Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0810062
Nº Convencional: JTRP00041306
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
EXAMES
Nº do Documento: RP200804300810062
Data do Acordão: 04/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ANULADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 526 - FLS 110.
Área Temática: .
Sumário: I - Na vigência do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro, tendo o arguido pedido a contraprova e aceitado que ela fosse realizada em aparelho aprovado, não sendo possível recorrer a outro analisador, o agente da autoridade, antes de usar o mesmo aparelho, devia informar da situação o examinando, a fim de este poder optar então e ainda pela contraprova através de exame sanguíneo.
II - Não sendo prestada essa informação e realizando-se a contraprova através do mesmo analisador, está-se perante prova inválida, que conduzirá à absolvição do arguido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 6208.1
1ª Secção criminal;


Acordam em audiência, os juízes do Tribunal da Relação do Porto

No Proc. Sumário nº …/07.3GNPRT do .ºJuizo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, foi julgado o arguido:
B………., casado, motorista, residente na ………., nº …, hab .., …. ……….,
E a final em 13/6/07 foi e condenado pela autoria material dolosa de um crime de condução em estado de embriaguês pp. pelos artigos 292º nº1 e 69º nº1 alínea a) ambos do Código Penal, na pena de cem dias de multa á taxa diária de cinco euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de três meses.
Inconformado recorreu o arguido em 28/6/07, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“1) Por lapso ou desatenção errou a Mma Juiz na fixação da matéria de facto.
a) Errou ao dar como provado que o arguido concordou que o exame de contraprova fosse realizado no mesmo aparelho
(a) A aludida concordância não resulta da documentação do acto de fiscalização.
(b) Não resulta, ao contrário da fundamentação dada na sentença, das declarações do arguido em audiência documentadas na Cassete Única lado A rotação 0002 a 1402
(c) Não resulta do depoimento do agente autuante, documentado na Cassete Única lado A rotação 1403 a 2114
(d) Não resulta do depoimento da testemunha apresentada pela defesa, constante na Cassete Única lado A rotação 2115 a 2640
(e) Nem tão pouco resulta da posição da defesa que, não só no acto, como ainda na contestação sempre se insurgiu contra a forma como a contraprova foi realizada.
b) Errou ao dar como provado que o arguido confessou também essa concordância.
(a) Este erro, que se evidencia no facto elencado como 9) está, como é evidente imbricado com as conclusões do facto anterior, pelo que não merecerá correcção autónoma na procedência da conclusão 1). a)
(b) Fundamentam decisão diversa os mesmos suportes da aludida conclusão
1) a)
c) Errou ao não ter levado aos factos provados que “No próprio auto é admitida uma margem de erro para o aparelho utilizado tendo os agentes fixado a taxa de alcoolemia em 1,31 g/litro de sangue.”
(a) Este facto para além de estar alegado na contestação e integrar a acusação, nesta parte reportada ao auto de notícia, está documentado nos autos e foi referido pelo agente da GNR –cassete nº1 rot 1403 a 2114 do lado
d) Errou ao não ter levado aos factos provados que “A contraprova foi realizada no mesmo aparelho antes da elaboração do expediente.”
(a) Este facto foi alegado na contestação na conclusão 3 foi referido pela testemunha apresentada pela defesa - Cassete Única lado A rotação 2115 a 2640 - e não foi contraditado por mais ninguém dos intervenientes de prova pessoal.

2) Os elementos elencados nas conclusões pretéritas levantam assim problema não tratado na douta sentença que é a apreciação da validade da contraprova realizada e das consequências da sua irregularidade.
a) Foi irregular ter o agente fiscalizador elaborado o expediente já após a realização da contraprova, já que a segurança e a ponderação do visado foram asseguradas com a exigência da notificação prévia e por escrito dos seus direitos
b) Foi irregular ter-se realizado a contraprova no mesmo aparelho podendo ter-se feito deslocar o arguido, dentro do tempo regulamentar a local aonde existisse um outro
3) As regras da aquisição de prova para a determinação do estado de alcoolemia na condução estão fixadas no artº 153º do Código da Estrada e nos artºs 2º e 3º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas aprovado pela Lei 18/2007 de 17 de Maio
a) As condições e possibilidade de realização da contraprova por utilização do mesmo analisador previstas no artº 3º do Decreto Regulamentar 24/98 de 30 de Outubro para além de se não verificarem nos autos, mostram-se revogadas pelo Artº 2º da Lei 18/2007 supra referida
b) Nada impedia os agentes fiscalizadores de fazerem deslocar o arguido para a realização da contraprova por si solicitada a um outro analisador, dentro do prazo previsto nas disposições supra citadas.
c) E nada obstava a que admitida essa impossibilidade pudesse ter sido concedido ao arguido contraprova por recolha de sangue, conforme oportunamente e tempestivamente requereu e lhe foi negado.
d) Violado que foi ao arguido o direito à contraprova e mesmo face às divergências de valores alcançados no mesmo aparelho e fixados com o reconhecimento da existência de margem de erro, não é possível afirmar-se, em termos de certeza jurídica que o arguido conduzia influenciado pelo álcool, nem determinar qual o valor do seu eventual estado de embriaguês.
e) A ilicitude típica e a exigência de prova obtida por meios legais necessários obsta a que se possa fixar o preenchimento de qualquer infracção.
f) O próprio reconhecimento, pelo arguido de que, ao jantar tinha ingerido dois copos e meio de vinho branco da região dos vinhos verdes não permite também aferir se o seu estado se conformava ou não com o mínimo legal permitido pelo direito.
4) Na fundamentação da douta sentença refere a Mma Juiz o conhecimento de um acidente em que o arguido se terá envolvido na ocasião em que foi fiscalizado, o que resulta da expressão “como foi o caso dos autos”
a) Certo é que não ocorreu nenhum acidente, como resulta de toda a documentação processual, não foi tema de julgamento por não constar nem na acusação nem na defesa e tão pouco ter sido referenciado na discussão da causa.
b) Para o arguido não se tratou de erro material na medida em que se mostra inserido (e não é irrelevante) na determinação da pena que por ele se mostra viciada na dosimetria concreta.
5) Na ponderação sobre a medida concreta da pena encontrou e fixou a Mma Juiz a pena de 90 dias de multa à “taxa legal” de 5 €
a) Para além da incompreensível referência à “taxa legal” entro a Mma Juiz em contradição na medida em que terminou aplicando e condenando o arguido na taxa diária de 100 dias à razão de 5 €
b) A admitir-se que se trata de mero erro material ou de escrita, o que aqui se aceita, deve a sentença ser corrigida para o valor determinado de 90 dias, sem prejuízos da eventual redução que possa advir resultante da procedência da conclusão anterior (inexistência de acidente)
ASSIM
Para além dos erros de apreciação da matéria de facto, violou a Mma Juiz o disposto nas disposições citadas do artº 153º do Código da Estrada dos artºs 2º e 3º do Regulamento aprovado pela Lei 18/2007 e por via delas os artºs 292º e 69º do Código Penal.
Pede a reapreciação da matéria de facto, alterando-se a mesma no sentido supra referido, reconhecimento da nulidade da obtenção da prova por violação das regras de contraprova, absolvendo-se o arguido, ou a correcção da pena aplicada, diminuindo-se os respectivos tempos.”

O Mº Pº respondeu pugnando pela manutenção da decisão, devendo no entanto ser corrigido o erro material relativo á pena;
A fls. 72 a Mª Juiz admite a existência do erro na parte decisória mas não procede á sua correcção;
Nesta Relação o ilustre PGA, é de parecer que se trata de irregularidade o exame de contraprova ter sido feito no mesmo aparelho, que não foi atempadamente suscitada pelo que está sanada, e deve improceder o recurso;
Cumprido o artº 417º2 CPP, não foi apresentada resposta

Colhidos os vistos, procedeu-se á audiência com observância do formalismo legal.
Cumpre decidir.
Resulta da decisão recorrida (transcrição):

“Em sede de audiência de discussão e julgamento, provaram-se os seguintes factos:
1.) No dia 7 de Junho de 2007, pelas 22 horas e 07 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-UL, na Estrada Nacional n.º .. em ………., Paredes.
2.) O Arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, através de teste quantitativo realizado pelo alcoolímetro Drager-, modelo, 7110 MKIII P, tendo acusado uma TAS de 1,33,g/l, às 22 horas – e 07 minutos.
3.) O arguido declarou que pretendia realizar exame de contraprova concordando que o mesmo fosse realizado no mesmo aparelho, o que ocorreu por volta das 22 horas 15 m do mesmo dia, veio o arguido a acusar uma TAS de 1,42 g/l.
4.) Após a realização deste último pretendeu nova contraprova através de análise ao sangue, o qual lhe foi negado.
5.) O Arguido agiu, deliberada, livre e conscientemente.
6.) O Arguido sabia que não podia conduzir na via pública um veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue superior à permitida por lei.
7.) O arguido tinha conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei.
8.) O arguido aufere mensalmente a quantia de € 900 e tem como habilitações literárias o 9º ano.
9.) O arguido confessou os factos e não tem antecedentes criminais
***
B) Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados nos autos ou em audiência de julgamento cm interesse para a decisão da causa.
***
Motivação
O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados com base na confissão e nos documentos juntos aos autos. O arguido confirmou que efectuou o exame e pediu a contraprova concordando que a mesma fosse efectuada no mesmo aparelho e só mais tarde, quando a testemunha arrolada pela defesa compareceu é que o arguido solicitou a realização da contraprova mediante análises ao sangue, o que lhe foi negado (confirmação efectuada pelo soldado da Guarda Nacional Republicana que efectuou o exame.)
As suas declarações foram igualmente relevantes para a prova dos elementos referentes ás suas condições pessoais.
A prova da ausência de antecedentes criminais por parte do arguido fundou-se no seu certificado de registo criminal;
No que concerne á valoração do resultado do exame de pesquisa de álcool a que o arguido foi submetido suscita-se a questão de saber se o mesmo deveria ser objecto de correcção, designadamente com base na doutrina difundida pela Direcção Geral de Viação, relativa às margens de erro dos alcoolímetros. (...)”.
+
As questões a apreciar são as seguintes:
- Se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pugnado pelo recorrente, quer eliminando factos provados quer aditando novos factos àqueles relativos á margem de erro do aparelho, e a contraprova ter sido feita antes de elaborado o expediente;
- Se é válida a contraprova realizada no mesmo aparelho, face ás regras de aquisição de prova para a determinação do estado de alcoolémia, e em virtude de lhe ser negado o exame de recolha de sangue que requereu;
- Se a referência na fundamentação a uma intervenção num acidente não é irrelevante nem se tratou de erro, e bem assim a contradição na medida da pena, que sendo erro deve ser corrigida;
+

O recurso abrange a matéria de facto e de direito e apesar de delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisp dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12, como “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou o erro notório na apreciação da prova, (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 in DR., I-A Série de 28/12/95), mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742;
+
Como antecedente da análise o recurso propriamente dito, cremos dever começar pela correcção da Sentença, proposta pelo recorrente.
Como se verifica na fundamentação da Sentença faz-se referência a um acidente, que em caso não ocorreu (fls. 40), e bem assim é escolhida a pena de 90 dias á taxa de 5,00 €, e no dispositivo é outra a pena.
Todos parecem estar de acordo que estamos perante lapsos, incluindo o Mº Juiz, como referenciado no relatório.
Quer em relação ao “acidente”, que não tendo ocorrido não foi tido em conta na determinação da pena, quer na determinação desta que é consentânea com as regras da sua determinação apontada na Sentença, cremos ser evidente tratar-se de erro manifesto e ostensivo que o contexto da sentença e do processo revelam. Como erro ostensivo e manifesto, e revelado no documento e no seu contexto é o mesmo passível de rectificação a todo o tempo (artº 249º CC), razão pela qual se procede oficiosamente á sua correcção, por tal ser permitido pelo artº 380º 1b) e 2 CPP, devendo a referencia “ como foi no caso” ser eliminada da fundamentação, e no dispositivo constar a “pena de noventa dias de multa á taxa diária de cinco euros”.
+
Passando para as demais questões suscitadas e pese embora a plêiade de questões, há uma que reveste carácter central e essencial e se encontra no cerne do recurso condicionando as demais e que se prende com a validade da contraprova.
Por isso começaremos a análise do recurso, por esta.

Resulta dos factos que submetido a teste de ar expirado em aparelho quantitativo o arguido revelou uma tas de 1,33 g/l, e requerendo contraprova esta foi-lhe feita pelo mesmo método e no mesmo aparelho passados 8 minutos, revelando uma TAS de1,42 g/l.
Face a esse resultado requereu contraprova por análise sanguínea que lhe foi recusada.
+
Os factos ocorreram em 7/6/07, e a essa data, regia o C.E. aprovado pelo DL 44/05 de 3/2 (que se encontra em vigor), o qual no seu artº 153º 3, dispõe que a contraprova subsequente a um exame com resultado positivo “... deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinado:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
e no nº 4 expressamente se diz que no caso de opção pelo novo exame através de ar expirado “... o examinado deve ser de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.”
Resulta indiciado deste normativo, que o examinado escolhendo o meio de contraprova, se escolher novo exame por aparelho aprovado deve ser conduzido a local onde possa fazer esse exame. Se necessário, diz a lei. E quando é necessário? É necessário quando não possa ser feito ali, ou seja, prima facie quando não estejam reunidas as condições para o efeito.
Ora o arguido não foi conduzido a nenhum local para efectuar o novo teste / a contraprova.
E o novo teste / contraprova foi feita no mesmo aparelho.

Na sequência daquele normativo do CE (com idêntico teor dos diplomas anteriores – DL 265 A/01 de 8/9 e DL 114/94 de 3/5) veio o DR. 24/98 de 30/10 regulamentar a realização dos testes de alcoolémia, no qual estabelece que primeiro é feito um teste indiciário “ qualitativo”, que depois deve ser quantificado num exame com aparelho “quantitativo”, para o que a tal aparelho deve ser o examinando conduzido, e se este teste der resultado positivo o examinando deve ser notificado do resultado e de que pode requerer contraprova. (artºs 1º e 2º).
No caso de contraprova através de novo exame, “... é feita em analisador quantitativo, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste, podendo, para o efeito, ser utilizado o mesmo analisador, caso não seja possível recorrer a outro no mesmo prazo.” – artº 3º 1 D.R. 4/98 de 30/10.
Daqui resulta que o novo exame/ contraprova de ar expirado, deve ser feito noutro aparelho analisador quantitativo, o que está de acordo com a necessidade de o examinando ser conduzido ao local onde possa ser feito o novo exame de contraprova, previsto no artº 153º 4 do CE.
Sendo feito no mesmo aparelho é violada esta norma procedimental, e consequentemente não estamos perante uma contraprova, por falta de requisitos ou perante uma contraprova legal.

Mas o Decreto Regulamentar permite que para o teste de contraprova seja utilizado o mesmo aparelho quantitativo, mas só no caso de não ser possível recorrer a outro no mesmo prazo, ou seja só pode ser utilizado o mesmo aparelho caso não seja possível recorrer a outro (e isso só pode acontecer se o local onde se encontra o outro aparelho estar a mais de 15 minutos de distância, caso contrario o examinando tem de ser lá conduzido).
Assim fazer a contraprova no mesmo aparelho sem que se observe o requisito, “não ser possível recorrer a outro” é o mesmo que ter efectuado um exame que não podia ser feito, porque não reunia as condições para ser usado o mesmo aparelho.
Nos autos, nada nos é dito, sobre a impossibilidade de recorrer a outro aparelho para efectuar a contraprova e assim sendo a contraprova não observa os requisitos exigidos para a sua validade.
E quem sabe se existe ou não outro aparelho disponível?, e quem sabe que só pode usar o mesmo aparelho se não tiver outro disponível?.
A autoridade policial fiscalizadora, pois é ela a detentora dos aparelhos.
Assim das duas uma:
- ou tinha outro aparelho e então não podia fazê-lo no mesmo;
- ou não tinha outro aparelho e então tinha de conduzir o examinando ao local onde este se encontrasse. Se por acaso este outro aparelho estivesse a uma distância superior a 15 minutos, a autoridade policial devia informar o arguido desse facto, a fim de ele conscientemente manter ou não a opção pelo “novo exame de ar expirado em aparelho aprovado”, pois que o que ele havia requerido tinha de ser feito no aparelho posto em causa ao requerer a contraprova.

Por isso é irrelevante dizer-se na sentença que o arguido concordou que fosse realizado no mesmo aparelho, pois tal opção não resultou de um esclarecimento avisado como se expôs;
É que ao arguido / examinando deve ser dado a saber, e deve-lhe ser comunicado que não há outro aparelho e por isso a contraprova tem de ser no mesmo, porque:
- em principio na contraprova não pode ser usado o mesmo aparelho e compreende-se que assim seja, porque a contraprova existe porque há dúvida sobre a eficácia ou eficiência do aparelho ou sobre o modo de realização do exame, ou seja está em causa a fiabilidade do meio de prova. Se é usado o mesmo aparelho o normal é o resultado ser o mesmo (ou acusar taxa de alcoolémia proibida), pois entre uma e outra prova não foram feitas quaisquer arranjos ao aparelho, donde a dúvida sobre aquela fiabilidade mantém-se, e por isso a lei só permite o uso do mesmo aparelho em caso de impossibilidade de recorrer a outro;
- é a única maneira de fazer uma opção sobre o meio de contraprova, pois que se souber que a vai fazer no mesmo aparelho (e não deve) então pode optar e requerer que a contraprova seja por exame de sangue, excluindo assim aquela contraprova por ar expirado (mesmo que primeiramente por ela tenha optado);
Ora esta opção não lhe foi dada.
É que assim (novo exame no mesmo aparelho) em vez de uma contraprova, estamos mais no âmbito de uma repetição do exame do que numa contraprova (que visa despistar qualquer erro ou falha do aparelho no exame anterior, pois que está em causa uma dúvida sobre o aparelho, através da qual é colocada em causa o resultado dado pelo mesmo).

Mas repetido o exame/ contraprova, e face ao resultado superior ao anterior, o arguido requereu a realização do exame de sangue, e foi-lhe negado.
Devia ou podia ser-lhe negado?
Cremos que não, e muito menos naquelas circunstâncias.
+
Toda a actividade da autoridade publica seja administrativa ou não, e de fiscalização ou não, está sujeita ao principio da legalidade (só pode fazer o que a lei permite), qualquer acto realizado pela administração que não seja a coberto da lei, é ilegal, e mais o é se no âmbito da actividade sancionatória da administração ou no âmbito da actividade de investigação criminal ou contraordenacional.
Donde qualquer acto praticado por um agente da autoridade pública, fora das condições em que a lei o autoriza é ilegal.
Tendo sido usado o mesmo aparelho para efectuar a contraprova, sem que se demonstre que se mostram preenchidos os requisitos através dos quais a lei permite o seu uso, este viola a lei, o que no caso se traduz em considerar que a contraprova efectuada foi-o fora das condições permitidas por lei e logo não é valida;
Do mesmo modo não dando conhecimento ao examinando das condições em que ia ser feito o exame, o arguido não foi devidamente esclarecido sobre a sua opção, com vista á sua defesa, não tendo por isso exercido uma vontade esclarecida.
Mais que o dever do examinado, existe o dever do agente de autoridade de não praticar um acto que sabe não lhe ser permitido a não ser em circunstâncias especiais, e cujo desconhecimento por parte do arguido impedem-no de um eficaz exercício do direito de defesa e ao arguido “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa” – artº 32º1 CRP.
Não estando observados os requisitos legais não pode valer como contraprova válida, e sendo contraprova inválida, e uma vez que o examinando requereu a análise de sangue, devia ter sido permitido fazê-la.

Ao não lhe ser permitida, foi violado o seu direito de defesa, pois que o arguido pôs em causa a fiabilidade do aparelho e do exame que lhe foi efectuado, e tendo este exame sido feito fora das condições legais, ao examinando devia ter sido permitido utilizar outro meio adequado ao mesmo fim, como requereu.
Não lhe tendo sido permitido esse uso, ficou o mesmo impedido de eficazmente exercer o seu direito.

O Direito de defesa em direito penal, apenas pode sofrer as restrições previstas na lei e sem que possa ser posta em causa a extensão e o conteúdo essencial desse direito – artº 18º3 e 32º1CRP, e goza de força jurídica directa e imediata (sem necessidade de regulamentação especial) - artº 18º1 CRP.
Assim, ao requerer a contraprova do teste de alcoolémia, o arguido devia ter sido conduzido a local onde pudesse fazê-lo noutro aparelho quantitativo de ar expirado;
Se não era possível fazê-lo noutro aparelho, devia ter sido dado conhecimento ao arguido, de que iria por isso ser feito no mesmo aparelho, para ele optar, pois que a opção pelo uso ou não do mesmo aparelho não depende da vontade do arguido, mas apenas do mencionado critério legal, e
Não o tendo feito, devia ter sido permitido ao arguido requerer a contraprova através da análise sanguínea, e, tendo este requerido essa análise sanguínea devia ter-lhe sido permitido usar esse meio de contraprova;

Não lhe tendo sido permitida a contraprova naquelas circunstâncias, por análise sanguínea, foi violada o seu direito de defesa, através da compressão inadmissível e ilegal do seu direito.
Tendo sido violado o seu direito de defesa, não pode ser aceite a prova obtida com violação daquele direito, pois não se trata apenas da “simples” irregularidade do uso do mesmo aparelho quantitativo, mas do seu uso consciente pela autoridade policial fora das condições legais, e sem possibilidade de reacção, sem esquecer que o arguido desde o acto de fiscalização que se vem insurgindo contra a não admissão da análise sanguínea requerida no acto.
Se “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” (artº 125º CPP), e se a violação da lei só determina a nulidade do acto se ela o disser, sem prejuízo das normas relativas a proibições de prova (artº 118º e 3 CPP), o certo é que, visando estas um “...efeito dissuasor da violação dos direitos dos cidadãos, pois as provas obtidas mediante a violação desses direitos não podem ser levadas em conta no processo, mesmo que assim seja sacrificada a obtenção da verdade material. Como salienta a Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 102, o Código não considera a busca da verdade como um valor absoluto, e por isso não admite que a verdade seja procurada através de quaisquer meios, mas só através de meios justos, ou seja, de meios legalmente admissíveis” in M. Gonçalves, CPP, 16ª ed. pags 303 e 304;
Como nulidades resultantes da produção de prova proibida são de conhecimento oficioso, e têm “...um tratamento ainda mais radical que o das nulidades propriamente ditas: as provas obtidas ilegalmente não podem ser utilizadas como prova, sendo o recurso a elas um erro de direito” M. Gonçalves, ob. loc. cit., e são insanáveis (Ac. STJ 5/6/91 BMJ 408, 405,
De harmonia com o disposto no artº 122º 1 CPP, tal nulidade determina a invalidade do acto em que se verificar e bem assim daqueles que dele dependerem e possam afectar, devendo ser declarados os actos inválidos e ordenar se possível a sua repetição, salvando o que puder ser salvo (artº 122º3 CPP)
Assim há que declarar invalido o exame de contraprova realizado pela autoridade policial ao arguido, no mesmo aparelho quantitativo, fora das condições legalmente exigidas para o efeito, e sem dar conhecimento desse facto ao arguido, e a recusa subsequente em admitir a contraprova por análise sanguínea requerida pelo arguido, e não se ordena a sua repetição dado que por sua própria natureza, tal não é possível.
Não sendo possível a repetição do exame e dado que a condenação do arguido teve por base uma prova invalida que não pode ser admitida, e, dado que nada há a salvar do processo por falta de prova legal do ilícito por que o arguido foi julgado, deve o mesmo ser absolvido.

Entretanto o decreto regulamentar 24/98 foi revogado pelo art. 2º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o vigente Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.
No Regulamento actual, que apenas entrou em vigor no dia 15 de Agosto de 2007 (art. 4º da Lei nº 18/2007), e portanto depois da prática dos factos em apreciação e por isso não lhe é aplicável, é estabelecido no seu art. 3º, que os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no nº 3 do art. 153º do C. da Estrada.
E nele já não se prevê o uso do mesmo aparelho para realizar a contraprova, e apenas o acompanhamento do fiscalizado ao local em que o teste possa ser efectuado – artº 2º 2.
Assim em face da nova regulamentação e revogação do DR 24/98 (artº 2º da Lei 18/07 cremos ser evidente que não pode mais ser utilizado o mesmo aparelho na contraprova e porque ao requerer a contraprova está em causa a suspeita sobre a fiabilidade do aparelho (por avaria, mau funcionamento) e ou falta de idoneidade do seu operador ou errada utilização do aparelho, se tal vier acontecer ao examinando deve ser permitido optar pela análise sanguínea, por a sua não admissão neste caso comprimir de modo intolerável o direito de defesa, porque limitadora da possibilidade de contrariar o resultado do exame - cfr. ao que cremos com este alcance, face ao novo regime, o Ac.R.C. 30/1/08 www.dgsi.pt/trc. proc. nº 95/07.9GTLRA.C1, na sua parte final (Des. Vasques Osório).

Assim sendo, em face desta decisão fica prejudicado conhecimento de todas as demais questões suscitadas no recurso, que assim deve ser julgado procedente com este fundamento.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
- Rectificar a sentença recorrida, eliminando a fls 10 da mesma a expressão “ como foi o caso”, e ficando a constar na parte dispositiva da mesma a fls 12 em substituição da pena de multa que dela consta, que o arguido foi condenado “na pena de noventa dias de multa á taxa diária de cinco euros”
- declarar a nulidade, por violação do direito de defesa, da recusa da contraprova requerida pelo arguido, através de análise sanguínea, e em consequência declara também nula a sentença recorrida e absolve o arguido do crime de condução em estado de embriaguês pp. pelos artigos 292º nº1 e 69º nº1 alínea a) ambos do Código Penal.
Sem custas.
+
Porto, 30/04/2008
José Alberto Vaz Carreto
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira
José Manuel Baião Papão