Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00038498 | ||
| Relator: | FONSECA RAMOS | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA FACTOS PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200511140554943 | ||
| Data do Acordão: | 11/14/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Dada a natureza peculiar do processo de expropriação, que mantém afinidades com a tramitação processual da acção declarativa – pense-se na fase de alegação e de prova – e, por outro lado, visa alterar uma decisão, como é da essência dos recursos – o Tribunal de 1ª Instância, funcionando como Tribunal de recurso, não está impedido de fazer uso do normativo constante do nº3 do art. 264º do Código de Processo Civil – considerar na decisão factos complementares dos alegados – desde que respeitado o princípio do contraditório. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto No processo de Expropriação por Utilidade Pública pendente no .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis, em que é expropriante Estradas de Portugal, E.P.E., [que sucedeu ex-lege ao I.E.P-Instituto de Estradas de Portugal] e Expropriados: B.......... e mulher C........... O Senhor Juiz do processo proferiu, a fls.495 do processo principal, em 9.3.2005, o seguinte despacho: “Analisada toda a prova produzida, da mesma poder-se-á concluir que uma das parcelas de terreno sobrantes não se encontra dotada de acesso à via pública, circunstância esta que não foi tida em consideração no laudo de peritagem junto aos autos a fls. 212 a 215 e que tem toda a relevância no cômputo da justa indemnização. Assim, notifique os expropriados para, no prazo de dez dias, virem aos autos declarar se se pretendem aproveitar daquele novo facto (art. 264°, nº3, do Código de Processo Civil)”. *** Inconformada recorreu a expropriante que, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1.° O despacho de fls. 495 carece em absoluto de sustentação factual e legal. 2.° Apesar de se mencionar o disposto no artigo 264°, n°3, do Código de Processo Civil não se encontram preenchidos os pressupostos necessários e cumulativos que são, legalmente exigidos. 3.° Isto sem prejuízo de uma outra questão prévia que o douto despacho ora recorrido não levou em devida consideração. 4.° Esse aspecto passa pelo facto de o processo de expropriações ser um processo especial cuja tramitação se encontra regulada nos termos definidos no Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.°438/91, de 9 de Novembro. 5.° Atenta a sua qualidade irrefutável de processo especial sempre deveria o Tribunal recorrido ter em devida conta o disposto no artigo 463°, nº1, do Código de Processo Civil observando a regra de que “os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário”. 6.° Em face das disposições que lhe são próprias, temos que “no requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, o recorrente exporá logo as razões da discordância, oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu perito.” (sublinhado nosso, cfr. artigo 56.°). 7.° Deveriam, desde logo, os expropriados ter suscitado a questão sendo aliás inequívoco que os mesmos a conheciam, mas, por alguma razão, entenderam melhor não a alegar. 8.° Por outro lado, em face das disposições especiais do referido Código das Expropriações, a parte contrária, apenas pode defender-se ou deduzir a necessária oposição no prazo da resposta ao recurso da decisão arbitral (juntando todos os documentos e requerendo as demais provas), não o podendo fazer posteriormente (ex-vi o disposto no artigo 58º do C.E.) 9.° Por outro lado, cumpre ainda ter presente que como vem sido entendimento uniforme da jurisprudência, a decisão arbitral tem a verdadeira natureza de decisão jurisdicional sendo-lhe aplicável o regime estabelecido para as restantes decisões, (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº262/98, de 05/03/98, in DR de 09/07/98, 2ª série; Ac. do STJ de 02.12.93 CJSTJ, I, III pág. 159; Ac. da RP de 22.10.91, CJ, XVI, IV, pág. 269; Ac. RE de 12.01.84, CJ, X, I, pág. 282 e o Ac. da RL de 15.10.76, BMJ, 272 pág. 186). 10.° Logo, não se trata petição inicial de acção de indemnização, mas recurso da decisão arbitral com as consequências processuais que daí deriva, maxime ao nível da prova. Pelo que, de todo o supra exposto deriva a inadmissibilidade prévia e abstracta do disposto no artigo 264°, n°3, do Código do Processo Civil. 11.° Sendo igualmente inequívoco que a disposição do disposto no artigo 264.° do Código de Processo Civil não pode ser aplicada em sede de apreciação de recurso de uma outra decisão que na realidade, tem verdadeira natureza de decisão jurisdicional, ainda que este, por força da lei, tenha que ser conhecido nos Tribunais Comuns de primeira instância (mas de conhecimento em segunda instância). 12.° Finalmente, sempre será de considerar que, se os expropriados não suscitaram esta questão no seu recurso da decisão arbitral, não deverão agora ser notificados para efeitos do disposto no artigo 264.° do Código de Processo Civil quando nem sequer tiveram essa iniciativa. 13.° Sem prejuízo de que, e este passo é que é verdadeiramente crucial, não estarmos na presença de “factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros”. 14.° O que sendo conditio sine qua non para a fundamentação nem sequer foi mencionado no despacho ora recorrido. Na realidade e porque estamos em sede de um recurso da decisão arbitral, o despacho recorrida viola ainda o disposto no artigo 690° do Código de Processo Civil, devidamente adaptado. Termos em que se requer a revogação do despacho recorrido, ordenando que o seu teor não possa influir no cômputo da justa indemnização. Fazendo assim, inteira Justiça. Os expropriados contra alegaram, pugnando pela confirmação do despacho. *** O Senhor Juiz sustentou o seu despacho. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta, além do que consta do Relatório, a seguinte matéria de facto: I) – O processo visa determinar a indemnização a atribuir aos expropriados relativamente à parcela n°... de que o Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) tomou posse administrativa, por declaração de utilidade pública urgente, em conformidade com despacho do Secretário das Obras Públicas, publicado no Diário da República, 2ª Série, n°267, de 16 de Novembro de 1999, em que foram aprovadas a planta parcelar e o respectivo mapa de expropriações, para a ligação de Oliveira de Azeméis ao Nó de .......... . II) – A parcela expropriada com 2605 m2, situa-se no .........., freguesia de .........., concelho de Oliveira de Azeméis. III) – A vistoria “ad perpetuam rei memoriam” foi efectuada no dia 8.6.2000 – fls. 58 a 61. IV) – Os Peritos emitiram laudo unânime – fls. 51 a 55 – consignando, além do mais, que a parcela tem a área de 2.605 m2, e “tratar-se de um expropriação parcelar” e, no item 7) do Relatório, escreveram: “7 – Parte Sobrante: As características e utilização indicada no P.O. e R.P.D.M. não há a considerar nenhuma desvalorização”. V) – Propuseram a indemnização de 666.880$00 em função da qualificação do solo expropriado, como não utilizável para a construção, mas “para outros fins e avaliado a partir do rendimento fundiário”. VI) – Em 25.10.2001 os expropriados interpuseram recurso da decisão arbitral, por não aceitarem o valor venal dado pelos Peritos e, nos arts. 11º a 14º, fls. 68, do seu requerimento, escreveram: “A parcela sobrante fica muito depreciada quer com o aumento de encargos, quer com o parcelamento, quer com a alteração de acesso, quer fundamentalmente com a figuração com que fica; o que lhe tolhe qualquer aproveitamento melhor para futuro; a título de desvalorização é devido um desvalor de, pelo menos, 4.000 contos; efectuado o cálculo temos para o terreno 3.907.500$00 e para a desvalorização 4.000$00 (há lapso de escrita manifesto ao referir-se este valor, pretendia-se dizer 4.000 contos), pelo que a indemnização é de 7.907.500$00 reportados à data da DUP”. – destaque e sublinhados nossos. Concluíram pedindo pela procedência do recurso e consequente fixação da indemnização no valor de sete milhões novecentos e sete mil escudos. Indicaram Perito. VII) – No quesito 6º – fls. 7 – os expropriados propuseram – “Que implicação tem a expropriação nas parcelas sobrantes?”. VIII) – Os Peritos no seu laudo, tirado por unanimidade – 22.10.2002 – fls.78 a 81, (212 a 215 do processo principal) – consideraram: “A exploração das parcelas sobrantes fica prejudicada na sua rentabilidade, em consequência da sua separação pela via que motiva a expropriação, dado o aumento dos encargos em meios humanos e mecânicos necessários à sua exploração, perdas essas que se computam globalmente em 10% do valor que as áreas sobrantes possuíam integradas no prédio total. Assim temos: (12.000-2605) m2 x € 2,70/m2 x 0,10 = € 2 536,65”. Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se afere do objecto do recurso, excepto quanto às questões de conhecimento oficioso, importa saber: - se dada a natureza da decisão arbitral o despacho recorrido se deve manter; - se o regime processual do art. 264º do Código de Processo Civil é aplicável ao processo expropriativo. Vejamos: A recorrente insurge-se contra o despacho de fls. 495 do processo principal que ordenou a notificação dos expropriados para em 10 dias, querendo, declararem se se pretendem aproveitar do “novo facto” evidenciado pelas provas recolhidas, no sentido de que “uma das parcelas sobrantes não se encontrar dotada de acesso á via pública, circunstância que não foi tida em consideração no laudo da peritagem, junto aos autos a fls. 212 a 215 e que tem toda relevância no cômputo da indemnização”. Assentou tal convite no preceituado no art. 264º, nº3, do Código de Processo Civil. Tal normativo, entende o recorrente, não tem campo de aplicação no contexto do processo de expropriação, já que o Tribunal recorrido funciona como instância de recurso da decisão arbitral e, por outro lado, não tendo os expropriados recorrido da decisão arbitral para questionarem a existência de partes sobrantes, não podem ser chamados nos termos em que o foram, para se prevalecerem do facto constante do despacho. O art. 264º, nº3, do Código de Processo Civil estatui: “Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório”. A regra quanto ao dever de alegar e aos factos de que o Tribunal pode lançar mão, está essencialmente contida nos nºs 1 e 2 do normativo citado: “1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. 2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.° e 665.° e da consideração, mesmo oficiosa, aos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa”. Acerca do referido nº3, Lebre de Freitas/João Redinha/ Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 1º Volume, págs. 466 e 468, escrevem: “De acordo com o nº3, deverão ser ainda considerados na decisão os factos principais que, completando ou concretizando os alegados pelas partes, se tornem patentes na instrução da causa. Trata-se duma disposição profundamente inovatória…. O que o n.° 3 permite é que, ainda na fase da instrução ou na da discussão de facto da causa, a parte a que o facto em falta aproveita alegue, a convite do juiz ou não, os factos complementares que a prova produzida tenha patenteado, com consequente aditamento da base probatória e possibilidade de resposta e contraprova da parte contrária…”. Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, pág. 13, depois de definir o que deve entender-se por factos principais, factos essenciais, factos complementares e factos instrumentais, ensina: “Em síntese pode dizer-se: os factos instrumentais podem ser conhecidos pelo tribunal desde que resultem da instrução e discussão da causa, sem necessidade, portanto, de serem alegados pela parte; os factos complementares que resultem da instrução e julgamento da causa podem ser considerados na decisão das pretensões ou excepções deduzidas, sem alegação, desde que a parte a quem aproveitam manifeste vontade de se servir deles, e à parte contrária tenha sido facultado o exercício ao contraditório; os factos essenciais só podem ser conhecidos pelo tribunal, e servir de base à sua decisão, desde que tenham sido oportunamente alegados pela parte que tem o ónus de fazer a sua invocação e prova”. Mas será este normativo aplicável ao processo de expropriação? Este processo está regulado em lei especial – o Código da Expropriações – no caso o DL. 483/91, de 9.11 em função da data de declaração expropriativa. Ora, nos termos de tal normativo, uma das fases cruciais do processo expropriativo é a decisão arbitral. Nos termos do art. 42º, nº1 – “Compete à entidade expropriante, ainda que seja de direito privado, promover, perante si, a constituição e funcionamento da arbitragem.” Os tribunais arbitrais são expressamente admitidos no nº2 do artigo 211º da Constituição. Nos termos do art. 51º, nº1, do CE/91 – “Da decisão arbitral cabe recurso para o tribunal da comarca da situação dos bens a expropriar ou da sua maior extensão…”. Entende-se geralmente na jurisprudência, que a decisão dos árbitros é uma decisão jurisdicional, por funcionar como tribunal arbitral voluntário – cfr. por todos o Ac. do STJ. de 2.12.1993, CJSTJ, III, 159. Sobre se a decisão dos árbitros, no processo de expropriação por utilidade pública, constitui ou não, decisão jurisdicional capaz de conduzir à formação de caso julgado, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, em seu Acórdão de 5.3.98, publicado, in DR. II Série de 9.7.98, nos seguintes termos: “(...) Não restam dúvidas de que os árbitros, dispondo de independência funcional (eles são de facto designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários: cf. artigos 43º, nº2, do Código das Expropriações, 2º e 3º do Decreto-Lei nº44/94, de 29 de Fevereiro, e 1º do Decreto Regulamentar nº21/93, de 15 de Julho), intervêm “in casu” para dirimir um conflito de interesses entre partes no processo de expropriação litigiosa. Eles compõem um conflito entre entidades privadas e públicas ao decidirem sobre o valor do montante indemnizatório da expropriação, sendo que tal decisão visa tornar certos um direito ou uma obrigação, não constituindo um simples arbitramento. Tal intervenção, traduzida no recurso à arbitragem obrigatória, quanto à fixação do valor global da indemnização como primeiro passo nessa fixação, imposto pelos artigos 42º a 49º do Código citado, cabe, pois, no âmbito da acção de um qualquer tribunal arbitral, que o nº2 do artigo 211º da Constituição admite, como se viu já, quando prevê as categorias de tribunais (conquanto não defina o que são tribunais arbitrais, “há-de entender-se que foi recebido o conceito decorrente da tradição jurídica vigente no direito infraconstitucional”, como dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira loc. cit. p. 808; cfr. o citado Acórdão deste Tribunal Constitucional nº33/88). Sendo a decisão dos árbitros no processo de expropriação, por utilidade pública uma verdadeira decisão judicial, é ela susceptível de formar caso julgado sobre o valor da indemnização devida ao expropriado, se não for por este adequada e tempestivamente impugnada. Nada tem, por isso, de inconstitucional a norma do artigo 671º do Código de Processo Civil, enquanto aplicável à decisão arbitral no processo expropriativo, já que a mesma consagra um valor constitucionalmente tutelado: o valor de caso julgado, ou seja, o valor da certeza e segurança jurídicas, o qual constitui uma das dimensões do princípio do Estado de direito, consagrado nos artigos 2º e 9º alínea b), da lei fundamental (...).” Aderindo à opinião dos eminentes constitucionalistas, sufragada na decisão do T.C. entendemos, igualmente, que a decisão arbitral se não recorrida formula caso julgado quanto à decisão que fixa a indemnização. Mas, antes de voltarmos a esta questão, cumpre saber se o art. 264º,nº3, do Código de Processo Civil se aplica ao processo de expropriação. Como vimos o Tribunal de comarca é a 1ª instância de recurso da decisão arbitral e da decisão de tal Tribunal cabe recurso para a Relação – art. 64º, nº2, da CE. Sendo a tramitação de tal recurso, inquestionavelmente, a de um processo especial, importa saber que regras lhe são aplicáveis pelo que há que fazer apelo ao art. 463º, nº1, do Código de Processo Civil que estatui: “O processo sumário e os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordinário”. O processo expropriativo se, por um lado, não tem uma a tramitação aparentada com os processos declarativos típicos – a postergar “prima facie” a aplicação da regra legal citada – também não se amolda à tramitação dos recursos tal como se acha definida no Código de Processo Civil. O processo expropriativo, em caso de recurso da decisão arbitral, visa a realização de diligências, de provas, com vista a atribuir uma justa indemnização aos expropriados, a que foi retirado o direito de propriedade ou outro direito, em consequência da declaração expropriativa. Por isso, não repugna considerar que, atento o seu escopo último, afinal uma decisão constitutiva de direitos que se impõe ao expropriante e ao expropriado, em nome do imperativo constitucional de atribuição de justa indemnização, não repugna, dizíamos, considerar aplicáveis a tal processo especial alguns princípios do processo comum, não tanto pela aplicação do art. 463º, nº1, do Código de Processo Civil, mas pela aplicação da regra ou princípio da adequação formal, contido no art. 264º-A do Código de Processo Civil. Este princípio tem subjacente a faculdade do Juiz adaptar a tramitação processual, em ordem a conseguir uma decisão de fundo justa. Ora, se tal desiderato deve ser comum a qualquer processo, também o deve ser quanto está em causa uma decisão do melindre que constitui alguém ser expropriado dos seus bens, tanto mais que a ablação de tal direito deve ser compensada com a atribuição de uma indemnização justa. Assim, entendemos, que a regra do art. 264º, nº3, do Código de Processo Civil é aplicável ao processo expropriativo, não tanto por aplicação do critério subsidiário do art. 463º, nº1, mas antes pela aplicabilidade ao processo expropriativo – [mesmo em sede de recurso na 1ª instância – Tribunal de Comarca] – do princípio do art. 265º-A daquele diploma. A propósito de tal princípio processual Rodrigues Bastos – obra citada – pág. 15 comenta. “O artigo estabelece, como princípio geral de processo, o princípio da adequação, isto é, a regra de que a tramitação processual a adoptar em juízo deve ser a mais adequada a conduzir a uma justa decisão final; quando o juiz verificar que a causa tem especificidades que fazem com que o processo que normalmente lhe corresponderia (comum ou especial) não é o melhor para a instrução ou o julgamento da causa, deve, ouvidas as partes, fazer no processado as alterações que melhor se ajustem ao fim do processo, determinando as adaptações necessárias”. Dada a natureza peculiar do processo de expropriação, que mantém afinidades com a tramitação processual da acção declarativa – pense-se na fase de alegação e de prova – e por outro lado – visa alterar uma decisão, como é da essência dos recursos – entendemos que o Tribunal não está inibido de fazer uso – respeitado o princípio do contraditório – do normativo constante do nº3 do art. 264º do Código de Processo Civil. Indispensável é que a matéria que legitima tal aplicação não esteja abrangida pelo caso julgado formado com a decisão arbitral, isto é, é necessário que esteja em discussão no recurso uma questão “em aberto”, que ao Tribunal seja lícito conhecer e tal só ocorrerá se o parte tiver recorrido da decisão arbitral e os factos novos resultarem, ou da alegação ou da instrução da causa. De outro modo, o Tribunal não pode fazer uso de tal procedimento – convidando as partes a expressar a sua vontade de se prevalecer de factos complementares. Aqui chegados cumpre saber se os agravados suscitaram, no recurso da decisão arbitral, a questão da existência de partes sobrantes na parcela expropriada. O recurso e até as contra-alegações suscitam alguma perplexidade, já que os pleiteantes parecem estar de acordo que tal questão não foi objecto de recurso dos expropriados… Mas a verdade é que o foi como consta, de forma clara no item VI) dos factos provados. Assim, é inquestionável, que os expropriados, no recurso da decisão arbitral e nas alegações para o Tribunal recorrido, suscitaram a questão da existência e da ressarcibilidade da parcela sobrante. Os peritos falam em parcelas sobrantes no plural, o despacho recorrido também alude a parcelas sobrantes. Mas tal não obsta a que o despacho contemple a existência de parcelas sobrantes, mais que uma. Como decorre do art. 56ºdo CE/91, havendo recurso da arbitragem o recorrente exporá as razões da discordância, oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu perito. Importa é que dê a conhecer de modo cabal “as razões da sua discordância” – e por aqui se afere o objecto do recurso – relativamente ao julgamento arbitral e se, como no caso, suscita a questão da existência de parcela sobrante, mesmo que seja mais que uma, o Tribunal não está inibido fixar as indemnizações devidas se existiram duas parcelas, desde que seja respeitada, na discussão desse ponto, a regra do contraditório. No caso em apreço, a razão essencial alegada pelo recorrente – a não interposição de recurso da decisão arbitral no que respeita à existência de parcela(s) sobrante(s) – não se verifica, pelo que o fundamento para o recurso, em bom rigor, não se verifica. Decisão: Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido. Custas pela agravante. Porto, 14 de Novembro de 2005 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale |