Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8894/05.7TBVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
SANÇÃO PECUNIÁRIA
APLICAÇÃO À INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELA EXPROPRIAÇÃO
Nº do Documento: RP201310018894/05.7TBVNG-A.P1
Data do Acordão: 10/01/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 829º-A Nº4 DO CC
Sumário: I - As nulidades processuais devem ser arguidas perante o tribunal que as cometeu, e do despacho que as indefira é que caberá recurso (cfr. artigo 205.º CPC revogado).
II - A sanção pecuniária legal prevista no artigo 829.º-A, n.º 4, CC, é aplicável à indemnização devida por expropriação.
III - A única especialidade é que não é devida a partir do trânsito em julgado da decisão que fixa a indemnização, mas a partir do 11.º dia a contar da notificação a que alude o artigo 71.º CE, pois só então se inicia a mora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo n.º 8894/05.7TBVNG-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
Nos autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante Estradas de Portugal e expropriados B…, C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, foi proferido despacho relativamente aos juros de mora e à sanção pecuniária compulsória legal prevista no artigo 829.º- A CC.
Nos termos do despacho recorrido, os juros se contam a partir do 11.º dia do prazo de dez dias concedido ao abrigo do disposto no artigo 71.º CE e atá ao dia em que é junto aos autos o comprovativo do acompanhado da nota justificativa e discriminativa dos cálculos tendentes à liquidação da indemnização arbitrada, a que acresce a sanção pecuniária compulsória legal, de aplicação automática.
Inconformada, agravou a expropriante, assim concluindo:
«1. A sanção pecuniária decretada pelo Despacho n.º 15342863 carece de fundamento legal por ausência de oportunidade;
2. A entidade expropriante apenas se constituiu em mora, no que tange à obrigação prevista no artigo 71.º CE, por não ter remetido a nota justificativa e comprovativo de depósito na data em que foram realizados: 16 e 26 de Setembro de 2011, respectivamente;
3. Os próprios expropriados só reagiram após notificação do despacho com ref.ª 14614443;
4. Despacho que não foi notificado à entidade expropriante e que apenas agora foi do conhecimento desta uma vez consultada a plataforma CITIUS;
5. A não notificação do despacho à entidade expropriante colocou esta numa situação de desigualdade face ao expropriado ao não permitir que constatasse a sua omissão e extinguisse a situação de mora;
6. Tanto assim é que após a notificação do requerimento dos expropriados de 31 de Janeiro de 2012, e antes do termo do prazo de resposta ao mesmo (não obstante o requerimento de 7 de Fevereiro de 2012), que ocorreria a 13 de Fevereiro, a entidade expropriante, apercebendo-se do seu lapso, juntou no dia 9 de Fevereiro, o comprovativo do depósito e nota justificativa.
7. Esta omissão do Tribunal consubstancia-se numa irregularidade grave que afectou o pleno exercício do contraditório por parte da entidade expropriante e violou o princípio da cooperação processual que deve pautar todos os sujeitos processuais, sendo, por isso, gerador de nulidade nos termos do artigo 201.º e do Código de Processo Civil, que aqui expressamente se invoca para todos os legais e devidos efeitos.
8. Pelo que o cômputo do montante devido a título de juros de mora e sanção pecuniária - caso se mantenha a condenação, o que não se aceita e apenas por mera questão de patrocínio se aflora - deve ser contabilizado até à data do despacho com ref.s 14614443;
9. A todo o exposto acresce ainda o facto de não ser admissível em processo expropriativo a aplicação de sanção pecuniária compulsória;
10. Uma vez que a natureza especial do processo expropriativo e garantias de pagamento, nomeadamente o artigo 71.º, n.º4 CE conjuntamente com a condenação em juros de mora permitem o pagamento integral do montante em dívida.
Nestes termos deve o presente recurso de agravo ser julgado procedente, deferindo-se a nulidade arguida e revogado o despacho com a ref.s 1534286».
Contra-alegaram os agravados assim concluindo:
«I - A douta sentença nos autos em referência foi notificada às partes no dia 29/03/2011, tendo em sequência transitado em julgado no dia 15/04/2011.
II - No despacho ora recorrido a Agravante foi condenada ao pagamento de juros moratórios e compulsórios contados desde 23/09/2012, data do início do incumprimento após notificação nos termos do Artigo 71º do C.E., até 10/02/2012, data do cumprimento.
III - No entanto a Agravante deveria ter sido condenada ao pagamento dos juros moratórios desde o trânsito em julgado, ou seja desde 15/04/2011, nos termos aliás do nº 2 do artigo 70º do C.E., pois a obrigação é de quantia certa.
IV - Tanto mais que desde a data da notificação da douta sentença (29/03/2011), que a Agravante estava ciente que tinha em divida o montante de 138.637,80 €, acrescido da actualização pelo índice de preços no consumidor.
V – Além do mais, os actos das partes só têm eficácia após terem sido praticados nos autos e só depois de notificados, mas a 26/09/2011, nem nos autos, nem por notificação aos Expropriados, foi praticado qualquer acto da Agravante.
VI - Acresce que nos termos do nº 4 do artigo 71º do C.E. o despacho com a referencia 14614443, era absolutamente dispensável, dai que os Expropriados notificados desse despacho limitaram-se a requerer nos termos e para os efeitos dessa norma citada (Ref. 4515881).
VII - Tendo notificado a Agravante do seu requerido a 31/01/2012, que exerceu o contraditório, opondo-se ao mesmo a 07/02/2012 (Ref. 4523767).
VIII – Já a sanção pecuniária compulsória visa determinar o devedor “a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob a ameaça ou compulsão de uma adequada sanção pecuniária, distinta e independente da indemnização” (J. Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 355).
IX - Dai ter sido requerida no referido requerimento dos Expropriados de 31/01/2012, face ao incumprimento da Agravante.
X - Pois o plasmado no nº 4 do artigo 71º, visa antes do mais garantir o pagamento da indemnização a que os Expropriados têm direito, face até uma eventual insolvência do Expropriante, e não o cumprimento do Expropriante.
XI - Pelo que, nada obsta que o Expropriante incumpridor seja sancionado para o cumprimento expedito e eficaz, tanto mais que já é possuidor do prédio expropriado.
XII - Donde se conclui que nenhuma norma legal foi pois violada, aliás nem a Agravante aduz factos ou direito que possam alterar ou por em causa o despacho recorrido.
XIII – Aliás, em bom rigor a Agravante encontra-se em mora desde a data do trânsito em julgado da sentença, pelo que deverá ser condenada em juros moratórios desde essa data (15/03/2011) e em sanção pecuniária compulsória desde 23/09/2012, data do incumprimento após notificação nos termos do Artigo 71º do C.E., até 10/02/2012, data do cumprimento.
Nestes termos e nos mais de Direito, não deve ser dado provimento ao presente agravo, devendo o Agravante/Expropriante ser condenado, quer em juros moratórios, quer em sanção pecuniária compulsória, a pagar aos Agravados com as legais consequências.
Assim decidindo, será feita a costumada, inteira e sã
JUSTIÇA!»
2. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
— Nulidade decorrente da não notificação à agravante do despacho com referência 14614443;
__ Aplicação da sanção pecuniária legal prevista no artigo 829.º-A, n.º 4, CC, à indemnização devida por expropriação.
3.1. Nulidade decorrente da não notificação à agravante do despacho com ref.ª 14614443
A agravante incorreu em mora quanto ao pagamento da indemnização por expropriação devida aos agravados por, apesar de ter depositado a quantia em que foi condenada, não ter remetido ao processo a nota discriminativa justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.
Arguiu a nulidade decorrente da omissão da notificação do despacho com a referência 14614443, o qual lhe permitiria ter-se apercebido da sua falta, e, em consequência, pretende que a mora seja contada apenas até à data desse despacho (conclusões 2.ª a 8.ª).
Apreciando:
Fora das situações enunciadas nos artigos 193.º a 200.º CPC revogado, que integram as nulidades principais, dispõe o n.º 1 do artigo 201.º do mesmo diploma, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa (nulidades secundárias ou atípicas).
As nulidades secundárias não são do conhecimento oficioso, estando dependente de arguição da parte interessada, como decorre da parte final do artigo 202.º do referido diploma adjectivo.
Tais nulidades devem ser arguidas perante o tribunal que as cometeu, e do despacho que as apreciar é que caberá recurso. A não ser que a nulidade esteja coberta por um despacho judicial, caso em que o meio adequado de reacção é o recurso.
É neste contexto que se costuma afirmar «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se» (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. II, pg. 507 e ss.; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 183).
A título meramente exemplificativo refiram-se os acórdãos da Relação de Lisboa, de 2007.06.21, José Eduardo Sapateiro, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 3609/2007; e da Relação de Coimbra, de 2007.07.10, Ferreira Barros, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 270/04.5TBVNO-A.C1.
Assim, deveria agravante ter arguido a alegada nulidade no prazo de dez dias a contar do conhecimento (artigos 205.º, n.º 1, e 153.º CPC revogado). Em caso de indeferimento da sua pretensão é que caberia recurso de agravo do despacho de indeferimento.
Não tendo o agravante arguido atempadamente a alegada nulidade, através do meio adequado, não pode esgrimi-la em sede de recurso de despacho subsequente, pois, a existir, deve considerar-se sanada.
O agravo não merece provimento neste segmento.
3.2. Aplicação da sanção pecuniária legal prevista no artigo 829.º-A, n.º 4, CC, à indemnização devida por expropriação
Insurge-se a agravante contra o entendimento de que à mora no pagamento da indemnização por expropriação seja aplicável a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829.º-A, CC, estribando-se na natureza especial do processo expropriativo e em que as garantias de pagamento (nomeadamente o artigo 71.º, n.º 4, CE), conjuntamente com a condenação em juros de mora permitem o pagamento integral do montante em dívida.
Apreciando:
Nos termos do artigo 829.º-A, n.º 4, CC, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
Este normativo consagra a sanção pecuniária compulsória legal — em contraposição à sanção pecuniária compulsória judicial prevista no n.º 1 deste artigo —, destinada a compelir os devedores faltosos ao cumprimento das obrigações pecuniárias. Esta sanção pecuniária tem carácter coercitivo — e não indemnizatório —, já que é cumulável com juros e outras indemnizações.
Afigura-se pertinente a análise de Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Almedina, 4.ª edição, pg. 455 e ss., acerca da natureza deste instituto, na medida em que permite clarificar a questão que nos ocupa.
«O adicional de juros de 5% é, portanto, uma sanção pecuniária compulsória, independente da indemnização.
Se dúvidas houvesse, elas seriam dissipadas pelo nº 5, do preâmbulo do dec-lei 262/83:
«Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória (...) poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos (...) com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico".
Isto é, o legislador, em vez de confiar à soberania do tribunal, nos termos já expostos, a ordenação da sanção pecuniária, disciplina-a ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial. O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e o tribunal. Daí a previsão adicional de juros de 5% no art. 829-A, e não noutro lugar, designadamente, no art. 806, justamente porque tem carácter coercitivo e não indemnizatório.
No tocante ao âmbito de aplicação da sanção pecuniária compulsória legal, deve dizer-se que ele é constituído por todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais. É o que resulta do n. º 4 do artigo 829.º-A, ao prescrever serem automaticamente delidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente. Outro alcance não pode ser dado à disposição legislativa que não este: quer a sentença de condenação recaia sobre uma soma em dinheiro, cujo montante está estipulado contratualmente, quer a soma em dinheiro a pagar seja determinada pela própria decisão da justiça - como acontece na obrigação de indemnização, fixada em dinheiro, resultante da responsabilidade civil extracontratual ou contratual, a qual, no momento da fixação do quantum respondeatur, se converte de dívida de valor em obrigação pecuniária - , são automaticamente, de direito, devidos juros à taxa de 5% ao ano desde o trânsito em julgado da sentença condenatória ".
No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela, RLJ 121.º/219, ao afirmar que
«é a lei que, em termos gerais, para toda e qualquer obrigação pecuniária, sem qualquer discriminação, impõe semelhante sanção coercitiva ao devedor, e não o juiz quem, discriminativamente e a requerimento do credor, consoante as circunstâncias de cada caso, recorre a esse aguilhão mais forte para espicaçar os devedores mais relapsos ou mais rebeldes»
Ora, configurando-se a indemnização por expropriação como o pagamento de uma quantia em dinheiro fixada pelo Tribunal, não se vê como escapar as malhas do artigo 829.º-A, n.º 4, CC.
A única especialidade que se destaca é a de os juros compulsórios não serem devidas desde o trânsito da decisão, mas a partir do 11.º dia a contar da notificação a que alude o artigo 71.º CE, pois só então se inicia a mora.
No sentido da aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória à mora no pagamento da indemnização por expropriação se pronunciaram, designadamente, Salvador da Costa, Código das Expropriações Anotado, Almedina, pg. 422; acórdãos do STJ, de 2008.05.27, Serra Batista, de 2006.09.12, Azevedo Ramos, e de 2004.12.09, Luis Fonseca, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07B4767, 06A2302 e 04B3404, respectivamente;
e da Relação do Porto de 2010.10.12, Sílvia Pires, 2006.10.16, Fonseca Ramos, 2006.03.14, Emídio Costa, 2004.11.02, Alberto Sobrinho, e de 2004.06.17, Fernando Batista, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 416-C/1997, 0655115, 0620806, 0425232, 0433267, respectivamente.
Esgrime o agravante com o disposto no artigo 71.º, n.º 4, CE, que dispõe:
Não sendo efectuado o depósito no prazo fixado, o juiz ordenará o pagamento por força das cauções prestadas pela entidade expropriante ou outras providências que se revelarem necessárias, após o que, mostrando-se em falta alguma quantia, notificará o serviço que tem a seu cargo os avales do Estado para que efectue o depósito do montante em falta, em substituição da entidade expropriante.
Não se pode acompanhar a agravante neste raciocínio.
A finalidade dos juros compulsórios é, precisamente, forçar o devedor ao cumprimento, evitando que se tenha de recorrer a outros mecanismos, designadamente ao recurso previsto na parte final do artigo 74.º, n.º 1, CE.
Trata-se, como se referiu, de tutelar o interesse dos credores e prestigiar as decisões dos tribunais.
Também neste segmento o agravo não merece provimento.
3. Decisão
Termos em que se nega provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela agravante.

Porto, 1 de Outubro de 2013
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
Francisco José Rodrigues de Matos
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Sumário
1. As nulidades processuais devem ser arguidas perante o tribunal que as cometeu, e do despacho que as indefira é que caberá recurso (cfr. artigo 205.º CPC revogado).
2. A sanção pecuniária legal prevista no artigo 829.º-A, n.º 4, CC, é aplicável à indemnização devida por expropriação.
3. A única especialidade é que não é devida a partir do trânsito em julgado da decisão que fixa a indemnização, mas a partir do 11.º dia a contar da notificação a que alude o artigo 71.º CE, pois só então se inicia a mora.

Márcia Portela