Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0713873
Nº Convencional: JTRP00040844
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
NULIDADE
Nº do Documento: RP200712030713873
Data do Acordão: 12/03/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 97 - FLS 107.
Área Temática: .
Sumário: I - A falta de assinatura da ré, no contrato de trabalho a termo certo, constitui uma nulidade do termo aposto nesse contrato, o qual, em consequência, se deve considerar sem termo.
II - Esta nulidade do termo não pode, porém, ser invocada pela ré, em benefício próprio, sob pena de tal conduta representar um abuso do direito, na modalidade “venire contra factum proprium”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – B………. instaurou acção comum, emergente de contrato individual de trabalho, no TT de Oliveira de Azeméis, contra
C………., Lda, alegando, em resumo, que trabalhou para a ré desde 2 de Fevereiro de 2004 até 31 de Março de 2004, data em que a ré o despediu sem a precedência de procedimento disciplinar.
Terminou, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento, por inexistência de justa causa e procedimento disciplinar e a ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.139,38 a título de indemnização e outros créditos devidos.
Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, alegando, em resumo, que a cessação do contrato de trabalho ocorreu durante o período experimental, devendo apenas ao autor as quantias referidas no artigo 28 da petição inicial.
Concluiu pela improcedência do pedido do autor, com excepção das quantias que reconhece dever ao autor.
O autor respondeu, pedindo a condenação da ré como litigante de má fé, que esta pediu que fosse indeferido.
Realizado o julgamento e fixada a matéria de facto, a Mma Juíza da 1.ª instância proferiu sentença e, julgando a acção procedente, decidiu:
- “declarar ilícito o despedimento do A. unilateralmente promovido pela R., por inexistência de procedimento disciplinar e, em consequência, condenar esta última a pagar àquele a quantia de € 3.139,38 (três mil cento e trinta e nove euros e trinta e oito cêntimos) a título de indemnização e créditos em dívida, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde da citação, ocorrida em 6.4.2005, até integral pagamento”.
A ré, inconformada, apelou, concluindo, que:
A) - O contrato de trabalho a termo certo não está assinado pela Ré, a assinatura constitui uma formalidade "ad substantiam", e a sua omissão constitui nulidade que converte o contrato em contrato por tempo indeterminado, nos termos do art. 131°, n° 4, do Código do Trabalho;
B) - Como contrato a tempo indeterminado tem um período experimental de 90 dias - art. 107.°, al. a) do C. T. - e a Ré podia dentro do período experimental denunciar livremente o contrato, como fez - art. 105° do C. T.
C) - O facto de ter acordado que o contrato era a termo certo, e depois não o ter assinado, não cumprindo o acordo, sem que tenha havido um contrato-promessa (art. 94° do C.T.), apenas daria ao A. direito a ser ressarcido com base na responsabilidade pré-contratual.
D) - Não devia assim ter sido declarado ilícito o despedimento.
Termos em que deve ser revogada a douta decisão recorrida, e proferido acórdão que absolva a Ré, como é de Justiça.
O autor não respondeu.
O M. Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

II - Os Factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - A R. admitiu o A. ao seu serviço no dia 2 de Fevereiro de 2004 para trabalhar sob as suas ordens, instruções e fiscalização na sua fábrica de calçado, situada na ………., freguesia de ………., Oliveira de Azeméis.
2 - E mediante retribuição constituída por salário mensal e férias, subsídio de férias e de Natal iguais, cada um e em cada ano, à retribuição de um mês, bem como por um subsídio de alimentação por cada dia de serviço efectivamente prestado.
3 - O A. tinha como principais funções limpar obra.
4 - A R. classificou profissionalmente o A. como “Aprendiz” e retribuía-o com base no salário mensal de € 292,48.
5 - A. e R. acordaram que o contrato era celebrado pelo prazo de 10 meses, tendo o mesmo sido reduzido a escrito num documento redigido pela R. de teor idêntico à cópia junta a fls. 6 e 7 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzida, na sua literalidade.
6 - O A. era menor à data da celebração do contrato e levou o documento original sem a assinatura da R. para ser assinado pelo seu pai.
7 - Após a aposição da assinatura do pai, o A. tirou uma fotocópia ora junta a fls. 6 e 7 e no dia de trabalho seguinte entregou o contrato original nos escritórios da R.
8 - No dia 23 de Março de 2004, a R., por intermédio do representante da sócia gerente, mandou verbalmente o A. gozar férias no período compreendido entre 24 e 31 de Março de 2004 e, na mesma altura, comunicou-lhe que a partir do dia 31 de Março estava despedido, não podendo trabalhar mais na empresa.
9 - No dia 1 de Abril de 2004, o A. deslocou-se às instalações da empresa acompanhado por uma testemunha, tendo sido impedido de retomar o serviço.
10 - A R. não pagou ao A. o salário do dia 1 ao dia 23 de Março.
11 - E também não lhe pagou as férias gozadas entre os dias 24 e 31 de Março, nem o respectivo subsídio.
12 - No dia 27 de Abril, o R. enviou ao A. a nota de culpa inserta a fls. 9 e 10, comunicando-lhe a intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa.
13 - Por carta datada 12 de Maio de 2004 junta a fls. 11 o A. comunicou à R. que nada tinha responder porque já havia sido despedido anteriormente.
14 - Em 19 de Maio de 2004 a R. remeteu ao A. a decisão inserta a fls. 12 mediante a qual o despede com invocação de justa causa.
15 - A R. é associada da D………. .
16 - Durante o período em que trabalhou para a R. o A. demonstrou pouco interesse em aprender e colaborar nas tarefas que lhe estavam entregues e, por vezes, era negligente e distraía os colegas sendo, por isso, chamado à atenção pelos superiores hierárquicos.

III – O Direito
Atento o disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, o objecto do recurso de apelação está delimitado pelas conclusões da recorrente, pelo que importa saber se a falta da assinatura da ré, no contrato de trabalho a termo certo celebrado com o autor, constitui uma nulidade do termo e, na afirmativa, se tal nulidade pode ser invocada pela ré, em benefício próprio.
Analisemos.
O autor alegou que foi admitido ao serviço da ré através da celebração de contrato de trabalho a termo certo e que, na sua vigência, foi despedido sem a precedência de procedimento disciplinar.
A ré contestou, invocando a nulidade do termo aposto no contrato, por falta da sua própria assinatura, com a consequente conversão desse contrato em contrato de trabalho sem termo; e tratando-se de um contrato por tempo indeterminado, o período experimental era de 90 dias e, logo, o despedimento ocorrido em 31.03.2004, 58 dias após o seu início, é lícito.
A sentença impugnada afirma a tese da nulidade do termo aposto no contrato, por falta da assinatura da ré, mas considera que essa omissão lhe é imputável e que tal conduta integra o abuso de um direito.
Vejamos.
Resulta da matéria de facto provada que as partes celebraram um contrato a termo certo, pelo prazo de 10 meses, reduzido a escrito num documento redigido pela ré; que o autor era menor à data da celebração do contrato e levou o documento original, sem a assinatura da ré, para ser assinado pelo seu pai; que após a aposição da assinatura do pai, o autor tirou uma fotocópia, junta a fls. 6 e 7 dos autos, e, no dia de trabalho seguinte, entregou o contrato original nos escritórios da ré, que não impugnou a conformidade da cópia apresentada pelo autor com o original apresentado pela ré, ambos os documentos (cópia e original) assinados apenas pelo pai do autor.
Conforme dispõe o artigo 103.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho (CT), o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita.
E nos termos do n.º 4, do artigo 131.º (que estabelece, no n.º 1, as formalidades que devem constar do contrato de trabalho a termo) do CT, “Considera-se sem termo o contrato em que falte a redução a escrito, a assinatura das partes, o nome ou denominação, ou, simultaneamente, as datas da celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências exigidas na alínea e) do n.º 1” (sublinhado nosso).
As formalidades previstas no artigo 131.º são consideradas, na sua generalidade, de natureza ad substanciam. E daí que, quando inobservadas, conduzam à nulidade do termo, com a consequente conversão do contrato em contrato de trabalho sem termo.
Consideramos incluída nesse rol de formalidades ad substanciam, a falta de assinatura do contrato de trabalho a termo por qualquer uma das partes.
[cfr., a este propósito, por exemplo, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pág. 599, onde escreve que “sendo o contrato formal basta que falte a assinatura de uma das partes para que o contrato se considere sem termo”; e Maria Irene Gomes, em artigo publicado na revista Questões Laborais, págs. 137-169, intitulado “Considerações sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo no Código do Trabalho”.
Em sentido contrário, isto é, pela validade do contrato a termo certo, desde que não haja dúvidas quanto à efectiva celebração do mesmo e a assinatura presente for a do trabalhador, cfr. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, p. 632; e José João Abrantes, Contrato de Trabalho a Termo, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. III, 2002, pág. 167, nota 40, na qual diz seguir, neste particular, o entendimento de A. Menezes Cordeiro].
Assim, a falta da assinatura da ré, no contrato de trabalho a termo certo, celebrado com o autor, constitui a nulidade do termo de 10 meses, aposto nesse contrato, o qual, como consequência, se deve considerar sem termo.
Acontece que a ré comunicou ao autor que a partir do dia 31 de Março de 2004 estava despedido, não podendo trabalhar mais na empresa - ponto 8 da matéria de facto.
Considerando-se ilicitamente despedido, o autor intentou a presente acção de impugnação judicial de despedimento, pedindo a condenação da ré, ao abrigo do artigo 440.º do CT, no pagamento “das retribuições mensais no período compreendido entre 01 de Abril e 30 de Novembro de 2004”, além de outros créditos salariais vencidos. A ré, por sua vez, defendeu-se, invocando a nulidade do termo do contrato, por falta da sua assinatura, com a consequente conversão em contrato de trabalho sem termo; e porque a cessação do contrato ocorreu durante o período experimental de 90 dias, prazo aplicável ao contrato convertido, a ré entende não ser devida ao autor qualquer indemnização ou compensação por tal facto.
