Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2261/06.2TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO
PROVA DESPORTIVA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RP201212102261/06.2TJVNF.P1
Data do Acordão: 12/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 9º E 10º DO DL 146/93
Sumário: I - As entidades que organizem ou promovam provas desportivas abertas ao público têm, por força da lei que celebrar um contrato de seguro temporário de acidentes pessoais a favor dos participantes na prova.
II - O que está em causa se tal seguro não foi celebrado é a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
III - Uma prova de motocross, é uma actividade que envolve perigosidade em si mesma, e a participação na prova envolve consentimento dos participantes.
IV - A eventual concorrência de culpas ou a contribuição do participante para o dano, não sendo caso de qualquer comportamento doloso, mostra-se, apesar dela abrangida pelo referido seguro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2261/06.2TJVNF.P1

Recursos:
Agravo
Agravante – Companhia de Seguros B…, SA
Agravado – C…

Apelação 1
Recorrente – C…
Recorridos – Réu e intervenientes recorrentes.

Apelação 2
Recorrente – D…
Recorridos – Autor e intervenientes recorrentes.

Apelação 3
Recorrente – E…
Recorridos – Autor, réu e interveniente recorrente.

Apelação 4
Recorrente – F….
Recorridos – Autor, réu e interveniente recorrente.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – A pretensão do autor e os articulados
C…, cidadão espanhol, intentou esta ação ordinária e, demandando os réus D… e a Junta de Freguesia …, pediu a condenação destes no pagamento solidário da quantia de 1.125.099,80€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

O autor, fundamentando o seu pedido (fls. 2/15), veio alegar que era praticante de desportos motorizados e participou numa prova de motocross, organizada pelo primeiro réu (que recebia dos participantes as quantias relativas à inscrição) e que teve lugar num terreno da segunda ré. Sucede que, no decurso dessa prova, para a qual se inscreveu e pagou o respetivo preço, em 14.10.2003, sofreu um grave acidente (resvalou no terreno, perdeu o controle da moto e foi embater num monte de terra e pedras que estava dentro do recinto) que lhe provocou danos irremediáveis. Referiu que o terreno pertence à Junta de Freguesia e foi adaptado à prática desportiva; que ambos os réus retiraram elevados proventos da realização da prova, que veio a decorrer num recinto sem as mínimas condições de segurança e que este circunstancialismo (melhor descrito na petição) foi causa direta e necessária do acidente que, por si sofrido, lhe provocou uma incapacidade total. Acrescenta que verificou que o 1.º réu não tinha seguro da prova, quando tal era obrigatório para as provas desportivas abertas ao público. Juntou diversos documentos (fls. 17/68), concretizou os danos por si sofridos e peticiona a correspondente indemnização. Quanto a esta, entende que os valores indemnizatórios devem ser elevados, pretendendo-os calculados de acordo com a legislação espanhola, pois é em Espanha que reside.

A ré Junta de Freguesia … contestou a fls. 75 e ss. Por exceção, invoca a sua ilegitimidade, por não ser dona ou possuidora do terreno onde decorreu a prova e também por não ter organizado, por qualquer modo, essa mesma prova desportiva. No mais, invoca o desconhecimento dos factos invocados pelo autor, nomeadamente a sua participação na prova de motocross, o acidente descrito ou as lesões que diz ter sofrido.

O réu D… apresentou a contestação de fls. 90 e ss. Começa por também excecionar a sua ilegitimidade: não foi o contestante quem organizou a prova, nem se associou a essa organização, porquanto esta foi organizada pela associação denominada "F… (conhecida como F1…) sob a égide da E…". Acrescenta que nem é associado daquela F…, nem reside na freguesia. Esclarecendo que a sua intervenção ficou restrita a ter sido o speaker de serviço na prova, contratado pela F1…, em regime de prestação de serviços (atento os conhecimentos que tem da modalidade e na zona onde a prova foi organizada), acrescenta que o autor era um praticante de motocross e teria que ter um seguro de acidentes pessoais ou um seguro, enquanto piloto (agente desportivo) no seio da federação a que pertence. Conclui pela improcedência da ação, por só o demandante ter responsabilidade na produção do acidente (porque não conseguiu controlar o seu veículo). Sobre o "G…", referido pelo autor na petição, diz que se trata de um grupo de amigos que se juntam para participar em passeios, treinos ou provas, mas que esse grupo não organiza provas.

O autor respondeu às contestações, negando os factos alegados pelos réus, propugnando pela improcedência das exceções arguidas e concluindo pela procedência do pedido.

Na mesma ocasião, deduziu o incidente de intervenção principal provocada da E…, da F… e da Companhia de Seguros H…, SA. Fundamentou o chamamento nos factos que foram trazidos ao processo pelo 1.º réu: que, afinal, havia um seguro da prova e que esta foi organizada pela F… e pela E…. A intervenção – depois de não ter havido oposição dos primeiros réus – foi deferida (fls. 156/157) e os intervenientes citados.

Os intervenientes, uma vez citados, contestaram e todos impugnaram a versão dos factos apresentada pelo autor (bem como pelo 1.º réu) e os ferimentos e danos que aquele alegou.

A Companhia de Seguros I… contestou a fls. 207 e ss. Excecionou a prescrição do direito do autor, por ter sido citada mais de cinco anos depois do acidente; excecionou, por outro lado, a ausência e a exclusão do seguro. Impugnou os factos alegados e invocou a falsidade do documento (n.º 15) junto pelo 1.º réu, D…. Negou que alguma vez tivesse celebrado qualquer contrato de seguro para a prova, esclarecendo que apenas celebrou com a E… um contrato de seguro para uma prova que se realizou em … e noutra ocasião, em 10/08/2003.

A E… (fls. 256 e ss.), contestando, para além de invocar a sua ilegitimidade, negou que alguma vez tivesse organizado a prova em causa ou que tivesse recebido algum provento dela, referindo que foi a interveniente F… quem a organizou e que a contestante apenas a promoveu. Por fim, referiu que caso se entenda que tem responsabilidade no sucedido, sempre nada teria a pagar, em virtude do contrato de seguro que celebrou com a interveniente B…, SA.

A F… (fls. 169 e ss.) igualmente contestou; também alegou a exceção de ilegitimidade e negou que tivesse organizado a prova em questão, esclarecendo que a mesma foi organizado pelo réu D…, no âmbito de um campeonato que organiza (designado G…) e sob a égide da E… (com quem aquele 1.º réu contactou). Mais esclareceu que o local onde decorreu a prova é sua pertença e que foi sua decisão entregar a organização daquela prova ao réu, uma vez que a associação ainda estava numa fase embrionária e este tinha conhecimentos no meio. Por fim, afirmou que pista onde decorreu a prova obedecia aos requisitos de segurança necessários a estes eventos e estava dotado de todos os meios de socorro, frisando ainda que as competições de motocross constituem uma atividade perigosa pelo que o autor deveria ter seguro próprio para o efeito.

O autor respondeu, mantendo a versão apresentada e concluindo como na petição inicial.

O réu D… respondeu à contestação da Seguradora, o que fez também em relação aos demais intervenientes (fls. 295 e ss.). A Seguradora opôs-se a tais articulados, os quais, mais adiante, foram mandados desentranhar (fls. 319). A fls. 1193, já no decurso da fase de julgamento, o autor veio peticionar a ampliação do pedido e a Seguradora deduziu oposição. Conforme despacho proferido em ata, a fls. 1206, essa pretensão não foi admitida.

1.2 – Saneamento e instrução do processo
A fls. 318/329 os autos foram saneados. Foi concedido prazo ao autor para juntar aos autos a tradução dos documentos. Como já se disse, foi ordenado o desentranhamento das respostas do réu D… às contestações dos intervenientes. Na mesma ocasião, foram julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade. Relegou-se para decisão final o conhecimento da exceção perentória da prescrição. Fixaram-se os factos assentes e elaborou-se base instrutória, aditada nos termos do despacho proferido em ata (fls. 1028).

Ainda no saneamento do processo, a fls. 319, na sequência de pretensão formulada pela Seguradora, foi decidido que "os co-réus não têm que ser notificados da apresentação das contestações dos demais réus, assim como dos documentos que as acompanham. Portanto, ao contrário do pretendido pela interveniente, não ordenarei que a mesma seja notificada (…). Deste despacho agravou a Seguradora a fls. 316. O agravo foi admitido (com subida diferida e efeito devolutivo) a fls. 395 e foram apresentadas alegações a fls. 503 e ss.

A fls. 432, o réu D… veio agravar do despacho que lhe indeferiu a reclamação à base instrutória. O recurso não foi admitido (fls. 460) por se ter considerado que "o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final". O réu não reagiu a esta decisão.

Depois de juntas centenas de documentos teve lugar a audiência de julgamento nos termos documentados a fls. 917/922; 969/974; 976/982; 1021/1029; 1079/1081; 1082/1084; 1087/1090; 1105/1110; 1204/1207; 1254/1260 e 1262/1263, com junção de outros documentos e produção de prova pericial e testemunhal, além de inspeção ao local.

1.3 – A decisão apelada
Conforme consta da ata de fls. 1273/1283 (e com a correção de lapso que resulta do despacho de fls. 1296), o tribunal respondeu à matéria de facto constante da base instrutória.

Depois, concluso o processo, foi proferida sentença final (fls. 1310/1344). A sentença começou por apreciar a exceção da prescrição e concluiu pela sua improcedência. No mais, a final, decidiu "julgar a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condena os réus D…, E… e F… a pagarem ao autor, em regime de conjunção, a quantia de 100.000€, ou seja 33.333,33€ cada, ao que acresce juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo ainda estes réus do restante pedido. Mais se absolve a ré Junta de Freguesia … e a ré B…, Companhia de Seguros, SA de todos os pedidos contra si formulados. Custas a cargo das partes, em função do respetivo decaimento".

1.4 – Os recursos
O autor e todos os (três) condenados estão discordantes com o decidido e todos apelam a esta Relação. Os recursos foram recebidos nos termos legais e o processo correu Vistos.

Identifiquemos os recursos, para subsequente apreciação.

A – Agravo
Como se referiu no Relatório, a Companhia de Seguros B…, em ocasião processual próxima do saneamento dos autos, interpôs um recurso de agravo. Esse recurso veio a ser admitido, mas ficou retido, já que subiria com o primeiro que subisse imediatamente.

O processo prosseguiu os seus termos e, depois da audiência, foi proferida a sentença final. Nesta, não obstante se não ter dado razão à Seguradora na sua pretensão de ver declarada a prescrição do direito, julgou-se a mesma irresponsável pelo ressarcimento, ou seja, foi (expressamente) absolvida do pedido formulado pelo autor. A Seguradora não recorreu da sentença final; mais do que isso, nenhum dos recursos (seja a apelação do autor, sejam as do réu e das intervenientes) põe em causa a absolvição da Seguradora. A sua absolvição, dito de outro modo, é uma situação jurídica definitivamente consolidada, transitou em julgado.

Que sucede, então, ao agravo interposto?

Aos autos aplica-se o Código de Processo Civil (CPC) na redação anterior às alterações introduzidas pelo DL. 303/2007. Nos termos conjugados dos artigos 748 e 735 desse diploma, e nessa redação, os agravos retidos só subirão (serão objeto de conhecimento pelo tribunal superior) se tiverem interesse para o agravante, independentemente da decisão final, e caso o agravante o requeira (artigo 735). Quanto o agravante recorre, deve especificar quais os agravos retidos nos quais mantém interesse e, se não o fizer, deve o relator notificá-lo para esse efeito (artigo 748).

No caso presente, não tendo a agravante recorrido (a final), nem estando em causa a sua situação processual (de absolvida)[1], há que aplicar o disposto no artigo 735, n.º 2 e não o disposto no n.º 2 do artigo 748, ambos do CPC.

Assim, não teve lugar a notificação ao agravante, prevista naquele preceito e, acrescente-se, também agora carece de sentido que os autos sejam devolvidos à 1.ª instância, com vista a ser proferido o despacho de sustentação ou de reparação do agravo (que não vemos nos autos).
O que importa, por tudo, é tão só considerar que o agravante nem recorreu nem pediu a subida do agravo.

Em conformidade, nos termos do artigo 735, n.º 2 do CPC declaramos o agravo sem efeito, ou seja, extinta a sua instância. Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 3.º, n.º 1, al. f) do CCJ.

B - Apelações

1.4.1 – Apelação de C… (autor)
Pretende o autor que a sentença seja substituída por outra que condene os réus solidariamente na totalidade do pedido ou, no caso de assim se não entender, em montante justo e para recuperar dos danos sofridos, ou seja, em montante muito próximo do pedido. Formula as seguintes Conclusões:
A – Dá por reproduzidos os factos provados que por economia processual se não repetem.
B – A sentença deu como provada a responsabilidade dos réus D… e das chamadas E… e F….
C – Sendo todos organizadores, a sua responsabilidade é solidária - artigo 497 do C. Civil.
D – Os réus, responsáveis solidários, devem ser condenados a pagar solidariamente os danos causados.
E – Estão provados integralmente os danos.
F – A indemnização deverá fixar-se pelos padrões da Tabela do Dano Corporal espanhola, junta aos autos.
G – Deverão assim os réus ser condenados integralmente no pedido.
H – A sentença violou o disposto nos artigos 497 do CC e 668, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC.

1.4.2 – Apelação de D…
O réu pretende a revogação do decidido, a sua absolvição do pedido e formula as seguintes Conclusões:
a) Estão erradamente dados como provados, os factos 6, 7, 8, 9, 11, 13, 56, 57, 59, 68, 73, 74, 75, 76, 78, 79, 80 e 81, elencados na douta sentença.
b) A questão dos autos é saber se o recorrente foi coorganizador da prova de 14/09/2003.
c) Apesar do Tribunal ter declarado não dar relevo aos depoimentos testemunhais por se revelarem conclusivos, a verdade é que os depoimentos supra transcritos de J… e K…, relatam toda a dinâmica da prova e do recorrente, o antes e o depois, e nada se disse na fundamentação contra a respetiva credibilidade.
d) Ao contrário, todos aqueles factos erradamente dados como provados, partem de uma convicção que à luz do que aqui se demonstra está verdadeiramente infundada.
e) Atendendo à fundamentação da matéria de facto, impunha-se que tudo aquilo que dizia respeito à coorganização por banda do A. fosse dado como não provado, até porque os depoimentos não atacados na sua credibilidade, de J… e de K…, aliados aos demais elementos que a seguir se elencam, impunham decisão diversa no sentido de não provados.
f) Quanto aos depoimentos de parte, do recorrente e do Presidente da F1…, o Tribunal ignorou que o depoimento de parte configura uma confissão que nos termos do artigo 352 do CC consiste no reconhecimento que a parte faz de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
g) Pelo que, ao invés de dar relevo ao que o recorrente e aquele presidente da associação declararam em sentido contrário ao confessório, estava obrigado a vincular-se à redação do aludido artigo 352 que violou, como melhor se explanou a fls. 10 e seguintes, e 31 e seguintes deste, pelo quanto deu como provado assente no que ultrapassa a confissão do Presidente da F…, terá de ser dado como não provado.
h) Existe nos autos uma enorme panóplia de documentos com força probatória plena incontestada, que atribuem inequivocamente a organização da prova à F…, excluindo da mesma o recorrente, pelo que, também por esta banda, aqueles factos deveriam ter sido dados como provados.
i) Jamais se apurou sequer quando o G… teve início, se já existia aquando da prova, quem eram os seus órgãos sociais, se os tinha, nem sequer se já organizava o tal L….
j) Por outro lado, tendo-se dado como assente que o réu D… liderava tal grupo, a verdade é que também se deu como assente que era este G… que organizava as provas de moto e ralicross – cf. ponto 8.
k) Assim, se era o G… que as organizava, sob pena de violação do artigo 165 do CC, em que a sentença incorreu, nunca poderia o recorrente ter sido condenado como coorganizador e nesta parte sempre os fundamentos estariam em contradição com a decisão.
l) Ademais, o A. apesar de muito falado tal G… em audiência, nunca o chamou aos autos, nunca requereu que juntasse estatutos, nada fez para responsabilizar tal suposta entidade.
m) A aludida panóplia de depoimentos e documentos, impunha que aqueles factos impugnados tivessem sido dados como provados, relativamente ao recorrente que coorganizou a prova.
n) Considerando erradamente, como considerou, todos aqueles depoimentos e documentos, o tribunal fez errado uso das regras do ónus da prova, violando designadamente os artigos 342º, nº 1 do CC e 516º do CPC.
o) O facto 7 está erradamente dado como provado como decorre do documento constante de fls. 961 a 967, que confirma que apesar da propriedade do terreno, obrigava a fazer constar que estava disponibilizado por comodato à F… para a realização de provas de Motocross.
p) Acresce que, o Tribunal assentou a condenação do recorrente em dois factos que não foram alegados por nenhuma das partes: um levado à motivação da matéria de facto e à sentença, de que foi o recorrente quem contactou telefonicamente o A. para a prova, e o outro, constante do nº 8 dos provados, de que o recorrente liderava o G…, que em parceria com outras associações organizava provas de moto e ralicross, relativas a um campeonato denominado L…, do qual fazia parte a prova de 14/09/2003, e nesta sede violou o artigo 664º do CPC, tal qual o vertido nos nº 2 e 3 do artigo 264 do mesmo código.
q) Pelo exposto, ao condenar o recorrente, o Tribunal equivocou-se nos pressupostos de facto, porquanto nenhuma responsabilidade lhe cabe, muito menos a contratual em que suportou a indemnização e decorrente do DL 146/93, que violou, ao condenar por ter incorrido numa obrigação conjunta com os demais condenados.

1.4.3 – Apelação da interveniente E…
A interveniente discorda da matéria de facto fixada e da decisão jurídica, pretendendo a revogação da sentença. Formula as seguintes Conclusões:
1 – Considera, no que a si diz respeito, estarem incorretamente dados como provados os factos constantes nos pontos 6, 9, 13, 57 da base instrutória, constantes da sentença;
2 - Tais factos, da forma como foram julgados imputam à aqui recorrente “E…” quando na realidade e fazendo alusão aos depoimentos de prova produzidos, quer por testemunhas, quer por confissão das partes, que se encontram transcritos na presente peça e que refletem as gravações áudio do Julgamento, ninguém alude a esta E… como entidade organizadora ou sequer coorganizadora da prova;
3 - Em nenhum facto provado surge concretizada qualquer ação organizativa daquela prova de motocross, por parte da “E…”
4 - A matéria dada como provada nos pontos 61, 62, 92, 93 e 94 da base instrutória sufraga amplamente a facticidade de que a recorrente é alheia à organização de tal prova, nos seus aspetos essenciais, como sejam, de publicidade, de angariação de receita, de verificação de licenças desportivas, de verificação de seguros, de licenciamento da pista, de contactos com pilotos, de contactos com entidade local organizadora, a “F…”, colidindo, assim, com as conclusões deles tiradas pelo Tribunal “a quo” no que à “E…” diz respeito;
5 - Ao dar como provado da forma como o fez os pontos 92, 93 e 94 constantes da sentença e ao decidir como decidiu, corresponsabilizando a aqui recorrente fez-se errada qualificação e subsunção jurídica de tais factos, porquanto dos mesmos jamais pode impender alguma responsabilidade para a recorrente na organização daquela prova desportiva;
6 - Nem os factos nem a sentença reproduzem de forma clara e concreta em que se concretizaram os factos organizativos imputáveis à “E…”, limitando-se a concluir que, pelo facto de, a pedido do Réu (D…) esta entidade ter informado a Câmara Municipal … e a GNR de que no dia 14/setembro/2003, iria realizar-se uma prova de motocross, retirar daí a ilação de que sem tais comunicações a prova não se realizaria, conferindo-lhes (a tais comunicações) aspeto essencial, retirando da prova produzida pelos docs. de fls. 106 e 107 tal conclusão, mas ao mesmo tempo desvaloriza aquilo que também nesses documentos está incluso e onde é declarado em ambos os documentos que a organização de tal evento pertence à “F…”;
7 - À “E…” por via estatutária está vedada a organização direta de provas de motocross, não sendo, por isso, dotada de competências organizativas próprias, mas somente de apoio às várias organizações, que organizam as provas por todo o País, como decorre da publicação estatutária in Diário da República – III Série, 16.01.01;
8 - Dos factos assentes e constantes da base instrutória da sentença sob os nºs 61º, 62º, 74º, 77º e 78º que se deixaram transcritos resulta inquestionável quem foi de facto e de direito a entidade organizadora daquela prova de motocross;
9 - Nem o Autor, nem o Presidente da “F…” – Sr. M… - nos respetivos depoimentos aludiram, onde quer que fosse, à “E…” como entidade organizadora;
10 - Da mesma sorte de todos os depoimentos testemunhais sem exceção que no entender da Mma. Juiz merecem credibilidade, a saber das testemunhas do autor – N… e O… – resulta a atribuição por qualquer facto da organização de tal prova à aqui recorrente, sendo que da análise de tais depoimentos o que resulta é a imputação factual da organização ao “G…”, não podendo, pois, concluir-se que a “E…” tenha estado diretamente envolvida em quaisquer aspetos de tal organização;
11 - De toda a prova documental junta aos autos, com particular acuidade para o constante dos Docs. 3, 4, 7, 9 a 13, ainda, da documentação junta no seguimento do despacho judicial proferido na ata de 07/4/2011 e a fls. 980 a Câmara Municipal … juntou e do doc. de 18/8/2003 junto pela C. Municipal na sua resposta, conclui-se que a responsabilidade organizativa e de assunção de responsabilidades é inteiramente da “F1…”;
12 - É pois, manifesta na produção de prova e sobretudo a ausência de prova no que à aqui recorrente diz respeito, para que esta possa “a final” a vir a ser considerada como coorganizadora da prova de motocross, pelo que fazendo-o e decidindo ao contrário violou, manifestamente, o Tribunal o principio subjacente à norma constante do artº 516º do CPC
13 - Vigorando no nosso ordenamento jurídico o principio da livre apreciação da prova – cf. artº 655 do CPC – nos termos do qual o julgador fixa a matéria de facto de acordo com a sua convicção sobre os factos em causa, a verdade é que este principio, admite exceções, fixando a lei a força probatória de determinados meios de prova, como é o caso dos documentos particulares não impugnados, os quais fazem prova plena, nos termos do disposto no artº 376º do CC e dos pontos concretos da matéria de facto assente – cf. pontos 61, 62, 92, 93 e 94 – os quais, concatenados com a atuação da aqui recorrente impunham decisão diversa da exposta na sentença no que à recorrente diz respeito;
14 - É perfeitamente desajustada a motivação invocada na matéria de facto, ao analisar quer a prova documental, quer a testemunhal, em ordem a responsabilizar a “E…” na organização da prova de motocross;
15 - Todos os elementos fornecidos pelo processo – testemunhais e documentais – a par das respostas dadas aos pontos 61, 62, 92, 93 e 94 constante da base instrutória da sentença e bem assim as respostas dadas aos pontos 6, 9, 13, 57 e 80 que dando como provada, eventual, responsabilidade como coorganizadora da prova por parte da aqui recorrente sem que de qualquer facto testemunhado isso resulte, impunha decisão diversa, qual seja; a de que à “E…” não pode nunca, manifestamente, ser outorgada a organização ou sequer coorganização daquela prova, pelo que assim não tendo sido entendido foi violado o disposto no nº 1 als. a), b) e c) do artº 712º do CPC;
16 - Qualquer juízo ou qualquer conclusão decisória deve limitar-se à matéria de facto alegada pelas partes, pelo que a instrumentalização dos factos inclusa na sentença deve ser desconsiderada, quando não acompanhada da matéria factual que lhe dê substrato, sendo manifesto, no caso dos autos que a corresponsabilização da aqui recorrente “E…” não se encontra materializada em factos concretos e objetivos e/ou em documentos resultantes da instrução e discussão da causa, mas só em asserções conclusivas na fundamentação da matéria de facto, aliás, não alicerçadas e desta forma também foi violado o artº 264º do CPC
17 - O Autor, manifestamente, deu o seu consentimento para a participação na prova, já que como resulta provado nos pontos 10 e 11 da base instrutória constante da sentença e relativamente ao desporto o consentimento neste caso expresso como é o caso de participação em competições desportivas em que haja risco de lesão causada por essa mesma prática, concluindo-se dessa participação o consentimento para a suscetibilidade de atos lesivos, desde que não dolosos, desde que dentro das regras do “jogo”;
18 - Assim sendo, nos termos do disposto no artº 340º nº 3 do CC, tendo existido consentimento, para efeito de exclusão de ilicitude do ato lesivo, o consentimento prestado, que se considera ocorrer quando a lesão se deu também por causa do interesse “inicial” do lesado e de acordo com a sua vontade ao inscrever-se livremente e ao participar na prova, pelo que de acordo também com o disposto no artº 570º do CC, se a “culpa” do lesado tiver concorrido para os danos sofridos, e concorreu, como se pode verificar pelos factos assentes nos pontos 15, 16 e 17 constantes da base instrutória da sentença, tal facto é possível de ser considerado em termos de limitação ou exclusão da responsabilidade civil de eventual organização lesante – cf. artigos 570º e 505º, ambos, do CC -
19 - Não considerando tais aspetos na sentença recorrida, violaram-se também tais artigos; 20 - Daí que, por tudo, também se pode concluir que as consequências do acidente podem, também ser imputados à sua ação de condução em que ocorreu o despiste, ou seja, a transposição com a sua moto de um salto natural e normal na faixa de rodagem, neste tipo de provas, e cuja receção foi mal efetuada, fazendo-o perder o controlo da sua moto e ocorrendo o despiste, contribuindo assim, para as lesões corporais que sofreu, circunstâncias estas que por si só, também podem integrar pressuposto de exclusão de obrigação de indemnizar por parte de qualquer entidade organizativa;
21 - Assentando o Tribunal “a quo” a condenação da aqui recorrente em factos que não foram articulados por qualquer das partes, a saber 6º, 9º, 13º, 57º e 80º, constantes da base instrutória da sentença, violou a Mma Juiz “a quo” o disposto no artº 664º com referência ao artigo 264, ambos do CPC;
22 - É pois inegável que, ante os factos provados e a matéria factual que lhes serve de base que a Mma. Juiz “a quo” qualificou, que inexiste e nem pode existir ou ser assacada qualquer responsabilidade à aqui recorrente “E…” na organização de tal prova e, assim, a mesma não pode nem deve ser condenada, nos termos em que o foi como se tivesse sido estabelecido em parceria com outros entes um contrato.

1.4.4 – Apelação da interveniente F…
Pretende a interveniente que a decisão veja revogada e que de determine a sua absolvição. Formula as seguintes Conclusões:
1 - A apelante foi mais uma das coletividades locais que foi enganada pelo réu D…, o qual dirigia o apelidado “G…”, que organizava provas de moto e Ralicross, relativas a um campeonato denominado “L…”.
2 - “L…” que pertencia em exclusivo ao réu D…, o qual definia os regulamentos, o calendário, os recintos das provas, as inscrições de pilotos, as formalidades legais, as classificações, etc., etc.
3 - As pseudo-organizações locais, as coletividades a quem era imputada a organização aparentemente formal das provas, mediante a utilização do seu nome e pessoa jurídica legalmente constituída, limitavam-se a receber as provas que compunham o campeonato.
4 - A prova desportiva em causa foi organizada pelo réu D…, no âmbito do campeonato por este organizado por sua iniciativa exclusiva, designado de “L…”, sob a égide da E….
5 - Foi o réu D… quem contactou com a apelante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de MotoCross, com a respetiva entidade federativa, a E…, bem como, contactou com os concorrentes, organizou as inscrições dos mesmos, fiscalizou as licenças desportivas e seguros obrigatórios de cada participante, cobrou os valores dessas inscrições, ordenou o decorrer da prova e atribuiu a respetiva classificação final.
6 - A apelante chegou a pagar o seguro obrigatório de evento desportivo contra terceiros, mediante cheque que entregou ao réu D…, mas que, pelos vistos, este não chegou a contratar com a B…, S.A., cujo tomador era precisamente a E….
7 - Está aqui, porventura, o elemento documental mais relevante de todo este processo e que sem mais fala por si – caberia ao réu D…, a parte que juntou aos autos essa apólice de seguro falsificada justificar a validade desse seguro.
8 - Não foi, portanto, a Associação apelante a responsável pela organização da prova de 14/setembro/2003 e, por isso, também não tem a responsabilidade civil na reparação dos danos sofridos pelo autor.
9 - Acresce que, o seguro de acidentes pessoais dos pilotos, como é do conhecimento de qualquer um deles, é de subscrição automática quando se inscreve na Federação Desportiva respetiva do seu país, ou obtêm licença desportiva.
10 - Em termos nacionais e de acordo com o n.º 2, do art. 16º, da Lei de Bases do Sistema Desportivo, as categorias de agentes desportivos que comportem situações especiais de risco, estão abrangidos no seguro de regime obrigatório.
11 - No âmbito do seguro desportivo regulado pelo Decreto-Lei n.º 146/93, de 26 de abril, na sua redação atual, o seguro é obrigatório para todos os agentes desportivos profissionais e não profissionais inscritos em Federações dotadas de utilidade pública desportiva, cobrindo os riscos de acidentes pessoais inerentes à atividade desportiva.
12 - Tal seguro cobre, pelo menos, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva e ainda o pagamento das despesas de tratamento.
13 - Logo, o autor, que se assume como praticante de MotoCross, não podia desconhecer a obrigatoriedade do seguro de acidentes pessoais, pois o tipo de provas em causa “enquadra-se no exercício de uma atividade perigosa, constitui o exercício de uma atividade perigosa”.
14 - A pista onde decorreu a prova é considerada pelos pilotos da especialidade como uma das melhores do norte de Portugal, com excelentes condições de segurança.
15 - Não ocorreu qualquer anormalidade da responsabilidade do organizador ou da Associação apelante, que tenha determinado a queda do A. e a sua posterior saída de pista e foi exigido a todos os pilotos e logo ao A., pelo organizador, o prévio reconhecimento da pista a pé e de moto nos treinos livres e dos obstáculos eventuais.
16 - Donde se conclui ser de imputar apenas ao A. a responsabilidade na produção do acidente.
17 - De acordo com o art.º 9.º, do D.L. 146/93, uma das obrigações que decorre da lei para os organizadores de provas desportivas é a obrigatoriedade de celebração de um contrato de seguro.
18 - O artigo 3.º, do D.L. 146/93, em vigor à data da prática dos factos determina que as federações referidas no artigo anterior instituirão, mediante contrato celebrado com entidades seguradoras, um seguro desportivo de grupo, ao qual poderão aderir os praticantes e agentes desportivos não profissionais nelas inscritos, cabendo às federações desportivas a responsabilidade do pagamento à entidade seguradora do prémio do seguro de grupo.
19 - Por sua vez, a adesão individual dos agentes desportivos ao seguro desportivo de grupo realiza-se no momento da inscrição nas federações desportivas (art.º 5.º, n.º 1), sendo que ficam isentos da obrigação de aderir ao seguro desportivo de grupo os agentes desportivos que façam prova, mediante certificado emitido por uma seguradora, de que estão abrangidos por uma apólice garantindo um nível de cobertura igual ou superior ao mínimo legalmente exigido para o seguro desportivo (art.º 5.º, n.º 4).
20 - Também o Código da Estrada (Dec.Lei n.º 114/94, de 3 de maio, em vigor ao tempo do acidente), no seu título VI, epigrafado " Da Responsabilidade ", inscreve no seu Capítulo I, " Garantia da Responsabilidade", para além de uma genérica obrigação de seguro para os veículos com motor e seus reboques que queiram transitar nas vias públicas (art.º 133º), estabelece - art. 134º - uma obrigação de "seguro de provas desportivas " fazendo depender a sua autorização da efetivação pelo organizador de um seguro que cubra a responsabilidade civil, bem como a dos proprietários ou detentores dos veículos e dos participantes, decorrente dos danos resultantes de acidentes provocados por esses veículos.
21 - Finalmente o artigo 10.º da aludida norma postula que as federações desportivas que procedam à inscrição de agente desportivo que não fique abrangido pelo seguro desportivo obrigatório ou por seguro que garanta cobertura igual ou superior, bem como as entidades que promovam ou organizem provas desportivas sem terem celebrado seguro desportivo adequado, respondem, em caso de acidente desportivo, nos mesmos termos em que responderia a empresa seguradora, caso houvesse seguro.
22 - Está assente que o autor era praticante de desportos motorizados, que, no dia 14 de setembro de 2003 participou numa prova desportiva de MotoCross que fazia parte de um campeonato denominado “L…”, o qual era organizado pelo réu D…, que era líder do grupo denominado “G…”.
23 - Para tal, o A. deslocou-se ao recinto e dirigiu-se à organização da prova que o réu D… assumia, tendo pago a sua inscrição.
24 - Uma das obrigações relacionadas com a organização do evento, decorria de uma imposição legal e consistia, conforme já se referiu, na celebração de um seguro obrigatório de evento desportivo contra terceiros - o tal seguro que existe uma apólice falsificada (cf. docs. juntos pelo R. D…).
25 - Outra coisa completamente diferente e distinta é a existência de seguro de acidentes pessoais dos concorrentes à prova.
26 - No caso em apreço o autor não tinha, ele próprio, seguro de acidentes pessoais, nem fazia parte da listagem de fls. 228, da qual consta a identidade dos pilotos cobertos pelo seguro de grupo do qual figura como tomador a chamada E… e nunca fez prova de possuir inscrição válida e/ou de beneficiar de seguro de grupo de uma entidade desportiva ou federativa da vizinha Espanha.
27 - Aqui é que surge o problema - não competia ao organizador, fosse ele qual fosse, a celebração de contratos de seguro de acidentes pessoais, a favor do autor com as coberturas mínimas previstas no art.º 4.º, n.º 1 do DL. 146/93.
28 - Competia à organização, quando muito, certificar que os participantes à prova tinham, por si ou pelas federações em que estavam inscritos, esse seguro de acidente pessoais e, caso estes não fizessem prova de possuir tal seguro, recusar a sua inscrição na prova.
29 - Logo, a organização da prova não incorreu em responsabilidade contratual perante o A.
30 - Mas a falta de fiscalização pela organização de que os participantes não possuem, por si ou pelas federações desportivas, seguro de acidentes pessoais, imputa essa responsabilidade à organização (artigo 10.º do DL 146/93), passando os organizadores do evento a responderem, em caso de acidente desportivo, nos mesmos termos em que responderia a empresa seguradora, caso houvesse seguro.
31 - Por outro lado, o tal seguro obrigatório de evento desportivo contra terceiros (de cuja existência documental só o réu D… fez prova, embora falsificada), a existir, nunca cobriria este tipo de acidentes e respetivos danos.
32 - O organizador da prova, o réu D… e a própria E…, é que não curaram de fiscalizar que os participantes possuíssem, por si ou pelas federações desportivas próprias, seguro de acidentes pessoais, logo a lei imputa essa responsabilidade à organização (artigo 10.º do DL 146/93), passando os organizadores do evento a responderem, em caso de acidente desportivo, nos mesmos termos em que responderia a empresa seguradora, caso houvesse seguro.
33 - De acordo com o art.º 4.º, n.º 1 do D.L. 146/93, a obrigação de indemnizar compreende o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva, e no pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento.
34 - No caso em apreço, a indemnização decorre de uma imposição legal e não da natural responsabilidade civil extracontratual, prevista no art.º 483.º, do C. Civil.
35 - Ao abrigo dessa imposição legal, apenas os danos específicos previstos no art.º 4º., n.º 1 do DL 146/93 é que serão ressarcidos e não os danos gerais conforme previsto no C. Civil, mas sempre com os limites legais previstos no referido diploma legal; todos os restantes danos peticionados pelo autor, estão fora da previsão legal do art.º 4.º, do D.L. 146/93.
36 - Pois o acidente dos autos ocorreu pelo facto do motociclo que o autor conduzia se ter despistado, não havendo nexo de causalidade entre as condutas dos réus e o acidente que vitimou o demandante.
37 - O facto de nas saídas de pista haver buracos, montes de terra e pedras não visíveis para quem circulava na pista é corrente e faz parte da modalidade de MotoCross e o A. melhor do que ninguém é sabedor desses factos, contudo, não foi estabelecido qualquer nexo de causalidade entre essas condições e o acidente.
38 - A lei impõe que seja o organizador da prova a indemnizar o concorrente, por não ter cumprido a obrigação legal de fiscalizar se este tinha ou não o seguro de acidentes pessoais, obrigação que lhe advêm da lei e do facto de ter celebrado um contrato com o autor em que permitiu que o mesmo participasse na prova de MotoCross, o mesmo se passando na eventualidade de surgir um acidente com terceiros (público, forças policiais e de socorro, membros da organização, etc.), caso o seguro de acidentes contra terceiros não tenha sido contratado.
39 - Por tudo o que atrás foi dito, o Tribunal deve concluir que o organizador da prova de MotoCross em que o A. sofreu o acidente, que estava integrada no denominado “L…”, promovido e organizado pelo G…, só pode ser imputada ao réu D…, institucional, formal e legalmente apoiado pela R. E….
40 - Também está provado que o réu D… prometeu contratar um seguro de acidentes pessoais para os participantes, cujo valor da inscrição pago pelos concorrentes já se destinava a esse efeito, facto que não se verificou.
41 - Mais ficou ainda provado que a interveniente F… entregou ao réu D… o dinheiro necessário para este celebrar o seguro de acidente contra terceiros da prova em causa e que ele não procedeu à contratação do mesmo, nem ao pagamento do seu prémio, apesar de ter recebido o dinheiro (por si ou por intermédio da R. E…).
42 - Nesta conformidade e face aos considerandos de facto e de direito atrás descritos, deve a apelante ser absolvida completamente do pedido contra si formulado e, no que à sentença diz respeito, ser absolvida da obrigação de indemnizar o autor na quantia de €33.333,33, pelos danos causados pela não existência do seguro de acidentes pessoais.
43 - A sentença violou o disposto no art. 16º, da Lei de Bases do Sistema Desportivo, art. 70º da Lei de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004, de 21 de julho), os artigos 4º, 5º, 7º, 9º e 10º, do Decreto-Lei n.º 146/93, de 26 de abril, a Portaria n.º 757/93, de 26 de agosto e o art. 668º, n.º 1 alíneas b) e c), do C.P.C.

1.5 – Objeto dos recursos

1.5.1 – Recurso do autor
1.5.1.1 – Se a sentença violou o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 668 do CPC (conclusão H).
1.5.1.2 - Se é aplicável ao cálculo do valor da indemnização as regras do direito espanhol (conclusão F).
1.5.1.3 – Se os réus condenados devem sê-lo solidariamente (conclusões C e D).
1.5.1.4 – Se devem ser condenados na totalidade do pedido ou, pelo menos, em quantia muito próxima desse valor (conclusões E e G).

1.5.2 – Recurso do réu D…
1.5.2.1 – Se deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como não provada, constante dos pontos números 6, 7, 8, 9, 11, 13, 56, 57, 59, 68, 73, 74, 75, 76, 78, 79 e 81 (devendo dar-se como não provada toda a factualidade que diz respeito à coorganização da prova pelo recorrente) – Conclusões a) a h) e m) a o).
1.5.2.2 – Se há contradição entre os fundamentos e a decisão, ao ter-se dada como provado que era o G… que organizava as provas de moto e ralicross (conclusões j) e k).
1.5.2.3 – Se houve violação do artigo 664 do CPC, ao darem-se como provados dois factos não alegados (conclusão p).

1.5.3 – Recurso da interveniente E…
1.5.3.1 – Se deve ser alterada (e dada como não provada) a matéria de facto constante dos pontos 6,9,13, e 57, constantes da sentença (conclusões 1, 2, 3, 9, 10, 11, 12, 13 e 15).
1.5.3.2 – Se os factos provados (constantes dos pontos 61, 62, 62, 92, 93 e 94) comprovam que a recorrente é alheia à organização da prova e (conjugados com os constantes dos pontos 74, 77 e 78) quem foi a entidade responsável, tendo havido uma errada subsunção jurídica (atentos os factos constantes dos pontos 92, 93 e 94) – Conclusões 4, 5 e 8).
1.5.3.3 – Se a responsabilidade da recorrente não está materializada em qualquer facto, mas em meras asserções conclusivas, violando o artigo 264 do CPC, tendo-se violado o artigo 664 (com referência ao 264, ambos do CPC) por o tribunal ter assentado a condenação da recorrente em factos não articulados, a saber, os 6, 9, 13, 57 e 80 (conclusões 16 e 21).
1.5.3.4 – Se o autor deu o consentimento à participação na prova, tendo a sua "culpa" concorrido para os danos, pelo que deve haver limitação ou exclusão da responsabilidade (570 e 505 do CPC) – Conclusões 18 e 19.
1.5.3.5 – Se pode concluir-se que as consequências do acidente são também de imputar à ação do autor, ou seja, à transposição com a sua moto de um salto natural e normal na faixa de rodagem, neste tipo de provas, cuja receção foi mal efetuada, fazendo-o perder o controlo da moto e ocorrendo o despiste, contribuindo assim, para as lesões corporais que sofreu (conclusão 20).

1.5.4 – Recurso da interveniente F…
1.5.4.1 – Se só o réu D… foi o responsável pela organização da prova (conclusões 2, 4, 5, 24 e 39).
1.5.4.2 – Se o autor não podia desconhecer a obrigatoriedade de seguro de acidentes pessoais, atenta a atividade que levava a cabo (conclusões 9 a 13).
1.5.4.3 – Se o autor foi o responsável pelo acidente, e não há qualquer causalidade entre a conduta dos réus e esse acidente (conclusões 14, 15, 16 e 37).
1.5.4.4 – Se os eventuais responsáveis pela falta de seguro só respondem na medida em que o seguro responderia, apenas pelos danos previstos no artigo 4.º, n.º 1 do DL. 146/93 e com os limites desse diploma (conclusões 33, 34 e 35).

2 – Fundamentação

2.1 – Fundamentação de facto
Independentemente do objeto dos recursos, na parte em que versam sobre a reapreciação da matéria de facto, que adiante conheceremos, deixamos transcritos, desde já, os factos que a 1.ª instância deu como provados[2]. Assim:

5 - O Autor era praticante de desportos motorizados participando em provas desportivas em Espanha e em Portugal.
6 - No dia 14 de setembro de 2003, teve lugar uma prova desportiva de Motocross, organizada pelo réu D… e pelas chamadas E… e F….
7 - A prova teve lugar em terrenos particulares pertencentes a P… e Q….
8 – O réu D… liderava um grupo denominado “G…” que, em parceria com outras associações, organizava provas de Moto e Ralicross, relativas a um campeonato denominado “L…”, do qual fazia parte a prova do dia 14 de setembro de 2003.
9 - O réu D… e as intervenientes E… e F… obtinham lucros das provas que organizavam.
10 - Em 14 de setembro de 2003 o Autor veio a Portugal, após ter tido conhecimento da organização de tais provas.
11 - Deslocou-se ao recinto da Junta de Freguesia, 2ª Ré e dirigiu-se à organização da prova que o réu D… assumia, tendo pago a sua inscrição e participou na prova de Motocross que nesse dia 14 de setembro os réus organizaram.
12 - O recinto onde ocorreu a prova está destinado a receber a visita de milhares de espectadores que demandam este tipo de espetáculos, que pagam as suas entradas.
13 – Tal valor constitui parte dos lucros e proveitos económicos que os réus D… e as intervenientes E… e F… recebem com a organização das provas desportivas.
14 - O A. corria sempre em tais provas com uma moto, especialmente preparada para estas provas, de marca KTM de 250 cc de cilindrada.
15 - No decurso da prova o autor teve um acidente.
16 - Depois de concretizar um salto, com a altura de cerca de 1, 50 m, por razões não apuradas, o autor não conseguiu controlar o seu veículo na quarta curva (relevê) subsequente ao salto, ficando a moto imobilizada no topo do talude, enquanto o autor foi projetado para fora da pista, caindo numa vala que constituía um rego para desvio de águas, melhor documentada no doc. 5, junto com a P.I., que existia na base exterior do talude, vala essa que se situava a uma altura de ¾ metros do topo desse talude e à distância de cerca de um metro da rede malha sol.
17 - Em tal embate, pese embora viesse protegido pelo capacete e fato próprio e luvas e toda a panóplia de aparelhos de proteção.
18 - Como consequência do acidente o Autor sofreu lesões graves tendo ficado paraplégico e atirado definitivamente para uma cadeira de rodas.
19 - O autor não tinha, ele próprio, seguro de acidentes pessoais, nem fazia parte da listagem de fls. 228, da qual consta a identidade dos pilotos cobertos pelo seguro de grupo do qual figura como tomador a chamada E….
20 - Nas saídas de pista, havia buracos, montes de terra e pedras não visíveis para quem circulava na pista, totalmente desprotegidos e não assinalados.
21 - Aquele terreno foi muitas vezes usado para realização de provas desportivas.
22 - A prova em que o A. participou não estava inscrita na S….
23 - Após o acidente foi o A. imediatamente transportado para o Hospital de Guimarães, após o que foi transferido para o Hospital de São Marcos em Braga.
24 - Após dois ou três dias de internamento foi o A. transportado para o Hospital Juan Canalejos, na cidade da Corunha, em Espanha.
25 - O A. foi sujeito a internamento no Hospital de São Marcos, em Braga, onde lhe diagnosticaram que havia sofrido:
-fraturas complexas das vértebras D4-D5 e D6 com luxação D3-D4,
-paraplesia completa secundária,
-fraturas de vértebras e costelas com perfuração pulmonar e do hemotórox bilateral predominantemente direito.
26 - Ainda no Hospital de São Marcos foi o A. submetido a tratamentos da lesão medular.
27 - Após ter sido tratado e obtida a estabilização hemodinâmica foi transferido para o Hospital Juan Canalejos em Corunha, Espanha, onde lhe realizaram os seguintes exames:
-TAC torácico, hemotórax bilateral de predomínio direito, verificando-se pequenas áreas de contusão no pulmão esquerdo.
-RNM à coluna, verificando-se fraturas nas vértebras D4-D5-D6 com luxação D3-D4 e provável secção (corte) medular o nível das vértebras D4-D5.
-TAC à coluna (3-11-03) verificando-se luxação nas vértebras D3-D4, e fraturas complexas D4-D5-D6 com dados de consolidação.
28 - Em fevereiro de 2004, foi feita nova avaliação do A, onde se constatou novamente o corte total da medula, pelo que o A está paraplégico.
29 - Apesar dos tratamentos de reabilitação, não mais se pode deslocar pelos seus próprios meios, tendo que se deslocar em cadeiras de rodas.
30 - Necessita, a partir de agora de uma alimentação extremamente cuidada, não pode ingerir muitos líquidos, não pode ingerir fruta (ou deve evitá-la) e verduras.
31- Uma vez que contém elevada quantidade de água.
32 – O autor tem necessidade de mecanismos para urinar e perdeu a capacidade sexual.
33 - O seu aparelho intestinal está deteriorado e o facto de se deslocar em cadeira de rodas obriga à tomada de laxantes e a um rigoroso programa de evacuação intestinal.
34 - Sem possibilidade de se locomover o A. tem necessidade permanente de quem de si se ocupe.
35 - Necessita de higiene e cuidados particulares sobretudo no domínio do funcionamento intestinal.
36 – E tem de fazer fisioterapia toda a vida.
37 – E não mais poderá ter filhos, nem realizar-se sexualmente, sendo que mesmo que recorrendo a processos de fecundação, não mais terá uma relação sexual normal.
38 - À data do acidente, o autor era um homem na força da idade, na força da vida, recém-casado, com um emprego estável.
39 - Por força do acidente, não mais pode exercer a sua atividade profissional de motorista de pesados, e revela mesmo uma incapacidade de 100%.
40 - As sequelas de que o autor ficou a padecer são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual (motorista profissional) sendo no entanto compatíveis com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional.
41 - Durante os perto de cinco meses de internamento, o A. sofreu violentíssimas dores com o acidente, com os tratamentos que sofreu, com as intervenções cirúrgicas a que foi submetido e continua agora a sofrer dores intensas e obrigado a uma vida toda feita de incapacidade e condicionalismos.
42 - Só com a ajuda de uma pessoa pode deslocar-se e fazer a sua higiene pessoal.
43 - No futuro terá que viver permanentemente dependente de uma cadeira de rodas.
44 - Psicologicamente está destroçado, sabe que não pode recuperar, as lesões são irreversíveis, não pode ter filhos, terá necessariamente de depender de uma terceira pessoa.
45 - As sequelas físicas que o A. sofreu são gravíssimas e a deficiência do seu corpo é horrível com uma diminuição do corpo da cintura para baixo.
46 - O A. tem que aprender a viver uma vida de todo em todo desconhecida para si, limitada, consciente da sua incapacidade, facto que inquina definitivamente o seu equilíbrio psicológico.
47 - Necessita de viver em casa ou apartamento que supere as barreiras arquitetónicas.
48 - A agravar toda a sua situação é o facto de o A. se ter tornado “ um peso” um fardo na vida da sua família.
49 - Sua jovem mulher teve que abandonar o seu trabalho para se dedicar exclusivamente ao autor e se procurar realizar-se profissionalmente terá que contratar uma pessoa que exclusivamente se dedique ao autor.
50 - O Autor sofre de uma IPG de 80%.
51 – À data do acidente, o autor auferia um salário mensal de 820,27 euros.
52 - Devido à incapacidade de que ficou a padecer, o autor necessita da ajuda de outras pessoas para realizar a sua atividade diária, nomeadamente os tetraplesistas.
53 - O autor teve de comprar uma casa adaptada às necessidades do incapacitado.
54 - Durante o período de incapacidade temporária, a acompanhante do autor teve de suportar os custos da estadia no hospital, no valor de 1 200€.
55 - O réu D… não é associado da referida associação nem reside na freguesia ….
56 - O réu D… era coorganizador da prova em causa, no âmbito da qual, além do mais, assumia o papel de “speaker”, ou comentador desportivo.
57 – O réu D…, mercê da sua extensa carreira como piloto de provas desportivas, tinha especiais conhecimentos da modalidade, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas que coorganiza, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.
58 – O referido réu tem ainda experiência na locução radiofónica de programas de desportos motorizados, sendo colaborador desportivo na T…, em Vila Nova de Famalicão, bem como na U….
59 - E conhece grande parte dos pilotos que normalmente participam nas provas, as instâncias associativas e federativas e respetivos sujeitos, bem como as burocracias subjacentes, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas que coorganiza, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.
60 - A organização desta prova decorreu com grande divulgação pública, através da U…, múltiplos cartazes e contactos pessoais.
61 - Na pista e na sua entrada, eram visíveis reclamos alusivos à chamada F1…, sediada no interior da pista.
62 - Em alguns desses cartazes, quem formalmente surge como entidade organizadora, é a chamada F1….
63 - A referida F… tem existência jurídica formal, desde 7 de março de 2003, órgãos sociais e estatutos próprios e o seu objeto inclui a organização e realização de provas desportivas.
64 – Foi a E… quem comunicou a prova às entidades administrativas (C.M., Bombeiros Voluntários e GNR de …), prova essa que, segundo referia, era realizada pela F1…, sob a sua própria égide, figurando ainda como tomadora no seguro de acidentes pessoais que cobre todos os pilotos que adquiram a qualidade de associados.
65 – A prova decorria em percurso previamente determinado.
66 - O acesso a tal percurso estava interdito a todas as pessoas com exceção dos pilotos.
67 - Foi exigido a todos os pilotos, e logo ao autor, pela Organização, o prévio reconhecimento da pista a pé e de moto nos treinos livres e dos obstáculos eventuais.
68 - O réu D…, enquanto coorganizador, preocupou-se com tal reconhecimento por todos e pelo autor.
69 - Aquando do reconhecimento da pista não foi denunciada a existência de qualquer dificuldade da pista, ou de algum valado ou buraco.
70 – O público estava separado da pista por uma rede.
71 - A presença da GNR e dos Bombeiros assegurou a ordem e os primeiros socorros.
72 - A organização da prova tomou cuidados de primeiros socorros com a presença de quatro ambulâncias e respetivos bombeiros.
73 – O réu D…, sabendo que a F… contestante detinha um recinto desportivo para provas motorizadas, abordou-a no sentido de aí levar a efeito a realização de uma prova de motocross do seu campeonato G…, prova desportiva que viria a ocorrer em 14/setembro/2003.
74 - Nessa qualidade, o réu D… contactou com os pilotos, com a F… contestante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de motocross, com a respetiva entidade federativa, a E….
75 – A F… foi contactada pelo réu D…, para organizar a prova em causa, cabendo à primeira oferecer o recinto desportivo, suportar o custo das máquinas para a construção da pista, enquanto o réu ficou com a incumbência de contactar os concorrentes, decidir da admissibilidade das respetivas inscrições, cobrar os valores dessas inscrições, ordenar o decorrer da prova e controlar a atribuição da respetiva classificação final.
76 - A F… desconhece de todo quais os concorrentes que podiam participar na prova em causa, cabendo as autorizações individuais de inscrição ao réu D… e à E…, as quais fiscalizavam as inscrições e licenças desportivas e os seguros legais obrigatórios de cada participante.
77 - A F… cobrou o valor das entradas dos espectadores, pois competia-lhe divulgar a prova, requisitar o policiamento, os bombeiros e a assistência médica da prova e pagar o seguro obrigatório do evento desportivo.
78 - Apesar da F1…, através do seu presidente, ter emitido um cheque e entregue esse cheque ao réu D…, com vista ao pagamento do respetivo prémio, facto é que o seguro obrigatório de evento desportivo, contra terceiros, não chegou a ser contratado com a Companhia de Seguros B…, S.A.
79 - O réu D… coorganizou a prova, levando ainda a efeito as funções de Speaker e de comentador, pelo facto de ser jornalista e possuir vários conhecimentos técnicos e humanos na área dos desportos.
80 - São públicas as organizações e capacidades do réu D…, para realizar tais eventos e provas que se desenrolam no norte de Portugal, por intermédio do seu G… e pela própria E….
81 - Organizações que o réu D… ainda hoje leva a efeito nos mesmos moldes, em todo o norte do País.
82 - A pista onde decorreu a prova é considerada pelos pilotos da especialidade como uma das melhores do norte de Portugal, com excelentes condições de segurança.
83 - As pistas para provas de Motocross fora da via pública estendem-se em terreno natural, os obstáculos existentes são delimitados por fitas e rede apropriada e a sua existência é característica natural do Motocross.
84 - De todo o modo, a prova em causa foi comunicada a todas as entidades oficiais e decorreu em percurso previamente delimitado, em recinto vedado e fechado ao público e aos concorrentes.
85 - O acesso a tal percurso estava interdito a todas as pessoas com exceção dos pilotos.
86 - A proposta de seguro, cuja cópia está junta aos autos a fls. 117, jamais foi entregue nos serviços da “B…, S.A.”, nunca foi por esta aceite, nem sequer levada ao seu conhecimento.
87 - O autor não fazia parte da listagem enviada pela E… para a “B…, S.A.”, relativa à apólice n.º 60/……., emitida por esta última, como sendo um dos participantes da prova em causa nestes autos.
88 – O documento de fls. 117 constitui um documento falso, decorrendo de uma montagem decalcada de um documento idêntico contratado para uma prova de … (Doc. 4), tendo sido manipulado o número do recibo, mantendo o número da apólice e o valor do recibo, apesar deste nunca ser igual neste tipo de seguro, por depender do número de participantes.
89 - Tal documento do qual está apenas cópia junta, nunca foi emitido pela chamada, nem subscrito com o conteúdo que dele consta nas datas nele apostas como de início e termo de seguro (14/09/2003), a numeração do recibo (1315661), o indicado período a que respeita (14/09/2003 a 14/09/2003) e a data final (setembro de 2003) que foram fraudulentamente ali colocadas.
90 - A falsidade do mesmo resulta ainda patente do facto de, tratando-se, alegadamente, de um recibo com o nº ……, na contabilidade da chamada apenas existirem emitidos recibos com esse número, no ano de 2003 para as apólices 60/……., 60/……., 86/……. e 34/…… (cf. docs. 5 a 12), que nada tem a ver com as pessoas, datas, apólice e coberturas que constam do doc. 15, junto com a contestação do réu D….
91 - O recibo tal qual consta da cópia junta, nunca foi emitido pela chamada, não consta nem nunca constou da sua contabilidade, nem corresponde a qualquer prémio da apólice cujo número dele consta, dado que trata-se de uma apólice de seguro temporário com prémio único mas referente a outro período e prova.
92 - A E… nunca recebeu qualquer documentação do piloto, nomeadamente, licença desportiva de qualquer federação ou associação que fosse.
93 - A E… não assume formalmente a organização de tal prova por estar em causa uma “prova pirata”.
94 - A E…, como entidade promotora deste desporto – motocross - era, como ainda hoje é, possuidora de um seguro desportivo, inclusive e para alem do mais, também do ramo de acidentes pessoais, abrangente dos pilotos que participam nas provas por si realizadas, sendo que naquela data, também assim sucedia, já que era tomadora/titular da Apólice 33/….. emitida pela Companhia de Seguros B…, SA.
95 - O autor vem auferindo da Segurança Social espanhola, uma quantia mensal, regular, que receberá de forma vitalícia por via da invalidez que para ele resultou deste acidente, a qual se cifrava em 1.242,86 euros e atualmente se cifra em 1.262,93 euros.

2.2 – Reapreciação da matéria de facto e aplicação do direito

Apreciação prévia: Nulidades da sentença
No recurso do autor e no do 1.º réu invoca-se a nulidade da sentença. No primeiro expressamente (ainda que, em sede conclusiva e sem concretização) e no segundo dando-se conta da existência de uma contradição entre os fundamentos e a decisão. Cumpre apreciar.

1.5.1.1Se a sentença violou o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 668 do CPC.
Vê-se com suficiente clareza, percorrendo as alegações do autor, que a sua divergência se restringe aos valores indemnizatórios arbitrados na sentença e à responsabilidade dos réus (leia-se, réu e chamadas), que entende dever ser solidária. Ora, esses pontos são também objeto da própria apelação e, mais adiante, serão apreciados.

Não se entende, por isso, o real sentido da invocação de ter havido violação das alíneas b) e c) do artigo 668, n.º 1 do CPC, nem o recorrente o esclarece. Com efeito, os fundamentos de facto e as razões de direito mostram-se especificados na decisão e não vemos que haja contradição entre uns e outros, quando se denota que as divergências do autor não se referem aos factos provados (que aceita) mas apenas à aplicação do direito, discordando em dois aspetos concretos (valor indemnizatório e solidariedade da dívida). Ora, a sentença esclarece a razão e os fundamentos para o valor atribuído e, igualmente, a razão pela qual estamos perante uma obrigação conjunta e não solidária.

Pode o recorrente discordar da decisão – e discorda – mas essa discordância não pode confundir-se com as nulidades da sentença, previstas nos normativos citados. Improcede, pois, a aludida arguição.

1.5.2.2 Se há contradição entre os fundamentos e a decisão, ao ter-se dada como provado que era o G… que organizava as provas de moto e ralicross.
Entende o primeiro réu que há contradição entre um fundamento (de facto) da decisão e esta, propriamente dita. Remete, por isso, para o disposto no artigo 668, n.º 1, alínea c) do CPC, que comina com nulidade "a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão."

Alicerça o recorrente a sua arguição na circunstância de, como entende, se ter dado como provado que a organização da prova foi feita pelo G… (o G…) e que, por isso, a contradição resulta de ter sido ele o condenado, melhor dito, um dos condenados.

Salvo o devido respeito, é patente a falta de razão do recorrente. As referências feitas na matéria de facto ao "G…" nunca são de molde a imputar a este (o que quer que ele seja, juridicamente falando, pois dos autos não resulta) a organização da prova e o facto n.º 8 (O réu D… liderava um grupo denominado “G…” que, em parceria com outras associações, organizava provas de Moto e Ralicross, relativas a um campeonato denominado “L…”, do qual fazia parte a prova do dia 14 de setembro de 2003) tem de ser conjugado com todos os outros que imputam ao 1.º réu, diretamente e por si mesmo, a coorganização do evento.

Dito de outro modo, da conjugação dos factos apurados resulta que nem sequer existe contradição entre a referência ao "G…", como entidade dirigida pelo 1.º réu, e os demais factos afirmativos da responsabilidade deste réu. Por maioria de razão, não ocorre contradição entre a matéria de facto e a decisão, sustentando-se esta, no que ao 1.º réu respeita, na sua intervenção enquanto coorganizador da prova.

Assim, desde já, e independentemente da reapreciação da prova, pode concluir-se que a sentença, em si mesmo considerada, não é nula: os fundamentos não estão em oposição com a decisão. Improcede, por isso, a aludida nulidade.

2.2.1 – Reapreciação da matéria de facto
Por razões lógicas, já que a fixação da matéria de facto deve preceder a aplicação do direito, começamos por apreciar as questões a tal propósito suscitadas nas apelações do réu e da interveniente.

Antes de o fazermos, porém, deixamos algumas considerações prévias.

Desde há muito que o nosso regime processual civil admite a competência das relações para o julgamento de direito e de facto. Com efeito, já no domínio do Código de Processo Civil que precedeu o que, com diversas alterações, continua vigente, as decisões do tribunal coletivo sobre a matéria de facto (ou seja aquelas em que a prova, em princípio, não estava reduzida a escrito) podiam ser modificadas quando do processo constassem todos os elementos que serviram de base a essa decisão, quando os elementos fornecidos pelo processo impusessem, sem possibilidade de contradição por qualquer outra prova, uma decisão diferente e, por último, nos casos de apresentação de documento novo e superveniente, documento por si bastante à destruição da prova que havia fundado a decisão da primeira instância[3].

O regime referido manteve-se consagrado no CPC de 1961 e as suas alterações só adquiriram relevante significado quando se assumiu o (chamado) princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto. Visando-o, o DL. 39/95, de 15.02, consubstancia, além de outras alterações, a do artigo 712.º[4] e adita o artigo 690.º-A, ao mesmo tempo que, no seu preâmbulo, deixa plasmado que se pretendeu prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências, permitindo alcançar um triplo objetivo: Em primeiro lugar, a criação de um verdadeiro e efetivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, pois considerava o regime vigente insuficiente. Em segundo lugar, o legislador entende que o registo dos depoimentos é meio idóneo para afrontar o clima de quase total impunidade e da absoluta falta de controlo que envolve o possível perjúrio do depoente e, por último o registo da prova é apresentado como instrumento adequado para satisfazer o próprio interesse do tribunal e dos magistrados que o integram. O mesmo diploma considera, no entanto, que o novo regime não deverá redundar na criação de fatores de agravamento da morosidade na administração da justiça. Importava, pois, ao consagrar tão inovadora garantia, prevenir e minimizar os riscos de perturbação do andamento do processo (…). E esclarece o que tantas vezes é citado pela jurisprudência e não deve deixar de ser sublinhado: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, pontos que, por isso, o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Ou seja – e voltamos a transcrever - Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. Dito de outro modo, A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.

O duplo grau de jurisdição em matéria de facto, com o sentido e os limites em que deve ser entendido, resulta explicitado numa leitura conjugada dos artigos 690-A e 712, na redação aplicável a estes autos, abrangendo as situações que o CPT/39 já admitia, e as possibilidades posteriores, resultantes, em especial, da gravação da prova. Com efeito, esclarece o artigo 712 do CPC, que a possibilidade de alteração da (decisão sobre a) matéria de facto deve suceder quando, justificando-se em concreto, “a) do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida; b) os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”.

O recurso que pretenda impugnar a matéria de facto tem que especificar, assim onerando o recorrente, e sob pena de rejeição, “a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida” (artigo 690-A, nº 1, do CPC).

Como se mostra claro no Preâmbulo do diploma que teve por intenção a consagração do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, os ónus impostos ao recorrente que pretenda sindicar o julgamento da matéria de facto têm por fim combater uma indiscriminada e vaga manifestação contrária a esse julgamento, origem de morosidade certa, e obrigam a uma tomada de posição muito precisa, concreta, quanto aos aspetos que entende mal apreciados, a que acresce a necessária indicação dos meios de prova que deviam ter conduzido a julgamento diferente e, havendo gravação da prova, com referência ao assinalado, para cada depoimento, na ata respetiva[5].

Importa dizer, na ponderação das razões de oneração, mas na aceitação do chamado duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, que a referência aos meios probatórios invocados que impunham decisão diversa não tem que ser entendido, ou entendido apenas, para os casos de provas contrárias ou depoimentos conflituantes; se assim sucede muitas vezes, a impugnação da matéria de facto continua a fazer sentido para quem nem sequer a apresentou mas, beneficiando de não ser onerado, pretende que se reveja a decisão para a qual contribuiu apenas a prova da outra parte. Neste contexto, não há propriamente (outros) meios de prova que imponham solução diversa, mas a indicação daqueles que, no entendimento do recorrente, se mostram precários (contraditórios, sem direto conhecimento dos factos, com esquecimentos seletivos, etc., etc.) cumpre o ónus que se lhe exige.

De todo o modo, devemos ter sempre presente que a eventual modificação da matéria de facto ocorre num recurso e não – propriamente – num segundo julgamento. É que duplo grau não é repetição, mesmo quando é reapreciação, e as provas foram produzidas num tempo e num modo que se tem por adquirido. Acresce que a 1.ª instância tem fatores de ponderação relevantes que a Relação não possui, dos quais destacamos a imediação. Em suma, o labor da Relação deve orientar-se para a deteção do erro de julgamento na decisão da matéria de facto, não chegando a essa classificação uma qualquer e mínima divergência na valoração da prova[6].

Feitas as considerações anteriores, passemos à (re)apreciação, em concreto.

Como, com evidência, decorre de toda a ação e se renova nos recursos, estamos perante um acidente ocorrido numa prova de motocross. O autor participou nela e, em razão do acidente sofrido, ficou gravemente incapacitado. Essa prova, indubitavelmente, teve lugar num certo dia e num dado local, precisou de um terreno para se realizar, foi publicitada e, pela ordem natural das coisas, alguém a organizou. Quem o fez é o fulcro das divergências, em sede de matéria de facto: nenhum dos recorrentes aceita que o tenha feito, sequer em conjugação de esforços, e imputa a outro – ou outros – a sua organização. A 1.ª instância deu como provada uma organização conjunta da prova, com a participação, independentemente do seu efetivo grau, dos recorrentes, associações e réu singular. O réu D… e a E… não se conformam com a fixação dos factos que lhes imputam essa coorganização e, por isso, os impugnam[7].

Vejamos.

1.5.2.1Se deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como não provada, constante dos pontos números 6, 7, 8, 9, 11, 13, 56, 57, 59, 68, 73, 74, 75, 76, 78, 79 e 81 (devendo dar-se como não provada toda a factualidade que diz respeito à coorganização da prova pelo recorrente) e 1.5.3.1Se deve ser alterada (e dada como não provada) a matéria de facto constante dos pontos 6,9,13, e 57, constantes da sentença.

Os factos referidos no primeiro recurso são os que se seguem (e os referidos pela interveniente estão aí incluídos (6,9,13, e 57) e, para melhor perceção, sublinhados):[10].

6 - No dia 14 de setembro de 2003, teve lugar uma prova desportiva de Motocross, organizada pelo réu D… e pelas chamadas E… e F….
7 - A prova teve lugar em terrenos particulares pertencentes a P… e Q….
8 – O réu D… liderava um grupo denominado “G…” que, em parceria com outras associações, organizava provas de Moto e Ralicross, relativas a um campeonato denominado “L…”, do qual fazia parte a prova do dia 14 de setembro de 2003.
9 - O réu D… e as intervenientes E… e F… obtinham lucros das provas que organizavam.
11 - Deslocou-se ao recinto da Junta de Freguesia, 2ª Ré e dirigiu-se à organização da prova que o réu D… assumia, tendo pago a sua inscrição e participou na prova de Motocross que nesse dia 14 de setembro os réus organizaram.
13 – Tal valor constitui parte dos lucros e proveitos económicos que os réus D… e as intervenientes E… e F… recebem com a organização das provas desportivas.
56 - O réu D… era coorganizador da prova em causa, no âmbito da qual, além do mais, assumia o papel de “speaker”, ou comentador desportivo.
57 – O réu D…, mercê da sua extensa carreira como piloto de provas desportivas, tinha especiais conhecimentos da modalidade, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas que coorganiza, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.
59 - E conhece grande parte dos pilotos que normalmente participam nas provas, as instâncias associativas e federativas e respetivos sujeitos, bem como as burocracias subjacentes, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas que coorganiza, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.
68 - O réu D…, enquanto coorganizador, preocupou-se com tal reconhecimento por todos e pelo autor.
73 – O réu D…, sabendo que a F… contestante detinha um recinto desportivo para provas motorizadas, abordou-a no sentido de aí levar a efeito a realização de uma prova de motocross do seu campeonato G…, prova desportiva que viria a ocorrer em 14/setembro/2003.
74 - Nessa qualidade, o réu D… contactou com os pilotos, com a F… contestante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de motocross, com a respetiva entidade federativa, a E….
75 – A F... foi contactada pelo réu D…, para organizar a prova em causa, cabendo à primeira oferecer o recinto desportivo, suportar o custo das máquinas para a construção da pista, enquanto o réu ficou com a incumbência de contactar os concorrentes, decidir da admissibilidade das respetivas inscrições, cobrar os valores dessas inscrições, ordenar o decorrer da prova e controlar a atribuição da respetiva classificação final.
76 - A F… desconhece de todo quais os concorrentes que podiam participar na prova em causa, cabendo as autorizações individuais de inscrição ao réu D… e à E…, as quais fiscalizavam as inscrições e licenças desportivas e os seguros legais obrigatórios de cada participante.
78 - Apesar da F1…, através do seu presidente, ter emitido um cheque e entregue esse cheque ao réu D…, com vista ao pagamento do respetivo prémio, facto é que o seguro obrigatório de evento desportivo, contra terceiros, não chegou a ser contratado com a Companhia de Seguros B…, S.A.
79 - O réu D… coorganizou a prova, levando ainda a efeito as funções de Speaker e de comentador, pelo facto de ser jornalista e possuir vários conhecimentos técnicos e humanos na área dos desportos.
81 - Organizações que o réu D… ainda hoje leva a efeito nos mesmos moldes, em todo o norte do País.

Percorrendo a Base Instrutória, verificamos que, com relevo à apreciação em curso, foram elaborados os seguintes quesitos, que aqui agrupamos de acordo com as respostas conjuntas que lhes foram dadas:

Perguntas: 2 – Organizada pelos réus, teve lugar uma prova desportiva de motocross em 14 de setembro de 2003[11]; 70 – A prova em que o autor participou foi organizada pela associação denominada "F…"; 98 – Foi a interveniente E… quem organizou a prova em que o autor participou; 127 – Todo o trabalho organizativo, no verdadeiro sentido do termo, pertenceu "in totum" à associação "F…"
Resposta – (6) - No dia 14 de setembro de 2003, teve lugar uma prova desportiva de Motocross, organizada pelo réu D… e pelas chamadas E… e F….

Pergunta: 3 – A prova teve lugar em terreno da 2.ª ré, em ….
Resposta - (7) - A prova teve lugar em terrenos particulares pertencentes a P… e Q….

Pergunta: 4 – A prova foi organizada pelo primeiro réu, através de uma "organização" denominada G…"
Resposta – (8) - O réu D… liderava um grupo denominado “G…” que, em parceria com outras associações, organizava provas de Moto e Ralicross, relativas a um campeonato denominado “L…”, do qual fazia parte a prova do dia 14 de setembro de 2003.

Perguntas: 6 – Os réus obtinham desta atividade lucros elevados; 7 – O 1.º réu recebia dos participantes as quantias em dinheiro relativas à inscrição nas provas que organizava; 10 – Obtinham assim os réus, e obtém, lucros avultados desta organização conjunta de eventos, de provas desportivas de corridas motorizadas.
Resposta – (9) - O réu D… e as intervenientes E… e F… obtinham lucros das provas que organizavam.

Perguntas – (Em 14 de setembro de 2003, o autor veio a Portugal, após ter tido conhecimento da organização de tais provas); 12 – Deslocou-se ao recinto da Junta de Freguesia, 2.ª ré; 13 – Dirigiu-se à organização da prova que o 1.º réu assumia; 14 – Pagou a inscrição e participou na prova de Motocross que nesse dia 14 de setembro os réus organizaram.
Resposta – (11) - Deslocou-se ao recinto da Junta de Freguesia, 2ª Ré e dirigiu-se à organização da prova que o réu D… assumia, tendo pago a sua inscrição e participou na prova de Motocross que nesse dia 14 de setembro os réus organizaram.

Pergunta: 16 – Valor que constitui também parte dos lucros e proveitos económicos que recebem os réus com a organização das provas desportivas.
Resposta – (13) – Tal valor constitui parte dos lucros e proveitos económicos que os réus D… e as intervenientes E… e F… recebem com a organização das provas desportivas.

Perguntas: 71 – O réu contestante não é associado da referida F… nem reside na freguesia …; 73 – E só nesta qualidade[12] o contestante se encontrava no local da prova e teve contacto com os organizadores e pilotos, aquando daquela; 75 – Ou seja, foi contratado pela associação organizadora para comentar a prova, em regime de prestação de serviços, pelo facto de ser possuidor de vastos conhecimentos técnicos e humanos na área dos desportos motorizados.
Resposta (56) - O réu D… era coorganizador da prova em causa, no âmbito da qual, além do mais, assumia o papel de “speaker”, ou comentador desportivo.

Perguntas: 74 – Aliás, repetindo o que vulgarmente faz em múltiplas provas, atentos os seus especiais conhecimentos da modalidade e o facto de ao longo da sua extensa carreira como piloto de provas desportivas, ter granjeado junto dos aficionados e dos demais pilotos enorme respeito e os seus conhecimentos e procedimentos serem muito apreciados por todos; 76 – É pública a sua solicitação recorrente para desempenhar tais funções pelas várias provas que se desenvolvem no norte do Portugal e a própria E… solicita a sua frequente colaboração na grande parte das vezes que sob a sua égide decorrem provas de motocross, o mesmo sucedendo com as demais entidades organizadoras deste tipo de eventos.
Resposta (57) – O réu D…, mercê da sua extensa carreira como piloto de provas desportivas, tinha especiais conhecimentos da modalidade, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas que coorganiza, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.

Perguntas: 78 – Conhece grande parte dos pilotos que normalmente participam nas provas, as instâncias associativas e federativas e respetivos sujeitos, bem como as burocracias subjacentes, o que lhe permite impor ordem no desenrolar das mesmas e facilita o trabalho dos organizadores; 79 – O que faz com que os seus serviços sejam contratados frequentemente pelas organizações das provas a nível nacional, como foi o caso na prova em crise; 101 – Aliás, repetindo o que vulgarmente faz em múltiplas provas, atentos os seus especiais conhecimentos da modalidade, o prestígio que goza no meio, pelos seus conhecimentos e procedimentos serem muito apreciados por todos e pela sua vasta experiência na promoção e organização do seu campeonato G….
Resposta (59) - E conhece grande parte dos pilotos que normalmente participam nas provas, as instâncias associativas e federativas e respetivos sujeitos, bem como as burocracias subjacentes, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas que coorganiza, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.

Pergunta: (Foi exigido a todos os pilotos, e logo ao autor, pela organização, o prévio reconhecimento da pista, a pé e de moto nos treinos livres e nos obstáculos eventuais); 92 – O próprio contestante, nas funções que exerceu para a organização, preocupou-se com tal reconhecimento por todos e pelo autor.
Resposta (68) - O réu D…, enquanto coorganizador, preocupou-se com tal reconhecimento por todos e pelo autor.

Perguntas: 99 – Com efeito, o réu D…, sabendo que a associação contestante detinha um recinto desportivo para provas motorizadas, abordou-a no sentido de aí levar a efeito a realização de uma prova de motocross do seu campeonato G…, prova desportiva que viria a ser a ocorrida em 14 de setembro de 2003; 100 – Nessa qualidade, o réu D… contactou com os pilotos, com a associação contestante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de motocross, com a respetiva entidade federativa, a E….
Respostas – (73) – O réu D…, sabendo que a F… contestante detinha um recinto desportivo para provas motorizadas, abordou-a no sentido de aí levar a efeito a realização de uma prova de motocross do seu campeonato G…, prova desportiva que viria a ocorrer em 14/setembro/2003; (74) - Nessa qualidade, o réu D… contactou com os pilotos, com a F… contestante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de motocross, com a respetiva entidade federativa, a E….

Perguntas: 102 – Assim sendo, a associação contestante foi contactada pelo réu D… e seu G…, para organizar a prova em causa, cabendo à primeira oferecer o recinto desportivo e a estes organizar a prova; 103 – Para o efeito, o réu D… contactou os concorrentes, organizou as inscrições dos mesmos, fiscalizou as licenças desportivas e seguros obrigatórios de cada participante, cobrou o valor dessas inscrições, ordenou o decorrer da prova e atribuiu a respetiva classificação final.
Resposta – (75) – A F… foi contactada pelo réu D…, para organizar a prova em causa, cabendo à primeira oferecer o recinto desportivo, suportar o custo das máquinas para a construção da pista, enquanto o réu ficou com a incumbência de contactar os concorrentes, decidir da admissibilidade das respetivas inscrições, cobrar os valores dessas inscrições, ordenar o decorrer da prova e controlar a atribuição da respetiva classificação final.

Pergunta: 104 – Aliás, a associação contestante desconhece de todo quais os concorrentes que podiam participar na prova em causa, cabendo as autorizações individuais de inscrição ao réu D… e à E…, as quais fiscalizaram as inscrições e licenças desportivas e os seguros legais obrigatórios de cada participante.
Resposta – (76) - A F… desconhece de todo quais os concorrentes que podiam participar na prova em causa, cabendo as autorizações individuais de inscrição ao réu D… e à E…, as quais fiscalizavam as inscrições e licenças desportivas e os seguros legais obrigatórios de cada participante.

Pergunta: 106 (…) – Seguro obrigatório do evento desportivo contra terceiros, que foi contratado com a Companhia de Seguros B…, SA, cujo tomador era precisamente a E….
Resposta – (78) - Apesar da F1…, através do seu presidente, ter emitido um cheque e entregue esse cheque ao réu D…, com vista ao pagamento do respetivo prémio, facto é que o seguro obrigatório de evento desportivo, contra terceiros, não chegou a ser contratado com a Companhia de Seguros B…, S.A.

Pergunta: 107 – O réu D… organizou toda a prova, levando ainda a efeito as funções de speaker e de comentador, pelo facto de ser jornalista e possuir vastos conhecimentos técnicos e humanos na área dos desportos motorizados.
Resposta – (79) - O réu D… coorganizou a prova, levando ainda a efeito as funções de Speaker e de comentador, pelo facto de ser jornalista e possuir vários conhecimentos técnicos e humanos na área dos desportos.

Pergunta: 109 – Organizações que o réu D… ainda hoje leva a efeito nos mesmos moldes, em todo o norte do país.
Resposta (81) - Organizações que o réu D… ainda hoje leva a efeito nos mesmos moldes, em todo o norte do País.

Na fundamentação das respostas dadas à Base Instrutória foi dito o seguinte, no que ora, atento o objeto das impugnações, importa:
" O tribunal convenceu-se que, com exceção da Junta de Freguesia, quer o réu D…, através da coletividade de facto denominada "G…", quer as chamadas tiveram participam ativa naquela organização (…) não deu qualquer relevo aos depoimentos que, de forma categórica, atribuíram a organização a esta ou àquela organização, pois que, tratando-se de um termo conclusivo, importava que as testemunhas concretizassem em que se consubstanciava esse trabalho organizativo (…) não atribuiu qualquer credibilidade ao depoimento do réu D… na parte em que nega ter tido qualquer intervenção ativa na organização (…) segundo o autor, testemunha N… e testemunha V…, os mesmos tiveram conhecimento da prova em causa por contacto telefónico protagonizado pelo réu D…. Apesar do facto ter sido negado pelo réu, mereceu plena credibilidade ao tribunal, pois que, tendo o réu sido descrito pelas testemunhas que o conhecem como pessoa dotada de especiais conhecimentos na modalidade e muito respeitada por pilotos e aficionados, de tal modo que a sua participação naquelas provas, como speaker, atrai milhares de pessoas às mesmas, é normal que tenha colocado esses conhecimentos ao serviço dos seus interesses e, nessa medida, não se tivesse bastado com 20 ou 30,00 euros que lhe eram pagos para comentar a prova, comprometendo-se com a própria organização e participando nos lucros daí resultantes (…) é normal, à luz das regras de experiência comum, que na economia do acordo havido, o trabalho de divulgação junto dos pilotos tenha ficado afeto à sua incumbência, por se tratar de um universo de pessoas junto das quais o mesmo está habilitado (…) Era naturalmente o réu quem recebia os pilotos, o custo das suas inscrições e verificava se estavam ou não verificados os requisitos para os mesmos poderem ser admitidos a participar (… a testemunha W…, de resto, declarou trabalhar na U…, onde realizava um programa que abordava o tema dos desportos motorizados e recebia a visita do "G…" como comentador; por outro lado, sendo ele quem tem contactos privilegiados com os profissionais que fazem a cronometragem da prova, é normal que fosse ele quem os designasse e quem atribuísse e entregasse os prémios aos vencedores da prova. De igual modo, também seria ele quem reunia as melhores habilitações para vistoriar a pista e dar instruções ao maquinista quanto ao desenho da mesma. Ou seja, no que respeita à parte técnica da prova, todo o trabalho organizativo estaria a cargo do réu D…, porque seria a pessoa mais habilitada para assumir tal desiderato. Este foi, de resto, o sentido do depoimento prestado por M…, presidente da F…, que nos mereceu credibilidade, por parecer mais compatível com a análise conjugada da prova integral produzida. Na verdade, apesar do réu ter procurado passar a ideia de que não existia uma coletividade de facto, "G…", facto é que até existe um site com essa denominação, que terá sido desativado durante o período em que decorreu o julgamento. Por outro lado, o documento de fls. 25 constitui um panfleto que publicita um calendário provisório de provas e evidencia uma imagem associada àquela coletividade de facto. Acresce que conforme noticia o jornal que constitui fls. 1100, em declarações atribuídas à testemunha X…, o mesmo alude ao campeonato regional "G…" (…) o teor do depoimento da testemunha Y…, que assistiu á prova por ter sido convidado por amigos que seguiam o campeonato "G…" confirmou que, no dia da prova, viu lá coletes com os dizeres "G…"; também as testemunhas AB… e AC… referiram que o D1… usava umas camisolas roxas, azuladas ou tipo xadrez com os dizeres "G…", na parte de trás (…) O referido réu foi ainda referenciado como tendo uma relação privilegiada com o presidente da E…, vulgarmente designado por "AD…", estando em melhores condições que o clube local, que nem era associado, para pedir apoio para a logística da prova, designadamente no que respeita aos seguros: seguro da prova (terceiros) e seguro dos pilotos. Foi também o réu que terá recebido do presidente M… cheque que, apesar de emitido à ordem da E…, nunca foi pago, nem nunca o seguro veio a ser concretizado (…) Tal documento – fls. 118 – constitui uma manipulação de um documento verdadeiro, relativo a uma apólice de seguro de uma prova de … (…) que se traduziu na mudança do número do recibo, mantendo o número da apólice e o valor do prémio (…) independentemente de saber quem foi o autor da manipulação (…) facto é que, tendo o réu sido portador de um cheque cujo valor nunca foi entregue à seguradora, razão pela qual nunca foi emitida qualquer apólice/recibo relativa à prova em questão, é difícil sustentar que o mesmo ignorasse a inexistência de seguro para terceiros para aquela prova. E tendo sido o mesmo quem juntou aos autos a cópia manipulada de um documento original, tendente a criar a aparência da existência de um contrato de seguro, é difícil sustentar que o mesmo desconhecesse a manipulação, nível de comprometimento esse que, segundo se julga, só é compatível com uma atuação de quem chama a si o proveito e a direção da prova. Aliás, a ligação do réu à presidência da E… é de tal ordem que o ofício dirigido pelo titular daquele órgão, testemunha AE…, dirigido à Câmara, foi remetido através de uma fax da AG…, de que o réu se confessou titular - fls. 1067 (…). Também não subsistem dúvidas que a F… estava implicada na organização da prova (…). Do mesmo modo, A E…, ao enviar ofícios à Câmara Municipal … e à GNR, informando da realização de uma prova sob a sua égide, certificando que a mesma respeitava as regras de segurança para o público e pilotos e ainda que o recinto onde a prova se irá realizar, foi por eles fiscalizado (fls. 106 e 107), assumindo a qualidade de tomadora num seguro de grupo, presta um contributo essencial para que a prova se realize e, nesta medida, compromete-se com a sua organização. A esse comprometimento só escapou a Junta de Freguesia (…)"

Apreciemos.

Os recorrentes fazem referência a diversos depoimentos testemunhais que, naturalmente conjugados com a demais prova, implicarão a alteração da matéria de facto fixada e pretendem que se passem a considerar como não provados o conjunto de factos anteriormente descritos.

Ouvimos os depoimentos pessoais e as testemunhas inquiridas na 1.ª instância, que assim identificamos (assinalando em nota alguns aspetos, sem prejuízo de melhor explicação posterior, quanto aos depoimentos mais relevantes):
1 – C…, autor, Ficheiro 20110404103947[13];
2 – D…, réu, Ficheiros 20110404112336 /20110404143829[14] e (acareação) 20110706154001;
3 – AD…, presidente da E…, Ficheiro 20110404145120[15];
4 – M…, presidente da Junta de Freguesia, Ficheiro 20110407101554[16];
5 – M…, presidente da F…, Ficheiro 2011047103544 e (acareação) 20110706154001[17];
6 – N…, mulher do autor, Ficheiro 20110407142847;
7 – O…, irmã do autor, Ficheiro 20110407154412;
8 – V…, motociclista, concorrente e amigo do autor, Ficheiro 20110407163240;
9 – AH…, médico, Ficheiro 20110413145553[18];
10 – AI…, advogado e motociclista, Ficheiro 20110413161950;
11 – AJ…, funcionário da Seguradora, Ficheiro 20110510104300;
12 – AK…, elemento da Direção da E…, Ficheiro 20110510113358[19];
13 – AL…, piloto de motocross e associado da E…, Ficheiro 20110510115544[20];
14 – AM…, presidente da S…, Ficheiro 20110510142753;
15 – AN…, comandante dos Bombeiros de …, Ficheiro 20110510151524[21];
16 – AO…, funcionário da Seguradora, responsável pelas cobranças, Ficheiro 20110510152508[22];
17 – W…, locutor de rádio, Ficheiro 20110511102325;
18 – AP…, presidente do AQ…, Ficheiro 20110511112533;
19 – X… , piloto, Ficheiro 20110511144215;
20 – AS…, vendedor de troféus, Ficheiro 20110511155026;
21 – AT…, patrocinador de algumas provas e mecânico de motos; esteve ligado ao AU…, Ficheiro 20110519144617;
22 – AV…, publicitário e fiscal de pista, Ficheiro 20110614104212;
23 – K…, operário da indústria automóvel e cronometrador, Ficheiro 20110706104537;
24 – Y…, espectador da prova, Ficheiro 20110706114627;
25 – AB…, espectador da prova, Ficheiro 20110706144204 e
26 – AC…, espectador da prova, Ficheiro 20110706152257.

Sem embargo das referências já anteriormente feitas em nota, detalhamos, em seguida, alguns aspetos dos depoimentos que alicerçam a nossa convicção, aí incluindo os depoimentos de parte que, não sendo confessórios e não tendo sido, por isso e nessa parte, reduzidos a escrito, revelam capacidade de esclarecimento dos factos, na conjugação com a restante prova.

Assim:

D… prestou um longo depoimento, acrescentado, no fim, com uma acareação entre si e o presidente dos "F…". Defende a posição de ser completamente alheio à organização da prova ou de haver contactado o autor e diz que apenas foi gratificado (pela organização) com trinta ou quarenta euros. Vagamente se lembra da pista, mas era bem construída (12,20). Quanto ao contacto com a E…, diz que quando lhe pedem, é o elo de ligação e trocava informação, pois conhece bem a E… (26,30). Insiste nessa posição de ser apenas o elo de ligação (30,30). Quanto ao muito falado "G…", sabe que há, "mas é um mito que falam, não existe nada em concreto" (42,10), "existem os meus amigos, é um grupo que às vezes nos juntamos e vão dar uma passeata" (43,00). É conhecido por D2..., tal como o seu irmão AW…, "são as pessoas que falam nos amigos de D2…, é realmente o tal mito que não tem nada a ver com nada… chamam-me D2…, que é um apelido do motocross, chamam também os amigos, mas só existe isso; podem estar ligados a mim ou ao meu irmão, mas não é nenhuma organização" (57,10) … "é realmente um grupo de amigos" (69,00). Refere que a sua participação foi a convite do Sr. M…. Explica que os documentos que juntou aos autos "era para provar que nunca foi organizador da prova" (54,10). Na acareação, manteve a mesma posição, esclarecendo novamente que é amigo do AD… (E…) e que era a toca de informações, podendo pedir ou dar contactos (10,00). Quanto ao "G…", admitiu já ter visto pilotos com essa inscrição no equipamento, que eles, os pilotos, é que assim se intitulam (amigos do D2…) "mas não tem nada a ver com isso" (31,50).

3 – AD…, presidente da E…. Esclareceu que a função da E… "foi apenas solicitada pelo D…, que nos pediu ajuda sobre a logística da prova, no que tinha a ver com o seguro da prova, que é diferente do seguro dos pilotos que consta, este, de uma lista anual" (2,50). O AD… era o elo de ligação; a E… dava a conhecer ao Governo Civil ou à Câmara Municipal o evento; "foi esse o nosso papel"; "promoviam a pedido do elo de ligação, o senhor D…" (4,45). Esclareceu que a organização da prova é a que tem o nome, quer na apólice do seguro quer na correspondência trocada, seria, no caso os "F…" que tinham a receita e pagavam os cartazes (6,10). A E… colabora com a S…; a organização é de quem faz a pista e vende os bilhetes (7,00). O elo era o senhor D…, a quem "era solicitado o desempenho para o pedido de seguro… não sei porque não trataram diretamente; o D… dizia que lhe tinham pedido para desempenhar esse papel" (10,00). A E… era proponente do seguro, mas há um seguro para cada prova; eram tomadores mas quem pagava era a organização (13,20 e 14,30). A Companhia de Seguros faz um acordo com a E… e consoante aparecem pedidos a E… é tomadora para o preço ser mais económico (17,20). "Entidades federativas ou para-federativas é que têm o poder de dar a sua logística, independentemente do organizador da prova; há uma pessoa encarregada de ver o recinto, que seria o D… … o D… pediu a nossa autorização… foi pedida através do D… (22,40). O significado (constante de documento junto aos autos) da prova se realizar "sob a égide" da E… tem o sentido da prova ser fiscalizada e autorizada pela E…, pois é o que a formalidade exige e é o que "fazem lá em baixo", no entanto, "aqui não fiscalizaram" (51,20) … "temos o dever de fiscalizar… de ver as pistas novas… a pedido do nosso elo de ligação emitimos apenas a participação da prova… deviam fiscalizar, mas não fiscalizaram (52,50). Sobre o seguro, refere que foi enviado um cheque para seu pagamento, referente ao seguro de realização da prova. Mais esclareceu que não houve fiscalização da pista porque também não houve qualquer queixa e já lá tinham sido realizadas provas anteriormente… não foi solicitado (82,50); "atestaram mas não fiscalizaram… " (84,00). O que atestaram foi a pedido do D… e com base nas suas declarações (89,00). O depoente esclareceu ainda a diferença de participação e de seguro entre motociclista federado e não federado, mas não sabendo em concreto se a lista – dos federados com seguro – foi enviada para a prova. A E… pretendia desenvolver a modalidade e na altura distinguia-se da S….

N…, mulher do autor. Recorda-se da prova, embora não saiba o nome do local, "quem organizou foi os "G1…", porque foram quem chamou o marido e o avisaram da prova por telefone, "eram" o D…, que já o tinha convidado antes mas não recorda onde (4,00). O autor pagou dez euros, não sabe a quem; "o D… já lhes dissera onde se dirigir" (8,50). Havia talvez uns trinta corredores; depois de pagar deram um autocolante para a moto (12,20); nada foi dito sobre o seguro, mas normalmente o pagamento serve para um seguro; havia prémios económicos no final e também "copas" (taças), não se recorda do valor dos prémios (14,00). Não pagou entrada porque cada concorrente podia levar outra pessoa (15,30).

O…, irmã do autor. O irmão corria em Portugal e em Espanha. Lembra-se da corrida, em setembro de 2003, mas não do nome do sítio (3,05), embora o nome … a faça recordar. Veio à prova com o irmão, cunhada e amigos. Acha que quem organizou foi o D2…, que não conhece (3,50). O irmão pagou a inscrição, tal como os outros concorrentes, a um senhor que estava numa mesa (6,30). Deram-lhe um autocolante com o número; todos os que estavam na fila pagaram; havia aí uns quarenta ou cinquenta (7,40). Cartazes publicitários, muitos espectadores, 200, 300 (8,20). O irmão sabia quem organizava, era o D…, conhecido como D2… (9,20). A testemunha não pagou entrada porque entrou com um outro concorrente (10,30).

V…, motociclista, concorrente e amigo do autor. Viu a queda do autor. Pagou a inscrição, não recorda bem, 12 ou 10 euros. Não tem comprovativo. O dinheiro não sabe a que se destinava (2,00). "Eu pensava que a prova tinha que ter seguro… se não, para que era o dinheiro…, é preciso seguro em todo o lado" (2,40). O seguro era o da organização, mesmo que cada piloto queira ter um dele (3,05). O público pagava entrada, mas não sabe quanto; quem vinha com o piloto não pagava. Quem organizava… o D… que chamava por telefone… tinha outro nome… é D2… (4,45), era ele quem dava a cara, chamava "falava, recorriam a ele em qualquer problema… organizava a fila de partida" (5,20). "O seguro da AW… não serve para aqui… cada organização tem que ter um seguro (31,00) … a minha prioridade é correr, acredito que os outros cumprem a lei" (32,50). O reconhecimento do circuito foi a pé (56,00).

AI…, advogado e motociclista. Conhece o presidente da E… e já correu em …. Quando a pista era de motocross não lhe notou qualquer anomalia e apresentava segurança para os pilotos (4,45). A vistoria deve ser feita pelos pilotos e pela organização, mas não tem dúvidas sobre a segurança da pista. Quem organiza as provas naquela pista é a F… (6,05), pois essas organizações estão sempre a cargo de um clube local, mesmo que a E… colabore e apoie. Nas vezes que correu era sempre o club local o organizador, quem tem a pista a seu cargo (11,30). "Quanto ao apoio federativo, a organização candidata-se e tem que preencher requisitos; as federações verificam as pistas… estou a falar de acordo com a minha experiência, mas não posso comprovar o caso concreto… e quem convida? … as provas estando aprovadas são inscritas num calendário, terá sido isso" (13,05 e 15,40). Nunca participou em "corridas do D2…" mas já ouviu falar (19,00)… Se a organização também era da E…? … não participei, as deles eram no Sul. Se a E… disse que vistoriou e autorizou… não sei, não estive lá, em concreto não sei (24,30). A associação ou a federação não organiza provas, porque a função é levar o seu campeonato a ser lá disputado… mas "a minha experiência é tão só como piloto (28,40). Se era uma prova pirata? "Se foi um grupo que se juntou e organizou uma corrida e nem tem que haver vistoria… se não faz parte do campeonato e não foi vistoriada… então! (33,40)

AJ…, funcionário da Seguradora. A E… é habitual cliente da seguradora. Cada prova tem a sua apólice. O documento junto não é verdadeiro e não foi emitido naqueles termos pela agência (12,30). O seguro de acidentes pessoais é diferente do da prova e é para os associados ou federados; é para eles a apólice da E… (35,00), como condição de estar coberto. Não existe talão de cobrança e referente a 14 de setembro não existe na Companhia qualquer seguro da prova (39,50).

AM…, presidente da S…. Nada sabe quanto a esta organização, em concreto. Não conhece a E…. Há provas piratas, no sentido de não atenderem às regras da S…, mas não é a S… que autoriza, apenas emite parecer, são as câmaras que autorizam. Os organizadores são sempre clubes filiados na S…, "mas noutros casos há de tudo" (10,10). Na S… é esta que fiscaliza a pista, que visita o local; em concreto, não sabe. A E… – lembra-se pela referência a AD… – é agora federada, mas não sabe desde quando (29,20). A federação tem utilidade pública desportiva; no entanto e ao mesmo tempo, o associativismo é livre e qualquer prova se pode organizar desde que haja autorização da Câmara (31,50).

W…, locutor de rádio. Já acompanhou algumas provas, mas não esteve na prova em concreto. Na rádio divulgam todas as provas que são solicitadas, pois têm um programa sobre desportos motorizados. O D2…, o nome não sabe se é de família, mas é assim conhecido; acha que quando ele ia comentar provas não estava como organizador, ele era animador ou speaker. Não conhece o G…, nem sabe se existe (37,20). Não sabe quem construiu a pista, mesmo que não se admire que tenha sido o D… a desenhá-la, pois era solicitado por muitas organizações, "mas estou a especular" (42,10). O D2… tinha contacto com os pilotos, mas não sei se contactou um ou outro (54,30)

AP…, presidente do AQ…. Não esteve na prova. Para o seu AQ… o D2… é apenas um prestador de serviços e, às vezes, pagam-lhe (15,00). Não sabe se os outros pagam, pois o D… tem uma profissão. No seu caso é o AQ… quem organiza e escolhe os intervenientes. "qualquer um pode organizar uma prova pirata e tem acontecido por todo o País… aí quem organiza é quem de facto organiza (43,00).

X…, piloto internacional. Ligado ao AX… e conhecedor da pista de …, onde nunca correu mas viu provas. A pista há muito que é cotada como uma das melhores e com boa segurança (6,40). Conhece o D… desde que correu em motocross, nos inícios dos anos oitenta (7,30). O D… é convidado para a locução porque tem bom dom da palavra e já teve vários convites do motoclub da testemunha; no entanto, não tem conhecimento que ele organize (9,00); o júri costuma ser o da organização e não é o D… (10,20). As corridas em … são concorridas, estarão aí umas três mil pessoas (11,30). A testemunha não esteve na prova. Ao D… costumava pagar "em géneros" para a moto, talvez em valor de uns quarenta euros (13,40). O D… é pessoa conhecida dos pilotos, com facilidade da palavra, é um animador e conhecedor da modalidade (17,00). Quem faz a bilheteira e entrega os prémios é a organização e não conhece provas que o D… tenha organizado (23,50). Do "G…" não conhece o rosto, se ouve falar é de praticantes que gostam da modalidade, nada de oficial (28,00). Se a E… tem relação com o D2…? "Tem contactos para poder organizar as provas (32,50)… para poder estar e é a E… que organiza o L… pois ela é que tem licença. Esclarece que é a E… que organiza (34,20)… isto pode comprometer alguns entendimentos… a minha opinião é que ele não organiza, a E… é que organiza …" (35,20). O G… não podia organizar porque é preciso uma entidade oficial e desconheço os "G…" como organizadores (37,40). O G… é subentendido ser um conjunto de pessoas e o D2… é só uma. O D…, para organizar provas tinha que estar integrado num conjunto de pessoas, para oficializar a situação (51,20)

AS…, vendedor de troféus. Refere que quem vai levantar os troféus são os organizadores das provas ou alguém a seu mando; que não "está a ver o D2… como organizador" e que ele nunca comprou taças ou foi lá levantar taças para … (11,00 e 18,00).

AT…, patrocinador de algumas provas e mecânico de motos; esteve ligado ao AU…. Refere que era o M1… quem ia pôr os cartazes ou ia alguém da organização dele (9,50). Na prova foi o D… quem fez a partida e quem comentou a prova (15,10) O D… é uma pessoa conhecida na matéria e é comentador da prova (18,10), uma pessoa que os pilotos conhecem bem. A testemunha, sempre que não patrocinava a prova, pagava bilhete (25,00) e era o pessoal da freguesia, do grupo dos Amigos que cobrava bilhetes (25,50). "O M1… era o maior daquilo tudo" (26,05). A testemunha não conhece o G…, mas "ouço falar, realmente" (84,00). Esclarece que já viu o senhor D… "a baixar saltos" (da pista), ele e outros em provas de motocross, mesmo no próprio dia da prova (91,00).

AV…, publicitário e fiscal de pista. Assistiu à prova e apercebeu-se do acidente. Foi contactado pela "F…." e ganhou quarenta euros (2,20). Conhece bem o D…, aí há uns 20 anos (6,20); ele não tirava lucro desta prova, era o speaker, que é como um comentador, diz quem vai à frente, etc. (7,00). A organização da prova era dos Amigos e quem dava a cara era o senhor M1… (7,30). O D… não recebia os participantes, era alguém que lá estava (10,00). Havia bilheteira (11,00). O pessoal dos F… é que estava na cobrança (11,20). Nesta prova o D… recebeu 50 euros (15,00). Naquela altura havia aí uns dois mil e tal espectadores (16,00). O D… foi o comentador; era conhecido por D2…; às vezes – outras vezes – contactavam o D… e "penso que a Associação tinha regulamento para fazer provas… mandavam os papéis para as câmaras (36,40). O D… não estava na mesa do júri (47,40). O G… não organiza nada, é um nome, que "existir não existe"… não sei; a divulgação da prova foi dos Amigos (57,50).

K…, operário da indústria automóvel e cronometrador. Fez a cronometragem em 2003 e foi contactado "pelos F…". A testemunha entendeu o senhor M1… "como timoneiro". O Eng. AY… esteve com a testemunha nesta prova e ambos fizeram a cronometragem, como já tinham feito noutras provas e foi contactado pelos F… (5,20). A receção foi feita numa portaria pela organização e não era o D…; pilotos e público entravam em separado (8,00) A testemunha recebia a inscrição dos pilotos (valor monetário)… talvez dez euros, que era uma taxa acordada com a organização (12,40). A testemunha admitia o piloto e a moto, mas só a confirmar; controlava a moto e os dorsais (14,40). Não recebeu propriamente instruções porque se trata de uma coisa pré-definida; o dinheiro das inscrições, entregou-o ao D… (16,00). Foram seguramente mais de vinte pilotos; A testemunha e o AY… atribuíram a classificação (18,10). A função do D… era ir animar e fazia parceria com a cronometragem. O pagamento foi feito no local, no fim; "trinta euros, eu" (22,20). Quanto à contratação do seguro, "não sei" (31,00). "Não sei se existe ou se não existe o G…" (41,30).

Y…, espectador da prova. A testemunha diz que tinha um colegas que andavam de moto e que apreciavam as corridas e lhe disseram que ia haver "o campeonato Z…" (2,10), que aquela prova contava para o campeonato. A testemunha diz que viu lá "pessoas com camisolas e coletes do Z…" e acha que não era a F… a organizar. A testemunha não é pessoa que andasse muito a par das corridas (6,10) mas "viu o D2… em contacto com os pilotos" (8,00). "Os pilotos iam ter com ele (8,40)... eles andavam identificados com coletes, na pista, e o D… também" (9,30). A testemunha diz que assistiu sem pagar e acha que ninguém tinha que pagar, mas comprou uma rifa no decorrer da prova; não viu ninguém nas bilheteiras (17,00). Viu coletes que diziam "G…" (28,00). A carrinha onde se juntou o D… estava no meio dos pilotos (37,40).

AB…, espectador da prova. Foi a várias provas convidado pelo C…, que conhece há mais de vinte anos e também conhece o presidente da F…. O D… era o D2… (4,30). Conhecia o D… e foi ele quem organizou a prova; o D… era a organização (7,40), que estava identificado com um colete (8,10). "O D… dizia-lhe que já tinha uma prova organizada, Queres vir?" (8,30). Ele tinha um club e um campeonato; no fim da prova dava os pontos. "Ali e em outras provas foi o D… quem o convidou" (10,30). Ele organiza muitas provas na região, quase em todas as freguesias, "era animador, mas com colete da organização e era o que fazia em todos os lados" (14,15). Os coletes eram parecidos com os que se trazem nos carros e, quando era t-shirt era mais para o lilás; "nesse dia pareceu-me" que estava com t-shirt (17,10) com as letras atrás. "Costumava estar um bandeirinha em cada salto, mas só vi três do G… (19,00). Bilheteira? – "Nunca paguei, não estava ninguém na bilheteira" (19,50). Viu o D… a dar as voltas no intervalo de cada manga (21,10) e os outros dois do G… também estavam dentro da pista (24,00), mas havia mais, equipados de escuteiros e com o colete por cima (24,50). Havia muita publicidade; andavam a vender umas rifas; pessoas que estavam lá, aí umas oitocentas ou novecentas (27,20). "Conheço o D… há mais de vinte anos e era com ele que tinha ligação, que o M1…, na altura nem o conhecia (32,00)

AC…, espectador da prova. É amigo do senhor M…. Esteve na prova mas não até ao fim. Costuma ir ver estas provas e já antes (desta) tinha visto outras. "Não conhece o D…, mas ele costuma patrocinar as provas e os G…" (3,40). "Viu no jornal a prova e a referência aos G…" (5,10). "O D… estava com a bandeirinha de xadez e também estava sempre com o micro" (6,30), mas não sei quem organizou (7,00). "Não sei o que é o G…" (8,20). Havia lá muita camisola, mas "não me lembro" (14,15).

Além da prova por depoimento de parte e da testemunhal, realçamos os documentos juntos aos autos. Desses documentos (analisados e conjugados com toda a restante prova) destacamos os seguintes:
- Fls. 25: Calendário de provas previstas para o ano de 2004 para o L…, com a referência, no canto esquerdo ao "G…";
- Fls. 100/103: Certidão da escritura de constituição da F…[24] ";
- Fls. 105: Cartaz publicitário relativo à prova de 14.09.2003[25].
- Fls. 106: Comunicação dirigida pela E… à Câmara Municipal …, onde se refere, além do mais que se dá "informação sobre a realização de uma prova de motocross, sobe a nossa égide, e realizada pela F… na pista de …, no próximo dia 14 de setembro de 2003";
- Fls. 107: Comunicação semelhante, dirigida ao Comando Geral da GNR, referindo que a prova, a realizar em recinto fechado, "respeitando as regras de segurança para o público e pilotos por nós fiscalizado e autorizado na pista de "…" no próximo dia 14" (…) Mais se refere que "A prova é organizada pela "F…" (…);
- Fls. 109: Uma declaração da mesma associação, dirigida ao 1.º réu, onde o mesmo vem referido como "nosso colaborador em 2003 nas provas desportivas da região Norte que ele superintende";
- Fls. 111: Uma comunicação, datada de 1 de agosto de 2006, dirigida à E… pelos Bombeiros de …, onde se informa que a Associação de Bombeiros esteve de prevenção "no dia 14 de setembro de 2003, evento organizado pela F…, dando cobertura com 4 viaturas e 14 bombeiros".
- Fls. 117/118: Uma apólice de seguro, "pretensamente" destinada à cobertura do risco da prova de 14.09.2003.
- Fls. 436: Uma informação da S…, esclarecendo que a F… é sua associada; que essa F… é organizadora de provas de Supercross em pistas próprias, "para o efeito na localidade de …" e que "Qualquer piloto estrangeiro é obrigado a apresentar licença desportiva da modalidade válida, bem como, estar autorizado pela sua Federação a participar na prova";
Fls. 497: A "Autorização" concedida à F1… para a realização de "…, na freguesia …, no próximo dia 14 de setembro de 2003";
- Fls. 676: Informação do Posto da GNR de …: "a pista onde se realizou a prova de motocross no dia 14/09/2002, está situada na área deste Posto, mas o espetáculo não foi policiado por esta Guarda, uma vez que não foi requisitada pela entidade organizadora";
- Fls. 962/963: Certidão comprovativa da inscrição da propriedade do terreno onde se realizou a prova;
- Fls. 964: Contrato de cedência gratuita do terreno, à F…, destina da pista de Motocross;
- Fls. 1051 a 1061: processo administrativo camarário relativo ao licenciamento da prova de "…", realizada a 14.09.2003[26].

Da análise de toda a prova concluímos o seguinte:

1 – A prova testemunhal, propriamente dita, revela-se confusa na determinação concreta do que efetivamente sucedeu no dia da prova, no sentido de esclarecer com exatidão quem se apresentava no local como organizador do evento e por esse mesmo evento responsável. Os testemunhos são contraditórios quanto à colocação ou não do réu D… nessa posição, no terreno. A este propósito é precária a prova que revela estar o referido réu no local com a identificação de organizador e, mais que isso, como efetivo organizador. A referência ora a coletes, ora a camisolas, ora a uma t-shirt, correspondendo ao equipamento desse réu é tudo menos clara. Entre esse tipo de peças e as cores que variam entre lilás, amarelo, verde/amarelo, laranja e xadrez, necessariamente referidas à mesma ocasião e pessoa, há uma incongruente variação de depoimentos. E não são mais consistentes, por outro lado, os depoimentos que sistematicamente colocam o réu D… fora de qualquer e mínima atividade organizativa.
2 – A ligação do réu D… ao denominado G…, no sentido em é que dada como provada, também não tem, em nosso entender, sustentação bastante. Que esse réu "é o D2…" não haverá qualquer dúvida, mas que o G… tenha sido o veículo organizativo desta prova parece-nos que ficou por provar. A referência na fundamentação de facto a um sítio da internet enquanto fundamento para a impossibilidade do réu desconhecer – e, por isso, atuar – através do G… não pode, com todo o respeito, ter sustentação, porquanto é uma prova sem contraditório e com o perigo a ela inerente: basta pensar que qualquer pessoa pode criar e comentar um sítio da internet, simulando ser pessoa diversa.
3 – As incongruências dos depoimentos testemunhais mais devem realçar o valor das explicações dadas pelos depoimentos de parte e, em especial, a prova documental. Por uns e pela outra resulta claro qual tenha sido a intervenção mínima do réu e das chamadas, em relação à prova onde o autor se acidentou. É inequívoca a intervenção – reconhecida e confessada – da F1…, a participação da E… e a intervenção do réu D…, desde logo em ligação com esta última E…. Sem embargo e tal como se referiu na fundamentação da 1.ª instância, são pertinentes os testemunhos da mulher, da irmã e do companheiro de corrida do autor, quando referem com clareza o contacto que foi feito pelo réu D….
4 – Dos documentos, da prova testemunhal ou sequer dos depoimentos de parte não resulta qual tenha sido o benefício económico que haja sido auferido – se o foi – pelos réu e chamadas, sem embargo de ser convincente a generalidade dos depoimentos que indicam que os espectadores tinham que pagar um ingresso, fosse um bilhete ou uma rifa.
5 – Finalmente, entendemos que as respostas dadas aos quesitos envolvem, em alguns casos e nomeadamente no relevante facto n.º 6, um sentido claramente conclusivo, que deve ser eliminado.

Com base nas considerações anteriores, suportando-nos no conjunto da prova que detalhadamente deixámos transcrita, entendemos que os factos impugnados devem passar a ter a seguinte redação (nada havendo a alterar, no entanto, ao facto 78[27]):

6 - No dia 14 de setembro de 2003, teve lugar uma prova desportiva de Motocross, organizada pelo réu D… e pelas chamadas E… e F….
6 - No dia 14 de setembro de 2003, teve lugar uma prova desportiva de Motocross[[28].

7 - A prova teve lugar em terrenos particulares pertencentes a P… e Q….
7 – Não provado[29].

8 – O réu D… liderava um grupo denominado “G…” que, em parceria com outras associações, organizava provas de Moto e Ralicross, relativas a um campeonato denominado “L…”, do qual fazia parte a prova do dia 14 de setembro de 2003.
8 - O réu D…, conhecido como "D2…", está associado ao intitulado “G…” que dá nome a alguns troféus ou provas de motocross na região Norte[30].

9 - O réu D… e as intervenientes E… e F… obtinham lucros das provas que organizavam.
9 – Não provado.

11 - Deslocou-se ao recinto da Junta de Freguesia, 2ª Ré e dirigiu-se à organização da prova que o réu D… assumia, tendo pago a sua inscrição e participou na prova de Motocross que nesse dia 14 de setembro os réus organizaram.
11 - Deslocou-se ao recinto da prova e dirigiu-se à organização que o réu D… para ele, autor, assumia, tendo pago a sua inscrição e participou na prova de Motocross que nesse dia 14 de setembro teve lugar[31].

13 – Tal valor constitui parte dos lucros e proveitos económicos que os réus D… e as intervenientes E… e F… recebem com a organização das provas desportivas.
13 – Tal valor constitui parte das receitas da prova[32].

56 - O réu D… era coorganizador da prova em causa, no âmbito da qual, além do mais, assumia o papel de “speaker”, ou comentador desportivo.
56 – O réu D…, além do mais, assumia o papel de “speaker”, ou comentador desportivo[33].

57 – O réu D…, mercê da sua extensa carreira como piloto de provas desportivas, tinha especiais conhecimentos da modalidade, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas que coorganiza, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.
57 - O réu D…, mercê da sua extensa carreira como piloto de provas desportivas, tinha especiais conhecimentos da modalidade, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal[34].

59 - E conhece grande parte dos pilotos que normalmente participam nas provas, as instâncias associativas e federativas e respetivos sujeitos, bem como as burocracias subjacentes, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas que coorganiza, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.
59 - E conhece grande parte dos pilotos que normalmente participam nas provas, as instâncias associativas e federativas e respetivos sujeitos, bem como as burocracias subjacentes, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal[35].

68 - O réu D…, enquanto coorganizador, preocupou-se com tal reconhecimento por todos e pelo autor.
68 - O réu D…, nas funções que exerceu, preocupou-se com tal reconhecimento por todos e pelo autor[36].

73 – O réu D…, sabendo que a F… contestante detinha um recinto desportivo para provas motorizadas, abordou-a no sentido de aí levar a efeito a realização de uma prova de motocross do seu campeonato G…, prova desportiva que viria a ocorrer em 14/setembro/2003.
73 - O réu D… sabia que a F… contestante detinha um recinto desportivo para provas motorizadas e disponibilizou-se para tratar de questões logísticas destinadas à realização da prova desportiva que viria a ocorrer em 14/setembro/2003[37].

74 - Nessa qualidade, o réu D… contactou com os pilotos, com a F… contestante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de motocross, com a respetiva entidade federativa, a E….
74 - O réu D… contactou com pilotos, com a F… contestante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de motocross, com a E….

75 – A F… foi contactada pelo réu D…, para organizar a prova em causa, cabendo à primeira oferecer o recinto desportivo, suportar o custo das máquinas para a construção da pista, enquanto o réu ficou com a incumbência de contactar os concorrentes, decidir da admissibilidade das respetivas inscrições, cobrar os valores dessas inscrições, ordenar o decorrer da prova e controlar a atribuição da respetiva classificação final.
75 - A F… e o réu D… contactaram para organizar a prova em causa, cabendo à primeira, pelo menos, ceder o recinto desportivo, suportar o custo das máquinas para a construção da pista, e ao réu, pelo menos, a incumbência de contactar concorrentes, decidir da sua admissibilidade e ordenar o decorrer da prova.

76 - A E… desconhece de todo quais os concorrentes que podiam participar na prova em causa, cabendo as autorizações individuais de inscrição ao réu D… e à E…, as quais fiscalizavam as inscrições e licenças desportivas e os seguros legais obrigatórios de cada participante.
76 - A E…, tendo como elo de ligação o réu D…, era responsável pela fiscalização das condições do recinto da prova, comunicação para a licença camarária e seguro da prova.

79 - O réu D… coorganizou a prova, levando ainda a efeito as funções de Speaker e de comentador, pelo facto de ser jornalista e possuir vários conhecimentos técnicos e humanos na área dos desportos.
79 - O réu D…, além do mais, levou a efeito as funções de Speaker e de comentador, pelo facto de possuir vários conhecimentos técnicos e humanos na área dos desportos motorizados[38].

81 - Organizações que o réu D… ainda hoje leva a efeito nos mesmos moldes, em todo o norte do País.
81 - Não provado.

Nos termos do artigo 712, n.º 2 do CPC, na reapreciação da matéria de facto, o tribunal tem em consideração o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, mas sem prejuízo de atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Por outro lado, de acordo com o n.º 4 do mesmo normativo legal, e porque dos autos constam todos os elementos probatórios relevantes, a Relação, substituindo-se à 1.ª instância, deve oficiosamente afastar qualquer obscuridade ou contradição da matéria de facto.

A citação dos normativos que antecede fundamenta, agora, o nosso entendimento que, uma vez reapreciada matéria de facto e fixada a daí resultante, porque passava a haver contradição entre os factos fixados e o facto 80, este deve ser eliminado. "Facto" esse que, além do mais, se revela conclusivo e sem interesse para a decisão da causa. Em conformidade, eliminamos o ponto 80 da matéria de facto ("São públicas as organizações e capacidades do réu D…, para realizar tais eventos e provas que se desenrolam no norte de Portugal, por intermédio do seu G… e pela própria E…").

Por outro lado, mas ainda na mesma sede, o tribunal deve considerar como não escritas as respostas sobre questões de direito, nos termos do artigo 646, n.º 3 do CPC.

Salvo o devido respeito, parece-nos manifesto que, quer no "facto" 88 quer no 90 (da sentença) a referência à falsidade envolve uma verdadeira e conclusiva questão de direito, que deve ser apartada da matéria de facto. Eliminando essa referência, aqueles factos devem passar a ter a seguinte redacção:

88 – O documento de fls. 117 constituí um documento falso, decorrendo de uma montagem decalcada de um documento idêntico contratado para uma prova de … (Doc. 4), tendo sido manipulado o número do recibo, mantendo o número da apólice e o valor do recibo, apesar deste nunca ser igual neste tipo de seguro, por depender do número de participantes.
88 – O documento de fls. 117 decorre de uma montagem decalcada de um documento idêntico contratado para uma prova de Vizela (Doc. 4), tendo sido manipulado o número do recibo, mantendo o número da apólice e o valor do recibo, apesar deste nunca ser igual neste tipo de seguro, por depender do número de participantes

90 - A falsidade do mesmo resulta ainda patente do facto de, tratando-se, alegadamente, de um recibo com o nº ……, na contabilidade da chamada apenas existirem emitidos recibos com esse número, no ano de 2003 para as apólices 60/……., 60/……., 86/……. e 34/…… (cf. docs. 5 a 12), que nada tem a ver com as pessoas, datas, apólice e coberturas que constam do doc. 15, junto com a contestação do réu D….
90 - Trata-se de um recibo com o nº …… quando na contabilidade da chamada apenas existirem emitidos recibos com esse número, no ano de 2003 para as apólices 60/……., 60/……., 86/……. e 34/…… (cf. docs. 5 a 12), que nada tem a ver com as pessoas, datas, apólice e coberturas que constam do doc. 15, junto com a contestação do réu D….

Prosseguindo.

Ainda relacionado com a matéria de facto, quer o réu quer a chamada, E…, entendem que houve violação do artigo 664 do CPC, quando o tribunal deu como provados factos não alegados. O réu refere-se a eles na sua conclusão p)[39] a e a chamada especifica os factos 6,9,13,57 e 80.

Cumpre assim apreciar 1.5.2.3Se houve violação do artigo 664 do CPC, ao darem-se como provados dois factos não alegados (conclusão p) e 1.5.3.3Se a responsabilidade da recorrente não está materializada em qualquer facto, mas em meras asserções conclusivas, violando o artigo 264 do CPC, tendo-se violado o artigo 664 (com referência ao 264, ambos do CPC) por o tribunal ter assentado a condenação da recorrente em factos não articulados, a saber, os 6, 9, 13, 57 e 80 (conclusões 16 e 21).

Nos termos do artigo 664 do CPC, na parte que ora interessa, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, ainda que sem prejuízo do disposto no artigo 264 do mesmo diploma legal, ou seja, sem prejuízo de o juiz poder atender ao disposto aos factos, que não carecem de prova e também aos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.

No caso presente, contrariamente ao que defendem os recorrentes, não vemos como possam considerar que os factos apurados não hajam sido alegados, quando a base instrutória remete para os articulados. Por outro lado, não pode confundir-se a instrumentalidade de determinado facto com a prova de um facto essencial, nem sequer a fundamentação com a prova.

Relativamente às objeções do 1.ª réu, é manifesta a sua improcedência: fundamentar-se a decisão da matéria de facto na existência de um contacto telefónico é manifestamente instrumental à conclusão de ter havido contacto com o piloto. Por outro lado, o facto 8 resulta do alegado, ou melhor dito, da resposta explicativa ao alegado pelo autor. Não pode esquecer-se que está em causa a organização de um prova – organização que o autor imputa ao 1.º réu – e as respostas explicativas – não ultrapassando o facto essencial – instrumentalizam a conclusão que há de retirar-se. Sem embargo, a própria objeção do recorrente carece agora de objeto, a partir do momento em que se modificou, por reapreciação da prova, o aludido facto.

As mesmas considerações valem para o recurso da E…, quanto aos factos que, em seu entender, não se suportam em matéria alegada. Importa dizer que a recorrente foi chamada ao processo, em razão do que dissera o 1.º réu na sua contestação e que, relativamente a si, a petição não imputava qualquer organização. Seja como for, os factos invocados pela recorrente, um é claramente instrumental – relativos à eventual organização da prova (57) – e os que o não eram foram eliminados (9, 80) ou modificados relevantemente, ou seja, sem a imputação que anteriormente era feita à recorrente (6,13).

Por tudo, nada mais vemos a alterar à matéria de facto.

Em conformidade com quanto se deixa dito, transcrevemos agora os factos apurados e reapreciados, nestes termos procedendo parcialmente os recursos da chamada e do réu:

Da Base instrutória
5 - O Autor era praticante de desportos motorizados participando em provas desportivas em Espanha e em Portugal.
6 - No dia 14 de setembro de 2003, teve lugar uma prova desportiva de Motocross.
8 – O réu D…, conhecido como "D2…", está associado ao intitulado "G…", que dá nome a alguns troféus ou provas de motocross na região Norte.
10 - Em 14 de setembro de 2003 o Autor veio a Portugal, após ter tido conhecimento da organização de tais provas.
11 - Deslocou-se ao recinto da prova e dirigiu-se à organização que o réu D… para ele, autor, assumia, tendo pago a sua inscrição e participou na prova de Motocross que nesse dia 14 de setembro teve lugar.
12 - O recinto onde ocorreu a prova está destinado a receber a visita de milhares de espectadores que demandam este tipo de espetáculos, que pagam as suas entradas.
13 – Tal valor constitui parte das receitas da prova.
14 - O A. corria sempre em tais provas com uma moto, especialmente preparada para estas provas, de marca KTM de 250 cc de cilindrada.
15 - No decurso da prova o autor teve um acidente.
16 - Depois de concretizar um salto, com a altura de cerca de 1, 50 m, por razões não apuradas, o autor não conseguiu controlar o seu veículo na quarta curva (relevê) subsequente ao salto, ficando a moto imobilizada no topo do talude, enquanto o autor foi projetado para fora da pista, caindo numa vala que constituía um rego para desvio de águas, melhor documentada no doc. 5, junto com a P.I., que existia na base exterior do talude, vala essa que se situava a uma altura de ¾ metros do topo desse talude e à distância de cerca de um metro da rede malha sol.
17 - Em tal embate, pese embora viesse protegido pelo capacete e fato próprio e luvas e toda a panóplia de aparelhos de proteção.
18 - Como consequência do acidente o Autor sofreu lesões graves tendo ficado paraplégico e atirado definitivamente para uma cadeira de rodas.
19 - O autor não tinha, ele próprio, seguro de acidentes pessoais, nem fazia parte da listagem de fls. 228, da qual consta a identidade dos pilotos cobertos pelo seguro de grupo do qual figura como tomador a chamada E….
20 - Nas saídas de pista, havia buracos, montes de terra e pedras não visíveis para quem circulava na pista, totalmente desprotegidos e não assinalados.
21 - Aquele terreno foi muitas vezes usado para realização de provas desportivas.
22 - A prova em que o A. participou não estava inscrita na S….
23 - Após o acidente foi o A. imediatamente transportado para o Hospital de Guimarães, após o que foi transferido para o Hospital de São Marcos em Braga.
24 - Após dois ou três dias de internamento foi o A. transportado para o Hospital Juan Canalejos, na cidade da Corunha, em Espanha.
25 - O A. foi sujeito a internamento no Hospital de São Marcos, em Braga, onde lhe diagnosticaram que havia sofrido:
-fraturas complexas das vértebras D4-D5 e D6 com luxação D3-D4,
-paraplesia completa secundária,
-fraturas de vértebras e costelas com perfuração pulmonar e do hemotórax bilateral predominantemente direito.
26 - Ainda no Hospital de São Marcos foi o A. submetido a tratamentos da lesão medular.
27 - Após ter sido tratado e obtida a estabilização hemodinâmica foi transferido para o Hospital Juan Canalejos em Corunha, Espanha, onde lhe realizaram os seguintes exames:
-TAC torácico, hemotórax bilateral de preominio direito, verificando-se pequenas áreas de contusão no pulmão esquerdo.
-RNM à coluna, verificando-se fraturas nas vértebras D4-D5-D6 com luxação D3-D4 e provável secção (corte) medular o nível das vértebras D4-D5.
-TAC à coluna (3-11-03) verificando-se luxação nas vértebras D3-D4, e fraturas complexas D4-D5-D6 com dados de consolidação.
28 - Em fevereiro de 2004, foi feita nova avaliação do A, onde se constatou novamente o corte total da medula, pelo que o A está paraplégico.
29 - Apesar dos tratamentos de reabilitação, não mais se pode deslocar pelos seus próprios meios, tendo que se deslocar em cadeiras de rodas.
30 - Necessita, a partir de agora de uma alimentação extremamente cuidada, não pode ingerir muitos líquidos, não pode ingerir fruta (ou deve evitá-la) e verduras.
31- Uma vez que contém elevada quantidade de água.
32 – O autor tem necessidade de mecanismos para urinar e perdeu a capacidade sexual.
33 - O seu aparelho intestinal está deteriorado e o facto de se deslocar em cadeira de rodas obriga à tomada de laxantes e a um rigoroso programa de evacuação intestinal.
34 - Sem possibilidade de se locomover o A. tem necessidade permanente de quem de si se ocupe.
35 - Necessita de higiene e cuidados particulares sobretudo no domínio do funcionamento intestinal.
36 – E tem de fazer fisioterapia toda a vida.
37 – E não mais poderá ter filhos, nem realizar-se sexualmente, sendo que mesmo que recorrendo a processos de fecundação, não mais terá uma relação sexual normal.
38 - À data do acidente, o autor era um homem na força da idade, na força da vida, recém-casado, com um emprego estável.
39 - Por força do acidente, não mais pode exercer a sua atividade profissional de motorista de pesados, e revela mesmo uma incapacidade de 100%.
40 - As sequelas de que o autor ficou a padecer são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual (motorista profissional) sendo no entanto compatíveis com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional.
41 - Durante os perto de cinco meses de internamento, o A. sofreu violentíssimas dores com o acidente, com os tratamentos que sofreu, com as intervenções cirúrgicas a que foi submetido e continua agora a sofrer dores intensas e obrigado a uma vida toda feita de incapacidade e condicionalismos.
42 - Só com a ajuda de uma pessoa pode deslocar-se e fazer a sua higiene pessoal.
43 - No futuro terá que viver permanentemente dependente de uma cadeira de rodas.
44 - Psicologicamente está destroçado, sabe que não pode recuperar, as lesões são irreversíveis, não pode ter filhos, terá necessariamente de depender de uma terceira pessoa.
45 - As sequelas físicas que o A. sofreu são gravíssimas e a deficiência do seu corpo é horrível com uma diminuição do corpo da cintura para baixo.
46 - O A. tem que aprender a viver uma vida de todo em todo desconhecida para si, limitada, consciente da sua incapacidade, facto que inquina definitivamente o seu equilíbrio psicológico.
47 - Necessita de viver em casa ou apartamento que supere as barreiras arquitetónicas.
48 - A agravar toda a sua situação é o facto de o A. se ter tornado “ um peso” um fardo na vida da sua família.
49 - Sua jovem mulher teve que abandonar o seu trabalho para se dedicar exclusivamente ao autor e se procurar realizar-se profissionalmente terá que contratar uma pessoa que exclusivamente se dedique ao autor.
50 - O Autor sofre de uma IPG de 80%.
51 – À data do acidente, o autor auferia um salário mensal de 820,27 euros.
52 - Devido à incapacidade de que ficou a padecer, o autor necessita da ajuda de outras pessoas para realizar a sua atividade diária, nomeadamente os tetraplesistas.
53 - O autor teve de comprar uma casa adaptada às necessidades do incapacitado.
54 - Durante o período de incapacidade temporária, o acompanhante do autor teve de suportar os custos da estadia no hospital, no valor de 1 200€.
55 - O réu D… não é associado da referida F… nem reside na freguesia ….
56 - O réu D…, além do mais, assumia o papel de “speaker”, ou comentador desportivo.
57 – O réu D…, mercê da sua extensa carreira como piloto de provas desportivas, tinha especiais conhecimentos da modalidade, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.
58 – O referido réu tem ainda experiência na locução radiofónica de programas de desportos motorizados, sendo colaborador desportivo na T…, em Vila Nova de Famalicão, bem como na U….
59 - E conhece grande parte dos pilotos que normalmente participam nas provas, as instâncias associativas e federativas e respetivos sujeitos, bem como as burocracias subjacentes, conhecimentos esses que põe ao serviço das provas, em direta colaboração com E… e com as associações locais, provas essas, que se desenvolvem no norte de Portugal.
60 - A organização desta prova decorreu com grande divulgação pública, através da U…, múltiplos cartazes e contactos pessoais.
61 - Na pista e na sua entrada, eram visíveis reclamos alusivos à chamada F1…, sediada no interior da pista.
62 - Em alguns desses cartazes, quem formalmente surge como entidade organizadora, é a chamada F1….
63 - A referida F… tem existência jurídica formal, desde 7 de março de 2003, órgãos sociais e estatutos próprios e o seu objeto inclui a organização e realização de provas desportivas.
64 – Foi a E… quem comunicou a prova às entidades administrativas (C.M., Bombeiros Voluntários e GNR de …), prova essa que, segundo referia, era realizada pela F1…, sob a sua própria égide, figurando ainda como tomadora no seguro de acidentes pessoais que cobre todos os pilotos que adquiram a qualidade de associados.
65 – A prova decorria em percurso previamente determinado.
66 - O acesso a tal percurso estava interdito a todas as pessoas com exceção dos pilotos.
67 - Foi exigido a todos os pilotos, e logo ao autor, pela Organização, o prévio reconhecimento da pista a pé e de moto nos treinos livres e dos obstáculos eventuais.
68 - O réu D…, nas funções que exerceu, preocupou-se com tal reconhecimento por todos e pelo autor.
69 - Aquando do reconhecimento da pista não foi denunciada a existência de qualquer dificuldade da pista, ou de algum valado ou buraco.
70 – O público estava separado da pista por uma rede.
71 - A presença da GNR e dos Bombeiros assegurou a ordem e os primeiros socorros.
72 - A organização da prova tomou cuidados de primeiros socorros com a presença de quatro ambulâncias e respetivos bombeiros.
73 – O réu D… sabia que a F… contestante detinha um recinto desportivo para provas motorizadas e disponibilizou-se para tratar de questões logísticas destinadas à realização da prova desportiva que viria a ocorrer em 14/setembro/2003.
74 - O réu D… contactou com pilotos, com a F… contestante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de motocross, com a E….
75 – A F… e o réu D… contactaram para organizar a prova em causa, cabendo à primeira, pelo menos, ceder o recinto desportivo, suportar o custo das máquinas para a construção da pista e ao réu, pelo menos a incumbência de contactar os concorrentes, decidir da sua admissibilidade e ordenar o decorrer da prova.
76 - A E…, tendo como elo de ligação o réu D…, era responsável pela fiscalização das condições do recinto da prova, comunicação para licença camarária e seguro da prova.
77 - A F… cobrou o valor das entradas dos espectadores, pois competia-lhe divulgar a prova, requisitar o policiamento, os bombeiros e a assistência médica da prova e pagar o seguro obrigatório do evento desportivo.
78 - Apesar da F1…, através do seu presidente, ter emitido um cheque e entregue esse cheque ao réu D…, com vista ao pagamento do respetivo prémio, facto é que o seguro obrigatório de evento desportivo, contra terceiros, não chegou a ser contratado com a Companhia de Seguros B…, S.A.
79 - O réu D…, além do mais, levou a efeito as funções de Speaker e de comentador, pelo facto de possuir vários conhecimentos técnicos e humanos na área dos desportos motorizados.
82 - A pista onde decorreu a prova é considerada pelos pilotos da especialidade como uma das melhores do norte de Portugal, com excelentes condições de segurança.
83 - As pistas para provas de Motocross fora da via pública estendem-se em terreno natural, os obstáculos existentes são delimitados por fitas e rede apropriada e a sua existência é característica natural do Motocross.
84 - De todo o modo, a prova em causa foi comunicada a todas as entidades oficiais e decorreu em percurso previamente delimitado, em recinto vedado e fechado ao público e aos concorrentes.
85 - O acesso a tal percurso estava interdito a todas as pessoas com exceção dos pilotos.
86 - A proposta de seguro, cuja cópia está junta aos autos a fls. 117, jamais foi entregue nos serviços da “B…, S.A.”, nunca foi por esta aceite, nem sequer levada ao seu conhecimento.
87 - O autor não fazia parte da listagem enviada pela E… para a “B…, S.A.”, relativa à apólice n.º 60/……., emitida por esta última, como sendo um dos participantes da prova em causa nestes autos.
88 – O documento de fls. 117 decorre de uma montagem decalcada de um documento idêntico contratado para uma prova de … (Doc. 4), tendo sido manipulado o número do recibo, mantendo o número da apólice e o valor do recibo, apesar deste nunca ser igual neste tipo de seguro, por depender do número de participantes
89 - Tal documento do qual está apenas cópia junta, nunca foi emitido pela chamada, nem subscrito com o conteúdo que dele consta nas datas nele apostas como de início e termo de seguro (14/09/2003), a numeração do recibo (……), o indicado período a que respeita (14/09/2003 a 14/09/2003) e a data final (setembro de 2003) que foram fraudulentamente ali colocadas.
90 - Trata-se de um recibo com o nº …… quando na contabilidade da chamada apenas existirem emitidos recibos com esse número, no ano de 2003 para as apólices 60/……., 60/……., 86/……. e 34/…… (cf. docs. 5 a 12), que nada tem a ver com as pessoas, datas, apólice e coberturas que constam do doc. 15, junto com a contestação do réu D….
91 - O recibo tal qual consta da cópia junta, nunca foi emitido pela chamada, não consta nem nunca constou da sua contabilidade, nem corresponde a qualquer prémio da apólice cujo número dele consta, dado que trata-se de uma apólice de seguro temporário com prémio único mas referente a outro período e prova.
92 - A E… nunca recebeu qualquer documentação do piloto, nomeadamente, licença desportiva de qualquer federação ou associação que fosse.
93 - A E… não assume formalmente a organização de tal prova por estar em causa uma “prova pirata”.
94 - A E…, como entidade promotora deste desporto – motocross - era, como ainda hoje é, possuidora de um seguro desportivo, inclusive e para alem do mais, também do ramo de acidentes pessoais, abrangente dos pilotos que participam nas provas por si realizadas, sendo que naquela data, também assim sucedia, já que era tomadora/titular da Apólice 33/….. emitida pela Companhia de Seguros B…, SA.
95 - O autor vem auferindo da Segurança Social espanhola, uma quantia mensal, regular, que receberá de forma vitalícia por via da invalidez que para ele resultou deste acidente, a qual se cifrava em 1.242,86 euros e atualmente se cifra em 1.262,93 euros.

Prosseguindo, apliquemos agora o direito aos factos.

Do recurso do autor (Apelação 1)

1.5.1.2 - Se é aplicável ao cálculo do valor da indemnização as regras do direito espanhol (conclusão F).
A questão suscitada pelo autor, salvo melhor opinião, merece uma resposta claramente negativa.

Importa dizer, por um lado, que o autor/recorrente formulou a sua pretensão, e assim deduziu o seu pedido, com base na legislação portuguesa, a lei do local do acidente. No entanto, nesta sede, renova a escolha da legislação do país vizinho apenas em parte, concretamente para o cálculo da indemnização.

Fosse o caso presente tratado como obrigação contratual, ou venha a sê-lo como responsabilidade extracontratual, a lei aplicável é a portuguesa – artigos 42, n.º 2 e 45 do Código Civil (CC). O autor, como se referiu, invoca-a, desde logo ao enquadrar a prova no exercício de uma atividade perigosa e ao lançar mão do disposto no DL 522/85. A determinação e concretização do montante indemnizatório continua a ser aplicação da lei e, por isso, deve ser a lei portuguesa a aplicável.

Nesta parte improcede o recurso do autor.

1.5.1.3Se os réus condenados devem sê-lo solidariamente (conclusões C e D).
A questão suscitada, a da solidariedade da obrigação, prende-se com a definição da responsabilidade e, nesse contexto, não se autonomiza de outras questões suscitadas pelos demais recursos, nomeadamente da F…. Será apreciada, por isso, mais adiante.

1.5.1.4Se devem ser condenados na totalidade do pedido ou, pelo menos, em quantia muito próxima desse valor (conclusões E e G).
Repetimos aqui as considerações anteriores: a procedência integral da pretensão do autor ou a pretensão contrária do réu e das chamadas será tratada mais adiante quando, no fundo, se concretizar o direito que aa ação suscitou e os recursos mantém.

Do recurso do réu D… (Apelação 2)
O recurso do réu estava dependente da alteração da matéria de facto. Pretende o mesmo, em razão dessa alteração, que se considere que não foi organizador nem coorganizador da prova e, em conformidade, a sentença seja revogada e absolvido do pedido. Por ser assim, apreciaremos a questão relevante (quem responde perante o autor e em que medida) mais adiante, na Apelação 4, porquanto a mesma suscita outras questões, desde logo a amplitude da obrigação de indemnizar.

Do recurso da interveniente E… (Apelação 3)
1.5.3.4Se o autor deu o consentimento à participação na prova, tendo a sua "culpa" concorrido para os danos, pelo que deve haver limitação ou exclusão da responsabilidade (570 e 505 do CPC) – Conclusões 18 e 19.
A questão da concorrência de culpas, ou da contribuição do autor para o dano deve apreciar-se conjuntamente com as demais questões que definem a responsabilidade, ou não, dos recorrentes condenados e da quantificação dessa responsabilidade, o que se fará mais adiante.

1.5.3.5Se pode concluir-se que as consequências do acidente são também de imputar à ação do autor, ou seja, à transposição com a sua moto de um salto natural e normal na faixa de rodagem, neste tipo de provas, cuja receção foi mal efetuada, fazendo-o perder o controlo da moto e ocorrendo o despiste, contribuindo assim, para as lesões corporais que sofreu (conclusão 20).
Renovamos aqui as considerações anteriores, relegando a questão para apreciação conjunta.

Do recurso da interveniente F… (Apelação 4).
Aqui chegados, tendo em conta que, todos os réus reclamam a sua absolvição do pedido e a consequente revogação da sentença da primeira instância e porque a apreciação das questões suscitadas deve fazer-se conjuntamente, vamos apreciar em concreto os problemas levantados pelos diversos recursos, ou seja:

Se todos os condenados na 1.ª instância são responsáveis ou só algum deles (1.5.4.1), se o são solidariamente (1.5.1.3) e em que medida (1.5.1.4). Se o autor contribuiu para os danos e também lhe são imputáveis as consequências do acidente (1.5.3.4 e 1.5.3.6), pois ele foi o responsável, dado que não há não há qualquer causalidade entre a conduta dos réus e esse acidente, além de que ele não podia desconhecer a obrigatoriedade do seguro de acidentes pessoais (1.5.4.3 e 1.5.4.2) e, finalmente (1.5.4.4) se os eventuais responsáveis pela falta de seguro só respondem na medida em que o seguro responderia, apenas pelos danos previstos no artigo 4.º, n.º 1 do DL. 146/93 e com os limites desse diploma.

Vejamos, então, atendendo aos factos apurados (e reapreciados) qual deva ser a aplicação do direito.

A sentença da 1.ª instância fundamentou a sua decisão nos termos que agora, no que nos parece relevante, resumimos:
"De acordo com o art.º 9.º, do DL 146/93, uma das obrigações que decorre da lei para os organizadores de provas desportivas é a obrigatoriedade de celebração de um contrato de seguro (…) começando pelo artigo 2.º, o mesmo prevê a obrigatoriedade do seguro para todos os agentes desportivos inscritos em federações dotadas de utilidade pública desportiva, nomeadamente (alínea a)) praticantes desportivos profissionais e não profissionais. Já o artigo 3.º determina que as federações referidas no artigo anterior instituirão, mediante contrato celebrado com entidades seguradoras, um seguro desportivo de grupo, ao qual poderão aderir os praticantes e agentes desportivos não profissionais nelas inscritos, cabendo às federações desportivas a responsabilidade do pagamento à entidade seguradora do prémio do seguro de grupo. Por sua vez, a adesão individual dos agentes desportivos ao seguro desportivo de grupo realiza-se no momento da inscrição nas federações desportivas (art.º 5.º, n.º1), sendo que ficam isentos da obrigação de aderir ao seguro desportivo de grupo os agentes desportivos que façam prova, mediante certificado emitido por uma seguradora, de que estão abrangidos por uma apólice garantindo um nível de cobertura igual ou superior ao mínimo legalmente exigido para o seguro desportivo (art.º 5.º, n.º 4). Por seu turno, e de acordo com o art.º 9.º, n.º 1, as entidades que promovam ou organizem provas desportivas abertas ao público são obrigadas a efetuar um seguro temporário de acidentes pessoais, com as coberturas mínimas previstas no n.º 1 do artigo 4.º, a favor dos participantes não cobertos pelo seguro desportivo ou pelo seguro escolar. Tal seguro de provas desportivas garante os riscos verificados no decurso da competição e nas deslocações inerentes, sendo que a adesão ao seguro realiza-se no momento da inscrição na prova, devendo o aderente pagar a comparticipação no prémio que for estabelecida pelo promotor ou organizador (n.ºs 2 e 3 do citado preceito legal).
(…) no momento em que pagou a respetiva inscrição, o autor ficou autorizado a participar no evento desportivo organizado pelo réu D… e pelas intervenientes E… e F…, ficando concluído um contrato inominado entre as partes, do qual resultavam obrigações e direitos para ambas as partes, nomeadamente para o autor a obrigação de pagar o preço da inscrição e para os organizadores do evento, a organização da prova e de tudo o que a mesma envolve. Uma dessas obrigações, relacionadas com a organização do evento, decorria de uma imposição legal e consistia, conforme já referimos, na celebração de um seguro de acidentes pessoais para todos os intervenientes. No caso em apreço, e apesar de ter participado nessa prova de Motocross, o autor não tinha, ele próprio, seguro de acidentes pessoais, nem fazia parte da listagem de fls. 228, da qual consta a identidade dos pilotos cobertos pelo seguro de grupo do qual figura como tomador a chamada E…. Além disso e conforme ficou provado, a organização do evento não celebrou qualquer contrato de seguro para aquele evento desportivo. Ora, independentemente das atribuições de cada um, no âmbito da organização do evento e que ficaram provadas no caso em apreço, certo é que a organização, como um todo, não cumpriu uma obrigação contratual que decorria de uma imposição legal e que consistia na celebração de um contrato de seguro temporário de acidentes pessoais, a favor do autor, com as coberturas mínimas previstas no art.º 4.º, n.º 1 do DL. 146/93 - pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva, e no pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento. Logo, a organização da prova incorre em responsabilidade contratual perante o autor, por violação de uma obrigação legal que decorre da celebração do contrato entre as partes. Essa responsabilidade, nos termos do artigo 10.º do DL 146/93, concretiza-se numa espécie de sub-rogação ou cessão legal passando os organizadores do evento a responderem, em caso de acidente desportivo, nos mesmos termos em que responderia a empresa seguradora, caso houvesse seguro. Ou seja e explicando de outra forma, o que a lei pretendeu foi que os danos principais (despesas de tratamento e indemnização por morte ou incapacidade) resultantes de acidentes desportivos ficassem sempre acautelados, quer pela celebração de um contrato de seguro, quer pela responsabilização dos organizadores dos eventos ou das federações desportivas no caso de não efetuarem tal seguro ou de não cuidarem de verificar se o mesmo não foi celebrado.
(…) não há dúvidas que sucedeu um acidente desportivo e que mesmo resultou da perigosidade da atividade em si mesma, e não de uma qualquer conduta dolosa do sinistrado ou de uma qualquer conduta dolosa ou negligente de outrem. Logo, não há qualquer causa de exclusão de ilicitude, pelo que a organização do evento tem de indemnizar o autor, por violação da obrigação legal supra referida e que consistia na celebração do respetivo seguro de acidentes pessoais.
(…) Apurada que está a obrigação de indemnizar, temos de calcular o valor a indemnizar. De acordo com o art.º 4.º, n.º 1 do D.L. 146/93, a obrigação de indemnizar compreende o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva, e no pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento. (…) No caso em apreço, a indemnização decorre de uma imposição legal e não da natural responsabilidade civil extracontratual, prevista no art.º 483.º, do C. Civil. Logo e ao abrigo dessa imposição legal apenas os danos específicos previstos no art.º 4º., n.º 1 do DL 146/93 é que serão ressarcidos e não os danos gerais conforme previsto no C.Civil (…) Outra obrigação consiste no pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva. Tal corresponde, em certa medida, aos lucros cessantes (…) a indemnização deve nesse caso corresponder a um capital produtor do rendimento perdido mercê da incapacidade, que se extinguirá no fim do período provável de vida a ter em conta (…) Aplicando tais indicadores ao caso em apreço (…) tendo em conta todos esses fatores, bem como o facto da vida ativa se prolongar até aos 65 anos e da esperança média de vida, para os homens, rondar os 76 anos, bem como a natureza do trabalho do autor, entendemos, recorrendo à equidade, que se deve ministrar uma indemnização ao autor, a título de IPG, no valor de 100.000€. Todos os restantes peticionados pelo autor, estão fora da previsão legal do art.º 4.º, do D.L. 146/93.
A pergunta que se coloca é se os mesmos não serão ressarcíveis nos termos da responsabilidade extracontratual(…) Regressando ao caso em epigrafe, temos, desde logo, que o acidente não ocorreu pela violação da obrigação legal que impendia sobre a organização do evento de efetuar um seguro de acidentes pessoais, mas sim pelo facto do motociclo que o autor conduzia se ter despistado. Logo, não há qualquer nexo entre a conduta omissiva dos réus de não efetuar o seguro e o acidente que vitimou o autor. Acresce que pelo facto do autor ser o condutor, a responsabilidade pelo acidente e os danos que lhe advieram apenas lhe podem ser assacados a si, a não ser que se prove que os mesmos resultaram de uma conduta de outrem, ou de uma falha de segurança na pista, sendo que apenas nessa última situação é que se pode assacar culpas aos réus, enquanto organizadores do evento (…) Fazendo novamente a ponte para a factualidade dada como assente, não foi estabelecido qualquer nexo de causalidade entre essas omissões e o acidente, pelo que não existe obrigação de indemnizar por parte dos réus, para além da supra referida e que deriva da imposição legal que aludimos e do contrato celebrado entre as partes.
(…)
Apurado que está a obrigação de indemnizar e os montantes indemnizatórios, temos de apurar quem são os sujeitos da obrigação de indemnizar. É que, conforme já referimos, o autor tem direito a ser indemnizado por ter sofrido um acidente desportivo que lhe causou danos, sendo que tais danos não foram ressarcidos por uma qualquer seguradora, em virtude de não ter sido celebrado o necessário e obrigatório seguro de acidentes pessoais. Por esse facto e também conforme já referimos, a lei impõe que seja o organizador da prova a indemnizar o concorrente, por não ter cumprido a obrigação legal de efetuar o obrigatório seguro de acidentes pessoais para o autor, obrigação que lhe adveio da lei e do facto de ter celebrado um contrato com o autor em que permitiu que o mesmo participasse na prova de motocross. Porém, e aqui chegados a questão que se coloca é a de saber quem é esse organizador da prova. No caos sub Júdice, a organização da prova é uma entidade abstrata, não sendo uma pessoa concreta, com capacidade e personalidade jurídica própria. Assim sendo, temos de apurar quem, em concreto e na prática, foi o organizador desse evento e, como tal, a parte que celebrou o contrato com o autor.
Dos factos assentes, nomeadamente do facto 6, resultou que no dia 14 de setembro de 2003, teve lugar uma prova desportiva de Motocross, organizada pelo réu D… e pelas chamadas E… e F…, sendo que foi essa a prova que o autor participou e em que sofreu o infortúnio que ora estamos a apreciar. Logo, a contraparte naquele contrato inominado são as 3 pessoas supra identificadas, pelo que são elas as responsáveis pelo pagamento da indemnização supra referida.
A questão que se coloca é a de saber qual a responsabilidade de cada um dos devedores, se a título solidário, se a título de conjunção ou se consoante a participação de cada um no negócio (…) a solidariedade é diferente da conjunção, em que cada um dos obrigados responde por uma parte proporcional da prestação, se o contrário não tiver sido estipulado nem resultar da lei. Consiste, assim, a solidariedade, no que ao lado passivo respeita, numa situação em que uma única obrigação civil recai sobre vários devedores, resultando da lei ou da vontade das partes que cada um deles responde pela totalidade da prestação (…)
Ora, com estes factos temos que os organizadores da prova dividiram tarefas, não tendo ficado assente que os mesmos tenham acordado de que forma é que cada um participaria nos encargos normais ou extraordinários resultantes da organização daquela prova e qual a proporção em que o fariam. Por outro lado e no âmbito da responsabilidade contratual e ao contrário da responsabilidade extracontratual (art.º 497.º do C. Civil), não há qualquer disposição legal que estabeleça a solidariedade como regime-regra. Quanto à conjunção ou solidariedade e tendo em conta o regime regra, temos de apurar, à míngua de declarações expressas no sentido da busca da solutio, se as partes acordaram tacitamente no sentido de se terem responsabilizado de modo solidário para com o autor (…). Ora, à luz dos factos concludentes, ou da ausência deles, temos que a resposta à questão supra colocada só pode ser negativa. Na verdade, não resultou provado que os réus alguma vez tivessem previsto uma situação destas, sendo que a obrigação de pagar resulta da lei e não de um acordo entre as partes. Logo, a sua responsabilidade não será solidária mas sim em regime de conjunção, respondendo cada um por uma parte da prestação, o que no caso em apreço, corresponde a 33, 33% do montante total. Por fim, refira-se que a divisão de tarefas que supra referimos e que foi levada a cabo pelos organizadores do evento apenas tem relevância no foro interno, não sendo oponível ao autor (…) Nesta conformidade e em resumo, o réu D… e os intervenientes são obrigados a indemnizar o autor, pelos danos causados pela não celebração do seguro de acidentes pessoais, na quantia, a pagar em regime de conjunção, em partes iguais".

A extensa transcrição que antecede pretende realçar alguns aspetos que, em nosso entender se mostram adequadamente tratados pela 1.ª instância (desde logo o enquadramento legal e o afastamento da responsabilidade civil geral), mas, com todo o respeito, ainda assim, conduzem a uma solução que, em nosso entendimento, não é a que corresponde à devida interpretação e aplicação da lei, em especial quanto à natureza da obrigação de reparação e ao seu montante.

Vejamos.

Como se diz na sentença, ocorreu um acidente desportivo, ou seja, um acidente em que um desportista sofreu danos no decurso de uma prova pública. Impõe a lei a existência de um seguro de prova (temporário e válido apenas para aquela ocasião e prova), seguro que não se confunde com o eventual seguro do desportista. Efetivamente, independentemente do seguro desportivo ser obrigatório para todos os agentes federados (nomeadamente praticantes desportivos) e de, em consequência, ser habitual a celebração de seguros de grupo, a que os agentes desportivos individuais podem aderir e de o seguro ser também obrigatório para o praticante profissional, este quer esteja quer não esteja federado, existe sempre (fora dos casos de alta competição, que têm imposições específicas) a "obrigação de efetuar um seguro temporário de acidentes pessoais" a favor "dos participantes não cobertos pelo seguro desportivo ou pelo seguro escolar".

Este seguro, que é o que está em causa nos presentes autos, tem de ser efetuado obrigatoriamente pelas "entidades que promovam ou organizem provas desportivas abertas ao público" – artigo 9.º, n.º 1 do DL 146/93. Aliás, o diploma citado destaca, "entre as suas principais linhas de força (…) a criação do seguro obrigatório de provas desportivas, a subscrever por quaisquer entidades que promovam ou organizem competições abertas ao público".

Este seguro, nos termos daquele mesmo preceito, tem as coberturas mínimas previstas no n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma. E se as entidades que promovem ou organizam a prova o fizerem sem terem celebrado aquele seguro respondem, em caso de acidente desportivo, nos termos em que responderia a seguradora, caso houvesse seguro – artigo 10.º, n.º 1 do DL 146/93.

Dito isto. A responsabilidade dos organizadores ou promotores é uma responsabilidade contratual?

Entendemos que não: embora o DL citado, no n.º 3 do seu artigo 9.º, determine que a adesão ao seguro ocorre no momento da inscrição, e no pressuposto de o aderente, participante, comparticipar no prémio (se e conforme for estabelecido pelo promotor ou organizador) o que está em causa, se o organizador ou promotor não celebrou o seguro, é a violação de "uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios". Dito de outro modo, a omissão da celebração do seguro, independentemente da natureza e dos contornos do negócio jurídico estabelecido entre organização e praticante, é que é a fonte da obrigação de indemnizar, nos termos da segunda parte do n.º 1 do artigo 483 do CC.

E mesmo admitindo que pudesse ver-se na obrigação prévia de celebração do seguro como que um dever acessório do contrato inominado de participação na prova, parece-nos claro que a lei quis instituir uma norma de proteção, consagrando um mínimo de reparação para o participante na prova desportiva pública, qualquer que ele seja, como quer que tenha vindo a participar e, por isso, o enquadramento em sede de responsabilidade extracontratual é o adequado. Efetivamente, não vemos como possam eventuais vicissitudes contratuais afetar o direito à reparação legalmente previsto, direito esse que será concretizado nos termos em que responderia a companhia de seguros, ou seja, nos precisos termos que o diploma legal define.

Quem responde pelos danos? – O organizador ou promotor da prova, diz a lei.

No caso presente, entendemos que respondem o réu e as chamadas. Em primeiro lugar, o sentido da lei, ao colocar no mesmo campo de responsabilização quer o promotor quer o organizador, consagra uma responsabilidade ampla, que se basta com a intervenção adequada a conseguir, auxiliar ou colaborar na realização do evento. Nessa consagração parece-nos que a lei quer acima de tudo evitar a desresponsabilização. E os factos – mesmo depois da reapreciação feita nesta instância – são suficientes à conclusão que o réu e as chamadas participaram na organização e/ou promoção da prova onde o autor se acidentou.

Citemos sucintamente alguns:
"Na pista e na sua entrada, eram visíveis reclamos alusivos à chamada F1…, sediada no interior da pista. Foi a E… quem comunicou a prova às entidades administrativas (…) Foi exigido a todos os pilotos, e logo ao autor, pela Organização, o prévio reconhecimento da pista a pé e de moto nos treinos livres e dos obstáculos eventuais; o réu D…, nas funções que exerceu, preocupou-se com tal reconhecimento por todos e pelo autor (…) O réu D… sabia que a F… contestante detinha um recinto desportivo para provas motorizadas e disponibilizou-se para tratar de questões logísticas destinadas à realização da prova desportiva que viria a ocorrer em 14/setembro/2003. O réu D… contactou com pilotos, com a F… contestante, na qualidade de detentora do recinto desportivo e, porque se tratava de uma prova de motocross, com a E…. A F… e o réu D… contactaram para organizar a prova em causa, cabendo à primeira, pelo menos, ceder o recinto desportivo, suportar o custo das máquinas para a construção da pista e ao réu, pelo menos a incumbência de contactar os concorrentes, decidir da sua admissibilidade e ordenar o decorrer da prova. A E…, tendo como elo de ligação o réu D…, era responsável pela fiscalização das condições do recinto da prova, comunicação para licença camarária e seguro da prova. A F… cobrou o valor das entradas dos espectadores (…).Foi a E… quem comunicou a prova às entidades administrativas (C.M., Bombeiros Voluntários e GNR de …), prova essa que, segundo referia, era realizada pela F1…, sob a sua própria égide, figurando ainda como tomadora no seguro de acidentes pessoais que cobre todos os pilotos que adquiram a qualidade de associados".

A colaboração do réu com a E… e o seu contacto com pilotos são bastantes a essa conclusão. A E…, sob a égide de quem se realizou a prova (e que na sua contestação até refere que apenas "a promoveu") também participou no processo que levou à realização do evento. A F…, por fim, indubitavelmente, anunciando-se mesmo como organizadora e sendo a entidade detentora dos terrenos onde teve lugar o evento.

Em suma, tendo em conta os factos apurados, o réu e as chamadas foram, conjuntamente e sem concreta determinação de participação, as pessoas e entidades que promoveram / organizaram a prova aqui em causa.

Em sede de responsabilidade civil extracontratual e nos termos do artigo 490 do CC, todos respondem, ou seja, a sua responsabilidade é solidária.

A responsabilidade deve ser afastada ou diminuída em razão do consentimento do autor e da sua contribuição para o acidente?

Como se disse anteriormente, o facto gerador da responsabilidade é a omissão da celebração do seguro de prova. A participação na prova decorre naturalmente do consentimento do autor ou de qualquer participante, mas é perante essa insofismável realidade (que os participantes participam de livre vontade nas provas) que a lei obriga ao seguro, um seguro de risco e de garantia mínima. Não se vê como podia a participação de um concorrente ser causa de diminuição da obrigação de reparar, legalmente estabelecida, quando esta é estabelecida para o concorrente que participa! E bem se vê, por isso, que o consentimento do autor, no sentido em que a recorrente o invoca, é completamente irrelevante para o benefício que o mesmo devia ter, se celebrado o seguro.

A interveniente chama a terreno o disposto no artigo 340 do CC, daí inferindo que o consentimento do lesado, o aqui autor, ao participar voluntariamente na prova, afastaria a ilicitude. No entanto, salvo o devido respeito, volta a confundir realidades distintas. O ato lesivo, não confundível com o âmbito da obrigação de indemnizar, foi, no caso presente, a omissão da celebração do contrato de seguro e a esse ato, com todo o respeito, não vemos como tenha o autor dado o mínimo consentimento.

Por outro lado, a eventual concorrência de culpas ou a contribuição do autor para o dano – igualmente invocada pela recorrente E… – continua a não ter sentido no caso presente. Não sendo caso de qualquer comportamento doloso do participante, entendemos que o seguro aqui em causa abrange os casos de culpa do participante, e mesmo que só haja culpa do participante, o que, acrescente-se, sequer os factos revelam.

A recorrente chamada, no sentido de imputar essa culpa concorrente (ou esse agravamento do dano, como diz) ao aqui autor fundamenta-se nos factos provados com os números 15 a 17 ("No decurso da prova o autor teve um acidente: depois de concretizar um salto, com a altura de cerca de 1,50 m, por razões não apuradas, o autor não conseguiu controlar o seu veículo na quarta curva (releve) subsequente ao salto, ficando a moto imobilizada no topo do talude, enquanto o autor foi projetado para fora da pista, caindo numa vala que constituía um rego para desvio de águas, que existia na base exterior do talude, vala essa que se situava a uma altura de ¾ metros do topo desse talude e à distância de cerca de um metro da rede malha sol, pese embora viesse protegido pelo capacete e fato próprio e luvas e toda a panóplia de aparelhos de proteção") mas parece esquecer a realidade do que aqui está em causa, ou seja, um acidente ocorrido com um praticante de motocross em plena prova.

O raciocínio seguido pela recorrente, além de não ter sustentação nos factos, levaria a perguntar, em casos semelhantes, se os praticantes de desportos motorizados, em plena prova, devem, por exemplo, respeitar os limites de velocidade e as demais regras estradais. Acrescente-se que além do inusitado de tal pergunta, sinónimo de que se estaria a tratar uma realidade (prática desportiva motorizada) com os olhos de outra (condução estradal) nem sequer vemos como um despiste por razões não apuradas poderia mesmo ser causa de "concorrência de culpas". A culpa dos responsáveis, renovamos, é aqui a omissão da celebração do seguro, seguro este que tem um âmbito mínimo e definido. Dito de outro modo, a culpa dos responsáveis não se confunde aqui com o âmbito da reparação, porquanto esta é definida de modo totalmente independente daquela.

Por fim, resta apurar a medida da reparação devida ao autor.

Como já se disse, os recorrentes respondem nos termos em que responderia a seguradora, se tivesse sido celebrado o seguro. O seguro que os recorrentes tinham que celebrar, que obrigatoriamente deviam ter celebrado, era o que garantia as coberturas mínimas previstas no n.º 1 do artigo 4.º do já citado DL. 146/93. Essas garantias são as seguintes: a) pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva; b) pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospital e repatriamento.

O Decreto-Lei citado foi regulamentado pela Portaria 757/93, de 26 de agosto. No seu n.º 3º repete a obrigatoriedade de as entidades promotoras ou organizadoras de provas desportivas públicas terem de celebrar um seguro de acidentes pessoais a favor dos participantes, com os montantes mínimos previstos no n.º 1.

Esses montantes mínimos são de 3.000.000$00 para os casos de morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente de atividade desportiva e de 500.000$00 para despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar e repatriamento. Os aludidos montantes, agora nos termos do n.º 7, são atualizados no início de cada época desportiva de acordo com a totalidade da variação do índice de preços do consumidor, determinado pelo Instituto Nacional de Estatística.

Os responsáveis respondem nos termos em que responderia a seguradora a cargo de quem ficaria o seguro que foi omitido. A obrigação dos promotores ou organizadores é a de celebrarem um contrato de seguro garantindo aqueles valores mínimos. Perante a sua omissão, deverão responder até àqueles valores.

No caso presente, como resulta dos factos e já se sentenciara na 1.ª instância, não está em causa o pagamento de despesas de tratamento, internamento ou de repatriamento. Está em causa, isso sim, o montante mínimo que corresponda à invalidez permanente do autor. Esse montante é o resultante da atualização de 3.000.000$00 entre 1993 e 2003.

Tendo em conta a totalidade da variação do índice de preços do consumidor, ao tempo do acidente, o montante mínimo garantido é de 4.173.286$10, ou seja, 20.816,26€ (vinte mil, oitocentos e dessásseis euros e vinte e seis cêntimos).

Este montante é devido solidariamente pelos recorrentes, réu e chamadas.

O pagamento de juros determinada pela 1.ª instância não foi objeto de recurso e, efetivamente, corresponde à adequada aplicação da lei.

Em conformidade com tudo o que se foi deixando dito, extinta a instância do agravo interposto pela Companhia de Seguros, as apelações revelam-se, todas elas, apenas parcialmente procedentes.

Em resumo, podemos dizer:
- A lei aplicável ao caso presente é a portuguesa.
- A obrigação dos responsáveis é solidária.
- Essa obrigação está limitada ao valor mínimo garantido do seguro.
- Quer o réu quer as chamadas são responsáveis pelo pagamento solidário da indemnização, por terem sido promotores e/ou organizadores do evento (prova desportiva pública) onde o autor se acidentou.
- O valor indemnizatório não é diminuído em razão do consentimento do participante em participar na prova ou por concorrência de culpas, que não se verifica.

Tudo visto, acorda-se na seguinte

3 - Decisão
Por tudo quanto se deixou dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar extinta a instância do recurso de agravo interposto pela Companhia de Seguros B…, SA e em julgar parcialmente procedentes os recursos de apelação interpostos pelo autor, pelo réu e pelas chamadas e, em conformidade, revoga-se a sentença proferida em 1.ª instância, cujo dispositivo, na parte condenatória, se substitui nos seguintes termos:
"Julga-se a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenam-se os réus D…, E… e F… no pagamento solidário ao autor da quantia de 20.816,26€ (vinte mil, oitocentos e dezasseis euros e vinte e seis cêntimos), ao que acresce juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo ainda estes réus do restante pedido".

Sem custas o agravo. Custas de cada um dos recursos de apelação na proporção de 12/15 para o autor e de 1/15 para cada um dos restantes recorrentes. Custas da ação em função do respetivo vencimento e decaimento, e atendendo-se ao ora decidido.

Porto, 10.12.2012
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Carlos Pereira Gil
_______________
[1] O que se refere no sentido de afastar a relevância, no caso presente, da interpretação que admita que o "recurso da decisão que ponha termo ao processo" (artigo 735, n.º 2) se refere a qualquer um, não necessariamente ao do próprio agravante.
[2] Eliminando os relativos à prescrição invocada pela seguradora (factos 1 a 4) por ser manifesto que a questão está transitada e nada releva na economia dos recursos.
[3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª edição, 1952, págs. 469/475.
[4] José Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes (Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 121/127) dizem-nos que este artigo “foi crescendo, desde 1939 a 1999, ao longo de sucessivas alterações”, alterações essas de que dão detalhada conta.
[5] A partir da utilização informática/digital dos mecanismos de gravação, que vieram substituir as tradicionais "cassetes", e com a inerente omissão em ata dos pontos temporais ("voltas") dos depoimentos, esta última exigência tem que ser mitigada e a sua não observância não implica, de per si e salvo melhor saber, a inadmissibilidade do recurso sobre a matéria de facto.
[6] Sobre esta questão veja-se, Abrantes Geraldes, “Reforma dos recursos em processo civil”, in Julgar, n.º 4, janeiro/abril 2008, págs. 74 a 76.
[7] Já a recorrente F1…, não obstante impute toda a responsabilidade ao 1.º réu, não recorre (não impugna) a matéria de facto, aí se incluindo o ponto 6, constante da sentença; entende é que, não obstante os factos apurados, mas por outra aplicação do direito, deve ser integralmente absolvida do pedido.
[8] Recurso do 1.º réu.
[9] Recurso da interveniente, E….
[10] Naturalmente que as impugnações dos recorrentes pretendem, individualmente consideradas, a exclusão de cada um deles enquanto coorganizador da prova, mas essa finalidade última em nada obsta à apreciação conjunta da prova.
[11] Por manifesto lapso, refere-se "2006" na cópia datilografada de fls. 829.
[12] Referindo-se à qualidade de "speaker".
[13] Conforme consta da ata, o autor confessou apenas os quesitos 89 e 122 ("A prova decorria em percurso previamente determinado"; "A E… nunca recebeu qualquer documentação do piloto, nomeadamente, licença desportiva de qualquer federação ou associação que fosse").
[14] Conforme resulta da ata, o depoente apenas – e parcialmente confessou o quesito 6: "Que recebeu da entidade que organizou a prova – que na sua versão será a F… – uma gratificação por comentar a prova (cerca de vinte ou trinta euros), admitindo ainda que, além de comentar a prova, que, a partir da lista que lhe era fornecida, chamava os pilotos para a pista").
[15] Não confessou qualquer dos factos a que foi indicado – fls. 972 dos autos.
[16] Apenas referiu, num sentido confessório, que "A prova teve lugar em 14.09.2003"
[17] O depoimento é confessório – e assim foi considerado – fls. 978/980 – quando o depoente admitiu que a F… angariou patrocínios para a prova, pagou os custos da máquina para arranjo dos terrenos; que cobrava receitas com o bar e com a venda de rifas. Mais confessou o quesito 71 (sem relevo); que a prova foi amplamente divulgada e que a F… comunicou a realização da prova aos Bombeiros.
[18] O depoimento desta testemunha versou apenas sobre a avaliação do dano corporal e as consequências do acidente na pessoa do autor. Deu conta do estado do demandante, subsequente ao acidente e do seu estado atual.
[19] Fez parte da direção da E… há uns quinze anos. Esclareceu que a E… não organiza provas, quem organiza são as associações locais, mas que o papel da E… era o do "seguro anual" e de darem conhecimento às entidades competentes da realização das provas (3,00). O seguro da prova desportiva era feito com "a nossa informação" para a Companhia Seguradora, por uma questão de preço (11,40); o seguro da prova não era "em nosso nome, mas podiam fazê-lo através de nós; quem pagava não sei" (12,40).
[20] Nada sabe desta prova, à qual não assistiu. Que saiba a E… não organiza provas (3,40), se organiza leva elementos seus, mas as outras são organizadas pelas associações locais (4,40). O que significa que a prova é organizada sob a nossa égide? – Não sei (6,50). Quem controla a pista? Não tenho a certeza, não sei se é a organização se é a Associação.
[21] Estava no local. "São vulgares as provas de motocross. A assistência média são centenas; a pista tem setecentos ou oitocentos metros de perímetro e o pessoal é distribuído à volta… talvez na ordem dos mil espectadores (3,40); Não sei se eram pagas entradas. Havia 3 ou 4 ambulâncias, carro de incêndio e catorze bombeiros…"
[22] Esclareceu a natureza e finalidade da emissão das apólices temporárias. Que cada prova, cada risco, tem que ter uma apólice diferente. Que o documento junto aos autos não pode corresponder ao seguro respeitante à prova de 14 de setembro de 2003.
[23] Como é conhecido no meio.
[24] De onde se retira, além do mais, que são fins da Associação, "b) Organizar e realizar provas desportivas". A referida Associação foi constituída em 7 de março de 2003.
[25] Do qual consta, no final, "Organização: F1...."
[26] Do qual consta a autorização (licenciamento da prova), mas se informa que a Associação requerente não a levantou nem apresentou o seguro exigido; consta igualmente uma "proposta de seguro" e uma informação da GNR dizendo ter contactado a S… (que informou não ter autorizado nem constar do calendário qual prova a realizar naquele local; que a pista não está licenciada e que "esse tipo de provas são sempre realizadas sob a tutela da Federação e não por Associações Culturais"). Em nota ao pedido de licença (fls. 1063) escreveu-se, para consideração do Vereador: "O seguro será apresentado aquando do levantamento da autorização".
[27] Que mantemos. Resulta do depoimento do presidente da F…, da atividade do réu perante a E… e da presunção evidente que se retira do facto de o próprio réu ter junto aos autos um documento que pretendia que fosse o seguro da prova.
[28] Como se referiu, a resposta é conclusiva e a participação do réu e das chamadas resulta de outros factos que serão juridicamente apreciados.
[29] Na sua impugnação o réu D… pretendia a alteração da resposta dada ao quesito 3.º (a que corresponde o facto 7) no sentido de o mesmo abranger, na sua dimensão explicativa, a cedência do terreno à F…; por isso invocou o documento autêntico junto a fls. 964/965 dos autos (contrato de comodato). Entendemos, no entanto, que a resposta ao mesmo quesito deve ser negativa, eliminando-se, consequentemente o aludido facto 7. Efetivamente, a alegação do autor é no sentido de o terreno onde se realizou a prova ser propriedade da Junta de Freguesia, inicial segunda ré. Responder-se que o terreno é propriedade de outrem, completamente alheio à ação, ultrapassa manifestamente o alegado. Por outro lado, não se justifica qualquer explicação ou esclarecimento complementar na resposta dada ao quesito, quando o primeiro esclarecimento já ultrapassa o alegado; não se esqueça que a questão da posse, ou melhor, o reconhecimento que a prova teve lugar em terrenos cedidos à ou utilizados pela F… é inequívoco e resulta de outros factos. É, aliás, uma realidade confessa da na contestação da F…, quando a mesma diz que "detinha um recinto desportivo" – artigo 6.º, a fls. 170. Por tudo se considera o facto 7 como "Não Provado".
[30] Dos depoimentos testemunhais resulta, em nosso entender, que o "G…" é apenas um nome ou designação, sem qualquer organização que se distinga do réu D….
[31] Como resulta dos depoimentos claros da mulher e da irmã do autor.
[32] Entendemos que nada se apurou quanto a lucros, para quem ou sequer se os houve. E o valor dos ingressos ou das inscrições sempre seria receita, não propriamente lucro.
[33] Facto reconhecido pelo próprio réu (funções de speaker). "Além do mais" refere-se aos restantes factos imputados ao réu.
[34] Como resulta do depoimento do representante da E… e dos documentos juntos aos autos.
[35] Depoimento do representante da E… e também das testemunhas apresentadas pelo réu D….
[36] Depoimento testemunhal da mulher e do amigo e do autor.
[37] Resulta dos documentos juntos, do depoimento das testemunhas mulher e irmã do autor e das declarações do representante da E….
[38] Conforme facto 56.
[39] "Acresce que o Tribunal assentou a condenação do recorrente em dois factos que não foram alegados por nenhuma das partes: um levado à motivação da matéria de facto e à sentença, de que foi o recorrente quem contactou telefonicamente o A. para a prova, e o outro, constante do nº 8 dos provados, de que o recorrente liderava o G…, que em parceria com outras associações organizava provas de moto e ralicross, relativas a um campeonato denominado L…, do qual fazia parte a prova de 14/09/2003, e nesta sede violou o artigo 664º do CPC, tal qual o vertido nos nº 2 e 3 do artigo 264 do mesmo código".

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.