Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0651966
Nº Convencional: JTRP00039963
Relator: CURA MARIANO
Descritores: CLÁUSULA
RESERVA DE PROPRIEDADE
CONTRATO
EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA
Nº do Documento: RP200701150651966
Data do Acordão: 01/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 286 - FLS 72.
Área Temática: .
Sumário: I - A cláusula de reserva da propriedade, prevista e regulada no art. 409º, do Código Civil para os contratos de alienação, traduz-se na sujeição do efeito translativo desses negócios a uma condição suspensiva ou termo inicial, sendo a propriedade sobre o bem alienado, utilizada como garantia do cumprimento das prestações do adquirente.
II - Suspendendo ela, apenas os efeitos translativos inerentes a um contrato de alienação, só poderá ser estipulada nesse contrato.
III - Tal cláusula apenas pode reservar o direito propriedade sobre um bem, suspendendo a sua transmissão, para quem outorga o contrato de alienação, na posição de vendedor, pois só ele é o titular do direito reservado.
IV - No contrato de mútuo, tendo por finalidade o financiamento de aquisição de um determinado bem, apesar da conexão que possa existir entre os dois contratos, o mutuante não pode reservar para si o direito de propriedade sobre esse bem, pela simples razão que não é seu titular, sendo juridicamente impossível que alguém reserve um direito de propriedade que não tem.
V - Sendo nula a cláusula de reserva de propriedade, incluída no contrato de financiamento, o embargante/mutuante não tem qualquer direito sobre o bem penhorado que seja incompatível com a penhora realizada, pelo que devem ser julgados improcedentes os embargos de terceiro que deduziu à penhora do bem – um veículo automóvel.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº ..-A/1999, do .º Juízo Cível de Matosinhos
Rec. nº 1966/06 – 5 (Apelação)
Relator:João Cura Mariano
Adjuntos: Pinto Ferreira
Marques Pereira

Embargante: B………., S.A.

Embargados: C……….
D……….

Assistente do embargante: E……….
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B………., S.A. deduziu embargos de terceiro a penhora de um veículo automóvel efectuada no processo executivo movido pela embargada D………. ao embargado C………. .
Alegou o seguinte como fundamento dos embargos:
- O veículo penhorado tem reserva de propriedade a seu favor, sendo a titular inscrita E………. .
- O embargante celebrou com esta um contrato de financiamento destinado à aquisição daquele veículo a F………. .
- A venda deste à E………. foi feita com reserva de propriedade a favor da embargante.
- A mutuária E………. tem prestações do mútuo em atraso e o embargado C………. é irmão, utilizando, por força desse parentesco, aquele veículo.
- O embargante pode fazer valer a reserva de propriedade perante os credores do comprador em caso de penhora.
Concluiu pela procedência dos embargos e o levantamento da penhora do veículo automóvel.

Contestou a embargada D………., alegando o seguinte:
- A cláusula de reserva de propriedade a favor da embargante é nula.
- O verdadeiro proprietário do veículo em causa é o embargado C………., tendo sido um negócio simulado a intervenção de E………. .
Concluiu pela improcedência dos embargos e pelo reconhecimento do direito de propriedade sobre o veículo automóvel a favor de C………. .

Respondeu o embargante discordando da tese da nulidade da cláusula de reserva de propriedade.
Concluiu como na p.i. e pela improcedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade.

Foi admitida a intervenção neste processo, como assistente da embargante, de E………. .

Realizou-se audiência de julgamento, tendo posteriormente sido proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro.

