Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00036819 | ||
| Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
| Descritores: | LETRA DE CÂMBIO PRESCRIÇÃO TÍTULO EXECUTIVO | ||
| Nº do Documento: | RP200403090326796 | ||
| Data do Acordão: | 03/09/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Prescrita a obrigação cambiária constante de letra de câmbio, esta pode continuar a valer como título executivo, na qualidade de documento particular assinado pelo devedor, mas apenas no âmbito das relações entre o credor originário e o devedor originário, desde que cabalmente concretizada a relação causal subjacente a esta não constitua um negócio jurídico formal. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I. RELATÓRIO X....., residente na Rua....., ....., deduziu os presentes embargos à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu B....., residente em....., ....., ...., invocando a prescrição do crédito incorporado no título dado à execução. O embargado contestou defendendo que o referido título tem força executiva, independentemente do decurso do prazo de prescrição previsto na Lei Uniforme das Letras e Livranças. Saneado o processo, foi logo proferida decisão de mérito, julgando os embargos totalmente procedentes. Por não se conformar com essa decisão, dela recorreu o embargado. Tal recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo. Nas respectivas conclusões o apelante pede a revogação da sentença e formula, para esse efeito, as seguintes conclusões : A. Constata-se que já decorreram mais de 3 anos da data de vencimento da letra dada à execução. B. Tal decurso de prazo não obsta a que a referida letra não seja dada como título à execução. C. Pois, a referida letra continua a ser um documento particular assinado pelo devedor. D. Que reconhece a existência de uma obrigação pecuniária determinada. E. Tendo sido referida, no requerimento inicial executivo, a relação inicial subjacente à entrega da letra. F. Assim, não existe nenhum embaraço no prosseguimento da acção executiva, baseada num documento particular. G. Tanto mais que o embargante reconhece ter aceite a referida letra. H. E que desse aceite deve ainda, pelo menos, 800.000$00, reconhecendo desta forma a existência de tal dívida. I. Quer embargado, quer embargante aceitam que a letra dada à execução titula uma obrigação do embargante para o referido H...... J. Logo, o embargante não pode eximir-se ao cumprimento de uma obrigação que ele próprio reconhece. K. É, pois, irrelevante o facto de não existir uma relação subjacente directa entre embargante e embargado que justifique a emissão da letra dada à execução. L. Violou a douta decisão em crise, o disposto no art. 46º, alínea c) do CPC. Nas contra-alegações o embargante sustenta a manutenção do julgado. Foram colhidos os vistos legais. * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – a única questão a dirimir é a de saber se a letra dada à execução tem força executiva, apesar de prescrita a obrigação cambiária. * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Vem provado da 1ª instância que: 1. O embargante X..... colocou a sua assinatura no local destinado ao aceite da letra que consta de fls. 5 da execução (e de fls. 53 destes autos), no valor de Esc. 1.000.000$00, emitida em 03.08.1993, com vencimento em 03.11.1993. 2. Nessa letra consta como sacador o embargado B.....- 3. O processo de execução de que estes autos são dependência foi instaurado em 30.01.2003. O DIREITO Com a reforma do processo civil introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, passou a reconhecer-se força executiva aos escritos particulares assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º - v. art. 46º, al. c), do CPC. Foi nessa qualidade que o exequente usou a letra fotocopiada a fls. 53, como resulta expressamente do alegado no art. 11º do requerimento executivo. De facto, a obrigação cambiária incorporada no título há muito que estava prescrita, dado o decurso do prazo estabelecido no art. 70º da LULL. Mas, ao contrário do defendido da sentença, entendemos que, apesar de prescrito, o título de crédito pode ser usado como documento particular no quadro do art. 46º, al. c), do CPC. Exige-se apenas que, por dele não constar a causa da obrigação, o exequente invoque a relação subjacente à emissão desse documento. E exige-se ainda que a obrigação não emirja de negócio jurídico formal, pois nesse caso a causa do negócio é seu elemento essencial e não consta do título (v. arts. 221º, n.º 1 e 223º do CC). A obrigação a executar nesses termos não é a cambiária, inerente ao próprio título, mas a subjacente ou causal, de que a letra é o quirógrafo, ou seja, o simples escrito particular assinado pelo devedor. Recapitulando, numa primeira abordagem : A letra prescrita pode ser título executivo desde que o exequente alegue a relação subjacente à sua emissão e desde que o negócio causal não seja formal. É neste sentido, aliás, a orientação doutrinal mais recente – cfr. Lebre de Freitas, em“Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, 2ª edição, págs. 53, 54, 133 e 134, e Amâncio Ferreira, em “Curso de Processo de Execução”, 3ª edição, do ano 2002, págs. 32/33. Ainda no mesmo sentido, mas a nível jurisprudencial, cfr. Ac. Rel. Lisboa, de 22.04.99, BMJ n.º 486, pág. 359, Ac. Rel. Évora, de 27.01.2000, BMJ n.º 493, pág. 428, Acs. do STJ de 17.06.2003, no processo n.º 03A140, de 13.11.2003, no processo n.º 03B3089 (que confirmou o nosso acórdão de 18.03.2003, no processo n.º 1360/01), e de 06.05.2003, no processo n.º 03A1051, todos em www.stj.pt. No presente caso, do documento de fls. 53 não consta – nem é usual constar nesse tipo de títulos – a causa da obrigação. Nele apenas está aposta a habitual frase “transacção comercial”. Mas o exequente alegou que a letra de que é portador lhe foi entregue por um tal M..... para pagamento de um empréstimo de Esc. 1.000.000$00 e que entre esse M..... e o executado ocorreram relações comerciais que originaram a emissão e entrega da referida letra, aceite por este último - arts, 1º a 4º do requerimento executivo. Alegou ainda que o executado entregou essa letra ao M..... “sem identificação do sacador por forma a que o portador da letra, o referido M....., a pudesse dar como pagamento a quem entendesse, designadamente ao exequente, como o fez”. Nos embargos, o executado referiu que a letra, de seu aceite, foi por ele entregue a H..... para pagamento de um veículo automóvel, sendo mais tarde objecto das reformas que descreve nos arts. 5º a 8º do seu articulado. Disse ainda que o H..... ficou de lhe restituir as letras reformadas, o que não aconteceu. Pode dar-se, portanto, como definitivamente assente que entre o exequente e o executado não houve qualquer negócio jurídico. A letra só foi parar às mãos do exequente por este, alegadamente, ter feito um empréstimo ao primitivo portador da mesma. Os titulares da relação causal subjacente são, assim, o executado (embargante) e o tal M.. (ou H.. ?)..... Foi por causa da relação negocial que entre si estabeleceram (compra e venda de um automóvel) que foi emitida a letra de fls. 52. O que se retira do exposto é que o exequente não é credor originário do embargante e este não é devedor originário daquele. Entre o exequente e o embargante - repete-se - nenhum negócio existiu. Daí que a assinatura aposta pelo executado nesse documento não possa corresponder ao reconhecimento ou constituição de qualquer dívida do embargante perante o exequente. E, por isso mesmo, não se pode reconhecer ao citado documento a força executiva de que fala o art. 46º, al. c), do CPC. É certo que a letra é um título de crédito endossável e que, por isso, a tradição a um terceiro (no caso, o exequente) da letra a que falte, nesse momento, a assinatura do sacador, não priva esse terceiro portador, que posteriormente a preenche como sacador, de exercer os seus direitos contra o aceitante – v. arts. 10º e 17º da LULL. Mas, o exercício judicial desses direitos tem que ter, obrigatoriamente, por base, a relação cartular. Ora, como já vimos, a obrigação cambiária ou cartular, caracterizada pela literalidade e abstracção, já há muito se encontra prescrita. Conclui-se, então, que : - prescrita a obrigação cambiária constante da letra, esta pode continuar a valer como título executivo, na qualidade de documento particular assinado pelo devedor, mas apenas no âmbito das relações entre o credor/originário e o devedor/originário, desde que cabalmente concretizada a relação causal subjacente e esta não constitua um negócio jurídico formal. * III. DECISÃO Nestes termos, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão proferida na 1ª instância, no despacho saneador, embora com diversa fundamentação jurídica. Custas pelo apelante. * PORTO, 9 de Março de 2004 Henrique Luís de Brito Araújo Fernando Augusto Samões Alziro Antunes Cardoso |