Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0552007
Nº Convencional: JTRP00038036
Relator: CUNHA BARBOSA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RP200505090552007
Data do Acordão: 05/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: A transcrição de um depoimento testemunhal não integra o “documento” a que alude a al. c) do art. 771º do Código Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:
No ..º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, por apenso à acção declarativa, com processo sumário, que B................. (falecida na pendência da acção, tendo sido habilitados, como seus sucessores, C............., D............. e E................) moveu contra F................... e esposa, G................... e H................, veio C....................., interpor recurso de revisão de acórdão, nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento que, na sua totalidade e quanto a estes, se extracta:

“...
O aqui recorrente foi, pelos ali recorridos, demandado na acção de reivindicação nº ....../02, que corre termos no ....º Juízo Cível de Matosinhos.

Tal demanda tem, como pedido principal, a entrega do imóvel onde o ora recorrente vive, como ali foi provado, ininterruptamente, desde que nasceu, ou seja, há pelo menos 52 anos.

Ora, atenta tal situação, resulta que, por parte dos recorridos, nunca existiu uma actuação de facto correspondente ao exercício do direito. Ao não ter existido tal poder de facto, o que necessariamente revela a não apreensão material da coisa, conduz, de per si, a uma inoperatividade do instituto da usucapião por falta do elemento objectivo da posse, (corpus).

Acresce ainda que, no seu depoimento, em sede de julgamento, a testemunha I................, que até é familiar dos ora recorridos e demonstrou, inequivocamente, estar por dentro do negócio, afirmou que o seu cunhado havia comprado e que a anterior proprietária lhe havia vendido o imóvel em causa, doc. nº 1.

Ora, ao tratar-se de uma aparente doação disfarçando uma venda real para prejudicar o exercício do direito de preferência do recorrente, os aqui recorridos não poderiam estar de boa fé (simulação fraudulenta), daí decorrendo que, tanto o seu registo como o seu título não são justos e, como tal, os prazos aplicáveis para aquisição por usucapião só podem, salvo o devido e bem devido respeito, ser os máximos constantes na última parte do artigo 1296 do Código Civil.
...”.
*
Tal requerimento mereceu, por parte do Mmº Juiz do Tribunal de 1ª Instância, o seguinte despacho:

“...
Atento o fundamento invocado - depoimento de uma testemunha numa outra acção -, nos termos do artº 774º/2 do C.P.C. indefiro liminarmente o recurso, pois o seu fundamento não se reconduz a qualquer um dos previstos no artº 771º do C.P.C., atendendo, para além do mais, no facto de a decisão ser um acórdão que manteve o saneador-sentença proferido em primeira instância. Ou seja, a acção foi decidida sem qualquer produção de prova, pelo que a testemunha em causa não foi, obviamente, inquirida nos autos principais.
...”.
*
Não se conformando com tal decisão, dela o requerente interpôs recurso de agravo e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
1ª - O recorrente apresentou no Tribunal onde o processo se encontra um requerimento com vista a interpor recurso de revisão;
2ª - Tal recurso tinha por objecto um imóvel que foi pelos recorridos adquirido, pese embora estes tivessem celebrado uma escritura de doação e não de compra e venda;
3ª - Tal requerimento, acompanhado de um documento, foi remetido ao Tribunal da Relação do Porto que por sua vez o devolveu ao Tribunal remetente;
4ª - Por sua vez, este Tribunal veio a indeferir alegando que o seu fundamento não se reconduzia a nenhum dos previstos no artigo 771 do C.P.C.;
5ª - Mais alegou que se tratava de um acórdão que manteve um saneador-sentença;
6ª - O recorrente entende que o fundamento se reconduz na alínea c) do artigo 771 do C.P.C.;
7ª - O recorrente juntou um documento que não conhecia e não pode fazer uso, tanto mais que a decisão proferida o foi no saneador-sentença;
8ª - Do alcance deste resulta que se tratou de uma venda e não de uma doação pelo que estamos na presença de um negócio simulado cuja sanção é a nulidade invocável a todo o tempo e que o recorrente pretende arguir no recurso cuja admissibilidade se pretende.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais, cumprindo decidir.
Assim:
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2. Conhecendo do recurso (agravo):
2.1 - Dos factos assentes:
Com relevância para o conhecimento do recurso, importa realçar os seguintes factos, em conformidade com o que resulta dos autos principais:
a) - Em 13.7.2001, com fundamento em que o processo reunia todos os elementos necessários para uma decisão de mérito, proferiu-se saneador-sentença em que, conhecendo da invocada excepção peremptória (aquisição originária do direito de propriedade), se julgou a mesma procedente e, em consequência, a acção improcedente - (cfr. fls. 76 a 80 dos autos principais);
b) - O, ora, requerente interpôs, por requerimento apresentado em 7.3.2002, recurso daquela decisão - (cfr. fls. 119 dos autos principais);
c) - Tal recurso veio a ser decidido por acórdão proferido nesta Relação, em 18.11.2002, que confirmou o saneador-sentença recorrido com o mesmo fundamento - (cfr. fls. 172 a 182 dos autos principais).
2.2 - Dos fundamentos:
De acordo com as conclusões formulados, as quais delimitam o objecto do recurso - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPCivil, temos que a única questão a resolver é a de saber se ocorre ou não motivo de indeferimento liminar.
Vejamos.
Na decisão de que se recorre, entendeu-se que o fundamento invocado não integrava qualquer dos fundamentos previstos no artº 771º do CPCivil, pelo que, nos termos do disposto no artº 774º, nº 2 do mesmo diploma legal, se impunha o indeferimento liminar.
Dispõe-se, efectivamente, neste último normativo (artº 774º, nº 2) que:
«…
2. Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 687º, o tribunal a que foi dirigido o requerimento indeferi-lo-á quando não vier deduzido ou instruído nos termos do artigo anterior e também quando se reconheça logo que não há motivo para revisão.
…» (sublinhado nosso)

Importa, agora, verificar se, tal como se afirma no despacho recorrido, inexiste fundamento para a revisão pretendida.
Antes de mais, convirá notar que, como afirma Fernando Amâncio Ferreira[In Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed. (Revista e Actualizada), pág. 331 e ss.;], «…O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente indicadas na lei. /Enquanto que com a interposição de qualquer recurso ordinário pretende-se evitar o trânsito em julgado duma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão duma sentença transitada. …» (sublinhado nosso).
As situações, que permitem a revisão de decisão transitada em julgado, encontram-se indicadas no artº 771º do CPCivil, onde se dispõe que:
«…
Artigo 771º
(Fundamentos do recurso)
A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão nos seguintes casos:
a) - Quando e mostre, por sentença criminal passada em julgado, que foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz ou de algum dos juízes que na decisão intervieram;
b) - Quando se apresente sentença já transitada em julgado que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever;
c) - Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) - Quando tenha sido declarada nula ou anulada, por sentença já transitada, a confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse;
e) - Quando seja nula a confissão, desistência ou transacção, por violação do preceituado nos artigos 37º e 297º, sem prejuízo do que dispõe o nº 3 do artigo 301º;
f) - Quando, tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita;
g) - Quando seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente.
…».
Ora, como flúi do requerimento de recurso de revisão, o requerente pretende que a revisão se justifica em função de um documento que junta, pelo que afastadas ficam, desde logo, as hipóteses previstas nas alíneas a), b), d), e), f) e g) do citado normativo, porquanto a única hipótese em que um documento poderá justificar a revisão encontra-se prevista tão só na al. c) do mesmo normativo, como, aliás, o próprio requerente/recorrente reconhece na conclusão 6ª das suas alegações de recurso.
Porém, integrar-se-á o documento oferecido pelo requerente/recorrente naqueles a que se refere a mencionada alínea do citado normativo?
Afigura-se-nos que, salvo melhor opinião, a resposta a tal questão não poderá deixar de ser negativa.
Na realidade, o que o requerente oferece e/ou indica como documento é, nem mais nem menos, a transcrição de depoimento de uma testemunha produzido no âmbito de um outro processo, depoimento esse que, no entendimento do requerente/recorrente, seria favorável à tese por ele propugnada na decisão que pretende objecto de revisão, a qual lhe veio a ser desfavorável.
Assim, sem cuidarmos das concretas circunstâncias e âmbito em que o mesmo veio a ser produzido (o que se não mostra sequer minimamente alegado e/ou referido pelo requerente/recorrente), temos, desde logo, que não estamos perante o tipo de documento a que se refere o normativo em causa (771º, al. c) do CPCivil), como seja o previsto no artº 362º do Ccivil[Artº 362º do CCivil - «Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto»; (sublinhado nosso)], mas sim perante um depoimento documentado, porquanto o que se pretende que seja um documento mais não é que um depoimento testemunhal reduzido a escrito (transcrito).
Daí que se revele pertinente referir, a tal propósito, o que afirma Fernando Amâncio Ferreira[Ob. Cit., pág. 342;]: «…Se a superveniência de um documento pode permitir a revisão de uma decisão transitada em julgado, já o mesmo não vale no que tange à superveniência de uma testemunha, mesmo que esta se apresente como relevante e a parte desconhecesse a sua existência ou não tivesse tido a oportunidade de proceder ao seu arrolamento, na pendência do processo em que foi proferida a sentença revidenda. …».
Acresce que, no caso ‘sub judice’, como bem se refere no despacho recorrido, a decisão revidenda - saneador/sentença - foi proferida sem que tivesse havido lugar a qualquer produção de prova, antes aquela teve por base a factualidade alegada e aceite pelas partes e limitou-se a aplicar o direito aos mesmos, tendo sido julgado improcedente o pedido em consequência de procedência de excepção peremptória, considerada extintiva do direito que, com a acção, se pretendia acautelar.
Diga-se, por último, que o pretenso documento junto pelo requerente/recorrente sempre seria insusceptível, como facilmente se aceitará em face das circunstâncias específicas em que foi produzido, de, como exige a al. c) do artº 771º do CPCivil, por si só, ser suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Assim, improcedem as conclusões de recurso e, consequentemente, deve ao mesmo ser negado provimento
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Concluindo e resumindo:
- A transcrição de um depoimento testemunhal não integra o ‘documento’ a que alude a al. c) do artº 771º do Código Processo Civil.
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3. Decisão:
Nos termos supra expostos, acorda-se em:
a) - negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida;
b) - condenar o agravante nas custas do recurso.
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Porto, 9 de Maio de 2005
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale
António Manuel Martins Lopes