Desta sentença recorreu o embargante, com os seguintes fundamentos:
“- Por incidente de oposição à penhora mediante embargos de terceiro, e ao abrigo do disposto nos arts. 351º e ss do C.P.C., veio a ora Apelante, requerer o levantamento de penhora incidente sobre o veículo automóvel da marca BMW, modelo ………, com a matrícula ..-..-BU
- Sobre a referida viatura existe reserva de propriedade registada a favor da embargante, ora Apelante, pelo que é oponível a terceiros
- O Tribunal a quo por sentença, veio entender que não obstante a B………., S.A., ter registada a seu favor reserva de propriedade sobre o veículo penhorado este instituto não é aplicável ao caso sub judice, uma vez que o contrato que lhe está subjacente é um contrato de financiamento de aquisições a crédito e não um contrato de compra e venda.
- Foi de igual entendimento do Tribunal Recorrido que, “…só o titular do direito de propriedade – o vendedor – pode reservar para si a propriedade da coisa por determinado período de tempo, estando vedado tal possibilidade a quem nunca deteve a propriedade da mesma (…)”.
- Resultou sobejamente provado que ora Apelante celebrou o contrato de financiamento de aquisições a crédito nº. ….., com E………., tendo como objecto a viatura da marca BMW modelo ………., com a matrícula ..-..-BU, (vide pontos 2 e 3 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida).
- Para garantia das obrigações assumidas pelos mutuários, a Apelante constituiu e registou a seu favor ónus de reserva de propriedade sobre o bem financiado (viatura automóvel referida no ponto anterior), facto esse que de igual modo resultou provado (ponto 2 da fundamentação de facto da douta sentença).
- O instituto da reserva de propriedade, conforme melhor resulta do supra citado artigo, não é mais do que uma condição suspensiva do próprio contrato de compra e venda, pelo que suspende os efeitos do contrato (no caso a transferência de propriedade) até integral pagamento do preço.
- Pese embora a reserva de propriedade seja utilizada, sobretudo, nas situações em que a venda é feita a prestações servindo como garantia até integral pagamento do preço convencionado, tem sido analogicamente aplicado aos contratos de financiamento de aquisições a crédito, por se tratar de garantir pagamento em prestações do montante mutuado para aquisição de um bem determinado e perfeitamente identificado.
- Mais ainda no âmbito e ao abrigo do princípio da liberdade contratual este instituto pode ser aplicado noutro tipo de contratos, como seja o contrato de financiamento de aquisições a crédito.
- Acrescente-se ainda que a interdependência entre o contrato de financiamento e a compra e venda é de tal forma clara e evidente que faz todo o sentido a constituição da reserva de propriedade a favor da financiadora.
- Nesse mesmo sentido tem apontado o entendimento doutrinário nomeadamente o Sr. Prof. Dr. Mota Pinto, in Direitos Reais, pág.66, que defende que com este instituto o que se pretende é que o credor (não necessariamente o comprador) do preço fique numa situação privilegiada, face aos demais credores.
- Por outro lado e observando os princípios que devem reger o intérprete na aplicação da lei, mormente art. 9º do C.C., a interpretação do art. 409º do C.C. não pode reduzir a sua aplicabilidade apenas à relação comprador e vendedor, sob pena de estarmos perante uma interpretação restritiva e literal das normas legais.
- Na verdade estabelece o art. 409º nº 1 in fine como possível a ocorrência de qualquer outro evento futuro como condicionante da transferência de propriedade que não apenas o cumprimento das obrigações decorrentes da compra e venda.
- Assim pela análise da Douta Sentença de fls, ora posta em crise, facilmente se conclui que o Mmº Juiz a quo, na aplicação da lei, art. 409º do CC, limitou-se a uma interpretação puramente literal, formal e redutora do preceito, sem uma perspectiva actualista do mesmo.
- Na verdade, no caso sub judice o vendedor recebeu da parte da financiadora, ora Apelante, o montante total do preço do veículo, o que corresponde ao cumprimento do contrato, ficando o vendedor impedido de resolver o contrato e logo de fazer reverter a propriedade, esvaziando-se de conteúdo prático a utilidade da reserva de propriedade nos casos em que a compra é financiada por um terceiro
- Mais ainda mesmo que se entenda que, o que se coloca por mera hipótese de raciocínio para de imediato retirar, a reserva de propriedade tenha sido pensada para a compra e venda, nada obsta a que, ao abrigo do Principio da Liberdade Contratual, este instituto seja aplicado a outros contratos, nomeadamente no mútuo a prestações,
- Pelo que não será de alterar o regime legal decorrente da lei, sendo os seus efeitos jurídicos os mesmos que derivavam no caso de o pactum reservati dominii tivesse sido constituído a favor do alienante.
- Ao entender diversamente, o tribunal a quo, salvo o devido respeito, não observou o principio geral da Liberdade Contratual, os princípios gerais e as regras que devem reger o interprete na aplicação da lei, assim como veio contrariar o que tem vindo a ser o entendimento doutrinal e jurisprudencial”.
Concluiu pela procedência do recurso

Não foram apresentadas contra-alegações.
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1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, cumpre decidir se é válida a constituição de reserva de propriedade a favor do embargante, que financiou a compra do bem sobre o qual incide aquela garantia.

2. Dos factos
Encontram-se provados os seguintes factos neste processo:

I - Na execução de que estes autos são apensos foi penhorada a viatura de marca BMW, modelo ………., com a matricula ..-..-BU.

II - O referido veículo tem reserva de propriedade a favor do embargante e tem como titular inscrito a assistente E………. .

III - O embargante, no exercício da sua actividade, celebrou com E………., irmã do executado, em 19/02/02, o contrato de financiamento a crédito n° ….., no montante de 8.749,56 euros, donde constava a seguinte cláusula (3ª):
“1. Nos termos da lei, a venda é feita com reserva de propriedade a favor da G………. (antecessora do embargante)...”.

IV - A viatura penhorada é utilizada pelo irmão da assistente, executado nos autos principais, C………. .

V - O financiamento referido em III destinou-se à compra do veículo BMW, modelo ………., com a matricula ..-..-BU por E………. .

VI - Tal viatura foi comprada por intermédio de F………. .

VII - O prazo do contrato foi de 48 meses e seria pago em prestações mensais iguais e sucessivas de 280,97 euros cada uma.

VIII - O embargado/executado utiliza a dita viatura desde a sua compra até à presente data, sendo ele quem pagava as multas relacionadas com o veículo, nomeadamente de estacionamento e que o levava à oficina para consertos.

IX - Até à presente data não foram encontrados quaisquer bens para penhorar ao executado no âmbito da execução pendente.
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3. O direito aplicável
3.1. Da nulidade da cláusula de reserva de propriedade
Com o despontar da sociedade de consumo no final do século XIX, a necessidade de expansão do mercado exigiu que se permitisse a pessoas de escassos recursos a aquisição de coisas com valor superior às suas disponibilidades financeiras, diferindo o pagamento do preço para momento posterior ao da outorga do contrato de alienação e à entrega da coisa ao adquirente [1].
Esta “concessão de crédito” por parte do vendedor suscitou a procura de meios jurídicos que acautelassem uma eventual inexecução do contrato ou insolvência da parte do comprador, de modo a permitir ao vendedor a recuperação da coisa, sem se sujeitar ao concurso de outros credores ou de terceiros, entretanto investidos em direitos sobre ela.
Em Portugal, vigorando o Código de Seabra, na alienação de bens móveis nas referidas condições, além de outras figuras jurídicas como a “locação-venda”, começou a ser frequente o recurso à estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade a favor do vendedor (o pactum reservati dominii do direito romano), sendo a validade desta cláusula discutida perante o vazio legal então existente nessa matéria [2].
O Código Civil de 1966, seguindo a orientação do Anteprojecto de Galvão Telles para o contrato de compra e venda [3], decidiu prever e regulamentar esta estipulação negocial, admitindo que nos contratos de alienação o alienante pudesse reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento (artº 409º do C.C.) [4].
Mas, a evolução das práticas de mercado neste domínio, veio colocar novos desafios no campo das garantias especiais das obrigações.
A venda a crédito, enquanto relação bilateral entre comprador e vendedor, deixou de corresponder ao figurino económico-social, passando a intervir habitualmente nestas operações uma terceira entidade, financiadora da aquisição. Com o desenvolvimento da actividade autónoma comercial de concessão de crédito na aquisição de bens deixou de ser o próprio vendedor a permitir que o preço fosse pago posteriormente à entrega do bem, para o mesmo ser pago no acto de outorga do contrato, através do financiamento concedido para o efeito por entidade dedicada à actividade de concessão de crédito. Passaram, assim, a ser celebrados dois contratos: um contrato de compra e venda, outorgado entre o vendedor e o comprador, e um contrato de mútuo, celebrado entre a entidade financiadora da aquisição e o comprador.
A massificação desta prática, com a consequente despersonalização da relação creditícia, criou a necessidade do mutuante, para além da garantia geral constituída pelo património do devedor, que ele não conhece e pode ser insuficiente, constituir uma garantia especial sobre o único bem conhecido – o adquirido pela compra financiada.
Enquanto nos imóveis a hipoteca continuou a ser uma opção de garantia satisfatória, relativamente aos móveis, mesmo aqueles, como os automóveis, como sucede no presente caso, que também admitem a constituição de hipoteca (artº 688º, nº 1, f), do C.C.) [5], as empresas financiadoras tem vindo a optar pela utilização de outras figuras, face ao peso das exigências formais (escritura pública) e aos custos de constituição desta garantia, perante o diminuto valor dos créditos em causa.
Uma dessas figuras é a da estipulação duma cláusula de reserva de propriedade do bem adquirido com financiamento, no contrato de mútuo, a favor do mutuante [6].
Contudo, apesar do uso massivo deste modelo pelas entidades financiadoras, tem vindo a ser questionada a sua validade [7].
A cláusula de reserva da propriedade, prevista e regulada no artº 409º, do C.C., para os contratos de alienação, traduz-se na sujeição do efeito translativo desses negócios a uma condição suspensiva ou termo inicial, sendo a propriedade sobre o bem alienado, utilizada como garantia do cumprimento das prestações do adquirente [8].
Suspendendo ela, apenas os efeitos translativos inerentes a um contrato de alienação, só poderá ser estipulada nesse contrato [9]. Apenas pode reservar para si o direito de propriedade sobre um bem, suspendendo a sua transmissão, quem outorga contrato de alienação do mesmo, na posição de alienante, pois só ele é o titular do direito reservado.
No contrato de mútuo, tendo por finalidade o financiamento de aquisição de um determinado bem, apesar da conexão que possa existir entre os dois contratos [10], o mutuante não pode reservar para si o direito de propriedade sobre esse bem, pela simples razão que não é o seu titular, sendo juridicamente impossível que alguém reserve um direito de propriedade que não tem.
O facto do artº 6º, nº 3, alínea f), do D.L. 359/91, de 21/9, que regula o regime jurídico do crédito ao consumo, prever como cláusula dos contratos de crédito ao consumo “o acordo sobre reserva de propriedade”, não “legaliza” a sua estipulação a favor da entidade financiadora, quando ocupa a posição de terceira relativamente ao contrato de alienação, uma vez que tal disposição se reporta às situações em que o pagamento do preço ao vendedor é diferido para momento posterior ao da entrega do bem, sendo este o beneficiário da reserva de propriedade clausulada [11]
A previsão do artº 409º, do C.C., não pode ser aplicada, por analogia, a esta situação, uma vez que não é possível equiparar a posição do alienante, proprietário de um bem que aliena, a quem é atribuída a possibilidade de convencionar a suspensão dos efeitos translativos do contrato de alienação, com a do mutuante, que não é proprietário desse bem, limitando-se a financiar a sua aquisição. O direito atribuído pelo artº 409º, do C.C., pela sua natureza, só pode ser atribuído a quem é proprietário do bem em causa, não podendo ser concedido a quem não tenha essa qualidade.
A liberdade das partes estipularem cláusulas diferentes das legalmente previstas (artº 405º, do C.C.) tem os limites impostos no artº 280º, do C.C., designadamente a impossibilidade jurídica do seu objecto.
Sendo legalmente impossível o objecto da estipulação em análise, a mesma é nula, nos termos do artº 280º, nº 1, do C.C..
E não é defensável pretender-se, neste caso, que, apesar da terminologia utilizada, tal cláusula possa ser interpretada (artº 236º, nº 1, do C.C.), ou convertida (artº 293º, do C.C.), numa alienação fiduciária em garantia, cuja admissibilidade no nosso sistema jurídico é defendida por alguns [12].
Na verdade, exigindo esta figura uma primeira transmissão do bem em causa da esfera patrimonial do mutuário para o mutuante e uma segunda transmissão do mesmo bem da esfera deste para aquele, após o cumprimento da obrigação garantida, não resulta dos elementos apurados nesta acção que essa tenha sido a vontade real, hipotética ou presumível das partes, até porque tais transmissões estavam obrigatoriamente sujeitas a registo de transmissão e não de simples reserva de propriedade, como foi efectuado.
Sendo nula a cláusula de reserva de propriedade, incluída no contrato de financiamento, o embargante não tem qualquer direito sobre o bem penhorado que seja incompatível com a penhora realizada, pelo que foram correctamente julgados improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pelo recorrente.
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DECISÃO
Pelo exposto, julga-se o recurso interposto pelo embargante improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas do recurso pelo embargante.
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Porto, 15 de Janeiro de 2007
João Eduardo Cura Mariano Esteves
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira

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[1] Lê-se no “Tratado de direito civil, em comentário ao Código Civil Português”, de CUNHA GONÇALVES, vol. VIII, pág. 339, da ed. de 1934, da Coimbra Editora :
“É vulgaríssima, actualmente esta forma de contratar, desenvolvida pelos norte-americanos, que largamente usam e abusam do crédito e numerosas transacções efectuam com pagamentos a prestações; mas também em Portugal, assim são feitos os negócios sobre máquinas agrícolas ou industriais, principalmente as máquinas de costura Singer, e sobre vagões-reservatórios, automóveis, pianos, mobílias, aparelhos de T.S.F., e até estabelecimentos comerciais e chalets na Costa do Sol (Oeiras e Cascais)”.
[2] No sentido da sua admissibilidade, vide CUNHA GONÇALVES, em “Tratado de direito civil, em comentário ao Código Civil Português”, vol. VIII, pág. 339, da ed. de 1934, da Coimbra Editora, e HUMBERTO PELÁGIO, em “Da venda a prestações”, pág. 47-82, com indicação de jurisprudência sobre o tema.
[3] Esta previsão constava dos artº 62º e 63º, do Anteprojecto relativo ao contrato de compra e venda, elaborado por GALVÃO TELLES (B.M.J. nº 83, pág. 207), tendo passado a abranger todos os contratos de alienação no artº 601º, do Anteprojecto do Código Civil de Vaz Serra (B.M.J. nº 101, pág. 19), e foi definitivamente colocada no capítulo sobre as disposições gerais sobre contratos pelo Anteprojecto saído da 1ª revisão ministerial (artº 378º).
[4] Sobre as razões desta admissibilidade escreveu GALVÃO TELLES:
“O certo é não haver nos princípios jurídicos nada que obste à aceitação da referida modalidade de venda e à sua consagração nos textos legislativos. Económica e socialmente, é ela vantajosa por tornar menos arriscadas para os vendedores as vendas a prestações ou com espera do preço e assim estimular essas vendas, que tornam mais activa a circulação dos bens e mais acessíveis às classes de fraco poder de compra os benefícios da civilização. A estas exigências sociais e económicas tem de se curvar o direito, uma vez que não se opõe nenhum obstáculo insuperável de técnica jurídica, nem há interesses legítimos que possam perigar, falhos de protecção adequada” (In “Contratos civis”, no B.M.J. nº 83, pág. 137).
[5] Na aquisição de bens móveis que não admitem hipoteca, a opção por construções diferentes do penhor resulta da necessidade da posse efectiva do bem pertencer ao adquirente.
[6] Noutras situações o preço é pago directamente ao vendedor pela entidade financeira, que fica subrogada por aquele no respectivo direito de crédito e, como seu acessório, na reserva de propriedade estipulada a favor do vendedor, colocando-se nestas situações a questão da transmissibilidade dessa garantia.
[7] Consideraram nula esta cláusula GRAVATO MORAIS, em “União de contratos de crédito e de venda para o consumo”, pág. 307, nota 572, da ed. de 2004, da Almedina, e em anotação ao Ac. da Rel. de Lisboa de 21-2-2002, em Cadernos de Direito Privado, nº 6, Abril-Junho de 2004, pág. 49-53, PAULO DUARTE, em “Contratos de concessão de crédito ao consumidor: em particular as relações trilaterais, resultantes da intervenção de um terceiro financiador”, dissertação de Mestrado, Coimbra, 2000, pág. 193, e os seguintes Acórdãos:
- da Relação de Lisboa, de 27-5-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por ABRANTES GERALDES.
- da Relação do Porto, de 1-6-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por ALBERTO SOBRINHO.
- da Relação de Lisboa, de 14-12-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por ABRANTES GERALDES.
- da Relação de Lisboa de 22-6-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por SALAZAR CASANOVA.
- da Relação de Lisboa de 29-6-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por MARIA JOSÉ MOURO.
- da Relação de Lisboa de 12-7-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por NETO NEVES.
- da Relação de Lisboa, de 14-9-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por SALAZAR CASANOVA.
Admitiram a validade da cláusula de reserva de propriedade a favor da financiadora, ISABEL MENÉRES CAMPOS, em “Algumas reflexões em torno da cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador”, em “Estudos em comemoração do 10º aniversário da licenciatura em direito da Universidade do Minho”, pág. 631-649, e os seguintes Acórdãos:
- da Relação de Lisboa de 16-10-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por GRANJA DA FONSECA.
- da Relação de Lisboa, de 28-3-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por ISABEL SALGADO.
- da Relação de Lisboa de 22-6-2006, no site www.dgsi.pt, relatado por PEREIRA RODRIGUES.
[8] Vide, neste sentido, LUÍS LIMA PINHEIRO, em “A cláusula de reserva de propriedade”, pág. 108-109, da ed. de 1988, da Almedina.
[9] Vide, neste sentido MENEZES LEITÃO, em “Garantias das obrigações”, pág. 268-275, da ed. de 2006, da Almedina, e RAUL VENTURA, em “O contrato de compra e venda no Código Civil”, na R.O.A., Ano 43 (1983), pág. 605-606.
[10] Essa conexão também tem sido invocada para admitir a estipulação duma reserva de propriedade a favor do vendedor, condicionada ao cumprimento das obrigações assumidas pelo comprador perante o mutuante que financiou a aquisição do bem, como ocorreu nos seguintes Acórdãos da Relação de Lisboa:
- de 13-3-2003, na C.J., Ano XXVIII, tomo 2, pág. 74, relatado por PEREIRA RODRIGUES.
- de 12-6-2003, na C..J., Ano XXVIII, tomo 3, pág. 111, relatado por ROSA RIBEIRO COELHO.
- de 29-9-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por SALAZAR CASANOVA.
- de 5-5-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por CARLOS VALVERDE.
Perante a utilização generalizada desta construção, a reforma do B.G.B. veio dispor, no § 452 (3), o seguinte:
“A estipulação da reserva de propriedade é nula se a transmissão da propriedade ficar dependente do cumprimento pelo comprador de prestação devida a terceiro, designadamente duma empresa associada do vendedor”.
[11] Vide, neste sentido, GRAVATO MORAIS, em anotação ao Ac. da Rel. de Lisboa de 21-2-2002, em Cadernos de Direito Privado, nº 6, Abril-Junho de 2004, pág. 49-53, e os Acórdãos referidos na nota 7, como favoráveis à tese da nulidade da cláusula de reserva de propriedade a favor da entidade financiadora.
[12] No domínio do Código de Seabra as opiniões eram consistentes e unânimes no sentido de tais negócios não serem admissíveis.
BELEZA DOS SANTOS, em “A simulação em direito civil”, vol. I, pág. 120-124, da ed. de 1921, da Coimbra Editora, MANUEL DE ANDRADE, em “Teoria geral da relação jurídica”, vol. I, pág. 175-179 da reimpressão de 1998, da Almedina, CUNHA GONÇALVES, em “Tratado de direito civil em comentário ao Código Civil Português”, Vol. V, pág. 716,da ed. de 1934, da Coimbra Editora, ORLANDO DE CARVALHO, em “Negócio indirecto”, no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, suplemento X, pág. 110-111, e PESSOA JORGE, em “O mandato sem representação” pág. 324-329, da ed. s.d., da Ática, defenderam essa inadmissibilidade, tendo como regra que não só vigora o princípio da tipicidade dos direitos reais, mas também a tipicidade dos modos de transmissão desses direitos, pelo que não estando previsto tal modo de transmissão o mesmo não podia ser admitido, não podendo ser utilizado outro modo típico de transmissão do direito de propriedade sobre a coisa entregue em garantia.
GALVÃO TELES, em “Manual dos contratos”, pág. 175-184, da 3ª ed., da Lex, defendeu igualmente essa inadmissibilidade dado que tal negócio contrariaria disposições limitativas, protectoras dos legítimos interesses do dono do objecto da garantia e de terceiros, em matéria de hipoteca e de penhor.
Após a entrada em vigor do Código Civil de 1966 e fundamentalmente da redacção do seu artº 1306º, as posições favoráveis a uma admissibilidade destes negócios, desde que não se traduzam numa fraude à lei, começaram a surgir. Vide CASTRO MENDES, em “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, pág. 171-172, da ed. de 1979, da A.A.F.D.L., CARVALHO FERNANDES, em “Teoria geral do direito civil”, vol. II, pág. 316-318, da 3ª ed., da Universidade Católica, e em “A conversão dos negócios jurídicos civis”, pág. 752, nota 1, da ed. de 1993, da Quid iuris, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, em “Em tema de negócio fiduciário”, ed. pol. de 1985, e em “Contratos atípicos”, pág. 273-285, da ed. de 1995, da Almedina, PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, em “Garantias de cumprimento”, pág. 60-62, da 4ª ed. da Almedina, JANUÁRIO GOMES, em “Assunção fidejussória de dívida”, pág. 97-99, da ed. de 2000, da Almedina, MENEZES LEITÃO, em “Garantias das obrigações”, pág. 268-275, da ed. de 2006, da Almedina, e ISABEL DE MATOS, em “O pacto comissório”, pág. 190-194, da ed. de 2006, da Almedina.