Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0752896
Nº Convencional: JTRP00040442
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: RECONVENÇÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RP200706250752896
Data do Acordão: 06/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 305 - FLS 45.
Área Temática: .
Sumário: I - É admissível a reconvenção quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir em que se baseia o pedido da acção.
II - Também o será quando não se enquadrarem estritamente na causa de pedir da acção, mas emergem de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta de factos com os quais indirectamente se impugna os alegados na petição inicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1-RELATÓRIO

B………., Lda., com os sinais dos autos, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra C………. e marido, D………., com os sinais dos autos, pedindo a condenação dos demandados a:
- pagarem à Autora o montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) correspondente aos trabalhos realizados no terreno dos autos;
- pagarem à Autora o montante respeitante aos danos sofridos pelo seu equipamento que se encontra no dito terreno, nomeadamente na grua, a liquidar em execução de sentença;
- pagarem à Autora as despesas administrativas e custos dos projectos necessários ao licenciamento da construção, a liquidar em execução de sentença;
- pagarem à Autora o montante respeitante à perda da margem de lucro que obteria com a venda das fracções que iria construir no terreno dos autos, a liquidar em execução de sentença;
- verem reconhecido o direito de retenção da Autora sobre o terreno dos autos até total satisfação dos seus créditos sobre aqueles.
Alegou, em síntese, factos eventualmente integradores da responsabilidade civil dos demandados.
Os RR. contestaram e deduziram reconvenção. Em reconvenção alegaram danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes dos factos vertidos nos artigos 96º a 115º da sua contestação/reconvenção, nomeadamente o alegado sob os nºs 96º a 105º:
- Os ora RR. estão mais uma vez — e também mais uma vez sem que para isso em nada tivessem contribuído — a braços com nova demanda;
-Tiveram os RR., por via dela, problemas entre si como casal e como família;
- Quando tudo parecia ter serenado com o fim do Procº …/2001, os RR. voltaram a reviver o mesmo pesadelo de terem de voltar a Tribunal, suportando custos económicos, angústia e ansiedade;
- Sofrem, por isso, profunda angústia, desgosto, e ainda forte inibição na sua vida social;
- Perderam a tranquilidade com que viviam, sofrendo constantes perturbações no seu sono, forte irritação e perderam a sua grande alegria de viver;
- São constantemente provocados pelos sócios da A. que quando por eles passam de automóvel buzinam e fazem gestos obscenos, isto na presença de quem quer que seja;
- Os RR. são e sempre foram pessoas respeitadas no meio em que residem, sofrendo com isto grande vergonha e desgosto;
- Os RR. sofrem forte depressão nervosa, que está directamente relacionada com a situação para a qual a A. ilegitimamente os arrastou;
- Por tal motivo, o RR. encontram-se, ambos sob tratamento médico, conforme o demonstra o relatório médico que se junta e dá por integralmente reproduzido (Doc. nº 17);
- O sofrimento dos RR. foi ainda potenciado pelo facto de sempre terem depositado no falecido Snr. E………. toda a confiança — a qual, como se viu foi traída sem quaisquer escrúpulos.
Pediram (implicitamente) a condenação da autora/reconvinda no pagamento da quantia global de € 20.000,00 (€ 10.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por causa da instauração da acção judicial e € 10.000,00 pelos danos patrimoniais sofridos com a ocupação do terreno com a grua, barraco e betoneira).
Houve réplica da demandante, tendo os réus/reconvintes apresentado tréplica.
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Por despacho de fls. 206-208, a julgadora a quo decidiu (dispositivo):
“Pelo exposto:
- nos termos do art. 274.º, n.º 1, e n.º 2, al. a), do Código do Processo Civil, admito a reconvenção deduzida pelos réus contra a Autora para pagamento da quantia de € 10.000,00 pelos danos patrimoniais sofridos com a ocupação do terreno com a grua, barraco e betoneira;
- não admito, por não preencher os requisitos legalmente exigidos pelo art. 274.º do Código do Processo Civil, a reconvenção deduzida pelos réus contra a Autora para pagamento de quantia não inferior a € 10.000,00 a título de indemnização pelos danos morais pelos mesmos sofridos por causa da instauração da acção judicial e actuação dos sócios da Autora em consequência do diferendo existente com os réus”.
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Inconformados, os réus/reconvintes agravaram daquela decisão, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:
1. Os elementos fornecidos pelo processo impunham decisão diversa.
2. O pedido reconvencional em causa preenche todos os requisitos legalmente exigidos pelo artigo 274° do Código de Processo Civil.
3. O artigo 274°, n° 2, do Código de Processo Civil estabelece as situações em que é admissível o pedido reconvencional.
4. O pedido reconvencional de Em.10.000,00 formulado pelos ora Recorrentes, a título de indemnização por danos não patrimoniais, enquadra-se na alínea a) do referido artigo 274°, n° 2.
5. Os Agravantes basearam a sua reconvenção em factos directamente ligados à causa de pedir da Recorrida e à defesa daqueles.
6. Nos artigos 96° a 105° da sua Contestação, os aqui Recorrentes relatam as atitudes da Agravada e as consequências daí resultantes.
7. Salvo melhor opinião, a posição da Meritíssima Juiz a quo segundo a qual este pedido reconvencional "não emerge de facto jurídico que sirva de fundamento à acção ou à defesa", porque "uma coisa é a situação de facto que integra a causa de pedir de uma acção judicial; outra distinta a demanda judicial", não tem sustentação legal.
8. Desde logo, porque uma reconvenção é um pedido e, consequentemente, para ser viável, tem de assentar em factos próprios que não sejam simples oposição ao pedido do autor da acção.
9. Por outro lado, a reconvenção é uma acção enxertada noutra e por isso pode ser diversa a causa de pedir numa e noutra acção, tendo contudo de haver uma certa conexão entre estas - no caso em apreço tal conexão é por demais evidente.
10. O pedido reconvencional não tem, pois, que se mover dentro da causa de pedir invocada para a acção.
11. Os danos não patrimoniais invocados pelos ora Agravantes resultam da actuação da Recorrida no âmbito dos factos que servem de fundamento à acção e que culminaram na demanda judicial.
12. E nenhum sentido faria - mormente se tivermos presente o princípio da economia processual - que os Recorrentes fossem obrigados a intentar uma acção autónoma para se verem ressarcidos pelos danos morais sofridos com a propositura do presente processo.
13. Pelos motivos expostos, deveria o pedido reconvencional dos Recorrentes ter sido admitido na sua totalidade.
14. A douta Decisão recorrida violou as disposições constantes do artigo 274°, n° 1 e n° 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Na resposta às alegações a recorrida defende o decidido.
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O julgador a quo sustentou a decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL

Os factos a considerar são os que se deixaram referidos.
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O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
Poder-se-á afirmar a existência de um entendimento generalizado entre os processualistas no sentido de que a reconvenção configura um pedido substancial e autónomo, uma espécie de contra-acção do réu contra o autor (Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 147, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 313-314, Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, p. e segs. 241, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, p. 172).
Enquanto acção, a reconvenção identifica-se através do pedido e da causa de pedir, pressupondo a verificação de requisitos substantivos e processuais.
A lei processual condiciona (requisito substantivo) a admissibilidade da reconvenção, restringindo-a às situações ou casos definidos nas alíneas do nº 2, do artº 274º, do CPC.
Quer dizer, os requisitos substantivos da reconvenção são requisitos de conexão do pedido reconvencional com o pedido do autor, vindo enumerados, alternativamente, no referido normativo.
Entendeu a julgadora da 1ª instância que a reconvenção deduzida pelos demandados é inadmissível “(…) quanto ao pedido de condenação da Autora no pagamento de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude da actuação dos sócios da Autora e por causa da instauração de (mais esta) acção judicial”, porquanto ”tal pedido não emerge de facto jurídico que sirva de fundamento à acção ou à defesa (uma coisa é a situação de facto que integra a causa de pedir de uma acção judicial; outra distinta a demanda judicial com fundamento nessa relação material controvertida), o mesmo não se destina a obter compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhes seja pedida (visa antes a obter a condenação da Autora no pagamento de uma indemnização por factos geradores de responsabilidade civil extracontratual – no que concerne à matéria referente à alegada actuação dos sócios da Autora e instauração da acção judicial), nem tende a conseguir em benefício dos réus o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter com a acção”.
Os agravantes baseiam a admissibilidade do pedido reconvencional no estatuído na alínea a), do nº 2, do artº 274º, do CPC, onde se estabelece que a reconvenção é possível "quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa".
Exige-se, na primeira parte daquele segmento normativo, que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir em que se baseia o pedido da acção, existindo, com base no mesmo facto, dois pedidos de sentido contrário que, por isso se cruzam.
Do preceituado na segunda parte da referida alínea decorre ser necessário que o réu invoque, como meio de defesa (directa ou indirecta), qualquer acto ou facto jurídico (causa de pedir) que se representa no pedido do autor.
A reconvenção é possível quando o pedido formulado pelo réu não é mera consequência necessária da sua defesa, ou seja, quando o pedido fundado na defesa é um pedido substancial e não um pedido meramente formal, um pedido que nada acrescenta à matéria alegada como defesa (por excepção) - Ac. STJ, de 29/04/86, BMJ, 356º, 307.
No entender de J. Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, II, p. 27), é necessário que o facto invocado, a verificar-se, produza efeito útil defensivo, ou seja, tenha a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.
Reportando-nos, agora, ao caso em apreço, entende-se que os pedidos de indemnização formulados na acção e na reconvenção têm como fundamento factos conexos, eventualmente geradores de responsabilidade civil.
No caso em apreço, os factos alegados pelos reconvintes não têm a virtualidade, uma vez provados, de reduzirem, modificarem ou extinguirem o pedido formulado pelos autores.
Quer dizer, os factos alegados pelos reconvintes não se enquadram, estritamente, na causa de pedir da acção.
Porém, pensamos, apesar de tudo, que o pedido dos réus, de indemnização por danos não patrimoniais, emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta de factos com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial (J. Lebre de Freitas, J. Redinha e R. Pinto, CPC Anotado, I, p. 488).
Em consequência do alegado na contestação/reconvenção, os reconvintes formulam um pedido que transcende a simples improcedência da pretensão dos autores, pese embora em conexão com o facto jurídico que serve de fundamento à acção.
A nosso ver, existe suficiente conexão entre os factos invocados na acção e na reconvenção (impugnação indirecta), de tal sorte que temos como verificada aquela ligação (requisito substantivo) exigida na lei processual (al. a), do nº 2, do artº 274º, do CPC).
Aceita-se, pois, o concluído pelos agravantes no sentido de que os danos não patrimoniais invocados pelos recorrentes resultam da actuação da recorrida no âmbito dos factos que servem de fundamento à acção e que culminaram na demanda judicial.
A reconvenção devia ter sido admitida na totalidade, com base no disposto no aludido segmento normativo.
Procedem, assim, na medida do exposto, as conclusões deste recurso de agravo.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em dar provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida na parte em que julgou inadmissível a “reconvenção deduzida pelos réus contra a Autora para pagamento de quantia não inferior a € 10.000,00 a título de indemnização pelos danos morais pelos mesmos sofridos por causa da instauração da acção judicial e actuação dos sócios da Autora em consequência do diferendo existente com os réus”, que deverá ser substituída por outra a admitir a reconvenção, na totalidade, seguindo-se a tramitação prevista na lei processual civil.
Custas pela agravada.

Porto, 25 de Junho de 2007
Manuel José Caimoto Jácome
José António Sousa Lameira
Jorge Manuel Vilaça Nunes