Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0811397
Nº Convencional: JTRP00041356
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
Nº do Documento: RP200805140811397
Data do Acordão: 05/14/2008
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 528 - FLS. 120.
Área Temática: .
Sumário: Em face da reconhecida existência de margens de erro nos aparelhos de medição do teor de álcool no sangue, o princípio in dubio pro reo impõe que ao valor fornecido pelo alcoolímetro se subtraia o valor da respectiva margem de erro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 1397/08-1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


1. Relatório
No …..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, foi julgado em processo sumário (n.º ……/07.5PASTS) o arguido B………………, devidamente identificado nos autos, tendo a final sido proferida decisão que o absolveu “da imputada prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, n.º 1 do C. Penal”

Inconformado com tal absolvição, o MP junto do tribunal “a quo” recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O arguido declarou em audiência pretender confessar os factos que lhe eram imputados e, após o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 344º do Código de Processo Penal, confessou integralmente e sem reservas tais factos.

2. Por isso tendo sido dispensada a produção da prova relativa aos mesmos.

3. Face àquela confissão integral e sem reservas por parte do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 344º do Código de Processo Penal, dos factos que lhe eram imputados

4. E não se verificando nenhuma das excepções previstas no n.º 3 do mesmo artigo

5. Estava o Tribunal obrigado a, em cumprimento do disposto na alínea a) do seu n.º 2, e para além e na decorrência da decidida dispensa da demais produção de prova a respeito.

6. Dar como provados os – e todos os – factos que ao arguido vinham imputados,

7. Ou seja, que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação conduzia o aludido veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 1,26 g/l, de forma livre, deliberada, consciente de infringir a lei, no intuito de conduzir na via pública tal veículo e bem sabendo que havia ingerido antes bebidas alcoólicas.

8. E, consequentemente, julgar procedente por provada a acusação deduzida e proferir decisão condenatória pela prática pelo arguido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 69º, n.º 1, a) e 292º, n.º 1 do Código Penal, por que vinha acusado.

9. Não o fazendo, não dando como provado que o arguido tivesse agido de forma livre, deliberada, consciente de infringir a lei,

10. Dando como não provado que o arguido apresentasse “ (…) uma TAS de 1,26 g/l”,

11. Considerando apenas provados, dos factos imputados, que no dia 25 de Novembro de 2007, pelas 06:15 horas, o arguido conduzia o referido veículo automóvel pela via pública,

12. Que “ (…) conduzia com uma TAS de pelo menos 1, 17 g/l”,

13. E que “ (…) agiu o arguido de forma livre, deliberada, consciente de infringir a lei e no intuito de conduzir na via pública o veículo automóvel de matricula ..-..-AX, bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas (…)”,

14. E dando como provado que do “teste de álcool” supra referido resultou “(…) uma taxa de álcool no sangue de 1,17 g/l, fruto de bebidas alcoólicas que, prévia e voluntariamente, tinha ingerido”,

15. Violou a Meritíssima Juiz de Direito a quo o disposto nos referidos artigos 69º, n.º 1, a) e 292º, n.º 1, do Código Penal e 344º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal.

16. Sendo certo que nos pontos 5 e 6 da Portaria nº 748/94, de 13/AGO/1994 referida na decisão recorrida, o Ministério da Indústria e Energia aprovou Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros “ (…) destinados a medir a concentração de álcool por análise do ar alveolar expirado”.

17. Estabelecendo que, para efeito das operações de controlo metrológico de tais instrumentos traduzidas na aprovação de modelo e primeira verificação, por um lado, e na verificação periódica, por outro, “ (…) os erros máximos admissíveis … são (…)”, respectivamente e pela ordem indicada, “ (…) os definidos pela norma NF X 20-701 (…)” e “ (…) uma vez e meia (…)” aqueles,

18. Menos certo não é que no caso dos autos não está nem foi posta em causa a regularidade da aprovação ou a verificação do alcoolímetro em questão nem as condições da sua utilização nos procedimentos em análise, indicadas aliás no auto de notícia/acusação – cfr. artigo 389º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

19. O intérprete e aplicador da lei tem de presumir que o legislador, ao regular a matéria relativa à condução sob o efeito do álcool, conhecia todos os pressupostos das soluções adoptadas, incluindo os mecanismos de determinação das taxas relevantes para efeitos sancionatórios.

20. Não podendo as orientações e determinações respeitantes aos procedimentos relativos à fiscalização do trânsito e à remessa ao Ministério Público, para os efeitos legalmente previstos, quanto a cada situação concreta, dos autos de notícia sobre situações de facto que, em face dos resultados obtidos através dos mecanismos legalmente previstos, sejam enquadráveis nas previsões dos artigos 291º e 292º, do Código Penal.

21. Prever, “contra legem”, quaisquer margens de tolerância ou margens de erro relativamente aos resultados obtidos através dos mecanismos legalmente previstos, devendo a respeito ser recusadas quaisquer orientações ou instruções que não decorram da lei.

22. Pelo que bem andou, assim, in casu, a PSP de Santo Tirso, face ao facto de do teste de alcoolemia efectuado ao arguido através dos mecanismos para o efeito legalmente previstos ter resultado apurada a existência de uma TAS de 1,26 g/l,

23. Dar cumprimento ao disposto nos artigos 254º, n.º 1, a), 255º, n.º 1, a), 256º, 381º, n.º 1 e 387º, nº 2 do Código de Processo Penal.

24. Tendo sido igualmente correcta a verificada subsequente apresentação do arguido para julgamento em processo sumário, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 69º, n.º 1, a) e 292º, n.º 1 do Código Penal e 381º, n.º 1, 382º, n.º 2, 385º e 389º do Código de Processo Penal.

25. A douta sentença recorrida deverá assim ser revogada e substituída por outra que, dando por integralmente provada a matéria de facto ao arguido imputada na acusação contra ele deduzida,

26. O condene pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 69º, n.º 1, a) e 292º, n.º 1 do Código Penal, por que vinha acusado”.

O arguido respondeu à motivação do recurso, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões (transcrição):

I. A sentença recorrida não violou qualquer um dos dispositivos invocados pelo recorrente.

II. A sentença recorrida faz uma correcta aplicação do direito face aos factos dados como provados.

III. Ao caso em concreto é de aplicar a tabela da DGV (remetida aos Tribunais por Circular 101/2006 do Conselho de Magistratura).

IV. Assim como é de aplicar a Portaria 748/94 de 13/08/1994, ainda vigente.

V. A absolvição é adequada e proporcional aos factos praticados pelo recorrido.

VI. O Tribunal a quo mais não fez do que respeitar o princípio da livre apreciação da prova.

VII. O MºPº ao prescindir da documentação dos actos da audiência está impreterivelmente a renunciar ao recurso da matéria de facto.

Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto emitiu longo e douto parecer sobre a questão suscitada no recurso, concluindo pelo seu provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, 2 do CPP, o arguido nada disse.

Colhidos os vistos legais (e não tendo sido requerida a realização de audiência), foi o processo submetido à conferência - art. 419º, n.º 3 al. c) CPP

2. Fundamentação
2.1 Matéria de facto

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 25-11-2007, pelas 6:15 h o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-AX, na Rua ………., em Santa Cristina do Couto, Santo Tirso.

2. O arguido foi submetido ao teste de álcool expirado através do aparelho Drager Alcotest 7110 MK III P tendo resultado uma taxa de álcool no sangue de 1,47 g/l, tendo requerido o exame de contraprova o qual foi realizado através do mesmo aparelho e do qual resultou a TAS de 1,26 g/l.

3. O arguido conduzia o supra referido veículo naquela ocasião e lugar com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,17 g/l, deduzida já a taxa de erro máximo admissível à TAS de 1,26 g/l que resultou da contraprova, fruto de bebidas alcoólicas que, prévia e voluntariamente, tinha ingerido.

4. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas, sabia que estava a conduzir um veículo nessas condições o que quis.

5. O arguido não tem antecedentes criminais.

6. O arguido é empregado de escritório auferindo cerca de €403,00 mensais, vive com os pais e despende cerca de €250,00 mensais para pagamento de empréstimos bancários.

7. O arguido tem a frequência do 12º ano de escolaridade.

Matéria de facto não provada:
(…) Inexiste.
Não resultou provada qualquer outra matéria quer por constituir juízos conclusivos ou conceitos de direito.

Motivação da matéria de facto provada e não provada:
“O arguido admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas sabendo que não podia conduzir naquelas circunstâncias.
Manteve uma postura de colaboração com o tribunal.
Todavia, e compulsados os autos, podemos constatar que não foi aplicada, no caso concreto e antes dos mesmos serem distribuídos como processo sumário, a taxa de erro máximo admissível aplicável aos alcoolímetros por força de recomendação da Organização Internacional de Metrologia e na sequência da Portaria n.º 748/94, de 13-8 – cfr. ponto 6, alíneas a) e c) da citada Portaria.
Tal taxa de erro na medição efectuada pelos alcoolímetros consta da Norma NF X 20-701 e fixa a percentagem de erro em 7,5% quando o alcoolímetro apresente uma TAS entre 0,92 g/l e 2,30 g/l.
Deduzindo tal percentagem à TAS apresentada no caso em apreço – 1,26 g/l – temos uma taxa corrigida de 1,17 g/l, a qual fica aquém da TAS exigida para a tipicidade legal penal.
Teve-se, ainda, em conta os doc.s e o CRC junto aos autos”.

2.2 Matéria de direito
A questão objecto do presente recurso é a de saber se deve ou não manter-se a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, considerando provado que o arguido conduzia “com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,17 g/l, deduzida a taxa de erro máximo admissível à TAS de 1,26 g/l que resultou da contraprova”, aplicando assim a margem de correcção que a Norma NF X 20-701 fixa para os casos em que o alcoolímetro apresente uma taxa entre 0,92 g/l e 2,30 g/l.

Diga-se desde já que, muito embora o arguido tenha alegado que o MP, logo no início do julgamento, prescindiu da documentação dos actos da audiência, o que equivale à renúncia ao recurso em matéria de facto, nos termos do art. 389º, n.º 2 e 428º, n.º 2 do CPP, tal não corresponde à verdade – cfr. Acta de fls. 20, donde consta apenas que foi dado cumprimento ao disposto no art. 389º do CPP e que, concedida a palavra ao MP e defensora oficiosa, os mesmos nada requereram.

Ora, no actual Cód. Proc. Penal, na redacção introduzida pela Lei 48/2007, de 29/08, os nºs 2 dos artigos 428º e 389º foram suprimidos. É certo que o anterior n.º 2 do art. 428º do CPP dispunha que “sem prejuízo do disposto no art. 410º, nºs 2 e 3, a declaração referida no art. 364º, nºs 1 e 2, ou a falta do requerimento previsto no art. 389º, n.º 2, vale como renúncia ao recurso em matéria de facto”. Contudo, a eliminação do anterior n.º 2 do art. 389º CPP, em sintonia com o actual regime de documentação da prova, sempre obrigatória, nos termos do art. 363º CPP, leva a que o n.º 3 do art. 389º não possa ser visto como uma excepção ao regime geral. Assim, a falta de documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, no presente caso, não pode imputar-se à renúncia das partes à documentação, nem equivaler à renúncia ao recurso em matéria de facto, pois as normas onde se estribava tal entendimento (arts. 389º, 2 e 428º, 2 do CPP) foram suprimidas e, portanto, revogadas pelo actual CPP.

Tal situação poderia, quando muito, configurar a nulidade a que se refere o actual artigo 363º do CPP, a qual não é de conhecimento oficioso – cfr. artigos 118º e 120º do CPP. Assim, não tendo sido arguida em recurso, deve considerar-se sanada.

Deste modo, nada obsta a que o recurso tenha por objecto a matéria de facto, pelo que se impõe apreciar as questões suscitadas.

O MP insurge-se contra a decisão recorrida, aduzindo essencialmente dois argumentos: (i) o arguido confessou “integralmente e sem reservas”, pelo que o tribunal estava obrigado a considerar provados os factos que lhe eram imputados e que ele próprio confessou; (ii) não obstante a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto e a Norma NF X 20-70 permitirem a aprovação de aparelhos com uma margem de erro situada entre determinados limites, não foi, no caso, posta em causa a regularidade da aprovação do aparelho utilizado (Drager Alcotest 7110 MK III P) e o tribunal não pode atender a “orientações contra-legem” que prevêem margens de tolerância ou margens de erro.

O primeiro argumento não tem grande peso, pois a confissão de factos que o juiz entenda não estarem provados não tem qualquer apoio legal. Como decorre desde logo do próprio art. 344º do CPP, a confissão integral e sem reservas implica a renúncia à produção de prova, mas não à prova inelutável dos factos confessados. O n.º 4 do citado preceito mostra que assim é, pois não obstante a confissão integral e sem reservas o “tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção de prova”. Como refere GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Direito Penal, Verbo 2002, pág. 107, “a confissão do arguido não tem, porém, por efeito necessário a limitação do objecto da prova, ela própria é um meio de prova sujeita à livre apreciação do tribunal”.
É portanto claro que a circunstância de o arguido ter confessado integralmente e sem reservas em nada resolve a questão que, como melhor veremos, é uma questão de facto.

