Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
70/11.6TBSJP-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOURA
Descritores: ARRENDAMENTO
DENÚNCIA DE CONTRATO
SENHORIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
NORMAS TRANSITÓRIAS
Nº do Documento: RP2012051470/11.6TBSJP-A.P1
Data do Acordão: 05/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DECISÃO SINGULAR
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTºS 26º/4 E 28º DA LEI 6/2006
Sumário: I - Os arrendamentos para fins habitacionais e não habitacionais, celebrados antes ou na vigência do RAU e DL 25 7/95, de duração não limitada, não são livremente denunciáveis pelo senhorio, por força do disposto nos arts° 26°/4 e 28° da Lei n° 6/2006.
II - Neste caso, não está na disponibilidade dos senhorios denunciar livremente o contrato de arrendamento em causa pelo que não se pode considerar operativa a comunicação destes aos arrendatários com vista à não renovação do contrato de arrendamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação

Ver 192

Processo nº 70/11.6TBSJP-A.P1 vindo do Tribunal Judicial de São João da Pesqueira.
387-P-títl.exec.nrau-12-70-desp

DECISÃO INDIVIDUAL DE JUIZ RELATOR nos termos do disposto nos artigos 700º- 1 al. c) e 705º, todos do C.P.C..
1.
Despacho a que alude o artigo 700º do C.P.C.:
Recurso recebido como de apelação, próprio, com efeito e regime de subida acertados.
Nada obsta ao conhecimento do seu objecto.
2
Profiro decisão individual de JUIZ RELATOR nos termos do disposto nos artigos 700º- 1 al. c) e 705º, todos do C.P.C., porque, embora se trate de aplicar normas e regimes susceptíveis de tratamentos e soluções diversos, haverá sempre que decidir o caso ( o tribunal não pode abster-se de julgar – artigo 8º - do Código Civil ), e as questões apesar de tudo – são simples e delimitadas.
Por outro lado, atenta a fase do processo, o que está em causa no recurso –facto e direito -, o tratamento das questões em apreço que do processo já consta explanado, as Partes nunca poderão sustentar que ficarão agora face a uma decisão surpresa, sendo de dispensar manifestamente, a notificação a que alude o artigo 3º - 3 do C.P.C..
Aos cidadãos em geral, a todos, e às Partes em particular, cabe o direito de obterem em prazo razoável uma decisão judicial que aprecie com força de caso julgado a pretensão trazida a juízo – artigos 2º - 1 do C.P.C e 20º da Constituição da República Portuguesa.
3
I - RELATÓRIO

Em 28 de Março de 2011 vieram B… e esposa, C…, intentar execução comum (solicitador de execução), para entrega de coisa certa, demandando D… e E…, fazendo a entrega por via electrónica de requerimento executivo, com os seguintes dizeres:

Titulo Executivo: Artigo 15º, nº 1, c) NRAU
Factos:
1. Por contrato de arrendamento celebrado no dia 12 de Março de 1975, os Exequentes deram de arrendamento ao executado marido o rés-do-chão do prédio urbano, sito na …, nº .., freguesia e concelho de S. João da Pesqueira, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob os artigos 678 e 788, que se destina ao exercício do comércio de casa de pasto, taberna e quinquilharias, podendo o executado habitar a parte arrendada do primeiro andar, durante a vigência do referido contrato de arrendamento.
2. No contrato em apreço foi estipulado que durará pelo prazo de 3 (três) anos, prorrogável por iguais períodos de tempo, se não for denunciado com a antecedência mínima legal.
3. Mercê de sucessivas prorrogações, o contrato em apreço prorrogou-se por mais 3 (três) anos, com início em 12 de Março de 2008 e termo em 12 de Março de 2011, sendo que a renda actual é de € 147,00.
4. Após Notificação Judicial Avulsa apresentada em Tribunal em 18 de Fevereiro de 2010, os executados foram notificados pelos exequentes, à data de 24 de Fevereiro de 2010, ficando cientes de que o contrato em apreço não se renovará e cessará todos os seus efeitos em 12 de Março de 2011.
5. Os executados mais foram notificados de que "em 12 de Março de 2011 deverão entregar aos exequentes o rés-do-chão e o 1° andar, objecto do arrendamento livre e devoluto de pessoas e bens" - doc. 1, que se junta.
6. Em 1 de Fevereiro de 2011 os exequentes fizeram lembrar, pessoalmente, à executada mulher que deveriam entregar as chaves e deixar o locado até 12 de Março de 2011.
7. Em 1 de Fevereiro de 2011 os exequentes fizeram notificar extrajudicialmente os executados para o mesmo efeito - doc. 2, que se junta.
8. A presente execução tem por fundamento o disposto nos artigos 15° do NRAU da Lei nº 6/2006, de 26 de Fevereiro e artigo 1097° do Código Civil.
9. Os executados nunca responderam às notificações e interpelações dos exequentes.
*
Os executados deduzem depois oposição à execução, ao abrigo dos artigos 813º e ss do CPC.
Excepcionam, impugnam, concluem pela suspensão da execução ou por ser a oposição julgada procedente e os executados absolvidos do pedido.
A oposição foi liminarmente admitida e vieram contestá-la os Exequentes concluindo pela improcedência da oposição e pelo prosseguimento da execução.
*
Juntaram-se escritura de habilitação de herdeiros e escritura de partilha, de modo a justificar a legitimidade activa para a execução.

Foi proferida decisão sobre a invocada ilegitimidade activa.
Os executados/oponentes vieram suscitar a excepção dilatória da ilegitimidade activa dos exequentes alegando em síntese, que os mesmos, pese embora constem como senhorios na notificação judicial avulsa, não constam nessa qualidade no contrato de arrendamento que igualmente serve de base à acção executiva, pelo que, defendem, são os mesmos parte ilegítima.
Resulta, assim, dos documentos juntos aos autos que os exequentes adquiriram, por sucessão por morte, a compropriedade do prédio objecto do contrato de arrendamento em causa nos autos.
Foi entendido que os exequentes, enquanto comproprietários do imóvel objecto do contrato de arrendamento em causa nos autos, têm legitimidade para, desacompanhados dos demais comproprietários desse mesmo imóvel, denunciar o contrato de arrendamento e instaurar acção executiva para entrega da coisa comum.
E assim a excepção foi julgada improcedente.

Foi proferida decisão sobre a invocada ilegitimidade passiva.
Os executados/oponentes suscitam a ilegitimidade passiva da executada/oponente E…, alegando, em síntese, que a mesma não consta como arrendatária no contrato de arrendamento junto com o requerimento executivo. Na verdade, no contrato de arrendamento figura apenas como arrendatário o executado/oponente D…, que à data da outorga do contrato tinha, segundo resulta do mesmo, o estado de solteiro.
Como os executados reconhecem nos autos que a coisa locada está igualmente na posse da oponente E…, entendeu-se que esta era, embora terceiro e relação ao contrato, parte legítima na causa, por forma a que a acção possa produzir plenamente os seus efeitos.

E assim a excepção foi julgada improcedente.
*
O Sr. Juiz entendeu que o processo continha todos os elementos para uma decisão conscienciosa, saneou o processo e proferiu saneador-sentença.

Dá como provados os seguintes factos:

1) Em 12 de Março de 1975, através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial de São João da Pesqueira, F…, casada, natural da freguesia de …, concelho de São João da Pesqueira, na qualidade de procuradora de G…, casado, natural da freguesia de …, concelho de Vieira do Minho, deu de arrendamento a D…, solteiro, maior, natural da freguesia de …, concelho de São João da Pesqueira, uma divisão do lado poente, do rés-do-chão, e três quartos e uma sala do lado norte, com a faculdade de usar o quarto de banho, da casa do seu constituinte, sita na …, em São João da Pesqueira, a confrontar de nascente com herdeiros de H…, de poente e sul com I… e de norte com rua pública, inscrita sob o artigo 678 e descrita na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira sob o número 17833, tendo-se estipulado que o arrendamento se destina ao exercício do comércio de casa de pasto, taberna e quinquilharias, podendo o inquilino habitar a parte arrendada do primeiro andar durante a vigência do contrato de arrendamento, pelo prazo de três anos, prorrogável por iguais períodos de tempo se não for denunciado com a antecedência mínima legal por carta registada com aviso de recepção ou notificação judicial avulsa, por qualquer das partes, ascendendo a renda mensal, à data, a 1.500$00, conforme resulta do documento junto aos autos principais a fls. 7 (verso) a 9 (frente e verso) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Por escritura pública de habilitação de herdeiros outorgada no Cartório Notarial de São João da Pesqueira a 06 de Março de 1986, declararam os aí outorgantes que J…, falecida a 03 de Junho de 1979, no estado de casada em primeiras núpcias de ambos com G…, deixou como únicos herdeiros, além do referido marido, os filhos do casamento, F…, casada no regime da comunhão geral de bens com K…, L…, casado no regime da comunhão geral de bens com M…, N…, casada no regime da comunhão geral de bens com O…, e C…, casada no regime da comunhão de adquiridos com B…, conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 42 a 45 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Por escritura pública de partilha outorgada no Cartório Notarial de São João da Pesqueira a 06 de Outubro de 1988, declararam os aí outorgantes que, conforme consta da escritura de habilitação de herdeiros referida em 2), faleceu a 03 de Junho de 1979, J…, casada em primeiras núpcias de ambos e no regime da comunhão geral com G… e a quem sucederam esse seu marido e quatro filhos, os já identificados C…, F…, L… e N…, tendo a autora da herança deixado testamento público, no qual instituiu herdeiro da sua quota disponível o seu marido, mais declarando que há para partilhar, além do mais, o seguinte bem: Casa com três pavimentos, quintal e dependência, sita na …, com as áreas, a casa, de cento e doze metros quadrados, o quintal, cento e trinta e seis metros quadrados e a dependência quinze metros quadrados, inscrita na matriz sob o artigo 678, que confronta do norte com …, sul e poente com P… e nascente com Q…, conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 46 a 52 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4) Mais declararam, os aí outorgantes, na escritura referida em 3), que os valores resultantes da soma dos imóveis, dividem-nos em duas partes iguais, uma constituindo a meação do viúvo e da outra saindo a sua quota disponível, de uma terça parte, e do restante sai a legítima do viúvo e as legítimas de cada um dos filhos, adjudicando-se ao viúvo o usufruto de todas as verbas e aos demais herdeiros, entre os quais, C… e marido B…, casados no regime da comunhão geral, é atribuída, a cada casal, a nua propriedade ou raiz de uma quarta parte indivisa de cada verba.
5) Através da notificação judicial avulsa n.º 35/10.5TBSJP, deste Tribunal, em que foram requerentes os ora exequentes, representados pela sua procuradora, S…, e requeridos os ora executados/oponentes, foram os executados/oponentes notificados, a 24.02.2010, de que o contrato de arrendamento referido em 1) não se renovará e cessará todos os seus efeitos a 12 de Março de 2011 e que, nesta data, os requeridos, ora executados/oponentes deverão entregar aos requerentes, ora exequentes, o rés-do-chão e o 1.º andar objecto do referido contrato de arrendamento, livre e devoluto de pessoas e bens, conforme resulta dos documentos juntos aos autos principais a fls. 4 a 7 (frente) e 11 (frente e verso) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Foi proferida sentença que culminou com a procedência da oposição com a extinção da execução que faz processo principal.
As custas ficaram a cargo dos exequentes - cfr. artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Fixou-se valor à causa.
*
Inconformados recorrem os Exequentes, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito suspensivo da decisão (a que são aplicáveis as alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto).
E interpõe o Executado D… recurso subordinado.
*
No recurso principal os Apelantes concluem:

PRIMEIRA
Dos factos carreados para os autos, sublinhamos que em 12 de Março de 1975, através de escritura pública outorgada na Cartório Notarial de São João da Pesqueira, F…, casada, natural da freguesia de …, concelho de São João da Pesqueira, na qualidade de procuradora de G…, casado, natural da freguesia de …, concelho de Vieira do Minho, deu de arrendamento a D…, solteiro, maior, natural da freguesia de …, concelho de São João da Pesqueira, uma divisão do lado poente, do rés-do-chão, e três quartos e uma sala do lado norte, com a faculdade de usar o quarto de banho, da casa do seu constituinte, sita na …, em São João da Pesqueira, a confrontar de nascente com herdeiros de H…, de poente e sul com I… e de norte com rua pública, inscrita sob o artigo 678 e descrita na Conservatória do Registo Predial de São João da Pesqueira sob o número 17833, tendo-se estipulado que o arrendamento se destina ao exercício do comércio de casa de pasto, taberna e quinquilharias, podendo o inquilino habitar a parte arrendada do primeiro andar durante a vigência do contrato de arrendamento, pelo prazo de três anos, prorrogável por iguais períodos de tempo se não for denunciado com a antecedência mínima legal por carta registada com aviso de recepção ou notificação judicial avulsa, por qualquer das partes, ascendendo a renda mensal, à data, a 1.500$00, conforme resulta do documento junto aos autos principais a fls. 7 (verso) a 9 (frente e verso) cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

SEGUNDA
O que vale por dizer que as partes manifestaram a sua vontade perante oficial público que este contrato fosse de duração limitada, renovável ou livremente denunciável, mediante prévio aviso, por qualquer das partes.

TERCEIRA
Mas, por Notificação Judicial Avulsa apresentada em Tribunal, em 18 de Fevereiro de 2010, os recorrentes notificaram os recorridos, à data de 24 de Fevereiro de 2010, ficando estes cientes de que o contrato em apreço não se renovava e cessava todos os seus efeitos em 12 de Março de 2011.

QUARTA
O que foi confirmado, pelos recorrentes, por carta registada e pessoalmente, em 1 de Fevereiro de 2011.

QUINTA
A Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, é aplicável aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e aos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, que aos contratos em causa se aplica, com as devidas adaptações, o previsto no artigo 26º da mesma Lei, que regula a cessação e denúncia do contrato.

SEXTA
Ora, salvo o devido respeito, entendemos que a decisão recorrida deverá ser revogada na parte em que propugna que, à data da celebração do contrato de arrendamento em análise vigorava, quer para os contratos de arrendamento para habitação, quer para os contratos para comércio ou indústria, o regime do arrendamento vinculístico, sem duração limitada, em que o senhorio não podia livremente pôr termo ao contrato, fosse por denúncia, resolução ou oposição à renovação, impondo-se-lhe a renovação do contrato.

SÉTIMA
Salvo o devido respeito por opinião diversa, consideramos que a eficácia da cláusula terceira do contrato de arrendamento sub judící ficou suspensa no tempo até à entrada em vigor do regime jurídico posterior que a recebeu, ou seja, até à entrada em vigor do RAU, no que respeita ao arrendamento urbano para fim habitacional, e do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, quanto ao arrendamento urbano para o exercício do comércio, indústria, profissões liberais e outros fins não habitacionais.

OITAVA
Só o nosso entendimento concede a mais elevada protecção ao princípio da liberdade contratual e ao princípio da autonomia privada, previsto no art. 405º do CC.

NONA
Tornando-se em consideração que a livre denúncia foi exercida, após a entrada em vigor do regime jurídico que a regulamenta, e no exercício dos direitos emergentes do contrato de arrendamento, consideramos que as razões de ordem de pública deixaram de se sobrepor aos citados princípios da liberdade contratual e princípio da autonomia privada.

DÉCIMA
Consequentemente, a denúncia promovida pelo exequente e recorrente através de Notificação Judicial Avulsa é válida e eficaz.
Em face da inércia e silêncio dos recorridos, apenas restou aos recorrentes intentar a competente acção executiva para entrega de coisa certa, ao abrigo do disposto no art. 15º n.º 1 al. c) do NRAU.
Realçamos, ainda, que na sequência daquela notificação judicial avulsa, de 18 e Fevereiro de 2010, os executados mantiveram-se silenciosos, por cerca de um ano - e o teor da oposição não pode deixar de confirmar que os executados ficaram cientes da pretensão dos exequentes.

DÉCIMA PRIMEIRA
Por todo o exposto,
Consideramos que o título executivo é idóneo para o fim a que se destina, qual seja o da entrega do imóvel arrendado ao senhorio.

DÉCIMA SEGUNDA
Ao não decidir como propugnado, a sentença recorrida violou o disposto na al. c) do art. 15º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro e o disposto no art. 405º do Código Civil.

Concluem pela revogação da sentença recorrida e pela prolação de acórdão que julgue o título executivo válido e eficaz, seguindo a execução os seus trâmites legais até final.

O Executado/Oponente D… conclui assim a motivação do recurso subordinado:

1- A acção executiva para entrega de coisa certa tem no caso concreto um título executivo complexo, que é o contrato de arrendamento e a notificação judicial avulsa, porém existem discrepâncias quanto aos sujeitos, como senhorios e como arrendatários, não sendo a identidade dos mesmos coincidentes nesses documentos.
2- Na acção executiva a identidade do senhorio e arrendatários deve ser coincidente nos títulos em causa, sendo que para o efeito cabe aos exequentes obter a respectiva declaração de direitos invocados como senhorios em anterior acção declarativa ou deviam alegar factos constitutivos do trato sucessivo na causa de pedir da acção executiva, porém nem uma coisa nem outra fizeram.
3- O douto tribunal ao considerar os exequentes parte legitima violou a norma expressa no art. 474, 55 e 56 n.º 1 do CPC, pois que os exequentes no requerimento executivo não cumpriram o dever de alegar factos constitutivos da sucessão no direito e não vieram também os apelados exequentes em sede de contestação à oposição alegar factos sucessivos da sucessão no direito, faltando até final dos autos a alegação dos factos constitutivos da sucessão no direito.
4- No caso concreto não é já aplicável o revogado artigo 811-B do CPC e por isso não podia o tribunal a quo convidar ao aperfeiçoamento do requerimento executivo.
5- Ademais os documentos juntos, constantes de 2) e 3) do ponto 1. dos factos da sentença em crise apenas provam que os exequentes são à data actual comproprietários de um locado, pelo que entende o apelante estar violado o disposto no art. 1405, n.º1 do código civil, devendo todos os comproprietários constar do título executivo ou como exequentes na acção.
6- Não é compreensível que apenas um comproprietário seja parte legitima activa como senhorio, dispensando-se os restantes, bastando atentar no caso de os demais comproprietários não quererem extinguir o contrato de arrendamento e como não são partes na acção podem nem sequer ter conhecimento dessa intenção do outro comproprietário, já que nem sequer serão notificados nos autos.
7- No caso concreto foi pedida pelo apelante uma indemnização por benfeitorias, pelo que atenta a existência de vários comproprietários senhorios estamos perante um caso de litisconsórcio necessário a fim de a sentença ter efeito útil, tendo o douto tribunal a quo violado o disposto no art. 28 do CPC, acrescendo que está em causa a denúncia de um contrato de arrendamento sujeito ao regime imperativo da lei aplicável porque celebrado em 1975 e não uma acção de reivindicação, como considera o tribunal a quo.
8- O tribunal a quo ao considerar inexistir legitimidade passiva violou o disposto no art. 55 e 56, n.1 do CPC, acrescendo que nem no título executivo, nem na causa de pedir do requerimento executivo, nem na contestação à oposição os exequentes alegaram factos constitutivos de haver sucessão na obrigação, nem a existência de economia ou comunhão de vida dos executados, sendo inexistente a alegação de factos e a prova de factos tendentes à legitimidade passiva da executada E….
9- O tribunal a quo fez uma aplicação e interpretação não permitida do art. 56, n.º4 do CPC, que apenas é aplicável quando os “bens onerados” com garantia real pertencentes ao devedor estejam na posse de terceiro, mas não é desde logo esse o caso concreto pois que não há aqui uma execução por divida, não há “bens onerados com garantia real” e o locado está na posse do executado D… e não na posse de terceiro, ou seja, não saiu da posse daquele.
10- A decisão do tribunal a quo está em contradição com os seus fundamentos, pois que afirma que no caso de legitimidade activa não exige a compropriedade litisconsorcio natural, para que se realize o efeito útil normal da decisão, considerando poder o comproprietário, apesar de ser dono de uma quota-parte (e apesar de a lei impor que no caso de deferimento da denuncia o mesmo só poderia ser investido aquando a entrega do imóvel na sua quota-parte- ex vi art. 930, n.4 CPC), e incongruentemente no caso de legitimidade passiva terá que existir litisconsórcio necessário para que a acção produza efeitos.
11- Nos artigos 32 a 47 do seu articulado de oposição à execução, que se dão por reproduzidos, o apelante propugna que o que está escrito no contrato de arrendamento como o seu fim (comércio) não foi o fim querido e não o é na realidade, na prática, no dia-a-dia, vindo o tribunal a quo a decidir o contrario (ou seja, ser efectivamente para comercio).
12- Para assim decidir, o tribunal a quo leu unicamente o contrato de arrendamento, atendendo apenas a isso como prova, sem permitir ao apelante fazer prova do contrário quando na oposição contestou o fim constante do contrato, que para esse efeito foi impugnado.
13- O tribunal decidiu que o fim do contrato de arrendamento é o comércio sem prova, que não permitiu ao apelante produzir, ignorando o disposto nos artigos 659, n.º3, 664, 653, n.º2, 652, 514, 515, 523, n.º2 do CPC, o artigos 75 do RAU e o artigo 1028 do CC, que violou – ressalvando-se que as normas jurídicas mencionadas não são as da actual redacção, mas as aplicáveis ao caso atenta a data do contrato (celebrado em 1975 e em vigor).
14- O apelante tem prova documental que iria juntar, por documento autêntico, de que o contrato de arrendamento é habitacional e não para comércio, dando assim o tribunal a quo causa à existência de duas decisões contraditórias acerca do fim do contrato de arrendamento.
15- O tribunal a quo não podia só com base na leitura do contrato de arrendamento, decidir que pelo que está escrito é para comércio, porque para esse efeito o contrato está impugnado pelo executado, que alegou factos que determinam que o fim é habitacional, factos sobre os quais não permitiu o tribunal a quo a produção de prova.
16- Não é a mera interpretação literal do contrato que faz prova única e bastante do fim real do contrato ao longo dos anos de vigência, alegando o apelante factos de que na realidade se destinou e destina principalmente à habitação.

Conclui pela revogação da sentença em crise, pugnando decidir-se pela verificação das excepções de ilegitimidade na acção executiva e que o arrendamento é habitacional, permitindo a produção de prova diferente do contrato de arrendamento.
*
Cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO
As alegações do recurso delimitam o objecto e o âmbito do mesmo – artigos 690º- 1 e 684º- 3 do C.P.C., exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso - art. 660º - 2 – fim do mesmo diploma.
O tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas, dentro desse âmbito, para apreciação, com excepção das questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – artigo 660º - 2 -1ª parte do C.P.C.. “Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir e não as razões ou fundamentos.

III – OBJECTO DO RECURSO

No recurso subordinado levantam-se questões que na 1ª instância se conheceram antes da prolação da decisão impugnada no recurso principal.

É prioritário o conhecimento do recurso subordinado se o seu objecto é prejudicial em relação ao recurso principal – Ac. STJ de 27-4-1999, CJ/STJ 1999, 2º, pág. 71.

Assim começaremos por abordar as questões invocadas no recurso subordinado por referência aos números das conclusões da motivação.
Só depois cabe saber se a execução tem título executivo relativamente aos executados, ou não.

IV – mérito das Apelações

- Relevam para o caso os factos aduzidos no relatório supra.

Vejamos.

Os Exequentes trazem para a execução comum para entrega de coisa certa, “Titulo Executivo” a que se refere o artigo 15º, nº 1, c) NRAU – aprovado pela Lei nº6/2006, de 27-2.
No caso de cessação do arrendamento por oposição à renovação, podem servir de base à execução, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do CC.
Trata-se de casos em que a lei não impõe o recurso à via judicial para através da acção de despejo fazer cessar a relação arrendatícia, e o arrendatário não entregue o locado depois de findo o contrato.
Trata-se de documentos a que a lei por disposição especial atribui força executiva – artigo 46º, 1, d) do CPC.
O título executivo é complexo ou composto, integrando o contrato de arrendamento e o comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do CC.
Tem-se entendido que tendo em conta a estrutura do requerimento executivo que emerge do artigo 810º do CPC, há que aceitar que a apresentação do título seja completada através de enunciação e ou caracterização, no próprio texto do requerimento executivo dos elementos relevantes da obrigação subjacente ao título. O que igualmente pode ser feito ou completado pela juntada de competentes documentos.
Os Exequentes juntaram digamos que o título complexo (o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do CC), uma exposição de factos, e outros documentos.
Cabe assim analisar esse conjunto de documentos e bem assim a exposição de factos que obedece – diga-se, escorreitamente - ao disposto no artigo 810º do CPC.
Temos efectivamente o contrato de arrendamento.
Temos a notificação judicial avulsa, de fls. 4 do processo principal. São requerentes os ora exequentes, casados um com o outro, residentes no Brasil, representados por terceiro. São requeridos os ora Executados, D… e E…, identificados igualmente como marido e mulher.
Os Requerentes identificam-se como donos e possuidores do locado.
O que constitui o locado está descrito – embora pouco legível, dada a qualidade da fotocópia –e indicado na escritura pública que titula o contrato, na primeira cláusula. Está igualmente indicado nos recibos da renda emitidos em 8-3-2010: …, Rua …, .., S. João da Pesqueira, renda de 90 € para a parte comercial, e: casa de habitação, Rua …, .., S. João da Pesqueira, renda de 57 € para a parte habitacional- doc. de fls. 10 do processo principal. Está igualmente indicado na exposição de factos do requerimento executivo.
Outorgou na escritura pública que titula o contrato como inquilino o Executado D…, ainda solteiro.
Ao tempo na notificação judicial avulsa era casado com a executada E….
O local arrendado constitui casa de morada de família, e, por isso, nos termos do artigo 12º do NRAU as comunicações dos senhorios foram enviadas a cada cônjuge.
A enunciação dos factos que os exequentes trazem no requerimento executivo é perceptível e está em consonância com o teor dos restantes documentos trazidos.

Os Exequentes invocam que, porque no contrato em apreço foi estipulado que durará pelo prazo de 3 (três) anos, prorrogável por iguais períodos de tempo, se não for denunciado com a antecedência mínima legal, se está face a uma prorrogação automática. E por isso se prorrogou por mais 3 anos, com início em 12 de Março de 2008 e termo em 12 de Março de 2011. Por via da Notificação Judicial Avulsa que os exequentes desencadearam, os executados foram notificados pelos exequentes, à data de 24 de Fevereiro de 2010, e ficaram cientes de que o contrato em apreço não se renovaria e cessaria todos os seus efeitos em 12 de Março de 2011.
Os executados foram ainda notificados de que "em 12 de Março de 2011 deverão entregar aos exequentes o rés-do-chão e o 1° andar, objecto do arrendamento livre e devoluto de pessoas e bens". E em 1 de Fevereiro de 2011 os exequentes fizeram lembrar, pessoalmente, à executada mulher que deveriam entregar as chaves e deixar o locado até 12 de Março de 2011.
E em 1 de Fevereiro de 2011 os exequentes fizeram notificar extrajudicialmente os executados para o mesmo efeito.
Os Executados nada disseram, não restituíram o arrendado, e por isso, ao abrigo do artigo 1097º do CC segundo o qual – O senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato, conjugado com o artigo 15º, nº 1, c) NRAU – aprovado pela Lei nº6/2006, de 27-2, entendem que o contrato se não renovou, porque a oposição do senhorio à renovação foi válida, o contrato de arrendamento cessou os seus efeitos em 12 de Março de 2011, daí a execução para entrega de coisa certa.
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Quer na acção declarativa de despejo quer na execução comum para entrega de coisa certa com vista à restituição do arrendado, cessados os efeitos do contrato de arrendamento, é curial a presença dos titulares da relação jurídica controvertida, substancialmente falando. Temos de ter presentes o senhorio e o inquilino.
O senhorio não tem de alegar e provar a qualidade de proprietário da coisa. Tem de alegar e provar a qualidade de senhorio no contrato em causa.
Olhando os documentos que acompanham o título executivo complexo verificamos que quem assina e emite os recibos de renda é o ora Exequente B…, actuando através de representante com procuração emitida para o efeito e junta de fls. 6 a 7 do processo principal.
B… e esposa C… apresentam-se na notificação judicial avulsa - comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do CC - como donos e possuidores do arrendado.
O contrato de arrendamento junto e que integra o título executivo data de 12 de Março de 1975.
Nele não figuram como outorgantes nem B… nem a esposa C….
Não esmiúçam os Exequentes como chegaram à titularidade da posição contratual de senhorios no contrato em causa. Por outras palavras: recebem as rendas do locado, mas não explicam concretamente porque tal acontece.
Não desceram à substância da situação.

Nos termos do artigo 55º, 1 do CPC a execução deve ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Não se diz que são partes legítimas como exequente e executado, o credor e o devedor, mas sim quem no título figure nessas qualidades. Para ser demandante e demandado na execução basta figurar no título, o que é diferente de ser credor e devedor, de ser senhorio e arrendatário. Trata-se de disposição – o referido artigo 55º - que insere a regra geral da determinação da legitimidade para a execução.

Olhando aos dois documentos que constituem o título complexo em causa - (o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do CC – verificamos que não se pode exigir que os Exequentes e a Executada tenham outorgado na escritura pública de arrendamento, a qual ocorreu em 1975. Mas verificamos ainda que quem promove a notificação judicial avulsa na qualidade de senhorios são os Exequentes – marido e mulher - e quem é notificado com vista à não renovação do contrato a partir de 12-3-2011 e à consequente restituição do locado, são os ora Executados – marido e mulher-.
Formalmente, Exequentes e Executados figuram no título executivo complexo ou composto nessas qualidades.
Está cumprida a regra geral do artigo 55º, 1 do CPC.

A regra sofre desvio quando ocorre do lado activo ou do passivo da obrigação constante do título um fenómeno sucessório, quer mortis causa, quer entre vivos. Rege então o artigo 56º do CPC. Trata-se da habilitação-legitimidade.
Nesse caso o exequente deverá no próprio requerimento para a execução alegar os factos constitutivos da sucessão quer tenha ocorrido. Se não o fizer, ou se se verificar que o acto por ele indicado não produz o efeito de o colocar na posição de credor, então tem de ser considerado parte ilegítima na execução.

No caso dos autos – firmado que foi o título composto ou complexo que vimos analisando –, não houve nenhum fenómeno sucessório quer entre vivos quer mortis causa a registar.
Os documentos que fazem o título complexo em causa devem ser entendidos como um todo e interpretados à luz da exposição de factos que acompanha o requerimento executivo e bem assim dos demais documentos juntos.
A identidade das pessoas pode não coincidir nos documentos que fazem o título complexo em causa.
Formalmente, Exequentes e Executados figuram no título executivo complexo ou composto, nessas qualidades.

Na oposição os Executados defendem-se por excepção. Alegam que cabia aos Exequentes demonstrar/justificar porque se intitulam senhorios e colocam a executada mulher como arrendatária quanto esta não consta como locatária no contrato de arrendamento. Defendem que esta demonstração devia ser feita em acção judicial de natureza declarativa.

Os Oponentes pretendem saber da justificação das qualidades dos Exequentes e da Executada.
Responderam os Exequentes, remetendo para o título complexo junto. A argumentação é que atentos os documentos do título executivo complexo, do título constam como Exequentes os requerentes da Notificação Judicial Avulsa, que actuaram na qualidade de senhorios, e consta como Executada E…, por ser a esposa do Executado, e ambos notificados nos termos do referido acto. Que os Executados ficaram cientes dos termos da notificação, nessa qualidade de inquilinos, e que nada disseram durante um ano, só reagindo em sede de oposição á execução.

O Sr. Juiz pelo douto despacho de fls. 38-39, constata que como senhorio na escritura pública que titula o arrendamento, consta pessoa diferente dos ora Exequentes, Exequentes que requereram a notificação judicial avulsa, convida então os Exequentes a explicar como sucederam na posição de senhorio no referido contrato.
Não convida os Exequentes a explicar e provar como sucederam na posição credora do título complexo em referência a que se refere o artigo 15º, nº 1, c) NRAU – aprovado pela Lei nº6/2006, de 27-2
Porque não é de aplicar o disposto no artigo 56º do CPC como vimos.
Esta a nuance.
Esta diligência visa não já a legitimidade formal dos exequentes para a execução mas sim aferir da legitimidade substancial, da titularidade dos Exequentes da relação material controvertida. Já não se trata de saber se os Exequentes são os senhorios, se estão na causa nessa qualidade, pois que o assumem no título executivo complexo que trazem e são eles quem recebe as rendas e emitem o respectivo recibo. Trata-se de procurar saber porque estão nessa qualidade. Porque são os efectivos credores da obrigação exequenda.
O Sr. Juiz pode fazê-lo, ao abrigo, a nosso ver, do disposto no artigo 265º, 1 do CPC.
Os Exequentes juntam então uma escritura de habilitação de herdeiros e uma escritura de partilha. Os Oponentes, notificados, reconhecem que a Exequente é comproprietária do imóvel arrendado, requerendo na sequência, a fls. 61, que uma vez não estarem na execução todos os comproprietários, deverem os exequentes ser considerados parte ilegítima.

Da escritura de habilitação de herdeiros e da escritura de partilha, constantes de fls. 42 e seguintes dos autos resulta que foi efectuada partilha por óbito de J…, falecida a 03.06.1979, no estado de casada com G… (este foi quem outorgou na escritura que titula o contrato na qualidade de senhorio), a quem sucederam, o seu marido e quatro filhos, entre os quais, C…, casada no regime da comunhão geral de bens com B…, ora exequentes, tendo metade dos bens imóveis que compunham o acervo hereditário, entre os quais, o prédio urbano objecto do contrato de arrendamento em causa nos autos, constituído a meação do viúvo, e em relação à outra metade, sido adjudicado o usufruto de todos os imóveis ao viúvo e, aos restantes herdeiros, a cada casal, a nua propriedade ou raiz de uma quarta parte indivisa de cada verba.
Resulta, assim, dos documentos juntos aos autos que os exequentes adquiriram, por sucessão por morte, a com propriedade do prédio objecto do contrato de arrendamento em causa nos autos.
Importa, então, aferir se têm os exequentes, desacompanhados dos demais comproprietários do prédio objecto do contrato de arrendamento em causa nos autos, legitimidade para instaurar a presente em acção executiva para entrega do imóvel do qual são comproprietários e que é objecto do contrato de arrendamento.
A resposta é positiva.
A locação constitui para o locador um acto de administração ordinária, nos termos do artigo 1024, 1 do CC.
Embora o arrendamento de prédio indiviso tenha de ser consentido por todos os consortes – nº 2 do referido artigo – já a resolução do contrato pode ser pedida por um só dos mesmos interessados desacompanhados dos restantes.
A decisão a proferir obriga os restantes consortes.
O artigo 1405º, 2 do C.Civil só se aplica às acções reais, não à de execução para despejo.
Na sentença recorrida o ponto está devidamente fundamentado, e ara lá se remete.
O facto dos Executados peticionarem nos autos uma indemnização por benfeitorias não obriga a que todos os comproprietários estejam representados no processo.
Uma coisa é a fixação da indemnização, outra o seu pagamento. A eventual divisão do montante recebido por parte dos comproprietários é uma questão de prestação de contas dentro da compropriedade, que não vem ao caso tratar.

Vem demandada a mulher do inquilino. Uma vez que está em causa a casa de morada de família, tal decorre do litisconsórcio necessário – artigo 28º-A, 1 do C.P.C.
Se o inquilino celebrou um contrato de arrendamento, que permite habitação no piso superior, e se o inquilino depois da celebração do contrato de arrendamento veio a casar, vivendo com a esposa no arrendado, é de presumir que aí tenham sedeada a casa de morada de família. Não sendo de exigir qualquer maior detalhe explicativo.

Concluindo: inexiste ilegitimidade quer activa quer passiva.
Improcedem as conclusões de 1a 9 do recurso subordinado.

Não há contradição entre os fundamentos e a decisão uma vez que as razões que levam ao litisconsórcio do lado passivo são específicas da protecção da casa de morada de família e não operam do lado activo. Do lado activo, como vimos, só a celebração do arrendamento que tenha por objecto prédio indiviso por consorte sem o consentimento dos demais é que é vedada por lei – artigo 1024º, 2 do CC. A cessação do arrendamento por caducidade ou oposição à renovação, ou a sua resolução, não exige esse consentimento de todos os consortes.

Resulta que o contrato de arrendamento em referência foi celebrado a 12 de Março de 1975 e que as partes contratantes estipularam que o arrendamento se destina ao exercício do comércio de casa de pasto, taberna e quinquilharias, mais estipulando que o inquilino podia habitar a parte arrendada do primeiro andar durante a vigência do contrato de arrendamento.
Como se vê de fls. 10 do processo principal, em Março de 2010 a renda paga pela parte comercial era de € 90 e a renda paga pela parte habitacional era de € 57.
Os Executados sustentam que se trata de um contrato para fins habitacionais.

Na sentença recorrida, analisadas as cláusulas contratuais, entendeu-se que as partes estipularam que o arrendamento se destina ao exercício do comércio de casa de pasto, taberna e quinquilharias, pese embora tenham estipulado igualmente que o inquilino podia habitar a parte arrendada do primeiro andar durante a vigência do contrato de arrendamento. E entendeu-se ainda que da forma como é descrito o fim do contrato resulta, sem margem para dúvidas, que o fim principal do arrendamento celebrado foi o exercício do comércio, tratando-se a habitação do inquilino do primeiro andar do arrendado de uma mera possibilidade consentida pelo senhorio, que foi estipulada como dependência daquele fim principal, consignando as partes que a possibilidade de o inquilino habitar o primeiro andar do arrendado se limitaria à vigência do contrato. Entendeu-se ainda que por via da interpretação das declarações negociais das partes resulta evidente que o fim principal do contrato de arrendamento celebrado era o exercício do comércio, sendo a habitação do primeiro andar do arrendado uma finalidade acessória deste, pelo que prevalece o regime correspondente ao fim principal, no caso, o fim não habitacional (cfr. artigo 1028.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil). O contrato em causa nos autos respeita a um contrato de arrendamento para fim não habitacional, celebrado a 12 de Março de 1975.

Sustentamos que se trata de um arrendamento com pluralidade de fins. Há que por via da interpretação e por via da integração determinar qual o regime que para cada caso melhor corresponde à vontade das partes, presumível, hipotética ou conjectural. Deve para efeito atender-se ao valor locativo de cada uma das partes, ao teor das cláusulas contratuais, às disposições legais vigentes ao tempo da celebração, e a todas as circunstâncias que permitam determinar a vontade comum das partes.
A pretensão dos Executados não tem no texto do contrato o mínimo de correspondência. Verifica-se efectivamente quer pelo texto do contrato, quer pelo valor locativo de cada parte, quer pela localização da parte comercial no 1º piso e da parte habitacional no 2º, que se trata de um contrato de arrendamento urbano para fins plurais em que a finalidade comercial domina em relação à habitacional.
Por isso concordamos com as conclusões tomadas na 1ª instância neste aspecto.

Improcedem as conclusões 11 a 16 do recurso subordinado.

De qualquer modo, quer entendamos assim, quer entendamos, face ao regime do artigo 1028º do CC que se trata de aplicar a uma parte o regime do arrendamento para habitação e à outra o regime do arrendamento comercial, estamos sempre face a arrendamentos vinculísticos.
Conforme Pinto Furtado (Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos”, 2.ª Edição, Almedina, 1988, pág. 119), são tais arrendamentos “os dos prédios em que o senhorio não poderá resolver o contrato nos termos gerais, mas vinculado a casos taxativamente enumerados na lei, nem os poderá denunciar no seu termo de duração, senão também em condições legalmente fixadas, prorrogando-se automaticamente, se o arrendatário não quiser usar em tempo da sua livre faculdade de renúncia”.
Quer consideremos que se trata de um contrato de arrendamento para habitação ou/e um contrato de arrendamento para fins comerciais, atento o momento da celebração e o regime legal vigente ao tempo, trata-se sempre de arrendamentos em que a prorrogação só pode ser afastada pelo arrendatário do prédio urbano, mantendo-se para o senhorio como um imperativo legal, apenas afastável em casos muito contados – os dos artigos 68º e ss do RAU - Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 4.ª Edição actualizada, Almedina, 2008, 2º vol., pág. 899.

A oposição à renovação é um instituto privativo dos contratos não vinculísticos- que são contratos sem duração limitada-, e com prazo certo.

Ora os exequentes vieram opor-se à renovação do contrato. Será que a oposição – que opera por comunicação feita á contraparte - é operativa e eficaz?
Os Exequentes entendem que sim, o Sr. Juiz entendeu que não.

A Doutrina e a Jurisprudência têm dado razão ao ponto de vista sufragado na sentença recorrida.
Entendemos que, com razão.
É o caso dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 13.07.2011, Relator José Ferraz, processo n.º 50/2011.1TBVLC.P1 – (1), e de 23.02.2010, Relator Vieira e Cunha, processo n.º 74/08.6TBVNG.P1- (2), consultáveis no site da dgsi.net.

É que, tendo o contrato dos autos sido celebrado em 1975, destinando o arrendado ao exercício do comércio ou indústria, não estava sujeito a duração limitada, antes a sua renovação se impunha ao senhorio, constituindo um arrendamento vinculístico.
Por isso, e atento o disposto no artigo 26º/4, ex vi 28º, da Lei nº 6/2006, não dispõe a senhoria da faculdade de se opor à sua renovação, ou melhor e na terminologia legal (pois que se trata de contrato duradouro, que a não ser por acção do arrendatário, se tende a perpetuar), de denunciar livremente ou sem fundamento, já que não é aplicável o disposto no artigo 1101º, al. c), do CC (NRAU). Não está na disponibilidade dos Exequentes - senhorios denunciar livremente o contrato de arrendamento em causa.

Assim não se pode considerar operativa a comunicação dos Exequentes aos Executados com vista à não renovação do contrato de arrendamento, por ser pretensão dedada por Lei.

Improcedem as conclusões da Apelação principal.
A execução a que os Oponentes se opõem não tem por base título executivo.
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Resumindo:

1 - O “Titulo Executivo” a que se refere o artigo 15º, nº 1, c) NRAU – aprovado pela Lei nº6/2006, de 27-2 é complexo ou composto, integrando o contrato de arrendamento e o comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do CC.
A identidade das pessoas pode não coincidir nos documentos que fazem o título complexo em causa.
Formalmente, Exequentes e Executados, é que têm de figurar no título executivo complexo ou composto, nessas qualidades.
Os documentos que fazem o título complexo em causa devem ser entendidos como um todo e interpretados à luz da exposição de factos que acompanha o requerimento executivo e bem assim dos demais documentos juntos.
2 - Os arrendamentos vinculísticos (para fins habitacionais e não habitacionais), celebrados antes (todos) da ou na vigência do RAU e DL 257/95 (de duração não limitada), não obstante se lhes aplicar o regime do NRAU, não são livremente denunciáveis pelo senhorio, por força do disposto nos artsº 26º/4 e 28º da Lei nº 6/2006.

V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, decide-se neste Tribunal da Relação em julgar ambas as Apelações improcedentes, com custas pelos Apelantes Exequentes e Executado D…, mantendo-se a decisão recorrida.
Valor da causa:- € 3.090,00.

Porto, 2012-05-14.
Rui António Correia Moura
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(1) – Segundo este douto Acórdão, é também o entendimento perfilhado por Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, em Manual do Arrendamento Urbano, I, 4ª ed., págs. 175 e 178/179, Luís Manuel Teles d Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 2ª Ed., págs, 127 e 148, Fernando de Gravato Morais, em Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2ª Ed., 52, José António de França Pitão, m Novo Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., pág. 141, Maria Olinda Garcia, em A nova Disciplina do Arrendamento Urbano, pág. 52, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, em Arrendamento Urbano, 3ª ed., págs. 88/89 e 94. No mesmo sentido, ver Acs. RP, de 23/02/2010, em dgsi.pt, proc. 74/08.6TBVNG.P1, e da RG, de 19/05/2011, em dgsi.pt, proc. 942/10.5TBFAF.G1.
(2) – Muito elucidativo é o sumário deste douto Acórdão que transcrevemos:
I - A aplicação no tempo do NRAU consta do respectivo art° 59º n°1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias”; estas normas constam dos art°s 26° a 58° NRAU.
II - Da conjugação dos art°s 26°, 27° e 28° dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.-L. n° 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio.
III- Desta forma, o legislador manteve em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra;
IV- As disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano, em matérias como a denúncia ou a oposição à renovação do contrato.