Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0453624
Nº Convencional: JTRP00037145
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ARROLAMENTO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RP200409210453624
Data do Acordão: 09/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: ANULADO O JULGAMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - Finda a produção de prova, em procedimento cautelar, o julgador, sob pena de nulidade, deve declarar na acta quais os factos provados e não provados, bem como justificar a sua convicção (fundamentação).
II - Não satisfaz a exigência legal de fundamentação da matéria de facto dizer, meramente, que certo facto (considerado provado) teve como base um concreto documento e as testemunhas inquiridas.
III - Uma tal decisão é nula.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

B................, L.da, com sede na Rua ................., ................, ............., .............., requereu arrolamento de bens móveis, que identifica, como preliminar a acção de reivindicação de propriedade, contra C..............., residente na Rua .............., n.º ..., ............., ............... e ainda que o seu decretamento o fosse sem prévia audição do requerido.
Realizada a inquirição, profere-se decisão em que se julga o mesmo parcialmente procedente e se decreta o arrolamento em todos os bens, excepto quanto a um gerador, por considerar inadequado o procedimento para o efeito e falta de prova bastante.
Inconformado, apenas nesta parte, recorre o requerente, apresentando as respectivas alegações.
Sustenta-se o despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II – Fundamentos do recurso

As conclusões formuladas aquando da apresentação das conclusões de recurso, delimitam e demarcam o âmbito desse mesmo recurso – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -.
Justifica-se, assim, se sejam transcritas, donde:

1°- O Sr. Juiz "a quo" deveria ter decretado o arrolamento do gerador referido nos itens 17 a 20 do Requerimento da Providência Cautelar em virtude de se observarem e terem sido, salvo melhor opinião, provados, relativamente a essa pretensão, os mesmos requisitos de direito e de facto alegados e provados quanto ao arrolamento decretado das restantes máquinas.
2° - Concretamente, por se ter alegado e provado, ao menos indiciariamente (e salvo ainda melhor opinião) que a Requerente tinha e tem interesse directo na conservação do gerador e que ele corre o risco de ser extraviado com as restantes máquinas da oficina do Requerido, onde se encontra.
3° - Conforme se colhe do doc. n.° 9 junto aos autos e do depoimento das testemunhas D................., E.............. e F................ gravados, na cassete A, de 0004 a 0832, de 0833 a 1533 e de 1534 a 2040, respectivamente (cf. Acta da Inquirição de Testemunhas), cujos excertos relevantes, quanto ao gerador, foram atrás transcritos e aqui se dão como reproduzidos e integrados.
4º - Assim não o entendendo, violou-se o disposto no art. 421º e segts. do CPC, disposições que, correctamente interpretadas, deveriam levar ao arrolamento do gerador, como levaram ao arrolamento das restantes máquinas.
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III – Os Factos e o Direito

Após ter efectuado a inquirição das testemunhas, o tribunal, quanto aos factos provados, declara:

“Atento o teor dos documentos de fls. 8 e a prova testemunhal produzida, o Tribunal considera indiciariamente provados os factos necessários e suficientes para o conhecimento deste procedimento, designadamente os que atestam a existência do crédito e o fundado receio de extravio das máquinas fornecidas”.

Com base nesta matéria que considera provada, decreta o arrolamento relativamente a certos bens e excluiu em relação ao gerador.

A apelante pretende que, com base nos factos que levaram ao decretamento parcial da providência, seja também decretada a providência cautelar de arrolamento também relativamente ao gerador.
Porém, para que tal pedido seja ajuizado por este tribunal, para se saber as razões tanto do tribunal como da apelante, necessário se torna que seja reapreciada a matéria de facto que originou o decretamento parcelar da providência.
Acontece, no entanto, que a forma como se encontra relatada a decisão sobre a matéria de facto na 1ª instância, não satisfaz minimamente os requisitos exigidos no art. 423º e 387º do CPC.
De facto, logo após a produção de prova, o tribunal deve ter em consideração e cumprir o disposto nos artigos 304º n.º 5 e 653º n.º 2 do CPC, que impõe que o tribunal declare quais os factos que considera provado e quais os que julga como não provado, devendo ainda especificar os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Ora, a forma genérica usada pelo tribunal a quo de relatar quais os factos provados e como aqueles que sejam necessários e suficientes para o decretamento da providência, como se pode verificar pela transcrição acima efectuada, não cumpre os requisitos legais.
Convirá reter, com aplicação directa ao caso, que se aplicam directamente aos procedimentos cautelares as normas gerais dos incidentes de instância dos artigos 302º a 304º do CPC, nos termos e por força do artigo 384º n.º 3, também do CPC.
Por outro lado, para além de não se exarar correctamente quais os factos que considera como provados e quais os não provados, também o tribunal não justificou plenamente os fundamentos que originaram a formação da sua convicção, sendo totalmente insuficiente dizer que teve como base o documento x e as testemunhas ouvidas.
Ao tribunal compete justificar os motivos da decisão sobre a matéria de facto, revelando as razões que o levaram a certa conclusão perante os depoimentos prestados ou outros meios de prova – Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, pág. 205 -
Bastará ler ainda os ensinamentos sobre esta questão, entre outros, Antunes Varela, Manual, pág. 653, de Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, pág. 172 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, págs. 238 a 245, para se concluir que o tribunal não respeitou a imposição legal de ficarem consignados imediatamente em acta os factos provados e os não provados nem a fundamentação da sua decisão.
Veja-se ainda o Ac. STJ de 5 de Dezembro de 1995, CJ, 1995, Tomo III, pág. 143, subscrito pelo Ex.mo Cons. Dr. Cardona Ferreira, que aprecia e decide questão idêntica à dos autos.
Esta circunstância origina a nulidade da decisão sobre a matéria de facto, obrigando a imposição de fixação dos factos provados e não provados, bem como da sua fundamentação.
A apelante pretendia a reapreciação da matéria de facto, por forma a que desta se retirasse a conclusão de que o arrolamento também devia incidir sobre o gerador, por se verificarem os mesmos requisitos de direito e de facto.
O certo é que, conforme se entende, inexiste decisão sobre a matéria de facto, ou melhor, a decisão sobre tal matéria é deficiente e obscura.
E no uso do n.º 4 do art. 712º do CPC, na medida em que perante a situação dos autos, em que falta ou seja deficiente a resposta à matéria de facto e inexista fundamentação de tal matéria, deve considerar-se que não constam dos autos todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto, a Relação pode anular, mesmo oficiosamente, o que faz, a decisão proferida em 1ª instância.
É que se verifica aqui a omissão de uma formalidade que a lei prescreve – artigos 304º n.º 5, 383º n.º 4, 384º n.º 3 e 653º n.º 2, todos do CPC, falta que pode influir e influi decisivamente no exame e decisão da causa.
Tal nulidade origina a anulação de todos os actos subsequentes, dada que abrange a parte viciada, como tal devendo considera-se toda a decisão.
Mais ainda quando a apelante pretendia a reapreciação da matéria de facto, por forma a que desta se retirasse a conclusão de que o arrolamento também devia incidir sobre o gerador, por se verificarem os mesmos requisitos de direito e de facto.
Por outro lado e no caso concreto, a providência cautelar foi decretada, ainda que parcialmente, sem a audição do requerido, impondo agora ao cumprimento pelo tribunal do art. 385º n.º 3 do CPC, dando-lhe a possibilidade do uso do art. 388º do mesmo Código, com possibilidade do uso do recurso ou da oposição, podendo invocar aí a nulidade que agora se acaba de ser declarada, donde que a mesma deva ser abranger a totalidade da decisão e não de forma parcelar, só na parte impugnada, na medida em que ambas são, entre si, dependentes.
Por tais motivos e para além do mais, a decisão final do arrolamento terá de ser declarada nula, porque há deficiência de decisão sobre a matéria de facto e sua fundamentação, que procede e é substracto daquela, dando origem a uma natural falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da al. b) do n.º 1 do art. 668º do CPC, devendo proferir-se nova decisão, agora com cumprimento integral dos normativos supra citados – 304º n.º 5, 384º n.º3 e 653º n.º 2 do CPC -, fixando-se os factos provados e os não provados e fundamentando-se tais respostas nos elementos probatórios usados.
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IV – Decisão

Termos em que se acorda em de declarar nula a decisão da matéria de facto da 1ª instância, anulando-se desta forma o julgamento, devendo o tribunal fixar os factos provados e não provados e fundamentar devidamente a decisão sobre a matéria de facto, proferindo a consequente sentença final.
Sem custas.
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Porto, 21 de Setembro de 2004
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome