Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00040105 | ||
| Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
| Descritores: | JULGAMENTO NULIDADE ACTA DE JULGAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP200703060626725 | ||
| Data do Acordão: | 03/06/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 242 - FLS 113. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Constitui nulidade processual a realização da audiência de discussão e julgamento por juiz singular quando deveria ter sido realizada por tribunal colectivo, devendo a mesma ser alegada ou conhecida oficiosamente até ao encerramento da audiência (arts. 646.º n.º1 e 110.º n.º4 do CPC). II - A falsidade da acta de audiência deve ser arguida no prazo de dez dias a contar do conhecimento da mesma. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I. RELATÓRIO Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento na acção ordinária n.º …/99, da .ª Vara Mista de Gaia, em que são Autores B………. e C………., e Ré a Câmara Municipal de ………., vieram aqueles arguir a nulidade do julgamento e a falsidade da acta. Tal requerimento foi indeferido por despacho de 06.09.2006. A Autora C………. não se conformou e recorreu. O recurso foi admitido como de agravo, com subida imediata, em separado, e com efeito devolutivo – v. fls. 45. 1. Deve o recurso ser admitido com efeito suspensivo, e a subir nos próprios autos por uma questão de economia processual. 2. Deve ser declarada a nulidade da audiência de discussão de julgamento e do julgamento, com todas as consequências legais. 3. Deve ser declarada nula a acta de audiência de julgamento, com todas as consequências legais. 4. Foram violadas, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos artigos: 110º, n.º 4, do CPC, 464º do CPC, 16º do DL 329-A/95, que foi introduzido pela Lei 6/96, de 29 de Fevereiro, e 372º do CC. 5. Que deveriam ter sido interpretados e aplicados em conformidade com as conclusões 1. e seguintes. Nas contra-alegações a agravada pede que se negue provimento ao agravo. Foram colhidos os vistos legais. * De acordo com o disposto nos arts. 684º, n.º 3 e 690 do CPC, são as conclusões da recorrente que delimitam o objecto do recurso. Assim, as questões a decidir são: a) Deve ser atribuído efeito suspensivo ao recurso? b) O julgamento é nulo? c) A acta de julgamento é falsa? * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos que interessam ao recurso são os que se encontram referidos no anterior relatório, aos quais se aditam os seguintes: 1. A acção deu entrada em juízo no dia 20.05.1996 – v. fls. 48. 2. O julgamento da causa foi feito por tribunal singular. 3. Na acta de audiência de julgamento de 10.12.2004 ficou exarado o seguinte: “Declarada aberta a audiência, o Mmº Juiz começou a inquirir os intervenientes, a seguir identificados, tendo sido os seus depoimentos gravados em duas fitas magnéticas, nos termos dos artº 522º-B e 522º-C do CPC, com redacção introduzida pelo DL n.º 183/00, de 10 de Agosto”. 4. Nenhuma das partes requereu a gravação do julgamento e o tribunal recorrido também não determinou que a mesma se realizasse – v. fls. 68 e ss. 5. Nenhuma da prova produzida em julgamento foi gravada. O DIREITO a) Quanto ao efeito do recurso pouco há a dizer, tanto mais que no despacho de fls. 62 já nos pronunciámos, ainda que de forma tabelar, sobre tal questão, mantendo-se o efeito atribuído na 1ª instância. O recurso de agravo tem, em regra, efeito meramente devolutivo. É o que resulta do art. 740º, por aí se indicarem os casos em que o agravo tem efeito suspensivo. Nenhum desses casos se configura na hipótese dos autos, sendo também de assinalar que a recorrente não pediu a atribuição desse efeito suspensivo no requerimento de interposição de recurso, momento processual em que lhe competia fazê-lo – v. art. 740º, n.º 2, al. d) e n.º 3, do CPC. b) Todos estão de acordo que o julgamento da causa deveria ter sido realizado por tribunal colectivo, uma vez que a acção ordinária deu entrada em juízo em 20.05.1996 - arts. 462º, n.º 1 e 646º, n.º 1 – cfr. art. 20º da LOTJ. De facto, em 12 de Dezembro de 1995 foi publicado o DL 329-A/95, diploma mais tarde aperfeiçoado pelo DL 180/96, de 25 de Setembro, que, entre o mais, aditou àquele os arts. 18º a 29º. O bloco normativo constituído por esses dois diplomas consagrou um sistema misto no que concerne à sua aplicação no tempo. Algumas normas poderiam ser imediatamente aplicadas às acções então pendentes, enquanto que outras (a larga maioria) só o seriam nos processos iniciados a partir do dia 1 de Janeiro de 1997. É o que decorre do art. 16º do DL 329-A/95, na redacção final do DL 180/96, segundo o qual: “Sem prejuízo do disposto no artigo 17º, o DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as modificações decorrentes do presente diploma, entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 e só se aplica aos processos iniciados após esta data, salvo o estipulado no artigo 13º e nos artigos seguintes”. Deste modo, o disposto no artigo 13º (disposição que prescrevia a derrogação das disposições do CCJ que impunham a prévia contagem do processo ou de quaisquer incidentes nele inseridos antes da subida dos recursos), nos artigos 18º a 22º (que respeitam aos prazos processuais – art. 18º, ao regime das citações e notificações – art. 19º, à marcação de diligências – art. 20º, às limitações ao direito de acesso aos tribunais e do direito à produção de prova documental – art. 21º, e aos procedimentos cautelares) e nos artigos 23º a 25º (que concernem à tramitação dos processos declaratórios) constituíam excepções ao princípio de que a reforma processual só abarcaria as acções iniciadas após o dia 1 de Janeiro de 1997. Todas as situações contempladas nesses artigos seriam, portanto, reguladas pela lei nova. O disposto no n.º 1 do art. 646º, na redacção revista, não se inclui nas disposições de aplicação imediata. Daqui resulta que o julgamento da acção teria de ser realizado com intervenção do tribunal colectivo, pois que o disposto no art. 646º, n.º 1, na redacção anterior (aplicável à situação por força do disposto no art. 16º, n.º 1 do DL 329-A/95) a tal obrigava, e também porque dos autos não resulta que as partes tivessem feito uso da possibilidade aberta pelo art. 28º do DL 329-A/95, consistente na adequação do processado à nova legislação. Já vimos, porém, que o julgamento decorreu perante tribunal singular. Ora, o n.º 3 desse art. 646º do CPC dispunha que “se as questões de facto forem julgadas pelo juiz singular quando o devam ser pelo tribunal colectivo, será anulado o julgamento”. Não estabelecendo a lei prazo para a anulação, entendia-se que as partes podiam requerê-la e o tribunal podia oficiosamente decretá-la a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da sentença, em regime semelhante ao da incompetência absoluta – v. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Tomo IV, pág. 497 e Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, págs. 138/139. Actualmente, a tal nulidade aplica-se o regime do art. 110º, n.º 4, do CPC, por força da remissão do n.º 3 do art. 646º, sendo assim possível argui-la ou dela conhecer oficiosamente até ao encerramento da audiência, momento que se alcança com a decisão sobre da matéria de facto e após pronúncia sobre as reclamações que eventualmente lhe sejam dirigidas – art. 653º. Porém, como se vê dos autos, a agravante não arguiu a predita nulidade nos momentos processuais em que lhe era lícito fazê-lo, pelo que a mesma tem de considerar-se sanada – v. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pág. 203. c) A agravante arguiu a falsidade da acta de julgamento de 10.12.2004. A acta de julgamento é um documento autêntico, nos termos do art. 369º do CC, na justa medida em que é exarada por oficial público dentro das suas funções de atestação, no caso, ao abrigo do disposto no art. 159º CPC. O documento é falso quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi – art. 372º, n.º 2, do CC. Na acta de julgamento de 10.12.2004 ficou consignado que os depoimentos ficaram gravados em duas cassetes, o que, na verdade, não aconteceu. Decorre do art. 551º-A, n.º 2, do CPC que, além da hipótese de falsidade da citação, a falsidade de qualquer outro acto judicial deve ser arguida no prazo de 10 dias, a contar daquele que deva entender-se que a parte teve conhecimento do acto. Para o efeito da parte final deste preceito, deve entender-se que a parte tem conhecimento do acto quando ocorre alguma das situações referidas no lugar paralelo da arguição de nulidades processuais. Assim, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que foi cometida, pode a nulidade ser arguida enquanto o acto não terminar; se não estiver presente, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – art. 205º, n.º 1, do CPC. A agravante esteve sempre representada pelo seu advogado, sendo útil referir que, além da sessão do dia 10.12.2004, ocorreram sessões nos dias 11.02.2005, 30.03.2005, 27.04.2005, 11.05.2005 e 02.06.2005 – v. certidão de fls. 27 a 38 e 73 a 78. Porém, só em 9 de Junho de 2006 o novo mandatário da agravante suscitou a questão da falta de cassetes de gravação, no requerimento que se encontra a fls. 81, ou seja, mais de um ano após o encerramento da audiência de discussão e julgamento. Pronunciando-se sobre o assunto, o Mmº Juiz produziu o despacho de fls. 695 (fls. 82 deste agravo), cujos termos são os seguintes: “Esclarece-se que a prova produzida em audiência de julgamento não foi gravada, por não ter sido oportunamente requerida pelas partes tal gravação. Aliás, os AA, que sempre estiveram patrocinados por advogado nos autos, têm obrigação de conhecer tal facto. A referência à gravação da prova que consta da acta de fls. 537 e ss., deve-se a mero lapso de escrita”. Apenas na motivação do recurso de agravo (22.09.2006 – v. fls. 2) é que a recorrente acabou por arguir a falsidade dessa acta. Do exposto se conclui que o mandatário da agravante, se tivesse agido com a diligência devida, designadamente consultando as várias actas de julgamento e o que para além delas se processou, teria tido oportunidade de detectar a apontada desconformidade. Não o fez, deixando decorrer o prazo de 10 dias estabelecido no art. 551º-A, n.º 2, do CPC. Por isso, é absolutamente intempestiva a arguição da falsidade da acta de julgamento de 10.12.2004. Mesmo que assim não fosse, sempre improcederia a citada arguição. Efectivamente, é requisito de procedência da arguição de falsidade ao abrigo do art. 551º-A que ela se reporte a um acto judicial com repercussão na tramitação ou decisão da causa, circunstância que não é, de todo, reconhecível no presente caso. A menção constante da acta, apesar de não ter correspondência com a realidade, é claramente inócua, não causando o mínimo prejuízo à agravante nem interferindo com a decisão da causa. Com efeito, se ninguém requereu a gravação da prova e o tribunal não a determinou ex officio (v. art. 522º-B), que relevância processual pode ter a menção de que se procedeu à gravação? E para quê, se não por típico exercício de má fé (art. 456º, n.º 1, al. d) do CPC), arguir a falsidade ideológica parcial dessa passagem da acta? Tratou-se, como parece óbvio, de uma inexactidão, por certo involuntária, processada pelo Sr. Oficial de Justiça e susceptível da correcção ordenada no despacho impugnado – v. fls. 41. * III. DECISÃO Em conformidade com o que ficou exposto, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido, ainda que com fundamentação jurídica diversa no que concerne à questão tratada em c). * Custas pela agravante. * PORTO, 06 de Março de 2007 Henrique Luís de Brito Araújo Alziro Antunes Cardoso José Manuel Cabrita Vieira e Cunha |