Na fundamentação da sentença, a Mma Juíza da 1.ª instância considerou que “tendo a R. aceitado sempre que o contrato celebrado foi um contrato a termo, inclusive na declaração de situação de desemprego inserta a fls. 37, onde afirma que o contrato cessou por despedimento com justa causa, vir só agora invocar a nulidade e a conversão do contrato em contrato por tempo indeterminado, por não conter a sua assinatura, omissão de que é responsável, para com isso beneficiar do período experimental mais alargado e, dessa forma, tornar lícito o despedimento do A., efectuado sem precedência de processo disciplinar, afigura-se-nos ilegítimo, pois trata-se de uma actuação gravemente violadora do princípio da boa fé que deve reger as partes na celebração e execução de qualquer contrato e representa um venire contra factum proprium.
[...]. E visando o regime legal da conversão do contrato a prazo em contrato sem termo por falta dos requisitos legais essencialmente proteger o trabalhador, não pode a R. valer-se da nulidade a que deu causa e invocar tal conversão em prejuízo do trabalhador, sustentando a aplicação do período experimental mais alargado dos contratos por tempo indeterminado de modo a legitimar a cessação unilateral do contrato a que procedeu quando a execução do contrato durava há 58 dias, pois tal significaria uma subversão completa do fim da norma”.
Concordando nós com tal argumentação, também entendemos que a conduta da ré integra o abuso de um direito.
Conforme dispõe o artigo 334.º do CC, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
No dizer de Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, pág. 33, “O abuso do direito constitui uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é: do exercício concreto de posições jurídicas que, embora correcto entre si, acabe por contundir com o sistema jurídico na sua globalidade”.
Ora, é comummente aceite que se verifica abuso do direito quando o seu titular exerce formalmente o poder de facto correspondente ao exercício do direito, em termos reprovados pela lei, “em termos clamorosamente ofensivos da justiça”, usando a expressão de Manuel de Andrade - Teoria Geral das Obrigações, pág. 63).
“O abuso do direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., pág. 297).
É também generalizado o entendimento de que o mais impressivo tipo de actos abusivos se organiza em torno da locução venire contra factum proprium. E o venire só é proibido em circunstâncias especiais, explicadas, essencialmente, pelas doutrinas negociais e pelas doutrinas da confiança.
A doutrina e a jurisprudência têm dado prevalência e apoio às doutrinas da confiança, como por exemplo, João Baptista Machado, Tutela da confiança e “venire contra factum proprium”, em Obra dispersa, pág. 345-423; Paulo Mota Pinto, Sobre a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) no Direito civil, Boletim da Faculdade de Direito, 2003, pág. 269-322; e os acórdãos do STJ, de 20.1.1997 - A fórmula "venire contra factum proprium" abrange os casos em que a pessoa pretende destruir uma relação de negócio jurídico, invocando por exemplo, determinada causa de nulidade, anulação, resolução ou denúncia, depois de fazer crer à parte contrária que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dado causa ao facto invocado como fundamento da extinção de uma dada relação contratual – e de 30.03.2006, proc. n.º 3921/05-4, mencionado no Perecer do M. Público.
Como escreve Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, pág. 51, “O princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas. [...]. Juridicamente, a tutela da confiança acaba por desaguar no grande oceano do princípio da igualdade e da necessidade de harmonia, daí resultante: tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença. [...]. A pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas não pode ser vista se não tivesse confiado: seria tratar o diferente de modo igual”.
No caso concreto, como refere a Sra. Procuradora Geral-Adjunta no seu Parecer, a conduta da recorrente, ao celebrar um contrato de trabalho a termo certo com o recorrido, contrato esse a que, mesmo depois de cessado, reconheceu ter um termo resolutivo aposto, criou uma expectativa de um certo comportamento futuro - que não ocorreu - e o recorrido, confiando que tal viria a acontecer, aderiu a essa expectativa e, por isso, agiu de uma determinada forma, pressupondo que, sendo o seu contrato de trabalho a termo certo, fora despedido já depois de terminado o período experimental correspondente e impugnando judicialmente a ilicitude do seu despedimento, sendo injusto que, só agora, lhe seja dito pelo outro contraente que, por meros artifícios jurídicos, o prazo experimental era outro e que o seu despedimento é lícito.
Diga-se, para finalizar, que alguns autores, certamente com o intuito de evitar este tipo de condutas, defendem que a faculdade de invocar a nulidade por vícios formais se deveria restringir à titularidade do trabalhador, consagrando-se a designada nulidade “mista” ou “atípica”, com um regime diferente do previsto no artigo 286.º do C. Civil (cfr., neste particular, Maria Irene Gomes, artigo e revista citados, pág. 156).
Em conclusão: a sentença recorrida deve ser confirmada.

IV – Decisão
Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença impugnada.
Custas a cargo da recorrente.

Porto, 2007.12.03
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira