Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0750751
Nº Convencional: JTRP00040747
Relator: PAULO BRANDÃO
Descritores: GESTOR JUDICIAL
HONORÁRIOS
Nº do Documento: RP200711120750751
Data do Acordão: 11/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 318 - FLS 171.
Área Temática: .
Sumário: Na legislação anterior ao CIRE, no domínio do DL n.º 132/93 de 23/4, nada impõe que o pagamento de honorários ao Gestor Judicial se faça em quantia mensal fixa, podendo a sua remuneração ser fixada a final, em quantitativo exacto, tendo sempre em atenção o disposto no art. 35.º n.º 1 e 3 daquele diploma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

Através de despacho proferido pelo Sr. Juiz em 27.02.06, cuja cópia encontra-se a fls 13, veio a ser fixada em 5.000,00 € a remuneração devida pelo exercício do cargo de gestor judicial, atendendo à sua duração, complexidade, pontualidade e tendo sempre presentes os critérios plasmados no artº 34º do Código do Processo Especial de Recuperação de Empresa e Falência.
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Sobre tal despacho incidiu um pedido de aclaramento e rectificação por parte daquele gestor judicial B………. e, caso não fosse acolhido tal pedido, deduziu então e desde logo o presente recurso de agravo.
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Foi decidido o requerimento atrás mencionado como consta do despacho cuja cópia está a fls 19, recebendo-se então o recurso deduzido.
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Apresentadas as alegações, referiu o agravante em sede de conclusões que,
A. O despacho de que se recorre não fundamenta objectivamente a remuneração que fixa ao agravante.
B. Por isso, não teve em conta os critérios estabelecidos no artº 34º do CPEREF.
C. Assim, atendendo a tais critérios, máxime a prática das remunerações seguidas na empresa recuperanda, deverá, tal remuneração ser fixada entre os 2.500,00 e os 3.000,00 euros mensais.
D. Focando assim, os 5.000,00 euros fixados para a totalidade do trabalho desenvolvido pelo agravante como gestor judicial, muito aquém do que é legitimamente justo.
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Foi proferido despacho de sustentação do anteriormente decidido por parte do Sr. Juiz.
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Corridos os vistos legais, cumpre-nos então apreciar e decidir, tendo em sempre atenção que seremos balizados pelas respectivas conclusões das alegações, sem prejuízo naturalmente daquelas outras cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no disposto nos artºs 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, e 690º, todos do CPC (Código de Processo Civil)[1].
O DL nº 177/86, de 02.07, que criou o Processo Especial de Recuperação da Empresa e da Protecção de Credores, previa no seu artº 9º o administrador judicial, uma figura de carácter inovador que surgia em função os objectivos desse diploma, que visava a introdução de um direito pré-falimentar, dirigido à recuperação da empresa com adequada protecção dos credores e trabalhadores[2], cujo estatuto foi regulado pelo DL nº 276/86, de 04.09, prevendo-se no artº 8º, nº 1, que a respectiva remuneração seria fixada pelo juiz, tendo em conta o parecer da comissão dos credores, a prática das remunerações seguida na empresa e as dificuldades das tarefas cometidas ao administrador.
Tal regime veio a ser revogado pelo artº 9º do DL nº 132/93 de de 23.04, que no seu artº 1º aprovou o Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência, o CPEREF, estabelecendo nos artºs 32º, 33º e 34º deste diploma que o gestor judicial, figura que com o liquidatário judicial, em caso de falência, substituíam o administrador judicial, era também ele nomeado pelo juiz após a recolha de elementos de acordo com o preceituado no artº 24º, dentre uma lista oficial, cujo processo e recrutamento e estatuto constavam de diploma, referindo igualmente aqui que seria pago pela empresa, em remuneração fixada pelo juiz de acordo com as circunstâncias elencadas no nº 1 do último preceito.
A regulamentação do recrutamento para inclusão nas listas oficiais, a definição dos estatutos quer do gestor judicial quer do liquidatário, bem como o regime de remuneração deste último, veio a ter lugar através do DL nº 254/93, de 15.07, e ainda posteriormente pelo DL nº 188/96, de 08.10, que estabeleceu um limite no exercício dessas funções, alteração que não importa aqui considerar.
Será esse o regime a aplicar na situação em apreço, tal como resulta do enquadramento feito na sentença anterior, ainda que actualmente vigore já o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, CIRE, introduzido pela Lei nº 39/03, de 22.08, que substituiu aquelas figuras pelo administrador da insolvência, cujo estatuto é agora previsto na Lei nº 32/04, de 22.07, sendo os valores da remuneração fixados pela Portaria nº 51/05, de 20.01, e que estabeleceu novos critérios neste domínio procurando trazer maior objectividade na sua determinação e por cobro aos excessos verificados anteriormente, e ao qual iremos ainda voltar mais adiante.
Debruçando-nos sobre aquele mencionado DL nº 132/93, verificamos que o legislador distinguiu então o gestor judicial do liquidatário judicial, aquele com uma intervenção centrada no objectivo de recuperação da empresa e enquanto fosse possível, iniciando por isso as suas funções com a nomeação aquando do despacho de prosseguimento da acção nos termos dos artºs 23º, nº 2, 25º, nºs 1 a 3, 28º, a), e 36º, e terminando-as com o trânsito em julgado da decisão que viesse a homologar ou rejeitar a providência de recuperação, a situação que ocorreu nos autos, ou com a verificação de qualquer outra das circunstâncias aludidas no artº 40º, ao passo que o liquidatário tinha como função primordial, verificada a impossibilidade de recuperação, a venda do activo para pagamento dos credores.
As funções do gestor e do liquidatário deveriam em todo caso ser entregues a pessoas qualificados, isto é, na letra do artº 1º do DL nº 254/93, aquelas que “…ofereçam garantias de idoneidade técnica aferida, nomeadamente por habilitações na área da gestão de empresas ou experiência profissional adequada”, critério que era explanado já no preâmbulo, exigências que vieram a ser acentuadas no artº 6º do DL 32/04, ao estabelecer cumulativamente os requisitos de inscrição na lista oficial, para além de estarem ainda sujeitas aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes.
Não poderiam ser outros os requisitos pedidos, tendo em atenção as funções que eram cometidas ao gestor judicial e que se encontravam enunciadas no artº 35º do mesmo DL nº 132/93, pelo que a remuneração terá também e como é natural de ter como pressupostos esse nível de recrutamento bem como aquilo que deles era pedido[3], para além naturalmente da ponderação das circunstâncias indicadas no artº 34º, nº 1, ainda deste diploma, o parecer dos credores, a prática das remunerações seguidas na empresa, o que não quer este dizer que a do gestor tivesse de ser a mesma “tout court”, ou ainda superior aos montantes anteriormente percebidos pelos administradores, como parece ser o entendimento do agravante expressa nas respectivas alegações, mas que deverá ser relacionado ainda com outras circunstâncias, designadamente a dimensão da empresa e a sua complexidade produtiva, e, finalmente, as dificuldades em concreto das funções compreendidas na gestão[4].
Sendo embora escassos os elementos constantes dos autos que nos permitam avaliar da bondade do despacho em causa, resulta deste em concreto o silêncio da comissão de credores quanto ao pedido de remuneração feito anteriormente pelo gestor judicial, o início do exercício destas funções em 19.10.04, prolongando-se portanto por um período de tempo de pouco menos de 16 meses, as quais, diz-se ali de forma genérica, foram cumpridas pontualmente, bem como, agora já da nota de despesas de fls 15 a 18 apresentada pelo agravante, as deslocações e diligências por ele encetadas ao longo daquele período de tempo, e, finalmente, dos documentos de fls 6 a 9, o nível de vencimentos na empresa.
O que fica aludido não nos permite porém vislumbrar qual a tradução em termos de resultado daquelas deslocações e actividade de gestor judicial, tendo sempre naturalmente em atenção o disposto no artº 35º, nºs 1 e 3, do DL nº 132/93, se orientou a administração da empresa, fez diagnóstico da situação em que se encontrava, ajuizou da sua viabilidade, estudou os meios de recuperação mais adequados, elaborou a relação, parecer, relatório, propôs medidas ou endereçou informações à comissão de credores ou quais as relações com a comissão de trabalhadores.
Sem podermos apurar em função da ausência de elementos atrás indicados ou de outros que reflictam a dimensão da empresa, das concretas dificuldades encontradas pelo gestor judicial no exercício das suas funções ou o grau de complexidade na execução dos suas tarefas, resta-nos portanto o nível de qualificação profissional exigida ao gestor judicial, as funções que lhe são atribuídas e que mereceu a indicação genérica de que foram cumpridas pontualmente, que o seu exercício prolongou-se por um lapso de tempo de cerca de 16 meses, bem como o nível de vencimentos praticados na empresa agora falida, leva-nos a concluir, ponderados estes e a falta daqueles outros, que a remuneração fixada não nos merece qualquer reparo.
Importa referir ainda, por ter sido uma questão suscitada também pelo agravante, que nada resulta da lei, quer no regime anterior ao DL nº 132/93 quer na vigência deste, que a remuneração das funções de gestor judicial deveria ser fixada em prestações mensais, veio porém a constituir prática frequente a atribuição de uma quantia mensal, a qual constituiria sempre um adiantamento e sujeita a alterações e a um juízo definitivo final com a consideração das circunstâncias que a condicionavam e que mencionamos acima e que só então poderiam ser avaliadas, o que tudo nos leva a concluir que não obstante tais adiantamentos sempre teria de determinado um valor total final pelo trabalho desempenhado e tendo em atenção a relação que era estabelecida[5].
A opção do legislador nas alterações posteriores foi no sentido de contrariar essa prática, estabelecendo actualmente no já referido artº 20º, nºs 1 e 2 e tendo em atenção o artº 26º, nºs 2 e 3, da Lei nº 32/04 e a Portaria 51/05, que a remuneração do administrador da insolvência está dividida em duas partes, uma delas fixa, no montante de 2.000,00 €, a ser paga em duas prestações, a primeira na data de nomeação e a segunda seis meses após, e uma outra variável, que resultará da liquidação da massa insolvente mediante a aplicação da tabela constante no Anexo I do último diploma.
Nenhum sentido tem assim o reparo feito que a remuneração deveria corresponder a uma prestação mensal, pois que no seu rigor tinha antes a ver com um valor total e final pelo trabalho executado no processo pelo exercício das funções que lhe eram atribuídas enquanto gestor judicial.
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Face ao exposto, acordam pois os Juízes que compõem a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o agravo deduzido, e, em consequência manter a remuneração fixada ao agravante pelo exercício das funções de gestor judicial.
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Custas pela agravante e agravada na proporção dos respectivos decaimentos.
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Porto, 12 de Novembro de 2007
Paulo Neto da Silveira Brandão
Maria Isoleta de Almeida Costa
Abílio Sá Gonçalves Costa

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[1] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pg 358 e sgs; Aníbal de Castro, “Impugnação das Decisões Judiciais”, Petrony, 1981, pg 30; Manuel de Oliveira Leal Henriques, “Recursos Em Processo Civil”, Almedina, 1984, pg 28 e sgs
[2] Cf. penúltimo parágrafo do ponto 1 do preâmbulo.
[3] Cf. Ac RL Porto de 02.02.06, Procº nº 0536284, em www.itij.pt
[4] Cf. Ac. Rl Porto de 23.03.06, Procº nº 0631122, e de 23.03.06, Procº nº 0631122, em www.itij.pt
[5] Cf. Ac Rl Porto, de 15.07.04, Procº nº 0432886, em www.itij.pt