Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0832420
Nº Convencional: JTRP00041365
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
SUPRIMENTOS
Nº do Documento: RP200804240832420
Data do Acordão: 04/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 757 - FLS. 117.
Área Temática: .
Sumário: Face ao preceituado no art. 89º, nº1, al. c) da lei nº 3/99, de 13.01 (LOFTJ), é da competência material do tribunal do comércio – e não do tribunal comum – a preparação e julgamento de acção que vise a condenação no reembolso de suprimento efectuado à sociedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: TRPorto.
Rec. Agravo nº 2420.08.
Relator: Amaral Ferreira (371).
Adj.: Des. Manuel Capelo.
Adj.: Des. Ana Paula Lobo.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO.

1. B……………, residente na Rua …………, ….., ……, Vila do Conde, instaurou, no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, contra “C…………., Ldª”, sediada na …….., …., Sala …., Póvoa de Varzim, acção declarativa, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 1.620.733, 33, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, sobre € 1.610.000, desde a instauração da acção até integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese, que, enquanto sócio da R., cuja participação social cedeu posteriormente aos seus filhos, tendo, todavia, continuado gerente, cargo de que foi destituído em 16/3/2007, no decurso dos anos de 1997 a 2003, lhe efectuou vários suprimentos, dos quais ainda não foi totalmente reembolsado, encontrando-se em dívida € 1.610.000, montante cujo pagamento lhe solicitou por carta registada com a.r. de 25/5/2007, mas sem sucesso.

2. Após citação da R., que nenhuma oposição deduziu, e cumprido o disposto no artº 484º, nº 2, do Código de Processo Civil, foi proferido despacho a declarar a incompetência, em razão da matéria, do Tribunal recorrido, com o fundamento de que, estando em causa o exercício de um direito social, a preparação e julgamento da acção era da competência do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, de acordo com o preceituado no artº 89º, nº 1, al. c), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.

3. Inconformado, agravou o A. que alegando, formulou as seguintes conclusões:
1ª: O agravante foi sócio e gerente da agravada.
2ª: Nessa qualidade fez suprimentos à sociedade.
3ª: Posteriormente o Agravante cedeu a quota que tinha na Agravada, perdendo a qualidade de sócio.
4ª: E foi destituído da respectiva gerência, perdendo a qualidade de gerente.
5ª: Cessada a ligação do Agravante à Agravada, exigiu o reembolso do empréstimo que lhe tinha feito.
6ª: Como a Agravada não o fez, o Agravante veio a juízo cobrar o seu crédito.
7ª: Dispõe o artº 89º, nº 1, al. c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99, de 13/1), que compete aos tribunais de comércio preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais.
8ª: A lei não define o que são direitos sociais.
9ª: Entendendo-se que direitos sociais são os direitos que os sócios têm enquanto sócios da sociedade, direitos que correspondem a posições jurídicas activas emergentes do seu status de sócio em face da sociedade.
10ª: Os direitos sociais estão ligados à qualidade de sócio e enquanto durar essa qualidade.
11ª: Perdida essa qualidade – um terceiro, ex-sócio, não pode exercer direitos sociais contra a sociedade.
12ª: No caso sub judice o Agravante não demanda a Agravada como sócio, mas como credor.
13ª: Pedindo o reembolso do crédito que detém sobre ela.
14ª: Trata-se, pois, de uma acção de cobrança de dívida que deve correr termos no foro comum, no caso o Tribunal a quo.
15ª: E não no foro de competência especializada como é o tribunal do Comércio.
16ª: O Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do disposto no artº 89º, nº 1, al. c) da Lei 3/99 e dos artºs 102º, nº 1, e 105º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Termos em que requer a Vªs Exªs se dignem conceder provimento ao presente recurso de agravo, revogando, em consequência, a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

4. Não tendo sido oferecidas contra-alegações e proferido despacho de sustentação, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar, com relevância para a decisão do agravo, são os que constam do presente relatório, que se dão por reproduzidos.

2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), que neles se apreciam questões, e não razões, e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a única questão suscitada no agravo é a de saber se o tribunal comum é competente, em razão da matéria, para apreciar e conhecer da acção em causa nos autos, em que o A., na qualidade de sócio, que já não detinha à data da propositura da acção, pede a condenação da R. a pagar-lhe o montante de suprimentos que lhe efectuou.

A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais - cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, págs. 88 e 89.
Desta definição, podemos passar para uma classificação de competência que, em sentido abstracto ou quantitativo, será a medida da sua jurisdição, ou seja a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída, ou a determinação das causas que lhe cabem; em sentido concreto ou qualitativo, será a susceptibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa - cfr. Manuel de Andrade, ibidem, e Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e Incompetência dos Tribunais Comuns, pág. 7.
Ou, dito de outro modo, a incompetência de um tribunal para conhecer de determinada acção é uma situação de nexo negativo que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência lhe não atribuírem a medida de jurisdição suficiente para o efeito.
Assim, a incompetência será a «insusceptibilidade» de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação.
Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral», cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 128.
Entre a incompetência absoluta figura a incompetência em razão da matéria, que deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o estado da causa e constitui excepção dilatória, cuja consequência é a absolvição da instância - artºs 101º, 102º, nº 1, 493º, nºs 1 e 2, e 494º, al. a), todos do Código de Processo Civil.

O artº 211º da Constituição da República Portuguesa, estabelece que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” (nº 1) e que “na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matéria determinadas” (nº 2).
Na sequência destes princípios programáticos, também o legislador ordinário, nos artºs 66º do Código de Processo Civil e 18º nº 1, da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - LOFTJ), estabeleceu que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Estipula o artº 17º da LOFTJ que, na ordem interna, a competência se reparte pelos tribunais judiciais segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território.
Dispõe, por sua vez, o artº 67º do Código de Processo Civil, que são as leis de organização judiciária que determinam as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judicias dotados de competência especializada.
Sendo, os tribunais judiciais de 1ª instância, em regra, os tribunais de comarca, cuja área de competência é a comarca, podendo, todavia, existir tribunais com competência sobre uma ou mais circunscrições ou sobre áreas especialmente definidas na lei, entre eles pode haver tribunais de competência especializada, aos quais compete conhecer de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável - artºs 62º, 63º e 64º, nºs 1 e 2, da LOFTJ.
Os tribunais judiciais podem desdobrar-se em juízos que, nos tribunais de comarca podem ser de competência genérica ou especializada, competindo aos primeiros preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal - artº 77º, nº 1, al. a) da LOFTJ.
Entre os tribunais de competência especializada se incluem os tribunais de comércio, aos quais compete, além do mais, preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais - artºs 78º, al. e), e 89º, nº 1, al. c), da LOFTJ.
Constituem, pois, os tribunais judiciais a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
Será, portanto, através da consulta das disposições determinativas da competência dos tribunais de comércio - e da verificação do enquadramento ou não da situação em apreço no âmbito dessa competência - que se há-de concluir pela afirmação positiva da competência dos tribunais de comércio ou pela negativa competência residual dos tribunais comuns.
A decisão recorrida considerou que, no caso em apreço, se estava perante acção respeitante ao exercício de direitos sociais e, como tal, competente era o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, ao passo que o agravante pugna pela competência do tribunal comum, ou seja do Tribunal recorrido.
Quid juris?

Para conhecer desta questão, como se refere no Ac. do STJ, de 10/10/2007, www.dgsi., antes de mais “é importante ter presente que, conforme constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, a competência do tribunal é apreciada em função dos termos em que a acção é proposta, determinando-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos.”
Porém, saber se um determinado tribunal de competência especializada é competente, ou não, para conhecer de determinada acção, nem sempre é evidente, tornando-se necessário, não raras vezes, proceder a laboriosas indagações, para, através de vários elementos indiciadores, se encontrar uma resposta.
Segundo o Prof. Manuel de Andrade, obra citada, Vol. I, pág. 88 «são vários esses elementos, também chamados índices de competência (Calamandrei). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito, para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes). A competência do tribunal - ensina Redenti (vol. I, pág. 265), afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes».
Como se referiu, a competência dos tribunais de comércio encontra-se fixada no artº 89º, nº 1, al. c) da LOFTJ, nos termos do qual compete aos tribunais de comércio preparar e julgar as acções relativas ao exercício de direitos sociais.
Portanto, o problema reconduz-se a determinar se estamos ou não perante uma acção respeitante ao “exercício de direitos sociais”.
Como se afirma no Ac. deste Tribunal de 20/5/2002, www.dgsi.pt., “a temática dos direitos sociais e da sua classificação tem sido objecto de estudo aprofundado na doutrina…”.
E, citando Paulo Olavo Cunha, nele se acentua que “a posição jurídica de cada sócio não se traduz unicamente em direitos sobre o património social; trata-se de uma situação (recheada de direitos, deveres, ónus, expectativas jurídicas) ou posição complexa (que resulta da sua participação, do regime legal do tipo de sociedade e das cláusulas que subscreveu) perante a pessoa jurídica societária”.
Situando-nos nos direitos dos sócios perante a sociedade, há uma distinção fundamental a fazer, entre, de um lado, os direitos extracorporativos ou extra-sociais e, de outro, os corporativos ou sociais.
Em termos genéricos, os primeiros são os direitos de que os sócios são titulares independentemente da qualidade de sócios, como terceiros face à relação jurídica social.
Os segundos são os que têm por pressuposto a qualidade de sócio e, por sua vez, dividem-se, em direitos gerais ou comuns e direitos especiais.
Na categoria dos direitos sociais, cabem os indicados no artº 21º do Código das Sociedades Comerciais, que se podem considerar como direitos principais ou essenciais dos sócios os direitos aos lucros, a participar nas deliberações dos sócios, à informação sobre a vida da sociedade e de ser nomeado para os órgãos sociais, mas, na mesma categoria, se incluem outros direitos, tais como, designadamente, o direito de acção judicial de sócio (v.g., direito de impugnação de deliberações anuláveis - artº 59º -, de requerer inquérito judicial por falta de apresentação das contas - artº 67º -, de propor acção social de responsabilidade contra membros da administração - artº 77º), direito de preferência nos aumentos de capital por novas entradas em dinheiro (nas sociedades por quotas e anónimas - artºs 266º, 458º e segs.), e direito à quota de liquidação (artº 156º).
No caso em apreço, o agravante vem pedir o pagamento (reembolso) dos suprimentos que, enquanto sócio, fez à sociedade R..
Por sua vez, o contrato de suprimento está previsto e encontra o respectivo regime nos artºs 243º a 245º do Código das Sociedades Comerciais, definindo-o artº 243º, nº 1, como “O contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência”.
E os nºs 2 e 3 do mesmo artigo esclarecem que constituem índices do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta, ou a não utilização da faculdade de exigir o reembolso do crédito à sociedade durante pelo menos um ano a contar da sua constituição.
Segundo Pupo Correia, Direito Comercial, pág. 514, o tipo negocial em apreço contém as características básicas da definição do contrato de mútuo (artº 1142º do Código Civil, que o define como o contrato pelo qual uma das partes cede à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, e que, nos termos do artº 394º do Código Comercial, pode ser de natureza mercantil, se a coisa cedida se destinar a qualquer acto mercantil), mas que assume algumas características próprias: a formação do contrato pode ocorrer de três modos distintos (entrega do sócio à sociedade; diferimento do vencimento de créditos do sócio sobre a sociedade; aquisição pelo sócio de um crédito de terceiro sobre a sociedade, com vencimento diferido, por negócio entre vivos); a relação contratual estabelece-se entre o sócio e a sociedade e o carácter de permanência do crédito.
Acerca do regime do contrato de suprimento, dispõe o artº 245º do Código das Sociedades Comerciais:
“1. Não tendo sido estipulado prazo para o reembolso dos suprimentos, é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 777 do Código Civil; na fixação do prazo, o tribunal terá, porém, em conta as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, podendo, designadamente, determinar que o pagamento seja fraccionado em certo número de prestações.
2. Os credores por suprimentos não podem requerer, por esses créditos, a falência da sociedade. Todavia, a concordata concluída no processo de falência produz efeitos a favor dos credores de suprimentos e contra eles.
3. Decretada a falência ou dissolvida por qualquer causa a sociedade:
a) Os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros;
b) Não é admissível compensação de créditos da sociedade com créditos de suprimentos.
4. A prioridade de reembolso de créditos de terceiros estabelecida na alínea a) do número anterior pode ser estipulada em concordata concluída no processo de falência da sociedade.
5. O reembolso se suprimentos efectuado no ano anterior à sentença declaratória da falência é resolúvel nos termos dos artigos 1200, 1203 e 1204 do Código de Processo Civil.
6. São nulas as garantias reais prestadas pela sociedade relativas a obrigações de reembolso de suprimentos e extinguem-se as de outras obrigações, quando estas ficarem sujeitas ao regime de suprimentos”.
Sobre o regime do contrato de suprimento, escreve João Aveiro Pereira, O Contrato de Suprimento, 2ª edição, pág. 135:
“No regime do contrato de suprimento previsto no artigo 245 avultam principalmente as limitações ao direito de reembolso dos créditos de suprimentos, em primeiro lugar, para salvaguardar os interesses dos restantes credores sociais e, em segundo lugar, para assegurar uma certa estabilidade no gozo desses dinheiros ou coisas fungíveis por parte da sociedade. Desde logo, não tendo sido estipulado prazo para o reembolso dos suprimentos a lei exclui a aplicação da regra geral de interpelação para o vencimento das obrigações puras, prevista no artigo 777, nº 1 do Código Civil. Ao invés, aplica-se o nº 2 do mesmo artigo, ex vi artigo 245, nº 1, cabendo assim ao tribunal fixar o prazo, ponderadas as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, e determinar inclusive que o pagamento seja fraccionado em prestações.
No caso de falência ou dissolução da sociedade três limitações se impõem ao direito dos sócios sobre os suprimentos. A primeira impede o reembolso antes que todos os outros credores sociais tenham visto satisfeitos os seus créditos. A segunda veda a possibilidade de compensação de créditos de suprimentos com créditos da sociedade sobre o sócio. Por força da terceira limitação tornam-se resolúveis os reembolsos de suprimentos que tenham sido efectuados no ano anterior à declaração de falência, nos termos dos artigos 1200º, 1203º e 1204º do Código de Processo Civil, actualmente, revogados e substituídos, respectivamente, pelos artigos 156, 159 e 160 do CPEREF”.
E, apesar de o DL nº 53/2004, de 18 de Março (que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), ter revogado o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, contém normas idênticas nos artºs 48º, al. g) - que estabelece que se consideram subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, os créditos por suprimentos - e 177º, nº 1 - que dispõe que o pagamento dos créditos subordinados só tem lugar depois de integralmente pagos os créditos comuns e é efectuado pela ordem segundo a qual esses créditos são indicados no artigo 48º, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se a massa for insuficiente para o seu pagamento integral -, sendo que o crédito por suprimentos constitui a última alínea do artº 48º.
Ora, pretendendo, através da presente acção, o agravante obter da agravada o reembolso de suprimentos que lhe fez, natureza que assumem os empréstimos em causa, não só porque ele assim os denomina, mas que também porque é assim que devem ser qualificados, atento o seu carácter de permanência (cfr. artº 11º e seguintes da petição inicial, em que alega que eles foram efectuados nos anos de 1997 a 2003), face às características e regime próprio do contrato de suprimento, parece-nos indubitável que o direito de exigir o reembolso dos suprimentos, constitui um direito resultante da posição que o sócio ocupa na sociedade, ou seja, deve ser considerado um direito social, não obstante ele ter perdido, entretanto, a qualidade de sócio, por ter cedido as quotas que nela detinha - cfr., neste sentido, o Ac. da RL de 31/01/2002, sumariado em www.dgsi.pt.,
Estando em causa o exercício de um direito social, a competência para a preparação e julgamento da presente acção é dos tribunais do comércio, de acordo com o estipulado no artº 89º, nº 1, al. c) da LOTJ, no caso, do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, cuja área de jurisdição abrange a comarca da Póvoa de Varzim, nos termos do Mapa VI Anexo ao DL nº 186-A/99, de 31MAI., que veio regulamentar a citada LOFTJ, pelo que é de manter a decisão recorrida.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo e manter a decisão recorrida.
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Custas pelo agravante.
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Porto, 24 de Abril de 2008
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo