Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040645 | ||
| Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
| Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS HIPOTECA DIREITO DE RETENÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200710150752716 | ||
| Data do Acordão: | 10/15/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 314 - FLS 03. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | O crédito conferido pelo incumprimento de contrato-promessa com “traditio” e subsequente direito de retenção, tendo por objecto prédio penhorado, prevalece sobre a hipoteca sobre o mesmo prédio, ainda que registada. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I B………. instaurou execução da sentença proferida nos autos de acção ordinária em que são réus e ora executados C………. e D………. .Em tal sentença foram os Réus condenados a pagar ao Autor a importância de € 400.000,00, acrescidos de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, bem como a reconhecer o direito de retenção do Autor sobre o imóvel que foi objecto do contrato promessa até total pagamento do crédito mencionado. Em apenso de reclamação de créditos foi proferida sentença que procedeu do seguinte modo à graduação dos créditos reconhecidos: A) Em primeiro lugar, pagar-se-á o crédito reclamado com hipoteca registada em 9/10/2001 e respectivos juros; B) Em segundo lugar, pagar-se-á o crédito exequendo, garantido por direito de retenção, tendo a tradição do imóvel ocorrido em 10/10/2002. Desta sentença interpôs recurso o exequente, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações de recurso: 1) Este recurso, interposto da Sentença proferida em 1ª Instância, é delimitado à parte decisória que graduou o crédito reclamado e respectivos juros em 1º lugar, e o crédito exequendo em segundo lugar; 2) O crédito exequendo do Apelante está garantido por um direito de retenção sobre o imóvel descrito sob nº …. – ………. da 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, pertencente aos executados, direito este que é um direito real de garantia; 3) O crédito reclamado goza de garantia hipotecária a favor do reclamante, constituída pelos executados sobre o mesmo imóvel, registada em data anterior àquela da constituição do direito de retenção do apelante; 4) No confronto entre um direito de crédito garantido por direito de retenção e de um direito de crédito garantido por hipoteca registada, prevalece o primeiro ainda que constituído depois daquele registo; 5) A interpretação dada na sentença impugnada viola a letra e o espírito do disposto no artº 759 nº 2 do CC. 6) Pois que, o tribunal não podia deixar de considerar o direito de retenção que garante o crédito exequendo, declarado por sentença, em toda a sua plenitude, fazendo-o prevalecer sobre a hipoteca do credor reclamante, nos termos do citado artº 759º nº 2 do CC. 7) Ademais o credor reclamante, confrontado com o crédito exequendo, não o impugnou, pelo que e pelas razões aqui expendidas deverá revogar-se a sentença em apreço, na parte impugnada, e em consequência determinar-se a seguinte graduação de créditos nestes autos: a) Em primeiro lugar, pagar-se-á o crédito exequendo e respectivos juros; b) Em segundo lugar, pagar-se-á o crédito reclamado e respectivos juros; - No citada sentença o Tribunal considerou que, nos termos do artigo 759º nº 2 do CC - “Pareceria que o crédito do exequente, estando garantido por direito de retenção, deveria ser pago com preferência sobre o crédito do reclamante, garantido por hipoteca. Acontece que, (…), o art. 759º nº2 do Código Civil não pode ser tomado pelo seu sentido literal (que permitiria tratar mais favoravelmente, em relação à hipoteca, aquele que obteve a tradição do imóvel apenas em virtude de um contrato-promessa, do que aquele que o adquiriu por compra), tendo antes de ser interpretado em conformidade com as normas e princípios de direito registral. É assim que aquele art. 759º nº2 apenas poderá ser aplicado aos casos em que o prédio venha a ser onerado com hipoteca depois da tradição entre o promitente-vendedor e o promitente-comprador (mas antes da constituição do direito de retenção). Ou seja, a norma em análise visa acautelar o promitente-comprador contra uma hipoteca que não poderia antever, não fazendo sentido prevalecê-lo contra uma hipoteca de que só não teve conhecimento porque não quis. Assim, no caso dos autos, atendendo a que a hipoteca foi registada em 9/10/2001 (cfr. fls. 144), enquanto a tradição do imóvel ocorreu em 10/10/2002 (cfr. fls. 87 da execução), terá a hipoteca de prevalecer”. A factualidade é a que releva do Relatório. Colhidos os vistos legais cumpre decidir. II Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, importa saber:Se o crédito do exequente, invocando o direito de retenção sobre o prédio penhorado na execução, com base num contrato-promessa em que interveio como promitente-comprador em relação aos executados (promitentes-vendedores) deveria ter sido reconhecido preferencialmente à hipoteca reclamada pelo credor E………., S.A.. Dispõe o art. 759º nº1 e 2 do Código Civil que, recaindo o direito de retenção sobre imóvel, o respectivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor, caso em que “o direito de retenção prevalece (…) sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido registada anteriormente”. O direito de retenção, nos termos do art. 755º, nº1, f) do Código Civil é atribuído ao: - beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º. A actual redacção deste artigo foi introduzida pelo artigo único do DL nº379/86, de 11.11, o qual aditou à anterior formulação do preceito a al.) f) do nº l. A sentença afastando o teor literal da norma apelou às normas e princípios de direito registral, fazendo prevalecer a hipoteca registada anteriormente à tradição do imóvel. Essencialmente, o que a sentença põe em causa é que, não sendo o direito de retenção sujeito a registo, logo não advindo a esse direito pela via da publicidade registral o conhecimento da sua existência, possa prevalecer sobre a hipoteca voluntária registada anteriormente, sendo que esta garantia só é válida e eficaz se constar do registo – art. 687º do Código Civil. Mal andou, contudo, o tribunal “a quo”. Primeiro porque o teor literal duma norma não pode ser afastado quando o legislador a apresenta de forma tão clara. Depois porque, o apelo às normas e princípios de direito registral – que elegem a publicidade como valor prioritário - não tem qualquer justificação, perante um direito, como é o “direito de retenção”, que se traduz em actos de habitação ou de posse, em si mesmos públicos. Veja-se a propósito, o teor do recentíssimo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18-09-2007, Relator: Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt/jstj, de que destacamos, quer o sumário, quer partes do seu conteúdo: Sumário: I) A não registabilidade do direito de retenção de que beneficia o promitente- comprador de um imóvel, por ter havido “traditio”, não exprime a existência de “ónus oculto”, em contraponto com o regime da hipoteca voluntária que tem necessariamente de ser levada ao registo. III) O crédito garantido pelo direito de retenção de que beneficia o promitente-comprador de um imóvel de que obteve a “traditio”, deve ser graduado prioritariamente, em relação ao crédito hipotecário sobre o mesmo bem – art. 755º, nº1, f) do Código Civil. E, mais à frente, no desenvolvimento da sua fundamentação jurídica: “Citamos a propósito do Acórdão deste Tribunal de 30.1.2003 – Proc. 02B4471 – número convencional JSTJ000, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro Nascimento Costa: “[…] Como escreve Galvão Teles (…), os credores não podem queixar-se pelo facto de o direito de retenção não estar sujeito a registo. Em primeiro lugar porque o registo não é aplicável a todas as coisas. Inclusive a todos os imóveis (pense-se nos privilégios creditórios). Depois, e esta é uma ideia relevante: o direito de retenção envolve por si publicidade de facto. Os credores hipotecários só têm que averiguar quem na realidade habita ou tem a posse do prédio. Não se diga que estão em causa direitos fundamentais, que não é o caso. Nem se pode falar de direitos análogos a direitos, liberdades e garantias. Está em causa apenas a organização económica dos bens. Não se vê que a concessão do direito de retenção ao promitente-comprador viole qualquer desses direitos dos credores hipotecários”. Refira-se ainda que, entre outros, o Acórdão nº356/2004 do Tribunal Constitucional, de 19.5.2004 (DR, II, de 28.6.2004, pp. 9641 e ss.), não julgou inconstitucional a norma do artigo 755°, nºl, alínea/), do Código Civil (necessariamente articulada com o disposto no artigo 759°, nº2, do mesmo diploma), nos termos da qual o direito de retenção do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa prevalece sobre a garantia hipotecária registada em data anterior à referida tradição. – cfr. “Código Civil Anotado”, de Abílio Neto – 15ª edição – em nota aos citados normativos. III Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pelo exequente e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, graduando-se o crédito deste em primeiro lugar, preferindo ao crédito hipotecário do credor reclamante.Sem custas. Porto, 15 de Outubro de 2007 Anabela Figueiredo Luna de Carvalho António Augusto Pinto dos Santos Carvalho Baltazar Marques Peixoto |