão do contrato de trabalho pela A./Recorrida;
Nunca se afirma ou declara em sede de documentos de fls. 8 e 9, dos autos a ocorrência de um despedimento que contrarie a tese da R./Recorrida;
O teor dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória não é contrário à afirmação contida nas declarações que constituem o teor dos documentos de fls. 8 e 9, do autos, antes permitiriam a interpretação do contexto de tais documentos e o fim/motivos que presidiram à sua elaboração e subscrição;
Não há nos autos elementos susceptíveis de afastar a prova testemunhal, como decidido foi, o que concerne à matéria dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória;
A existir o acordo simulatório referido no despacho “sub judice” sempre seria de atender como motivo cessação por mútuo acordo, a tal como princípio de prova documental da simulação;
Assim e uma vez mais, tal nunca seria impeditivo do recurso à prova testemunhal;
“A inadmissibilidade de prova testemunhal para prova da simulação invocada pelos simuladores em relação a negócio que conste de documento escrito, prevista no artigo 394 n. 2 do Código Civil, não impede o recurso àquele meio de prova quando existir um princípio de prova da simulação constante de documento escrito, designadamente para completar as ilações resultantes desse documento.” (Ac. RP, de 21.01.2003 in www.dgsi.pt);
“È admissível prova por testemunhas, sem que isso implique ofensa da norma do nº 2 do artigo 393ºdo Código Civil, sobre factos reveladores do comportamento dos contratantes, posteriores à celebração do contrato, com vista à fixação do real conteúdo das declarações negociais.”;
O despacho sub recurso esquece e ignora de que o facto a provar sempre estaria já tornado verosímel por um começo de prova, nomeadamente o documento de fls. 8 e 9, dos autos;
Ora, a matéria dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória não pode resultar prejudicada pelos documentos de fls. 8 e 9, dos autos, como se pretende na decisão sub recurso, na medida em que dos elementos carreados para os autos pelas partes, haja ou não acordo simulatório, é admissível e nunca seria de afastar a prova testemunhal a tal matéria;
Como vem de alegar supra, os documentos de fls. 8 e 9, dos autos foram elaborados e subscritos após a rescisão do contrato;
Os motivos da sua elaboração e subscrição pretendia a R. demonstra por prova testemunhal;
“O artigo 394º do Código Civil não impede a produção de prova testemunhal, designadamente quando exista uma base de prova escrita. VII – Interpretar um documento não se confunde com contrariá-lo ou aditar-lhe convenções. VIII – É lícita a produção de prova testemunhal que concorra para a interpretação do alcance que as partes contratantes quiseram dar a um acordo escrito”. (Ac. S.T.J., de 6-7-1993, in BMJ 429º-761;
É inegável que a prova testemunhal não se pode considerar legalmente interdita no caso “sub judice”;
Há erro na aplicação e interpretação do artigo 394.º, do C. Civil, nos presentes autos;
Nega-se razão ao despacho sub recurso, impondo-se a sua revogação, por padecer do vício de violação do artigo 393, nº 3º e 394, nº 2, do C. Civil.

A autora contra-alegou.

Foi na oportunidade proferida sentença, que julgando procedente a acção, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 22.000,97 (conforme despacho rectificativo de fls. 226), acrescida de juros de mora à taxa legal desde o vencimento de cada prestação até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, apelou a ré, pedindo a revogação da sentença e que seja ordenada a produção de prova testemunhal no concernente à matéria dos quesitos 4.º a 6.º da base instrutória, formulando a final as seguintes conclusões:
1- A sentença sub recurso funda-se no conteúdo do documento de fls. 8 dos autos, considerando que o mesmo revela, uma declaração rescisória unilateral emitida pela entidade patronal;
2- É a douta sentença em recurso fruto de uma má apreciação dos factos carreados para os autos e consequência de erróneo e prévio despacho de fls… dos autos, decisão esta, em crise, em agravo pendente, que negou a admissibilidade de prova testemunhal à matéria dos quesitos 4.º a 6.º da Base Instrutória;
3- A admissão da produção de prova testemunhal à matéria dos quesitos 4.º a 6.º, da Base Instrutória, imporia, necessariamente resposta “Não provado” ao quesito 1.º, da base instrutória e decisão diversa da proferida;
4- Não se vislumbra a capacidade objectiva do documento de fls. 8, dos autos valer como declaração unilateral de despedimento ou de onde se possa aferir da matéria dos quesitos 4.º a 6.º, a existência de um acordo simulatório ou divergência entre a vontade declarada e a vontade real, donde resulta, desde logo, prejudicado o requisito “intuito de enganar terceiros”;
5- Na sentença sub recurso ignorou o Mmo. Juiz “a quo” o desfasamento temporal das realidades a que aludem os quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória e neles afirmadas, como sejam: Que a rescisão por parte da A. terá ocorrido em 14 de Março de 2003 tal como a R. se propunha provar; Que dos documentos invocados pelo Mmº. Juiz “a quo” na sua decisão também consta a cessação por mútuo acordo, na tese do despacho em crise, sempre poderá será entendido como princípio de prova documental; Que tais documentos foram elaborados e subscritos após a rescisão do contrato, pelos motivos que a R./Recorrida pretendida demonstrar;
6- Não constitui matéria de defesa da ora, Recorrida e que esta vise provar nos autos a existência de um acordo simulatório, no intuito de usar a Segurança Social ou outra, nem tal resulta do teor do quesito 4.º, da base instrutória;
7- Pretende-se em 4.º, da base instrutória a prova de que a A./Recorrida rescindiu o contrato de trabalho dos autos, no dia 14 de Março de 2003;
8- Os documentos de fls. 8 e 9 reportam-se a realidades desfasadas no tempo em relação à matéria do referido quesito 4.º;
9- O conteúdo dos referidos documentos não tem potencialidades de abarcar a matéria do quesito 4.º e, por isso, tais documentos são incapazes à sustentação e prova suficiente, donde saia prejudicada a valoração de tal matéria;
10- A realidade de que se pretende fazer prova em 5.º e 6.º, da base instrutória, difere da matéria a provar naquele quesito 4.º;
11- Não se vislumbra do teor dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória, qualquer acordo simulatório, susceptível de impedir ou negar a produção de prova testemunhal;
12- Não se extrai do teor dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória ou invoca a Recorrente divergência entre a vontade declarada nos documentos de fls. 8 e 9, dos autos e a vontade real, nem há um intuito de enganar um ente privado;
13- “O intuito de enganar tem de ter por sujeito passivo um indivíduo de direito privado, não bastando uma mera fraude à lei”. (Ac. RL de 1987/11/26, in CJAno XII Tomo V, pág. 128);
14- “A intenção de enganar terceiros, requisito da simulação, tem de considerar-se como matéria de facto, e, portanto, susceptível de prova testemunhal”. (Ac. RP de 13.12.2001 in www.dgsi.pt);
15- A rescisão por parte da A. veio de encontro às necessidades da recorrente o que originou a extinção do posto de trabalho da A., ora, recorrida, após a rescisão do contrato de trabalho, por iniciativa da A.;
16- Não é falso ou arredado da realidade que a empresa vinha a proceder a uma reestruturação e, também, que o posto de trabalho da A., ora, Recorrida foi extinto, o que efectivamente se lê, nos documentos de fls. 8 e 9, dos autos, subscritos, assinados e entregues à Recorrida no dia 20 de Março de 2003, ou seja, em momento posterior à rescisão do contrato de trabalho pela A./Recorrida;
17- Nunca se afirma ou declara em sede de documentos de fls. 8 e 9, dos autos a ocorrência de um despedimento que contrarie a tese da R./Recorrida;
18- O teor dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória não é contrário à afirmação contida nas declarações que constituem o teor dos documentos de fls. 8 e 9, dos autos, antes permitiriam a interpretação do contexto de tais documentos e o fim/motivos que presidiram à sua elaboração e subscrição;
19- Não há nos autos elementos susceptíveis de afastar a prova testemunhal, como decidido foi, o que concerne à matéria dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória;
20- A existir o acordo simulatório referido no despacho “sub judice” sempre seria de atender como motivo cessação por mútuo acordo, a tal como princípio de prova documental da simulação;
21- Assim e uma vez mais, tal nunca seria impeditivo do recurso à prova testemunhal;
22- “A inadmissibilidade de prova testemunhal para prova da simulação invocada pelos simuladores em relação a negócio que conste de documento escrito, prevista no artigo 394 n.2 do Código Civil, não impede o recurso àquele meio de prova quando existir um princípio de prova da simulação constante de documento escrito, designadamente para completar as ilações resultantes desse documento.” (ac. RP, de 21.01.2003 in www.dgsi.pt);
23- “È admissível prova por testemunhas, sem que isso implique ofensa da norma do nº 2 do artigo 393º do Código Civil, sobre factos reveladores do comportamento dos contratantes, posteriores à celebração do contrato, com vista à fixação do real conteúdo das declarações negociais.”;
24- O despacho sub recurso esquece e ignora de que o facto a provar sempre estaria já tornado verosímel por um começo de prova, nomeadamente o documento de fls. 8 e 9., dos autos;
25- Ora, a matéria dos quesitos 4.º a 6.º, da base instrutória não pode resultar prejudicada pelos documentos de fls. 8 e 9, dos autos, na medida em que dos elementos carreados para os autos pelas partes, haja ou não acordo simulatório, é admissível e nunca seria de afastar a prova testemunhal a tal matéria;
26- Como vem de alegar supra, o documento de fls. 8, dos autos foi elaborado e subscrito após a rescisão do contrato;
27- Os motivos da sua elaboração e subscrição pretendia a R. demonstrar por prova testemunhal;
28- “O artigo 394º do Código Civil não impede a produção de prova testemunhal, designadamente quando exista uma base de prova escrita. VII – Interpretar um documento não se confunde com contrariá-lo ou aditar-lhe convenções. VIII – É lícita a produção de prova testemunhal que concorra para a interpretação do alcance que as partes contratantes quiseram dar a um acordo escrito”. (Ac. S.T.J., de 6-7-1993, in BMJ 429º-761;
29- É inegável que a prova testemunhal não se pode considerar legalmente interdita no caso “sub judice”;
30- Há erro na aplicação e interpretação do artigo 394.º, do C. Civil, nos presentes autos;
31- Falece a argumentação plasmada na douta sentença sub recurso que decide pela existência de um despedimento ilícito;
32- A douta sentença recorrida não ponderou devidamente todos os elementos pertinentes carreados para os autos, o que imporia decisão necessariamente diferente da plasmada em sentença;
33- Há, por isso, violação do disposto no artigo 669.º, nº 2, alínea b), do C.P.Civil e uma verdadeira omissão do dever de pronúncia sobre factos que as partes submeteram à apreciação do Tribunal e, por isso, clara violação do disposto no artigo 668.º, alínea d) do C.P.Civil, o que só por si, acarreta a nulidade da sentença, em recurso;
34- Apurou a R./Recorrente, já, após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, que a A./Recorrida é sócia gerente da sociedade comercial por quotas denominada “D………., Lda.”, com sede na Avenida ….., nº …., ….., ….., Santa Maria da Feira, contribuinte fiscal nº 506.600.587, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de santa Maria da Feira sob o nº 08402/031010;
35- A certidão da C.R.Comercial de Santa Maria da Feira, atesta tal facto – doc. nº 1;
36- A Recorrida aufere uma retribuição mensal;
37- A Recorrida faz os respectivos descontos à Segurança Social e declara tais quantias em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares;
38- Ao valor das retribuições devidas por despedimento ilícito há a deduzir importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento (artigo 13.º, nº 2, alínea b), do Dec. Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro);
39- A situação contributiva à Segurança Social e profissional da A., ora, Recorrida, o valor do rendimento mensal que aufere, desde o dia 14 de Março de 2003, é demonstrada por elementos que só os Serviços da Segurança Social, Centro de Emprego, Direcção de Finanças, da área da residência da Recorrida podem fornecer e aos quais a R., Recorrida não tem em seu poder ou acesso, sem uma ordem judicial;
40- A apreciação de tal matéria nos autos implica uma decisão diferente da plasmada em sentença, no que concerne ao valor das retribuições em que vem condenada a Recorrente;
41- Há má interpretação e aplicação do Direito na sentença sub judice!
42- Nega-se razão à sentença sub recurso, impondo-se a sua revogação, por padecer, ainda, do vício de violação dos artigos 224.º, 393.º, nº 3º e 394, nº 2, todos do C.Civil e artigos 12.º, nº 1, alínea a), 13.º, nº 2, alínea b) e 32.º, nº 1, todos do Dec. Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

A autora apresentou contra-alegações.

A Exma. Magistrada do Mº Pº nesta Relação emitiu douto Parecer no sentido de que o recurso de agravo merece provimento, ficando prejudicado o conhecimento da matéria da apelação.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Factos

É a seguinte a factualidade dada como provada a quo:
a) Pela não impugnação especificada e prova documental junta aos autos:
A A. foi admitida ao serviço da R., para lhe prestar serviço sob a sua autoridade e direcção, em 2.9.1986.
A R. acerca-se ao comércio de calçado.
A A. foi contratada como empregada de escritório.
A categoria inicial foi a de 3.a escriturária, tendo ascendido a 2.a escriturária em Setembro de 1989 e a 1.a escriturária em Abril de 1995.
A R. cumpriu sempre o CCT do comércio do Porto pelo grupo de remunerações mais elevado, o grupo II, a que pertence o seu escalão de contribuição industrial e IRC.
Em 20 de Março de 2003 a R. emitiu a declaração de fls. 9, mencionando cessação por mútuo acordo por reestruturação que implicou a redução de postos de trabalho.
À data da cessação do contrato de trabalho a A. auferia 517 €.
A R. pagou à A. em 31 de Março de 2003 348,99€ e o subsídio de alimentação no valor de 42 €.
A R. não pagou à A. a retribuição por férias e subsídio de férias vencidos em 1.1.2003 nem a retribuição por férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais a 2003, nem qualquer indemnização por despedimento.
Em Fevereiro de 1993 a A. recebeu o vencimento base de 73.000$00.
A Ré declarou extinguir o posto de trabalho da Autora por razões estruturais e tecnológicas, conforme declaração de fls. 8, aqui dada como reproduzida.
b) Resultantes das respostas à base instrutória:
A A. auferiu retribuições não inferiores a:
Da data de admissão a Junho de 1987, 32.850$00;
De Julho de 1987 a Dezembro de 1987, 33.500$00;
No ano de 1988, incluindo sub. f., 36.500$00;
De Janeiro a Agosto de 1989, incluindo sub. f., 39.800$00;
De Setembro a Dezembro de 1989, 42.650$00;
No ano de 1990, 48.200$00;
De Janeiro de 1991 a Abril de 1992, 54.900$00;
De Abril de 1992 a Fevereiro de 1993, 61.200$00;
De Março de 1993 a Janeiro de 1994, 73.000$00;
De Fevereiro de 1994 a Janeiro de 1996, 83.000$00;
De Fevereiro de 1996 a Abril de 1997, 84.850$00;
De Maio de 1997 a Julho de 1998, inc. sub. f., 87.850$00;
De Agosto de 1998 a Setembro de 1999, 90.700$00;
De Outubro de 1999 a Março de 2000, 93.700$00;
De Abril de 2000 a Abril de 2001, 96.600$00;
De Maio a Dezembro de 2001, 100.000$00;
De Janeiro de 2002 a Julho de 2002, 498,79€;
De Agosto de 2002 a final, 517€.
A Ré pagou à Autora as quantias constantes dos recibos de fls. 95 a 108, aqui dados como reproduzidos, relativas a serviços prestados.

III – Do Direito
Em função das conclusões da recorrente que balizam e delimitam o objecto do recurso são as seguintes as questões a decidir no caso sub iudice:
1-No recurso de agravo saber se o despacho deve ser revogado, admitindo-se a produção da prova testemunhal aos quesitos 4º a 6º.
2-No recurso de Apelação
- Da impugnação da matéria de facto.
- Da nulidade da sentença.
- Da dedução das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pela A. em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.

Atento o disposto no art.710º/1-1ª parte do CPC, comecemos por apreciar: 1- o recurso de agravo, ou seja - saber se o despacho proferido a fls. 157/158, deve ser revogado, admitindo-se, em conformidade a produção da prova testemunhal aos quesitos 4º a 6º da BI (base instrutória).
É do seguinte teor o despacho impugnado:
«O conteúdo dos documentos de fls 8 e 9, revelam objectivamente o que o ré aí declara, ou seja, que por razões respeitantes à empresa extinguiu determinados postos de trabalho, entre os quais o da Autora. Trata-se, em conformidade duma declaração rescisória unilateral emitida pela entidade patronal. A matéria dos quesitos 4º a 6º, retirados da contestação, contém uma versão oposta ao conteúdo objectivo de tais documentos, pretendendo aí demonstrar que a Autora havia tomado a iniciativa de fazer cessar o contrato e que, para acautelar as prestações para desemprego que a Autora pretendia auferir, foi emitida a declaração de fls. 9 nos termos que dela consta. Trata-se em conformidade, dum acordo simulatório, e no caso vertente, no intuito de usar a Segurança Social. Nos termos do ar. 394° do CC está vedada a prova testemunhal do acordo simulatório. Como tal não é relevante tal prova para colocar em crise a força probatória dos documentos de fls 8 e 9, sendo inadmissível a prova por testemunhas da matéria dos quesitos 4° a 6º. Termos a que se defere ao requerido não se admitindo a prova testemunhal aos quesitos 4°a 6º.»
Como decorre do transcrito despacho, em causa está a invocação de um acordo simulatório entre as partes e a pretensão da recorrente à admissibilidade da prova testemunhal, não obstante o teor do art. 394º/2 do CCivil.
Dispõe, com efeito, este normativo que é inadmissível a prova testemunhal em relação ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
Ou seja, da estrita literalidade desta norma emerge, portanto, a proibição da prova testemunhal como elemento probatório do acordo simulatório e também do negócio dissimulado, desde que invocados pelos próprios simuladores.
Todavia, quer a doutrina quer a jurisprudência vêm sedimentando o entendimento de que havendo nos autos prova documental, configura-se um início de prova escrita a constituir, pelo menos, um indício que torna verosímil a existência de simulação pelo que é de admitir prova testemunhal, não só para interpretar o contexto desse documento, mas ainda como forma complementar de prova, em ordem a uma completa e firme convicção da existência da alegada simulação [Acórdãos do STJ: 17-06-2003, Proc. 03A 1565; Da RP de 25.10.2001, Proc 0130730 e de 21.102003, Proc. 0121207 no respectivo sitio da Internet.]
A este propósito, aliás – como refere o MP junto desta Relação -, também em parecer adrede emitido formula Carvalho Fernandes [Cfr. “O Direito”, ano 124.º, 1992.IV, p. 593 a 616.]
as seguintes conclusões:
“a) A interpretação estrita dos artigos 351.º e 394.º, n.º 2, do Código Civil, limitando fortemente a arguição da simulação pelos simuladores, pode conduzir a resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro;
b) A ponderação dos interesses em jogo postula, assim, uma interpretação restritiva desses preceitos, que atenue a limitação dos meios de prova disponíveis, a que a letra da lei conduz;
c) Essa interpretação não pode, porém, pôr em causa a ratio desses preceitos, nem chegar ao ponto de sobrepor, à certeza da prova documental, a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais;
d) Deste modo, a estes meios de prova só pode estar reservado o papel secundário de determinar o alcance de documentos que à simulação se refiram ou de complementar ou consolidar o começo de prova que neles seja lícito fundar;
e) Sempre que, com base em documentos trazidos aos autos, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio jurídico, é legítimo recorrer-se ao depoimento de testemunhas sobre factos constantes do questionário e relativos a essa matéria, com vista a confirmar ou a infirmar essa convicção;
f) Como legítimo é, a partir desse mesmo começo de prova, pela via das presunções judiciais, deduzir a existência de simulação com base em factos assentes no processo.”

Ou seja, não obstante o disposto no art. 394º/2 do CCivil, quando há um começo de prova documental que torna verosímil a invocada simulação, deve ser admitida a prova testemunhal pelos próprios simuladores para complementar aquela prova se a simulação foi alegada por algum deles; por outro lado, deve igualmente ser admitida tal prova testemunhal havendo já prova documental susceptível de formar a convicção acerca da verificação do facto alegado quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos, como bem salienta o Prof. Mota Pinto [ Cfr. o Parecer do referido Prof., com a colaboração do Dr. Pinto Monteiro, in “Arguição da Simulação pelos Simuladores - Prova Testemunhal” – CJ, Ano XX, tomo 3, p. 11 a 15.]

Ora, da análise do caso em apreço constatamos que a R. na respectiva contestação põe em causa o alegado pela A., bem como os documentos de fls. 8 e 9 juntos pela mesma relativos à cessação do contrato de trabalho.
Tal factualidade aduzida pela R. foi acolhida nos arts. 4.º, 5.º e 6.º do questionário, que a final, na decisão da matéria de facto, obtiveram a resposta “não provado”.
Por outro lado, como é sabido, um documento particular assinado pelas partes e por elas aceite faz apenas prova plena da materialidade das declarações nele contidas, mas já não faz prova plena quanto à exactidão ou veracidade das mesmas sendo certo, que, neste particular, se mostra afastada a plenitude probatória dos referidos documentos de fls. 8 e 9.
Considerando, porém, que os documentos em referência consubstanciam apenas o início de prova ou um indício que parece tornar verosímil a existência de simulação, impunha-se assim a admissibilidade da prova testemunhal complementar não só para interpretar o contexto desses documentos, mas ainda para de forma cabal e completa apurar a exactidão das declarações aí contidas e/ou dissipar as dúvidas eventualmente surgidas.
Aliás, como outrossim consigna a Exmª Procuradora Geral-Adjunta no seu Parecer, trazendo à colação o Prof. Vaz Serra [In RLJ, 107.º-311 e 111.º-3, respectivamente.], se o negócio dissimulado por ilícito é sempre admissível prova testemunhal.
Destarte, e ressalvando sempre o devido respeito, parece-nos que a prova testemunhal, no caso sub judice, deveria ter sido admitida.
Na verdade, como igualmente já se decidiu nesta Relação em entendimento que ultimamente tem ganho relevância, havendo um princípio de prova escrita é admissível completá-la através de testemunhas, de tal sorte que não tendo sido admitida em 1.ª instância a referida prova testemunhal se impõe a anulação da matéria de facto nos termos do n.º 4 do art. 712.º do CPCivil [Cfr, Ac. RP, de 20-05-2003, P. 0321231, no site da internet.]

Em conformidade, outra solução não resta que não seja a da procedência das conclusões a propósito formuladas pela agravante.
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IV – Decisão

Termos em que, se acorda em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene a produção de prova testemunhal relativamente à matéria dos quesitos 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória, nos termos supra expostos, ficando assim prejudicado o conhecimento do objecto da apelação.

Custas a cargo da agravada/recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário.

Porto, 10 de Julho de 2006
António José Fernandes Isidoro
José Carlos Dinis Machado da Silva
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira