Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0551458
Nº Convencional: JTRP00039376
Relator: JORGE VILAÇA
Descritores: DESTITUIÇÃO
SOCIEDADE POR QUOTAS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP200607050551458
Data do Acordão: 07/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 267 - FLS. 70.
Área Temática: .
Sumário: I) - Não actua com abuso do direito o sócio de uma sociedade por quotas (com apenas dois sócios) que intenta acção judicial, visando a destituição da gerência de outro sócio, decorridos mais de noventa dias sobre o conhecimento de factos passíveis de serem invocados como causa de exclusão, sobretudo, se têm natureza continuada e são lesivos da sociedade.
II) – A exclusão de sócio não depende do facto da sua conduta ter já causado danos à sociedade, bastando a demonstração de que o comportamento do sócio que se pretende excluir, é susceptível de causar prejuízos relevantes ao ente societário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I

Relatório

B………….
Instaurou no …ª Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário contra:
C…………
Pedindo seja o réu:
1 - Destituído da qualidade de gerente da "D……, Lda.";
2 - Excluído de sócio daquela sociedade; e
3 - Condenado a pagar à sociedade "D……., Lda." a indemnização pelos prejuízos por esta sofridos que se computam em 9.259,37 EUR -Esc. 1 856 337$00-, os quais protesta ampliar na oportunidade, bem como juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, nos termos e com os fundamentos que melhor emergem da petição inicial.

Citado regularmente, o réu não contestou.

Proferida sentença, foi o réu absolvido da instância.
Interposto recurso, por acórdão de fls. 400 e segs. foi revogada parcialmente a sentença, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento do 1º e 2º pedidos.

Proferida nova sentença, foi a acção julgada procedente.

Não se conformando com aquela sentença, dela recorreu o réu, formulando as seguintes “CONCLUSÕES”:
1ª - A matéria dada como assente na decisão sub judice que decorre da confissão ficcionada pela falta de apresentação tempestiva da contestação – refere-se a algumas situações que não obstante constituírem irregularidades, em concreto não configuram factos suficientes para implicarem uma cessação da relação de gerência. E tal porque todas as situações descritas reportam-se a factos temporalmente distantes;
2ª - Os factos aqui relevantes tiveram lugar há já vários anos, alguns tendo ocorrido em 1986;
3ª - O decorrer do tempo sobre essas situações é demonstrativa da vontade do autor de com elas se conformar e não as entender como suficientes para impedir a continuação da actuação do recorrente como gerente;
4ª - O comportamento do autor ao longo do tempo foi perfeitamente concludente no sentido de manifestar que não considerava que a relação de confiança com o recorrente tinha sido quebrada;
5ª - Ao vir, agora, requerer a destituição do ora recorrente da gerência, o autor incorre em abuso de direito, uma vez que contraria a sua actuação anterior, no sentido de ter feito assumir uma confiança de que tal não seria invocado para esse fim. Há, portanto, uma chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito, pelo que há claramente um abuso de direito (art.º 334° do Código Civil);
6ª - O autor alega que tomou conhecimento, em 21/11/2000 e 4/12/2000, de que o réu aqui recorrente era sócio de duas sociedades que exploravam escolas de condução, e que nelas exercia funções, tendo a presente acção sido apenas proposta em 14/3/2001;
7ª - Decorreram bem mais de 90 dias após o conhecimento por parte do autor dessa situação sem que tenha sido proposta a competente acção;
8ª - Tal actuação faz corresponder a presunção do consentimento por parte do sócio para o exercício da actividade concorrencial (art.º 254°, 6, do Código das Sociedades Comerciais);
9ª - Ao não o fazer, uma vez mais demonstrou que se conformava e aceitava o comportamento do réu;
10ª - Assim, ao consentir nessa situação, não tem o autor direito de vir agora requerer a destituição do réu da gerência;
11ª - Pelo que foi violado o preceituado no art.º 254°, 5 e 6, do Código de Processo Civil;
12ª - No que toca à exclusão de sócio, igualmente valem as considerações acima explanadas – que aqui se dão por reproduzidas, por economia processual – quanto ao abuso de direito por parte do autor ao pretender, agora, a exclusão do sócio com base em comportamentos que sempre aceitou ao longo dos anos;
13ª - Foi, portanto, também aqui violado o art.º 334° do Código Civil;
14ª - Para efeitos de exclusão de sócio, há que fazer a distinção entre o comportamento do réu enquanto mero sócio e aquele que ele só pôde ter porque gerente;
15ª - Há apenas que atender aos factos que se relacionem com a sua actuação relacionada com a sua qualidade de sócio;
16ª - O facto de um sócio ter participação social numa sociedade concorrente não é, por si só, argumento suficiente para a sua exclusão. É que o comportamento tem que ser desleal ou gravemente perturbador da sociedade e, também, que cause prejuízo relevante à sociedade;
17ª - Não se encontra provado qualquer facto que demonstre que tenha havido qualquer prejuízo para a sociedade ou que ele possa vir a ocorrer. É que não foi sequer alegado pelo autor que tenha havido, ou venha a haver, perigo de desvio de clientela, diminuição de facturação, redução do lucro, ou qualquer outra consequência nefasta;
18ª - A saída de dois trabalhadores da "E……." para outras escolas de condução não pode, sem mais, ser apontado como um prejuízo para a sociedade ou qualquer perturbação ao seu funcionamento;
19ª - De facto, não está provado, nem foi alegado, quantos trabalhadores tem a sociedade "E…….", ou que a saída desses dois trabalhadores tenha tido - ou venha a ter - qualquer consequência negativa;
20ª - A alegada tentativa de agressão descrita nos artºs 40° e 41° da petição, não teve qualquer consequência na actividade social, o que nem sequer foi alegado, não tendo também sido alegado (e muito menos provado) que terá sido objecto de comentários exteriores à sociedade;
21ª - Por outro lado, apenas está demonstrado que terá sido presenciada por uma pessoa, que não se sabe sequer se era cliente ou não;
22ª - Tratou-se de uma questiúncula entre os sócios e não propriamente uma "actuação do sócio violadora do interesse da sociedade”;
23ª - Os danos que o autor imputa ao réu como tendo sido acusados à sociedade, no valor de Esc. 1.865.337$00, nada têm que ver com o seu comportamento enquanto sócio;
24ª - Foi, destarte, violado o disposto no art.º 242° do Código das Sociedades Comerciais.

Contra-alegou o apelado propugnando a manutenção da sentença recorrida.

II

- FACTOS
Na sentença recorrida foram considerados os seguintes factos assentes:
a) Autor e réu, desde 22 de Setembro de 1977, são os únicos sócios e gerentes da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, que gira sob o nome de “D……., Lda.”, que se encontra registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º 00029/690212 e tem a sua sede na Avenida Dr. ….., n.º …. (……), concelho de Paços de Ferreira (artºs 1º e 2º da p.i.);
b) O capital social actual é de 600 000$00, correspondendo à soma de duas quotas iguais de 300 000$00 de cada um dos sócios, cabendo a administração da sociedade aos dois sócios, sendo necessária a assinatura de ambos para que a sociedade fique validamente obrigada (artºs 3º a 5º da p.i.);
c) A referida sociedade tem por único objecto social o ensino de candidatos a condutores de veículos automóveis, vulgarmente conhecido por ensino de condução automóvel (art.º 6º da p.i.);
d) A mencionada sociedade é dona da Escola de Condução E….. que funciona na referida sede (doravante designada por “E…….”) (art.º 7º da p.i.);
e) O autor desempenha ainda e cumulativamente com as funções de gerente o cargo de director da “E…….”, desde 21 de Novembro de 1974 (art.º 8º da p.i.);
f) Nos princípios do mês de Outubro de 2000, o autor ouviu dizer que o réu era também sócio maioritário e gerente de duas sociedades comerciais por quotas, cujo conhecimento efectivo do autor ocorreu após a obtenção das respectivas certidões, ou seja, respectivamente, em 21/11/2000 e em 04/12/2000 (artºs 9º e 10º da p.i.);
g) O objecto social das sociedades referidas na alínea anterior é também o “ensino da condução”, actividade a que se vêm dedicando (art.º 11º da p.i.) ;
h) A partir de então, o autor pôde certificar-se que o réu, conjuntamente com a sua mulher F……. e os seus três filhos G……, H…… e I……, são sócios nas duas sociedades comerciais por quotas que giram sob os nomes de “J…….., Lda.” e “L……., Lda.” (que passaremos a designar por “Escolas”) (art.º 12º da p.i.);
i) As quais estão sedeadas, respectivamente, nas Ruas ….. e ….., n.º …., em Paços de Ferreira, que constituem a morada do requerido, sendo donas, respectivamente, das Escolas de Condução “J…….” e “M……..” (artºs 13º e 14º da p.i.);
j) Ambas têm as suas instalações nos concelhos limítrofes de Paços de Ferreira, respectivamente, em Santo Tirso e Paredes (freguesia de Lordelo) (art.º 15º da p.i.);
k) Cada uma das aludidas sociedades tem o capital social de 10 000 contos (art.º 16º da p.i.);
l) A sociedade “J………, Lda.” é actualmente constituída pelos cinco sócios, como abaixo se discriminam, sendo o primeiro o réu, a segunda a sua mulher e os restantes, os três filhos do casal: – C……., com uma quota de 6 000 000$00; - F……, com uma quota de 1 000 000$00; - I……, com uma quota de 1 000 000$00; - H……., com uma quota de 1 000 000$00; - G………, com uma quota de 1 000 000$00 (art.º 17º da p.i.);
m) A sociedade “L……., Lda.”, é formada por todos os sobreditos sócios e cada um deles com as quotas iguais às dos valores nominais acima referenciados (art.º 18º da p.i.);
n) Tanto o réu como os demais sócios são gerentes nas aludidas sociedades (art.º 19º da p.i.);
o) O réu é director da Escola de Condução “M……”, desde 28 de Julho de 2000 (art.º 22º da p.i.);
p) O réu dedica-se quase exclusivamente à gestão daquelas em detrimento da “E……..”, fazendo publicidade às mesmas (artºs 23º e 24º da p.i.);
q) O réu sempre que aparece na “E………” fá-lo por breves instantes, deslocando-se, por vezes, em viaturas que contêm inscrições publicitárias das outras “Escolas” concorrentes, estacionando-as, de forma provocatória, junto da “E……..” (artºs 25, 26º e 27º da p.i.);
r) Não se coibindo de as usar sempre que se desloca com os empregados das “Escolas” quando vem tomar café ao centro da cidade (art.º 28º da p.i.);
s) Só a partir da citação da propositura da providência cautelar o réu deixou de gritar, o que fazia em tom histérico com o autor, à frente de quem queria ver e ouvir, mormente, os trabalhadores e os alunos quando estes assistiam às aulas teóricas, abstendo-se de o desautorizar, humilhar e perturbar perante os trabalhadores e os alunos, o que tudo fazia com a mira de desviar potenciais alunos para as suas “Escolas” (artºs 37º, 38º e 39º da p.i.);
t) Até que no dia 16 de Outubro de 2000, pelas 14,40 horas – devido à permuta de viaturas usadas por uma nova – sem nada que o justificasse e à frente de quem quis ver e ouvir aos gritos e de forma violenta dirigindo-se ao autor, com um braço no ar pretendeu desferir-lhe um murro na cara (art.º 40º da p.i.);
u) O que só não consumou por ser prontamente impedido por um homem que se encontrava junto ao balcão da “E…….”, aguardando contactar o autor (art.º 41º da p.i.);
v) O réu é um homem muito agressivo e violento, que não é capaz de dialogar civilizadamente com o autor (art.º 42º da p.i.);
w) Já em 10/12/86 atentou contra a integridade física do autor, agredindo-o, cujo processo crime correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, ao qual o autor pôs termo a pedido do réu, então arguido (artºs 43º e 44º da p.i.);
x) Bem sabendo que o A. não dava o seu assentimento, o réu aproveitando-se da ausência daquele, a qual ocorreu em 1994, passou a cobrar, indevidamente, a alguns dos alunos a quantia unitária de 40.000$00 para além do custo da carta, a que chamava contrato” (art.º 47º da p.i.);
y) O réu vem abordando funcionários da “E…….”, convidando-os a trabalhar nas suas “Escolas”, oferecendo-lhes melhores salários (art.º 49º da p.i.);
z) Como sucedeu já com os seguintes trabalhadores: a) o N…….. que auferia na “E……” a remuneração líquida mensal de Esc. 104.555$OO e passou a receber na Escola de Condução “ J……..”, a quantia também líquida de 114.700$00 e b) o então subdirector da “E…….”, O……., que passou a receber 129.500$00 na Escola de Condução “M…….”, em vez dos 117.865$00 que recebia na “E………” (art.º 50º da p.i.);
aa) Por carta de 22 de Fevereiro último, o instrutor da “E…….” P……. apresentou o pedido de demissão com efeitos a partir de 24 de Abril de 2001 (art.º 51º da p.i.);
bb) O réu passou a exercer um ramo concorrente da “D…….., Lda.”, isto é, passou a competir com ela, sem o consentimento do autor (artºs 71º e 72º da p.i.);
cc) O réu não se coibiu de abrir uma conta bancária paralela, mais conhecida por “saco azul”, que apenas foi extinta graças à forte oposição e persistência do autor (art.º 75º da p.i.);
dd) O réu contabilizou e recebeu abusivamente horas extraordinárias fictícias da “E…….”, as quais prestou dentro das horas normais de trabalho, contra vontade do autor (art.º 76º da p.i.);
ee) O Réu prejudicou a sociedade e a “E……..” nos montantes que se discriminam: recebeu em horas extraordinárias fictícias, a quantia de 283 760$0 em 1995, a quantia de 794.818$00 em 1996, e a quantia de 347.746$00 em 1997 (art.º 79º da p.i.);
ff) Sem consentimento e com a oposição do autor, o réu concedeu cartas de condução aos seus três filhos, a título gratuito, em prejuízo da “E……..” da própria sociedade e do seu consócio como se descreve:




gg) No dia 1 de Março de 2001, o réu, em conluio com o instrutor Q……, depois do exame de condução, no Centro de Exames em Penafiel, extorquiram 30 000$00 à examinanda R…….. (art.º 82º da p.i.);
hh) Sendo ameaçada de que lhe não seria fornecido o documento de aprovação no exame de condução se não lhe entregasse aquele valor (art.º 83º da p.i.);
ii) O que veio a ser denunciado ao director da escola, aqui autor (art.º 84º da p.i.);
jj) Quantia que aquele prontamente reembolsou à aluna, visando colmatar tal atitude e salvaguardar a imagem da “E…….” (art.º 85º da p.i.);
kk) O réu, como director da “M…….”, está proibido de ministrar lições e de acompanhar alunos da “E…….” a exame, o que contrariamente vem fazendo (art.º 87º da p.i.).

III

- FUNDAMENTAÇÃO

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do art.º 684º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente.

Nos presentes recursos as questões a decidir são as seguintes:
1ª - Abuso de direito consubstanciado no facto de o autor ter proposto a acção depois de decorridos mais de 90 dias após o conhecimento dos factos;
2ª - Verificação dos requisitos legais para a exclusão de sócio.

1. Abuso de direito consubstanciado no facto de o autor ter proposto a acção depois de decorridos mais de 90 dias após o conhecimento dos factos

O autor propôs a presente acção com vista à destituição do réu de gerente, bem como a exclusão de sócio.

Relativamente à destituição de gerentes, o Código das Sociedades Comerciais dispõe o seguinte:

Artigo 257.º
(Destituição de gerentes)
1. Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes.
2. O contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos; se, porém, a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples.
3. A cláusula do contrato de sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio. Podem, todavia, os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa e designar para tanto um representante especial.
4. Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade.
5. Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro.
6. Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.
7. Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.

No caso dos autos, a acção foi proposta por um sócio contra o outro dado se tratar de uma sociedade com apenas dois sócios (n.º 5).

Entende o apelante que o facto de o autor ter deixado decorrer mais de 90 dias sobre o conhecimento da situação que fundamenta a destituição de gerente, faz presumir o consentimento do autor no comportamento do réu.
Assim, entende o apelante que se verifica abuso do direito de propor a acção nos termos do art.º 334º do Código Civil.

Retenhamos os factos mais relevantes apurados nos autos:
- O autor e o réu são os únicos sócios e gerentes da sociedade comercial “D…….., Lda”, cujo objecto social é o ensino da condução automóvel;
- O autor teve conhecimento em 21-11-200 e em 4-12-2000, através da obtenção de certidões, que o réu, juntamente com a mulher e os filhos, era sócio de duas sociedades comerciais, cujo objecto social é o ensino da condução;
- Estas sociedades têm as suas instalações nos concelhos limítrofes de Paços de Ferreira, respectivamente, em Santo Tirso e Paredes;
- O réu e os demais sócios são gerentes destas sociedades;
- A sociedade de que o autor e o réu são sócios é dona da Escola de Condução E……..;
- As sociedades do réu, mulher e filhos são donas das Escolas de Condução “J……..” e “M……..”;
- O réu sempre que aparece na “E……..” faz-se deslocar em viaturas das outras escolas, estacionando-as, de forma provocatória junto daquela;
- O réu vem abordando funcionários da “E…….”, convidando-os a trabalhar nas suas Escolas;
- Em 1995, 1996 e 1997, o réu contabilizou e recebeu abusivamente horas extraordinárias fictícias da “E……..”, as quais foram prestadas dentro das horas normais de trabalho;
- Em 1993, 1994 e 1997, o réu concedeu cartas de condução aos três filhos, a título gratuito, em prejuízo da “E……….”;
- Em Março de 2001, o réu, em conluio com um instrutor, depois do exame de condução, extorquiram de uma aluna a quantia de 30.000$00.

Fundamenta o apelante a sua tese no disposto no art.º 254º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais, o qual dispõe que os “direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.”.

Relativamente ao abuso de direito dispõe o Código Civil o seguinte:
ARTIGO 334º
(Abuso do direito)
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Por seu turno, o art.º 762º do Código Civil consagra o importante princípio da boa fé.

Sobre estas questões remetemos para o nosso acórdão de 6 de Março de 2006, proferido no processo n.º 6602/04-5, desta secção, onde escrevemos o seguinte:
“A doutrina tem distinguido o tratamento dado à boa fé em dois sentidos principais: um como “estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude, resultando de tal estado consequências favoráveis para o sujeito do comportamento.”; num outro sentido, a boa fé apresenta-se como “princípio (normativo e/ou geral de direito) de actuação. A boa fé significa agora que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros” (vide Jorge Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, 1999, pág. 55).

Os normativos citados (artºs 334º e 762º) referem-se à boa fé neste segundo sentido. Mas, como refere o mesmo autor, a doutrina moderna, sobretudo a alemã, tem vindo a estudar a boa fé no âmbito de várias figuras, das quais destacamos “a proibição de venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; aquilo que os alemães designam por Verwirkung, com que se veta o exercício de um direito subjectivo ou duma pretensão, quando o seu titular, por não os ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável).” (idem, pág. 59/60).

Já antes também Pires de Lima e Antunes Varela referiam que “À ideia de boa fé estão ligados os deveres de fidelidade, lealdade e honestidade e o direito de confiança na realização e fiel cumprimento dos negócios jurídicos.” (in Código Civil anotado, volume II, 2ª edição – 1991, pág. 2).

Para Fernando Cunha de Sá, “O abuso do direito traduz-se, pois, num acto ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade precisamente num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjectivo: hão-de ultrapassar-se os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido. Não é, aliás, qualquer excesso a esses limites que confere ao exercício do respectivo direito carácter abusivo, mas somente o excesso que seja manifesto.” (in Abuso do Direito, 2005, pág. 103/104).

Retomemos e esclareçamos o conceito venire contra factum proprium referido por Coutinho de Abreu e atrás mencionado.

De acordo com António Menezes Cordeiro, “só se considera como venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor.” (in “Tratado de Direito Civil Português”, I – Parte Geral – tomo IV, 2005, pág. 280).

Mais adiante, o mesmo autor refere “… Von Craushaar atesta que ‘O comando de que ninguém deve colocar-se em contradição com o seu comportamento tem a sua origem, finalmente, na protecção da confiança’. Canaris, começando por apoiar a afirmação de Wieacker, …, formula uma construção desenvolvida do venire baseado na confiança. Luhmann, não obstante omitir referências expressas ao venire, associa a necessidade de identidade do comportamento próprio com a confiança. Erman/Sirp escrevem que ‘quando o titular através das suas declarações ou pelo seu comportamento, consciente ou inconsciente, tenha provocado que a outra parte se pudesse confiar em si e, também, que o tenha feito, então não deve esta ser desiludida. Atentaria contra a boa fé e minaria a confiança no tráfego jurídico que o titular se permitisse incorrer em contradição com as suas declarações ou comportamentos anteriores’” (pág. 286), bem como “a doutrina é uniforme em tomar a previsão de venire contra factum proprium por meramente objectiva: não se requer culpa, por parte do titular exercente, na ocorrência da contradição. Não se pode, contudo, ir tão longe nessa via que, ao factum proprium, se dê mais consistência do que ao próprio negócio jurídico: também este, afinal e por maioria de razão, suscita, no espaço jurídico, confiança digna de protecção e, não obstante, cede perante vectores que, em casos determinados, se apresentem com peso maior.” (pág. 287).

A proibição do venire contra factum proprium tem vindo a ter consagração na nossa jurisprudência (vide por todos o Acórdão desta Relação de 14-07-2005, por ser um dos mais recentes, in http://www.dgsi.pt).”

Considerando que a destituição se baseia num comportamento do réu ao longo de algum tempo e até à propositura da acção, perde qualquer relevância o facto de o conhecimento de alguns desses factos ter ocorrido mais de noventa dias antes da propositura da acção, já que alguns dos factos imputados ao réu ocorreram próximo desta.

Não se pode, portanto, falar em que tenha sido criada qualquer convicção no réu de que o autor tenha consentido nos seus comportamentos alegadamente abusivos e prejudiciais para a sociedade, ou mesmo a convicção no réu de que o autor não reagiria a tal situação.

Não existe, assim, qualquer abuso do direito de acção à destituição de gerente em causa.

Tendo em conta que, no que respeita à destituição de gerente, o apelante apenas invoca abuso do direito por parte do autor e que, como antes dissemos, tal não se verifica, concluímos que bem andou a sentença recorrida ao destituir o réu das funções de gerente da sociedade “D……., Lda.”.

Todavia, sempre acrescentamos em abono da fundamentação da destituição de gerente que “Não será excessivo se se concluir poder elevar-se à qualidade de critério da existência de justa causa, neste domínio concreto, a verificação de um comportamento na actividade do gerente - ou a prática de actos por sua parte - que impossibilite a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe” (vide Acórdão do STJ de 11 de Março de 1999, in http://www.dgsi.pt – Processo n.º 99A072 – Relator Conselheiro Garcia Marques; vide ainda Ac. do STJ de 18-04-2006 – Processo n.º 06A745, Relator Conselheiro Azevedo Ramos, in http://www.dgsi.pt) e que “A ideia de justa causa para destituição tem associada a da violação ou de incumprimento de algum dever no exercício do cargo de gerente. A justa causa, quando não resulte de incapacidade do gerente para o exercício das respectivas funções, pressupõe a violação grave dos deveres de gerência, que leva à quebra de confiança dos sócios no gestor. Em qualquer das situações, a justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do gerente. Corresponderá a todo o comportamento do gerente que inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção da relação de gerência, por a sua conduta afectar gravemente o interesse social e dos sócios, que importa a ruptura do vínculo de gerência.” (vide Acórdão desta Relação de 30-03-2006 – Processo n.º 0536255, Relator Desembargador José Ferraz, in http://www.dgsi.pt).
Os factos apurados e supra referenciados são bastantes para preencher este conceito enunciado.

Nesta parte, improcedem as conclusões de recurso 1ª a 11ª.

A invocação do abuso de direito não se esgota, contudo, com a questão relacionada com a destituição de gerente.
O apelante invoca, ainda, abuso do direito ao ter sido proposta acção de exclusão de sócio depois de decorridos mais de 90 dias sobre o conhecimento da actividade concorrencial por parte do réu.

O autor teve conhecimento de que o réu exercia uma actividade concorrencial com a da sociedade de que ambos são sócios mais de noventa dias antes da propositura da acção.
Mesmo considerando, tal como o fez o STJ no seu acórdão de 11-11-1997, que o direito de exclusão de sócio por comportamento desleal, previsto no art.º 242º, nºs 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais, está sujeito ao prazo de prescrição de 90 dias, a contar do conhecimento, pelos sócios, do facto que serve de fundamento à exclusão, por aplicação analógica do disposto nos artºs 186º, n.º2, e 254º, n.º 6, do mesmo código (in http://www.dgsi.pt – Processo n.º 97A138, Relator Conselheiro Martins da Costa), não se verifica abuso do direito como pretende o apelante.
A confiança criada no sócio de que o outro desvalorizou o seu comportamento de deslealdade para com a sociedade terá de resultar de um decurso de tempo suficientemente prolongado e não tão curto como o prazo estabelecido no art.º 254º, n.º 6, já citado.

Não se pode falar, portanto, em consentimento presumido do autor por conhecimento do comportamento prejudicial à sociedade ao longo dos anos, na medida em que o conhecimento da actividade concorrencial por parte do réu só chegou ao conhecimento do autor pouco mais de 90 dias antes da propositura da acção.
Note-se que alguns dos comportamentos do réu perturbadores do funcionamento da sociedade apenas deixaram de ocorrer após a propositura da providência cautelar, mais concretamente a partir da citação.
Desta forma, também, concluímos pela inexistência do abuso do direito de pedir a exclusão do réu de sócio da sociedade em causa.
Dar relevância para efeitos de abuso do direito o prazo em causa, seria o mesmo que dizer “fazer entrar pela janela aquilo que o réu não fez entrar pela porta”.
Com efeito, o réu quer fazer valer a prescrição por via de recurso quando não o fez em momento oportuno que era o da contestação.
O réu não contestou, por ter deixado ultrapassar o prazo legal, quer agora invocar a prescrição que devia ter invocado na contestação por via da invocação do abuso do direito.
A haver abuso de direito seria por parte do réu ao vir agora fazer valer-se do prazo prescricional que em tempo oportuno não fez através de uma figura jurídica diferente.

Improcede, em suma, esta 1ª questão.

2. Verificação dos requisitos legais para a exclusão de sócio

Defende o apelante não estarem demonstrados factos que permitam concluir pela verificação dos requisitos legais para a sua exclusão de sócio.

Nos termos do art.º 242º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, “Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.”.

Vejamos o que a doutrina e a jurisprudência dizem acerca desse conceito legal.

Jorge Coutinho de Abreu escreve que os factos possibilitadores da exclusão de sócio se circunscrevem a um fundamento: “ o comportamento ou a situação pessoal de sócio que impossibilite ou dificulte a prossecução do fim social, tornando-se por isso inexigível que o ou os restantes sócios suportem a permanência daquele na sociedade” (vide Curso de Direito Comercial, vol. II – Das Sociedades, 2005, pág. 426).

Para Raul Ventura “Em conformidade com o art. 242.°, n.º 1, o tribunal, para decidir a exclusão do sócio, deve dar como provados factos de duas ordens (os quais, portanto, devem ser alegados pela sociedade): factos respeitantes ao comportamento do sócio, que sejam qualificados ou como desleais ou como gravemente perturbadores de funcionamento da sociedade; factos relativos ao prejuízo causado à sociedade por aquele comportamento, prejuízo que deve ser relevante e que tanto pode ter já ocorrido como vir a ocorrer.”(vide Sociedades por Quotas, vol. II, 1999, pág. 60).

Ora, o comportamento do apelante, traduzido na constituição de duas sociedades concorrentes com a sociedade de que o apelante e o apelado são os únicos sócios, detendo em cada uma daquelas 60% do respectivo capital social e exercendo as funções de gerente de ambas as sociedades, e, além disso, exercendo o cargo de director de uma das escolas de condução, sem o conhecimento do outro sócio, ora apelado, é suficiente para preencher o comportamento que a lei refere como desleal de um sócio para com o outro e, também, para com a sociedade e, de acordo com o conceito referido por Coutinho de Abreu, tornando inexigível que o outro sócio suporte a sua permanência na sociedade em causa.

Além disso, o comportamento do apelante é gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, pois é intolerável que um sócio tenha comportamentos para com o outro sócio perante funcionários, clientes e terceiros, nas instalações da sociedade, como os descritos em II – s), t) e u).

Para a exclusão de sócio não é necessário que já tenham sido causados prejuízos à sociedade, bastando demonstrar que o comportamento do sócio que se pretende excluir possa vir a causa prejuízos relevantes.

Ora, quer os comportamento descrito em II – s), t) e u) podem vir a causa prejuízos relevantes à sociedade, como também os descritos em II – y) e z) (convidando trabalhadores da sociedade a irem trabalhar consigo para as sociedades concorrentes).
Com efeito, tais comportamentos, para além de perturbarem o funcionamento da sociedade, são prejudiciais para a imagem da mesma.

Não existe, assim, reparo a fazer à sentença recorrida, improcedendo as restantes conclusões do recurso e a 2ª questão levantada.

Em conclusão, o recurso terá de improceder na íntegra.

IV

Decisão

Em face de todo o exposto, acorda-se julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Porto, 5 de Julho de 2006
Jorge Manuel Vilaça Nunes
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho
Baltazar Marques Peixoto