O segundo argumento é mais consistente, embora, como veremos também, a nosso ver inconcludente.
O recurso do MP fundamenta-se, além do mais, nas conclusões que lhe foram comunicadas pelo Ofício-Circular n.º 21/2007, do Ex.º Sr. Procurador Geral da República, de onde resulta o entendimento de que não podem as “orientações e determinações... contra-legem prever quaisquer margens de tolerância ou margens de erro relativamente aos resultados obtidos através dos mecanismos legalmente previstos”.
Este entendimento tem vindo a ser seguido por alguma jurisprudência desta Relação, como se pode ver dos acórdãos proferidos nos recursos nºs 7247/06-1ª, de 14-03-07, 4023/07-4ª, de 12-12-07 e 6058/07-4ª, de 19-12-07. Contudo, tal entendimento também não é unânime nesta Relação, face ao decidido no recente acórdão de 2-04-2008, proferido no processo n.º 0810479.

É verdade que o julgador não pode seguir “orientações contra-legem”, isto é, determinações, ordens, circulares ou ofícios-circulares “contra-legem”. Mas a questão é precisamente essa: no presente caso, qual dos “regulamentos” é contra-legem? A Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, ou o Ofício-Circular n.º 21/2007?
Note-se que não basta a natureza meramente regulamentar para que a matéria aí regulada seja irrelevante. A Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, define os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária de substâncias tóxicas e nunca o facto de ser um diploma normativo de natureza regulamentar afastou a sua aplicação na delimitação do facto criminalmente punível. Na verdade – e aí radica a razão da divergência – não está em causa qualquer tolerância ou incumprimento das normas legais, o que seria sempre inadmissível. Está em causa sim o recorte preciso e rigoroso do facto empírico ou natural imputado ao arguido.
Efectivamente, a questão é exclusivamente sobre a apreciação da matéria de facto e, portanto, uma questão de convicção do julgador sobre a delimitação rigorosa de um facto praticado pelo arguido. Esse facto consiste na condução de veículo com uma concreta e determinada taxa de álcool no sangue. Mas apesar de ser um facto empírico, a verdade é que para a sua apreensão e compreensão pelo homem é necessária a intervenção de aparelhos de análise e medição.

Sendo necessária a intervenção de alcoolímetros (instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado – art. 2º da Portaria n.º 1556/07, de 10/12), a prova merece assim a credibilidade que esses instrumentos/aparelhos merecerem. Não há portanto aqui uma total liberdade na formação da convicção. O facto considera-se praticado com o rigor que o aparelho permitir. As regras da experiência comum, neste caso, devem ceder perante as regras técnicas e científicas especialmente aplicáveis sobre a fidedignidade dos aparelhos concretamente utilizados. Daí que a dúvida expressa pela comunidade técnico-científica, com carácter geral ou normativo, sobre a fiabilidade dos aparelhos utilizados (alcoolímetros) atinja em igual medida a dúvida sobre a realidade do facto.

Deste modo, não podemos ignorar a Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, a qual revogou expressamente a Portaria n.º 748/94, de 3 de Outubro e aprovou o “Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”.
O artigo 8º deste diploma legal – os regulamentos são lei em sentido material – é do seguinte teor:

“Artigo 8º
Erros máximos admissíveis
Os erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE, são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”.

Este preceito diz-nos assim que os resultados dos aparelhos apresentam margens de erro em função do teor de álcool no sangue. O quadro anexo (para onde remete) mostra-nos ainda que a margem de erro admitida na primeira verificação é inferior à margem de erro admitida na verificação periódica. Deste modo, a argumentação que apela à inexistência de qualquer norma legal que atribua força vinculativa às referidas margens de erro não é rigorosa. Existem, como vimos, regras regulamentares válidas – a Portaria invoca como lei habilitante o Dec-Lei 291/90, de 20 de Setembro – que devem ser tomadas em consideração pelo juiz.

E tais normas regulamentares devem ser tomadas em consideração porque elas permitem avaliar a fiabilidade dos aparelhos de medição. De facto, são regras que têm o mesmo valor que as regras da experiência comum sobre a credibilidade de um testemunho: projectam-se sobre a reconstrução do facto (do crime) em julgamento.
Ora, o facto típico e ilícito não é uma categoria dogmática (entidade abstracta do crime), mas um facto da vida real que deve ser reproduzido em audiência de julgamento, fora de toda a dúvida razoável.

É na construção deste juízo sempre falível – porque a história é irreversível – que têm aplicação as regras do Cód. Proc. Penal, designadamente o princípio in dubio pro reo. Deste princípio (enquanto corolário da presunção de inocência consagrada no art. 32º, 2 da Constituição) resulta que toda a dúvida sobre a prática do facto deve resolver-se a favor do arguido, isto é, todo o facto típico cuja verificação seja duvidosa deve dar-se como não provado – cfr. Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, acórdãos de 1-11-66 e 17-12-80, citados por MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, Coimbra, 2002, pág. 338 e GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Direito Penal, II, Editorial Verbo, 2002, pág. 110: “o princípio da presunção de inocência é também um princípio de prova, segundo o qual um non liquet na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido”.

Foi este o caminho seguido, por exemplo, no acórdão desta Relação, de 19-12-2007, proferido no processo 0746058:
“Assim, em caso de dúvida, por aplicação do princípio in dubio pro reo, pode o tribunal fixar uma taxa de alcoolémia inferior à que resulta do exame. Foi o que aconteceu na sentença recorrida. A senhora juíza, face à não infalibilidade do aparelho utilizado na medição da taxa de alcoolémia do arguido, por via da aplicação do princípio in dubio pro reo fixou uma taxa de alcoolémia relativamente à qual não tinha dúvidas.”

A reconhecida existência de margens de erro nos aparelhos de medição da taxa de álcool no sangue (TAS) significa assim que, para além de toda a dúvida razoável, só podemos considerar a taxa acusada pelo aparelho, subtraída da respectiva margem de erro.

No concreto aparelho usado no caso dos autos (Drager Alcotest 7110 MK III P) até poderia, na mediação efectuada, haver um erro diferente, ou mesmo nenhum (nunca tal se poderá saber). Mas se os serviços competentes entendem que qualquer aparelho daquele género só é fiável dentro de determinados limites, o julgador só poderá afastar a dúvida razoável se tiver elementos que provem os contornos quantitativos do facto por outra via menos falível. Ora esta prova não cabia ao arguido, não sendo por isso relevante o argumento de que o mesmo poderia, se quisesse, requerer uma análise ao sangue. Impor ao arguido tal prova é impor-lhe que desfaça uma dúvida razoável sobre a prova de um facto ilícito e, portanto, inverter completamente a aplicação do princípio in dubio pro reo.

De resto, no caso destes autos, basta a leitura dos documentos juntos a folhas 4 e 5 (talões emitidos pelo aparelho de medição) para que a dúvida do julgador sobre a fiabilidade do aparelho seja justificada. Às 7,38 horas o arguido acusava uma TAS de 1,47 g/l; às 7,51 horas acusava, no mesmo aparelho, uma TAS de1,26 g/l. Uma tal situação não pode efectivamente deixar de criar, no espírito do julgador, uma dúvida razoável sobre a fiabilidade e rigor de um aparelho que, no intervalo de alguns minutos e no exame à mesma pessoa, apresenta dois resultados tão diferentes.

Deste modo (e sem prejuízo da eventual responsabilidade contra-ordenacional - art.81º do Cód. da Estrada) entendemos que, no presente caso, a dúvida do julgador “a quo” era perfeitamente justificada, pelo que se deve manter a decisão proferida, considerando provado que o arguido conduzia “com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,17 g/l, deduzida a taxa de erro máximo admissível à TAS de 1,26 g/l que resultou da contraprova” e, consequentemente, absolvendo-o do crime de condução de veículo em estado em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º do C. Penal.

Como assim, impõe-se julgar improcedente o recurso.

3.Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Sem custas.

Porto, 14 de Maio de 2008
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando (vencido nos termos da declaração junta)
João Albino Raínho Ataíde das Neves
_______________________________
Declaração de voto (Proc.n.01397/08)

A Direcção-Geral de Viação, através de uma Circular, veio lançar dúvidas sobre a exactidão das medições realizadas com recurso aos alcoolímetros, apontando para a margem de erro máximo que legalmente lhes está fixada para justificar a sua posição e para fixar, no valor dessa mesma margem de erro.
Subjacente à posição da Direcção-Geral de Viação está a consideração do princípio in dubio pro reo.
Porém, se se aceitasse a existência de uma dúvida razoável - a exigir uma decisão pro reo - sempre que uma medição fosse efectuada por um instrumento para cuja classe de exactidão estão metrologicamente previstas margens de erro máximo, então seria impossível trabalhar com «certezas» no processo penal.
Ora se o legislador aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e definiu - considerando o estado dos conhecimentos técnico-científicos, que no essencial se mantêm válidos ainda hoje - a tal margem, positiva e negativa, de erro máximo admissível em tais instrumentos para que os mesmos pudessem ser certificados e calibrados, e assim cumprir a sua função probatória no âmbito do processo judicial ou contra-ordenacional; se tal margem de erro associada a tal exame de natureza pericial foi valorada pelo legislador, e considerada irrelevante na sua definição de um dado regime punitivo, parece que aos tribunais e demais autoridades encarregadas de aplicar tal regime, não cabe, adaptando o sistema legal, desvirtuá-lo, introduzindo-lhe correcções que não encontram, no texto da lei ou no âmbito dos conhecimentos científicos pertinentes, qualquer acolhimento.
Com efeito, se se entende que as margens de erro máximo admissível, definidas para os alcoolímetros, põem em causa a validade dos resultados obtidos através de tais instrumentos, então há uma dúvida razoável relativamente a todo o processo de medição, implicando que o método de pesquisa de álcool no sangue através do ar alveolar expirado teria de ser recusado para efeitos de determinação, em tribunal, da taxa de alcoolemia.
O sistema criado pelo legislador respeita os princípios que, de acordo com o actual estado do conhecimento metrológico e científico, são comummente aceites pela comunidade científica nesta matéria.
Por outro lado, o legislador consagrou expressamente a possibilidade de o arguido, a quem seja diagnosticada uma taxa de alcoolemia eventualmente geradora de responsabilidade contra-ordenacional ou criminal, requerer a realização de uma contraprova, designadamente através da realização de exames hematológicos que são aqueles que dão maiores garantias, do ponto de vista analítico, de aproximação ao «real» valor da taxa de álcool no sangue - Acs. do TRP de 12-12-07, 19-12-07 e 14-3-07, in www.dgsí.pt,
Por outro lado, o Instituto Português da Qualidade (IPQ), criado pelo Decreto-Lei n. o 183/86, de 12 de Julho, é o organismo nacional responsável pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, bem como pela unidade de doutrina e acção do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, instituído pelo Decreto-Lei n.º 165/83, de 27 de Abril.
Por sua vez, as regras gerais do controlo metrológico foram estabelecidas pelo Dec.-Lei n.º 291/90, de 20/Set., que foi regulamentado pela Portaria n." 962/90, de 09/Out. Destes diplomas resulta, que é o IPQ, que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos. Ora na vigência do art. 165.°, introduzido pelo Dec.-Lei n.º 2/98, tal matéria foi regulada pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30/Out. e posteriormente pela Portaria n.° 1006/98, de 30/Novembro.
Em nenhum destes diplomas foi fixada qualquer margem de erro a atender nos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue.
Nesta conformidade podemos concluir que não estando legalmente estabelecida qualquer margem de erro prevista para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos aprovados, e no caso de dúvida sobre a autenticidade de tais valores, resta a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue.
Daí que não se possa falar em erro notório na apreciação da prova, nem em qualquer violação do princípio "in dubio pro reo".
Efectivamente, a legislação em vigor na altura da prática dos factos, o Dec. Regulamentar nº 24/98, de 30Nov, publicado no DR I Série B, nº 251 (Regulamenta os procedimentos para a fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas), e a Portaria nº 1005/98, de 30Nov., publicada no DR I Série B, nº 277, não prevêem qualquer margem de erro para os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos certificados, como é o caso dos autos.
Tais aparelhos estão sujeitos a aprovação da DGV e prévio controlo metrológico do Instituto Português de Qualidade, repetimos, que foi criado pelo Dec. Lei n.º 183/86, de 12 de Julho, e é o organismo nacional responsável pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, bem como pela unidade de doutrina e acção do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, instituído pelo Dec. Lei nº 165/83, de 27 de Abril, o que é garantia de fiabilidade dos resultados e deve afastar a existência de qualquer dúvida genérica, que só se pode admitir seja suscitada em relação a casos concretos em que outros elementos de prova causem dúvidas ao julgador sobre tal fiabilidade.
Não desconhecendo a existência de Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal e de um despacho do Sr. Director Geral de Viação, que a respectiva Direcção fez divulgar pelos tribunais, através do Conselho Superior da Magistratura, em Agosto de 2006, fazendo referência a possíveis margens de erro dos aparelhos em causa.
Porém, tais recomendações e despacho mais não são que orientações de procedimento para as autoridades policiais, não existindo norma legal a estabelecer qualquer margem de erro para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos em causa, por forma a se poder afirmar que a conduta daquele que conduz na via pública e que submetido a exame, através do aparelho identificado no auto de notícia, acusa determinada taxa conduzia, afinal, com essa taxa menos determinada percentagem.
O oficio da Direcção Geral de Viação em causa informa e remete para dados do IPQ no sentido de que os aparelhos de mediação - entre os quais os alcoolímetros - sofrem do Desvio Padrão, o qual traduz a ideia de que poderá existir uma desconformidade entre o resultado que apresentam e a realidade que supostamente retratam. Sendo que a fiabilidade dos resultados é inversamente proporcional em relação ao valor medido. Mediante o Decreto-Lei n.º 125/2004, de 31 de Maio, foi criado o Instituto Português de Acreditação, I. P., na sequência da concretização dos princípios e objectivos propostos pela União Europeia e a "EA - European Co-operation for Accredítation",
O I.P.A.C. é, assim, o organismo nacional de acreditação que tem por fim reconhecer a competência técnica dos agentes de avaliação da conformidade actuantes no mercado, de acordo com referenciais normativos pré-estabelecidos.
O modo de obtenção de prova no que ao crime de condução de veículo sob o estado de embriaguez concerne, não pode ser outro, senão o da medição por aparelhos.
Se em tese abstracta é possível outro método, v.g. a observação de indícios externos indicadores do estado de embriaguez como sejam o equilíbrio, o cheiro ou o aspecto exterior do examinando, não se pode deixar de considerar que tal seria violador de vários princípios processuais e constitucionais.
O legislador conhecia o único possível modo de recolha de prova, as suas vicissitudes e também não podia ignorar que os aparelhos em questão podiam apresentar erros. Contudo, o legislador entendeu por bem fixar os limites do crime e da contra-ordenação nos termos conhecidos, sendo que a prática de crime se consuma com a condução na via pública de veículo a motor com uma taxa igualou superior a 1,20 g/l de álcool no sangue.
Não podemos, pois, deixar de considerar que o legislador assumiu a possibilidade do erro de leitura e que se conformou com o mesmo, sendo que ao criar o limite quantitativo mínimo para a comissão do crime, tinha a consciência que seria sempre o aparelho de detecção de álcool no sangue a indicar a taxa.
A lei exige, sob pena de invalidade do teste, que os aparelhos sejam aferidos com regularidade (portaria 748/94 de 13 de Agosto); os mesmos aparelhos reúnam determinadas características (portaria 1006/98 de 30 de Novembro); que sejam oficialmente aprovados; que o teste seja efectuado em locais com determinada temperatura e humidade e a possibilidade do examinando requerer a contraprova. Dispõe o n.° 2 do art. ° 153. ° do Código da Estrada, que quando o resultado do exame para pesquisa no álcool no sangue for positivo, a autoridade ou o agente da autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes e de que pode, de imediato, requerer a realização da contraprova.
Acrescenta o art° 3.º do Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro que a contraprova é realizada em analisador quantitativo no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste.
Caso o examinando prefira a realização da contraprova através da análise de sangue a recolha só poderá ser efectuada até duas horas após o acto da fiscalização (cfr. art.º 153.º n.º 3 do Código da Estrada e art.° 6.° n.° 1 do Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro).
Da análise deste regime é razoável pois supor que o legislador entendeu que bastava o exame qualitativo realizado por aparelho de detecção de álcool no sangue para fazer prova da taxa de álcool, porém, não querendo limitar os direitos do eventual arguido, de imediato criou a possibilidade do mesmo requerer a realização da contraprova através de análise ao sangue, mais segura, uma vez que não é efectuada por qualquer aparelho, mas em laboratório médico.
Por isso, o examinando deverá decidir se concorda com a análise quantitativa ou se, pelo contrário, pretende submeter-se a uma análise ao sangue.
A lei usou todas as cautelas possíveis a fim de garantir que o resultado do exame à taxa de álcool no sangue era fiável.
Por outro lado, a Portaria n.º 784/94, de 13 de Agosto, invocada pela D.G.V. nas instruções transmitidas às autoridades fiscalizadoras do transito, para a elaboração dos respectivos autos, ficou sem objecto, na medida em que a Portaria n.º 1006/98, de 30 de Novembro, actualmente em vigor, complementando o Decreto Regulamentar n.º 24/98, referindo-se às características dos "analisadores quantitativos", não prevê margens de erro, como se verificava na citada Portaria n.º 748/94.
De qualquer modo, e mesmo entendendo que a Portaria n.º 748/94 deverá continuar a ser considerada, e seguidas as instruções transmitidas pela D.G.V., fazendo-se constar dos respectivos autos as tais margens de erro máximas de TAS, há um dado que nunca pode deixar de ser ponderado: Fala-se aqui, apenas, de "possibilidades", e, não, de realidades, as quais (possibilidades) haverão de ser consideradas no momento da fiscalização do condutor, e vertidas no respectivo auto, ainda que pela forma indicada pela D.G.V. na sua "Circular".
O único dado novo trazido por esta mesma Circular prende-se com o facto de, agora,
deveremos autos conter, quer a TAS registada, quer aquela que resulta da dedução do erro máximo previsto.
Porém, e uma vez que a respectiva margem de erro pode variar, tanto para mais, como para menos, ficou a faltar a orientação no sentido de dever ser, também, indicada a taxa máxima de álcool possível!
A "instrução" transmitida pela D.G.V., para além de não passar disso mesmo, e de, consequentemente, não se impor às autoridades judiciárias, como se entende, pelas razões atrás já expendidas, também peca por defeito, quando impõe que dos respectivos autos sejam feitos constar, apenas, os valores de TAS registados pelos aparelhos, e os resultantes da dedução da margem máxima de erro prevista (Acs do TRL de 23-10-07, 3-10-07,9-10-07, 18-10-07, 20-6-07, in www.dgsi.pt).
Ora, se os mesmos aparelhos podem registar valores errados, esse erro tanto pode ocorrer para menos, como para mais daquele que é primeiramente indicado, e, sendo assim, porque não são, então, todos feitos constar do respectivo auto?
Não nos parece correcto afirmar-se, como se faz na respectiva Circular, que a eventual falta de exactidão apenas pode funcionar em benefício dos infractores.
Por outro lado, como reforço de tudo o que se acaba de dizer, na comunicação apresentada por M. Céu Ferreira e António Cruz ao 2° Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia com o título «Controlo Metrológico de Alcoolímetros do Instituto Português da Qualidade» (disponível no sítio www.spmet.pt/) refere-se o seguinte:
"A definição, através da Portaria n.º 748/94, de determinados erros máximos admissíveis, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais
…Os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. E sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento.
…De acordo com os resultados laboratoriais obtidas durante as operações de controlo metrológico, demonstra-se que os EMA não são uma "margem de erro", nem devem ser interpretados como tal.

... O valor da indicação do instrumento é, em cada situação, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nesse momento, nessa operação, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, qualquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminados do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA" ..
Assim, os erros máximos admissíveis são parâmetros que devem ser tidos em conta na aprovação do aparelho de medição por parte da entidade legalmente incumbida de efectuar a avaliação metrológica dos mesmos, só sendo aprovados os alcoolímetros cujos erros máximos admissíveis se situem dentro dos parâmetros previstos na referida Portaria, ou seja, se o aparelho obedece a tais parâmetros é um aparelho fiável para cumprimento das funcionalidades legais que lhe são atribuídas, designadamente a aferição da taxa de á1cool no sangue.
Por outro lado, na utilização concreta de tais aparelhos, os valores pelos mesmos obtidos poderão não corresponder ao valor real, mas irão situar-se necessariamente dentro dos limites definidos por tais erros máximos admissíveis, pelo que o valor obtido pelo alcoolímetro pode não corresponder ao valor real, mas isso não afecta a fiabilidade do aparelho, na medida em que tal valor se situa dentro do intervalo definido pelos erros máximos admissíveis legalmente previstos.
Ora, se o alcoolímetro os respeita, é um instrumento válido e fiável para as subsequentes medições realizadas, não havendo assim, lugar a qualquer dúvida.

No caso concreto, temos o arguido com uma taxa inicial de alcoolémia de 1,47g/l, que após a realização da contraprova ficou em 1,26g/l, sobre a qual veio ainda a ser deduzida a margem de erro, acabando por se situar em 1,17g/l, isto é, deixou de ser crime.
Ora, salvo o devido respeito, não concordo com esta solução, por contrariar as ideias atrás expostas.

Pelo exposto, entendo que o recurso merecia provimento.

Porto, 14 -05-2008
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando