Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2975/08.2TJVNF-D.P1
Nº Convencional: JTRP00043775
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RP201004122975/08.2TJVNF-D.P1
Data do Acordão: 04/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO - LIVRO 412 - FLS. 227.
Área Temática: .
Sumário: I- Para a resolução dos negócios em curso do insolvente em benefício da massa insolvente, exige a lei um duplo requisito: prejudicialidade do acto ou omissão e que seja praticado dentro dos quatro anos antes do início do processo de insolvência.
II- A lei considera prejudicial à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
III- Na denúncia feita pelo Administrador em carta registada com AR deve ser descrita a motivação, os factos que a originam, os concretos factos fundamento da medida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 2975/08.2TJVNF-D.P1
Relator: Pinto Ferreira - R/1286 -
Adjuntos: Marques Pereira
Caimoto Jácome

Tribunal de Vila Nova de Famalicão - 4º Juízo Cível - Processo autuado a 18-08-2009 -
Data da decisão recorrida: 20-11-2009; Data da distribuição na Relação: 2-02-2010

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
Massa Insolvente de B…………., Lda.”, com sede no …………, Rua do ……, nº ….., Fracção “….”, ……., Matosinhos veio, ao abrigo do disposto no artº125º do C.I.R.E., intentar a presente acção de impugnação de resolução, sob a forma de processo comum, sumário, contra C………….., Lda., com sede no …………., Rua ………., nº……, ……, V.N. de Famalicão, pedindo que declare nula e de nenhum efeito a declaração de resolução do contrato de arrendamento efectuada pela Administradora da Massa Insolvente da R., mantendo-se intocado o contrato e a qualidade de arrendatária da A., com todos os direitos e deveres inerentes.
Contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido formulado pela A.
A A. respondeu à contestação, sustentando a improcedência das excepções invocadas pela R. nesse articulado.

Considerando que o processo permitia já decisão de mérito, proferiu-se sentença em que se julga procedente a impugnação, considerando ilegal a carta de resolução, mantendo o arrendamento.
Inconformada, recorre a ré.
Apresenta alegações. Há contra alegações.
Nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II - Fundamentos do recurso

As conclusões delimitam o âmbito do recurso - artigos 684º n.º 3 e 685º-A n.º 1 do CPC -.
Justifica-se, assim, a sua transcrição.

Primeiro. A Massa Insolvente/recorrente exerceu o acto de resolução em obediência aos desígnios normativos imputáveis ao acto resolúvel exigido pelo art.° 123.°, n.°s 1 e 3 a 5, alienas a) e b) do C.I.R.E.
Segundo. Suscitando uma questão prévia o entendimento do Tribunal de que a Administradora da Insolvência ao elaborar e enviar a carta de resolução supra reproduzida «faltou à verdade» ao pretender que a alienação do imóvel sobre o qual incidia o arrendamento era impossível enquanto perdurasse o vínculo da locação revela uma inadequada percepção da comunicação enviada à arrendatária, errónea interpretação que esta sequer teve, o que se revela dos termos da própria acção de impugnação da resolução proposta nos termos do disposto no art.° 125.° do C.I.R.E.
Terceiro, O que da missiva se alcança é que a manutenção do arrendamento comercial impossibilitando a venda do imóvel desonerado e tal ónus, o que o desvaloriza substancialmente no momento da venda em benefício da massa e dos seus credores;
Quarto. Tal constitui um sintomático e inexorável facto notório tal como o mesmo se determina nos termos do art.° 514.0, n. 1 do CPCiviI aplicável «ex-vi» do C.I.R.E.;
Quinto. É notório e discernível para o homem médio face à experiência comum que um imóvel, mais a mais de natureza comercial e industrial, colocado à venda com a oneração de um arrendamento comercial constitui uma menos valia que impossibilita a realização do seu real valor quando concatenado com a sua natureza livre e devoluta;
Sexto. Não subsiste ineficácia na fórmula resolutória encontrada pela Administradora da Insolvência para a admonição à A.;
Sétimo. Tal ineficácia não se verifica em função do claro conhecimento e entendimento da existência formal e material do acto de resolução por parte da A., bem assim como do alcance do acto protagonizado pela Administradora da Insolvência;
Oitavo. A resolução do acto jurídico foi operada nos nos termos do disposto no artigo 120.°, n.°s 1 e 3 a 5, alíneas a) e b) do C.I.R.E. (Decreto-Lei n.O 53/2004, de 18 de Março alterado pelo Decreto-Lei n.° 200/2004, de 18 de Agosto) e, especialmente, o n. 4 e redigiu a Administradora da Insolvência a carta resolutória de forma tão clara quanto possível no respeito pelo disposto no art.° 123.°, n.° 1 do C.I.R.E., tipificando o acto em exercício/resolução, discriminando os preceitos normativos e o diploma de sustento e identificando exaustivamente o acto resolvido, os intervenientes e as consequências da atitude resolutória;
Nono. Com a locação resolvida pela Administradora da Insolvência a agora insolvente onerou intencional e irreversivelmente o seu património, único lastro susceptível de permitir o ressarcimento, ainda que relativo dos seus inúmeros credores e beneficiou injustamente entidade especialmente relacionada com a devedora;
Décimo. Ainda que assim se não entenda e cautelarmente, a carta enviada à A. refere substancialmente factos tendentes a viabilizar e a substanciar a resolução; desde logo, a própria referência às normas jurídicas utilizadas para a formulação do acto, ou seja e no caso concreto, os artigos 120.0, n.°s 1 e 3 a 5, alíneas a) e b), com particular incidência no n. 4 da norma do C.I.R.E., assim como referiu a Administradora da Insolvência e de forma discriminada, o acto e o bem que predispuseram a resolução bem assim como a sua prejudicialidade e mais referiu a massa insolvente que tal sucedia já que o acto consubstanciava “... actividade prejudicial aos interesses da massa, mormente, por força da impossibilidade de alienação do imóvel desonerado do ónus locatício prometido que lhe diminui substancialmente o valor em detrimento dos interesses dos credores da massa”;
Décimo primeiro. A A. compreendeu perfeitamente o sentido da missiva da recorrente, escrita pela mão da Administradora da Insolvência e de tal facto não podem restar dúvidas, na justa medida em que ficou provado que não aceitou a resolução, impugnando-a processualmente
Décimo segundo. A exigência de ulterior factualidade exigida pela decisão recorrida como se o acto de resolução protagonizado nos termos dos art.°s 120.° e seguintes do C.I.R.E. tivesse de seguir a regra da impugnação pauliana não só faz incorrer a massa na obrigação de «inventar» factos para além dos narrados como viola o conceito normativo da resolução extrajudicial, já que a mesma, nos termos gerais do art° 432º do C Civil, constitui uma declaração unilateral receptícia e que segue o regime comum da liberdade de forma, ainda que o negócio jurídico que se pretenda dissolver ou extinguir seja formal;
Décimo terceiro. A resolução operada extra judicialmente observou os requisitos de forma previstos na lei, sendo certo dever entender-se que o legislador afastou a exigência de tal resolução se fazer por outros meios mais solenes, mormente, através da exaustiva indicação de factualidade exógena à própria motivação do negócio
Décimo quarto. No âmbito do C.I.R.E. podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos e negócios do insolvente prejudiciais à massa praticados dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo, sendo esse conceito de acto prejudicial definido como todo aquele que diminua, frustre, dificulte, ponha em perigo ou retarde a satisfação dos interesses dos credores;
Décimo quinto. Esta resolução afasta-se do conceito civilístico dos art.s 432° e seguintes do C Civil na medida em que na lei comum constitui uma extinção fundamentada de um contrato que entre as partes se encontrava em vigor, enquanto na concepção do C.I.R.E. ela visa dar sem efeito actos já integralmente praticados ou omitidos;
Décimo sexto. Tal pode ser desencadeada pela Administradora da Insolvência através da já referida carta registada com aviso de recepção, bastando para tal que se verifiquem as circunstâncias referidas no art.° 120º do C.I.R.E. e seus números, de resto invocadas na situação dos autos;
Décimo sétimo. A decisão recorrida violou o disposto nos art.°s 120º e 123º do C.I.R.E. e art.° 514.°, n. 1 do CPCivil,
Décimo oitavo. Pugnando-se por que a mesma seja objecto de revogação e substituída por outra que determine a validade e eficácia da carta resolutória enviada pela massa à A., subtraindo-a à exigência de factualidade exógena à que as normas invocadas e o texto da missiva já contém, por suficientes e válidas.

Não há contra alegações.
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III - Factos Provados

Com interesse para a decisão da causa, considero assentes (provados) os seguintes factos:

1- A A. é a massa insolvente resultante da declaração de insolvência de uma sociedade comercial que tinha como objecto a concepção, construção, comercialização e instalação de infra-estruturas desportivas, gestão de instalações desportivas, importação e exportação de componentes industriais para infra-estruturas desportivas.
2- Sociedade comercial que foi declarada insolvente por sentença datada de 24/9/2008, já transitada, proferida no âmbito do processo especial de insolvência que, autuado sob o nº3047/08, corre os seus termos por este mesmo Juízo.
3- A R. é a massa insolvente de uma sociedade comercial, declarada insolvente, por sentença proferida no âmbito do processo principal, em 15/9/2008, já transitada, de que a presente acção constitui um apenso.
4- A. e R. estão numa relação de grupo, dado que a R. participa no capital social da A. com uma quota no valor nominal de 1.000,00 euros, possuindo ainda uma administração comum.
5- A A. reclamou, no âmbito deste processo, no competente apenso de reclamação de créditos, um crédito sobre a R. do montante de 317.064,70 euros.
6- Em 31 de Setembro de 2007, por documento escrito, que constitui o documento junto aos presentes autos de fls.16 a 20, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, a A. e a R. celebraram um contrato de arrendamento comercial, tendo como objecto a fracção autónoma do prédio urbano identificado como pavilhão/fracção “R”, sito no ……….., nº …./…., na freguesia de ……….., Matosinhos, descrito na competente C.R.P. sob o nº009/82/261291 – R.
7- Em execução de tal contrato, a R., proprietária dessa fracção, concedeu à A., e esta aceitou, o gozo da mesma, mediante o pagamento de uma renda mensal do valor de 1.500,00 euros, sendo tal contrato celebrado pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, por iguais e sucessivos períodos, com início em 1/10/200 e termo em 31/9/2008.
8- Posteriormente, em 5/1/2008, A. e R. procederam a uma alteração do referido contrato de arrendamento, no sentido de se operar uma redução transitória do valor da renda em vigor, sendo a mesma reduzida para o valor mensal de 500,00 euros, com efeitos a contar de Janeiro de 2008 até Dezembro de 2013, passando a vigorar o valor inicial estipulado a partir desta última data, acrescida do valor das correspondentes actualizações anuais, entretanto, ocorridas até essa data, tudo como melhor flui do teor do documento junto aos presentes autos de fls.25 e 26, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
9- No passado dia 16 de Fevereiro de 2009, a A.I. da R., enviou, mediante carta registada com aviso de recepção, para a A.I. da A., que o recebeu no dia seguinte, o escrito que constitui o documento junto aos presentes autos a fls.36 e 38, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, através do qual comunica à R. que, nos termos do disposto no artº120º, nºs 1 a 3 e 5, als.a) e b) do C.I.R.E., que procede à resolução do acto jurídico consubstanciado no contrato de arrendamento comercial outorgado em 31 de Setembro de 2007, em que a ora R. figura como senhoria e a ora A. como arrendatária.
10- Para fundamentar essa resolução a A.I. da R., escreve o seguinte: “Tal sucede por força da data em que tal promessa de arrendamento ocorreu e, ainda, pelo facto de tal acto consubstanciar actividade prejudicial aos interesses da massa, mormente, por força da impossibilidade de alienação do imóvel desonerado do ónus locatício prometido que lhe diminui substancialmente o valor em detrimento dos interesses dos credores da massa”.
11- O processo de insolvência (apresentação à insolvência) de que a presente acção constitui um dos seus apensos, deu entrada em Juízo no dia 12/9/2008.
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IV - O Direito

O tribunal a quo considerou que o estado do processo permitia a prolação imediata de uma decisão sobre o mérito da causa, donde ter decidido julgar a acção de impugnação procedente e, consequentemente, ilegal a resolução do contrato de arrendamento, fazendo-o subsistir.
A ré, apresenta outros motivos para que a solução final seja outra, ou seja, a impugnação improcedente e o contrato de arrendamento resolvido.
O CIRE contém disposições que regulamentam a situação exposta nos autos, na qual se pretende resolver em benefício da massa falida da ré um contrato de arrendamento de uma fracção autónoma sua pertença e que havia dado de arrendamento à autora.
Por outro lado, o código de processo civil contém normativos gerais que obrigam a que o tribunal, na decisão, use e tome em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos e os que o tribunal deu como provados ou possam resultar ainda das alegações das partes - art. 659º e 265º n.º 3 do CPC -
E será nesta última e essencial função que se deve enquadrar a presente decisão.
O processo contém matéria suficiente para que a decisão possa ser tomada definitivamente.

Vejamos

Preceitua o artº109º, nº1 do CIRE., que a declaração de insolvência não suspende a execução do contrato de locação em que o insolvente seja locador, e a sua denúncia por qualquer das partes apenas é possível para o fim do prazo em curso, sem prejuízo dos casos de renovação obrigatória.
Em resumo, resulta deste normativo, que se mostra integrado no capítulo dos negócios em curso do insolvente, que o contrato de arrendamento se mantém intacto, apesar da declaração de insolvência.
Por sua vez, determina o artº120º, nº1 do CIRE, que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Ou seja, exige a lei a verificação de um duplo requisito: prejudicialidade do acto ou omissão; que seja praticado dentro dos 4 anos antes do início do processo de insolvência.
E sobre o que se deve entender por prejudicialidade, fixa o n.º 2 que se consideram os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
Para além desta concretização, o n.º 3 do mesmo, estabelece uma presunção, sem admissão de prova em contrário, os actos que enumera no art. 121º, com resolução incondicional e independentemente da prática ou omissão fora dos prazos aí contemplados.
Convirá reter que o n.º 1 e 2 deste artigo reflectem os princípios gerais a ter sobre esta matéria.
Ora, desde já podemos constatar que, neste caso em análise e perante as datas acima expostas, se verifica a ocorrência do primeiro segmento, dado que o contrato de arrendamento e a sua alteração foi efectuado nos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Mas, atendendo às datas da declaração de insolvência, tanto da autora como da ré, conjugadas com a data da realização do contrato de arrendamento e da sua posterior alteração, merecem ainda uma anotação.
Confessa a autora, na sua petição inicial, que ambas se encontram numa relação de grupo, participando a ré no capital social da autora com uma quota nominal de 1.000€, possuindo ainda uma administração comum.
Confessa ainda que é credora da ré, com crédito já relacionado e reclamado no montante de € 317.064,70.
Para além destes factos, acontece que o primeiro contrato de arrendamento é de 31 de Setembro de 2007, sendo neste fixado um valor de renda de 1.500€/mês e a alteração posterior ocorre passados apenas 3 meses, em 5 de Janeiro de 2008, passando a renda não só para o montante de 500€/mês, mas acrescenta-se que este contrato tem efeitos a partir de Janeiro de 2008 e manterá em vigor esta renda até 2013.
Curioso ainda que a insolvência da autora é de 24 de Setembro de 2008 e a ré é de 15 de Setembro de 2008.
Ou seja, o contrato de arrendamento é alterado para 1/3 do seu valor, passado apenas 3 meses de estar em vigor e precisamente nove meses antes de serem, autora e ré, declaradas insolventes.
E mais curioso ainda quando, tanto o 1º contrato de arrendamento, como o acordo de alteração parcial deste contrato, são assinados pelos mesmos representantes, tanto da autora como da ré (vejam-se fls. 16 a 20 e 25 e 26).
Ou seja, quem assina em representação da C1…………., L.da, como arrendatária, é precisamente o mesmo que assina em representação da B1…………., como inquilino.
Este contrato a que vimos fazendo referência tem contornos, no mínimo, pouco claros.

Mas, para além destes factores, analisemos agora a questão da prejudicialidade ou não do acto praticado pela autora, de conceder em arrendamento a fracção sua pertença, perante os factos acima narrados.
O tribunal considerou que não havia prejudicialidade.
Respeitamos tal posição, mas não concordamos.
Diremos porquê.
Repetimos que a lei considera prejudicial à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência - n.º 2 do art. 120º do CIRE -.
Ora, o bem da insolvente encontra-se dado de arrendamento por um valor de 500€/mês, quando poucos meses antes (3) era de 1500€/mês. E tal contrato realiza-se um ano antes da insolvência.
Mas mais, do teor final do acordo de alteração deste contrato de arrendamento - celebrado 9 meses antes da insolvência -, a renda manter-se-á intacta até 2013, regressando então ao valor inicial de 1500€, ou seja, até essa data, a massa falida não pode dispor desses bem ou se dele dispuser sofrerá, naturalmente, diminuição do seu valor real.
Ora, embora possa ocorrer situações em que um bem arrendado também possa ser valorizado por tal, o certo é que no normal dos casos, um bem liberado terá um outro valor superior de mercado.
É certo que não está a massa falida impossibilitada de o alienar, apesar de arrendado, mas não é tanto pelo facto de estar arrendado que o prejuízo se verifica, mas mais pelo tempo em que o arrendamento se mantém e a renda fixada ser até 2013.
E anotamos que, em sede de resposta, a autora informa o tribunal que só de condomínio paga 700€/mês, donde se verificar a situação inédita de ser maior o condomínio do que a renda e confessa ainda que o arrendamento efectuado serviu também para compensar o seu crédito.
Em suma, podemos dizer que a actuação da ré ao conceder a sua fracção nos moldes e condições resultantes do contrato de arrendamento e subsequente acordo, se traduziu num acto que podemos qualificar de prejudicial à massa insolvente.

Mas, analisemos agora se o administrador da insolvência cumpriu ou não o art. 123º n.º 1 do CIRE, isto é, se a carta resolutória e o seu conteúdo satisfaz ou não a norma.
Diremos que o n.º 1 do art. 123º do CIRE dispõe que a resolução pode ser efectuada por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto.
Esta norma surge como consequência do fixado no art. 436º n.º 1 do CC, donde não se exigir a via judicial para sua efectivação, bastando para o efeito com uma simples comunicação por carta registada com aviso de recepção.
Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pág. 54, defende a necessidade de uma específica motivação, sendo necessário invocar os factos que a originam, pois considera que “cabe ao administrador da insolvência fazer a prova da natureza do acto, caso haja impugnação do mesmo, nos termos do artigo 125ºCIRE. Realce-se que se impõe, de todo o modo, que as circunstâncias que fundam a prejudicialidade do acto sejam invocadas quando se declara a resolução”.
“Dado que esta resolução carece de específica motivação”
E o mesmo autor e na mesma obra, a fls. 164, afirma que “ é essencial que sejam invocados os fundamentos que a originam, os quais têm um conteúdo bem diverso da típica resolução extrajudicial”.
Idêntico sentido manifesta o Ac. STJ, de 17-9-2009, subscrito pelo Ex.mo Conselheiro Dr. Mário Cruz, consultável em www.dgsi.pt, para quem “Na notificação de resolução de negócio feita pelo Administrador em favor da massa, tem o Administrador de indicar os concretos factos fundamento da medida”
Pois “………o impugnante tem o direito de saber por que factos ou razões concretos se tinha de considerar resolvido o negócio por ele celebrado, pois só assim se garantiria o efectivo contraditório.
A acção de impugnação é pela sua natureza uma acção de contra-ataque e, por isso, tem o impugnante de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são desferidos.
Só assim está ele em condições de poder demonstrar a insubsistência do acto resolutivo.
O impugnante não vai atacar factos ou fundamentos que não lhe foram revelados na carta de resolução. Não pode ser surpreendido, por outro lado, com novos factos ou novas razões quando a acção de impugnação se encontra já em andamento”.

No mesmo sentido, veja-se ainda os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 26-3-2009 e 5-11-2009, também em www.dgsi.pt.

Também acompanhamos este entendimento e consideramos correcto esta interpretação da lei, havendo, porém, de verificar, em cada caso específico, se a resolução do administrador da insolvência obedeceu ou não a estes comandos.
Prossigamos.
Determina ainda o n.º 4 do artigo 120º do CIRE que salvo no que respeita aos casos previstos no artigo 121º do CIRE, a resolução pressupõe a má fé de terceiro.
Acontece, frise-se novamente, que os actos, em causa nos autos, ocorreram dentro do prazo referido no n.º 1 do artigo 120º.
Dispõe o n.º 5 do mesmo artigo 120º que se entende por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente
c) Do início do processo de insolvência.

Consultando novamente a carta resolutiva, verificamos que o fundamento da resolução se repartiu em três motivos, quais sejam o facto de ter considerado que de que por força da data em que tal contrato de arrendamento ocorreu e, ainda, pelo facto de tal acto consubstanciar actividade prejudicial aos interesses da massa, mormente, por força da impossibilidade de alienação do imóvel desonerado do ónus locatício prometido que lhe diminui substancialmente o valor em detrimento dos interesses dos credores da massa.
Da matéria de facto provada e atendendo à qualidade das partes envolvidas no negócio - uma e a mesma pessoa a representar autora e ré, a senhoria como participada da locatária, o negócio praticado - contrato de arrendamento -, a acontecer mesmo antes da declaração de insolvência e no período imediatamente anterior, insolvência que abrange tanto da autora como a ré, o encerramento da actividade surgir no ano de 2007, o tipo e objecto do negócio em si mesmo realizado, mais ainda quando incide sobre o único bem da ré, prolongamento do contrato até 2013, para além de não duvidarmos que a autora tivesse conhecimento que a insolvente, sua associada/participada e com administração comum - artigos 4º 4 5º da petição inicial -, estivesse na situação de insolvência, temos por certo que o acto prejudicava a massa insolvente, na medida em que diminuía, dificultava e retardava a satisfação dos credores da insolvente - n.º 1 e 2 e al. a) e b) do n.º 5 do art. 120º do CIRE -.
Por outro lado, o contrato de arrendamento não traduzia para a ré um arrecadar de dinheiro, servindo antes para a autora compensar o seu crédito para com ela - confissão do articulado da réplica -, tornando-se, deste modo, por sua livre iniciativa, um credor privilegiado, contrariando assim o art. 733º do CC.
Assim, perante estes factos e os ensinamentos acima enunciados, caberá então decidir se a resolução se encontra ou não suficientemente fundamentada.
Entendemos, contrariamente à decisão recorrida, que a resposta é afirmativa.
Em primeiro lugar, concedemos que a lei não especifica o grau de fundamentação ou até mesmo se ela deve existir (cf. citado art. 123º, do CIRE).
Todavia, entendemos que a carta resolutiva enviada pela administradora satisfaz tais exigências, na medida em que tipifica e descrimina os preceitos aplicáveis, identifica o acto que pretende ver resolvido, os intervenientes e as razões para tal.
É que a carta enumera, desde logo, dando como indicadores para tal resolução, o factor da data em que o contrato se realizou, acrescentando e ainda para dizer que tal acto consubstancia actividade prejudicial ao interesse da massa, e coloca o termo mormente, para apontar a impossibilidade de alienação do imóvel desonerado do ónus locatício, o que se traduz numa diminuição substancial de valor em detrimento dos credores da massa.
Ora, perante tudo o que acima se relatou, repita-se, concretamente sobre as datas da realização do contrato de arrendamento, qualidade dos intervenientes no negócio, conteúdo do contrato e subsequente acordo com diminuição acentuada da renda e prolongamento até 2013 desse contrato, sem qualquer actualização de rendas, intervenção idêntica dos representantes das insolventes tanto como inquilina como arrendatária, etc., etc., factos estes visíveis perante os dados constantes do processo, pensamos que o conteúdo da resolução é mais do que suficiente para o impugnante atacar os factos e os fundamentos que lhe foram revelados na carta de resolução.
Tudo conjugado, temos para nós que o acto praticado pela ré insolvente foi prejudicial aos interesses da massa, facto que se revela na carta resolutória e permite à impugnante poder fazê-lo de forma satisfatória.
A declaração resolutiva concretiza os factos constitutivos do direito que se pretendeu exercer, mostrando-se suficiente e válida.
A decisão tem que ser revogada, devendo manter-se a validade da carta resolutiva e daí a resolução do contrato de arrendamento que estava em discussão, donde ser a acção julgada totalmente improcedente
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V - Decisão

Termos em que se julga procedente o recurso e como tal revoga-se a decisão apelada, julgando-se a acção improcedente.
Custas da acção e do recurso pela autora.
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Porto 12.04.2010
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de C. Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome