Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0454230
Nº Convencional: JTRP00037912
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO
COMPENSAÇÃO
CRÉDITO
OBRIGAÇÃO NATURAL
Nº do Documento: RP200504110454230
Data do Acordão: 04/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: .
Sumário: I – A prescrição transforma a obrigação civil numa obrigação natural.
II – Não impede a compensação de créditos o facto do crédito do compensante – (crédito passivo) dimanar de títulos cambiários exequendos já prescritos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Cível do Porto, B.......... e C.......... deduziram embargos à execução ordinária para pagamento de quantia certa que lhes foi movida por D.......... e mulher E.......... .
Os embargados contestaram, pedindo a improcedência dos embargos.
No saneador, foi rectificado o valor do pedido, que passou a ser de 5.600.000$00 e julgada procedente a alegada excepção da prescrição relativamente às letras exequendas, com datas de vencimento de 17 de Agosto de 1997 a 20 de Junho de 1998.
O processo prosseguiu os seus termos.
Por acórdão desta Relação de fls. 242 e ss., foi ordenada a ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 712, n.º 4 do CPC, com organização de dois novos quesitos.
Repetido o julgamento, que se realizou com gravação das provas, foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedentes os embargos, reduzindo a quantia exequenda em €10.162,53 (2.037.405$00). Custas, por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Apelaram os embargados, concluindo:
1 - A matéria de facto dos quesitos novos, submetidos a novo julgamento, que se dão aqui por reproduzidos na íntegra, prende-se com a apreciação do projecto de saneamento e seu aditamento, que as embargantes não juntaram aos autos;
2 - Daí que a apreciação se não tenha podido fazer;
3 - Sendo errada a decisão da matéria de facto do meritíssimo Juiz "a quo" que as considerou provadas, sem qualquer prova nesse sentido;
4 - É que nenhuma das testemunhas falou sequer do projecto e do aditamento, e muito menos os caracterizou. A gravação dos depoimentos não tem qualquer alusão a tal matéria;
5 - Deve ser revogada a decisão e consequentemente, devem ser julgados não provados e improcedentes os embargos deduzidos pelas executadas. Sem prescindir,
6 - Nenhuma das despesas que foram consideradas provadas se enquadram no âmbito da previsão da cláusula f) da escritura de 20/6/1994; ainda que o foram, tinha caducado o direito das embargantes, ora recorridas, de operar a compensação acordada e aceite na cláusula h) da mesma escritura;
7 - Nenhuma das despesas consideradas provadas é compensável com o crédito dos recorrentes por força das obrigações constantes da escritura de 20/6/1994. com excepção da que foi paga à Segurança Social,
8 - Das despesas elencadas no capítulo A destas alegações, nenhuma delas se considera emergente de quaisquer contratos subscritos pela sociedade F.........., Lda.;
9 - Não sendo objecto de compensação clausulada pela escritura de 20/6/94;
10 - Dá-se por reproduzida a cláusula 2.ª da declaração de 16/6/94 (doc. 2 da petição de embargos);
11 - Não ficou demonstrado nos autos que a declaração de 16/6/94 (cláusula 2.ª do doc. 2 junto com a petição de embargos) se manteve em vigor apesar da escritura de 20/6/94 e após esta;
12 - Não se trata de questão nova, não suscitada anteriormente, uma vez que todas as despesas, quer as ditas na cláusula da escritura de 20/6/94, quer as referidas na declaração de 16/6/94, se têm de apreciar na globalidade e de se apurar quais as enquadráveis ou não na responsabilidade dos recorrentes;
13 - Não são pois objecto de compensação entre o eventual crédito das recorridas/embargantes com o crédito dos recorrentes/embargados;
14 - Ainda que tal cláusula tenha validade mesmo após a escritura posterior de 20/6/94, as despesas da responsabilidade dos recorrentes/embargados diziam apenas respeito à realização do projecto de saneamento e ligação à rede, projecto esse existente e não já às obras que as recorridas/embargantes decidiram, por sua vontade, executar seriam ainda responsáveis os embargados/recorrentes pelas despesas e multas relativas às obras existentes e não já as obras que vieram a ser feitas mais tarde, por decisão e à responsabilidade das embargantes/recorridas.
15 - Também, por esta razão, as despesas a que se refere a conclusão anterior não dão direito a obter a compensação pretendida pelas recorridas/embargantes.
16- Dispõe o artigo 847 n.° 1 do Código Civil que "quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor..." e, no caso dos autos, não há duas pessoas que sejam reciprocamente credor e devedor; com efeito:
os embargados/recorrentes são credores dos montantes das letras, mas as embargantes/recorridas não são credoras das despesas ou pelo menos de todas as despesas consideradas provadas quem é eventualmente credora é a sociedade F.........., Lda. que não é parte do processo.
17 - Sendo certo que as despesas consideradas provadas não caem no âmbito daquelas que, contratualmente, por força da escritura de 20/6/1994 (cláusulas f) g) e h) são objecto de compensação;
18 - Por isso, a compensação decretada na Sentença viola o disposto no artigo 847 do Código Civil, devendo ser revogada;
19 - Admitindo, por mera cautela, - ser legal, a compensação operada e decretada pela Sentença, deve a mesma levar em conta, o montante global dos créditos dos embargados/recorrentes de 6.600.000$00 (13 x 200.000$00) + (10 x 300.000$00) + (2 x 500.000$00);
20 - Devendo, por isso, levar também em conta o montante das letras eventualmente prescritas, por se tratar de apurar a globalidade dos créditos e débitos recíprocos.
21 - A Sentença recorrida viola o disposto no art.º 847, n.° 1 do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por decisão que aplique correctamente o Direito aos factos.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogada a decisão da matéria de facto dos quesitos novos 24 e 25 da B.I., e consequentemente revogada a sentença recorrida.
As embargantes contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Foram dados como provados, na 1.ª instância, os seguintes factos:
A)A 20 de Junho de 1994, D.......... e E.......... declararam ser os únicos actuais sócios da sociedade sob a firma "F.........., Lda", com sede na rua .........., n.º ...., .........., .........., tendo o primeiro declarado dividir a quota de esc.250.000$00 de que é titular em duas: uma de cinquenta mil escudos que declarou ceder a C.........., pelo preço de esc. 2.300.000$00 e outra de esc. 200.000$00 que declarou ceder a B.........., pelo preço de esc. 9.000.000$00 e a segunda declarou ceder a sua quota de esc. 250.000$00 de que é titular a B.......... pelo preço de esc. 11.500.000$00, tendo aquelas declarado aceitar.
B)Acordaram ainda que o pagamento seria efectuado da seguinte forma: a) a quantia de esc. 9.000.000$00 que já receberam; b) a quantia de esc. 7.400.000$00 a pagar em trinta e sete letras no valor de esc. 200.000$00 cada, vencendo-se a primeira em 20 de Junho de 1994 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes; c) a quantia de esc. 5.000.600$00 em vinte e três prestações tituladas por igual número de letras, sendo as treze primeiras no valor de esc.2.000.000$00, cada, vencendo-se a primeira no dia 24 do mês seguinte àquele em que se vencer a trigésima sétima letra e as restantes em igual dia dos meses subsequentes; d) a quantia de esc. 1.000.000$00 em duas prestações tituladas por igual número de letras de esc. 5.000.000$00, cada, vencendo-se a primeira a 1 de Janeiro de 1995 e a segunda a 1 de Janeiro de 1996.
C)Os ora embargados garantiram perante as embargantes o pagamento de todas e quaisquer quantias que venham a ser legitimamente demandadas à Sociedade F.........., Lda, quer pelo Sector Público, nomeadamente no que respeita a quaisquer contribuições, juros moratórios e multas e impostos pelo Centro Regional de Segurança Social, quer por quaisquer outras entidades públicas ou privadas, decorrentes do exercício da actividade da sociedade até à data da presente escritura, garantia essa que perdurará até ao termino do prazo de cinco anos, a contar da presente data.
D)Aos ora embargados garantiram perante as embargantes o pagamento de todas e quaisquer quantias que venham a ser legitimamente imputadas à Sociedade F.........., Lda emergentes de quaisquer contratos que esta haja subscrito a terceiros até à presente data da escritura, quer se trate de responsabilidade contratual, quer se trate de responsabilidade extra contratual e cuja existência seja, até ao momento, desconhecida.
E)Acordaram ainda embargantes e embargados que havendo lugar à efectivação das responsabilidades que estes assumem, àqueles assistirá o direito de deduzirem os montantes que venham a pagar nas prestações do preço estabelecido par a transmissão das quotas objecto da escritura referida em A), até ao seu valor, sem prejuízo da responsabilidade pessoal destes, no valor remanescente se for caso disso.
F)As embargantes subscrevem as letras dadas à execução e entregaram-nas aos embargados para pagamento de parte do preço referido em B).
G)Do imobilizado da sociedade "F.........., Lda" fazia parte do estabelecimento comercial de casa de pasto e salão de cervejaria, denominado "G..........", sito na Rua .........., ...., .........., onde aquela tinha a sua sede, sendo este o único bem daquela.
H)A 16 de Junho de 1994 os embargados e as embargadas subscrevem a acordo de fls. 22 a 24, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
1)As embargantes pagaram a quantia de esc. 270.631$00 correspondente a multa liquidada à Câmara Municipal .........., por início de obras sem deferimento do projecto do SMAS e da CM.......... .
2)Parte dessas obras eram de ligação do estabelecimento ao saneamento.
4)Por trabalhos de instalação de gás (ramal de gás, válvula de corte e. detector de fugas) pagaram as embargantes a quantia de esc. 160.000$00.
6)As embargantes suportaram as seguintes despesas:
a) caução esc.7.500$00 em 5/05/95;
b) execução de trabalhos de assentamento do sifão esc.46.800$00 em 5/03/95;
c) ramal de saneamento em 5/05/95; esc. 122.850$00
d) ramal de ligação exterior em 7/08/95; esc.101.088$00
e) caixa de visita exterior para ligação ao ramal em 31/08/95; esc. 245.700$00
f) prestação de serviços do SMAS 17/04/96; esc. 5.850$00 em
g) prestação de serviços do SMAS 10/04/95. esc.177.150$00 em
8)Em materiais para a realização da obra de saneamento despenderam as embargantes a quantia de esc.569.336$00.
9)Na obra de abertura de vala para o saneamento com 22m x 1,20 x 3,00 e duas caixas de passagem de 1,20 x 1,20 com ligação ás louças e WC, despenderam as embargantes, em mão de obra, a quantia de esc. 1.490.500$00.
10)Para pagamento de trabalhos de remoção de entulhos e transporte despenderam as embargantes quantia que não foi possível apurar.
11)Em encargos com o licenciamento do estabelecimento e projecto, despenderam as embargantes a quantia de esc.15.742$00.
12)Com o projecto de rede de águas (abastecimento) e saneamento despenderam as embargantes quantia que não foi possível apurar.
13)Com equipamento de segurança contra incêndios despenderam as embargantes a quantia de esc. 87.420$00.
14)Com a Vistoria da Delegação de Saúde e os ventiladores por esta
exigidos, despenderam as embargantes a quantia de esc. 6.179$00.
15)As embargantes construíram uma escada de incêndio, despendendo assim a quantia de 47.000$00.
16)As embargantes melhoraram um anexo para depósito de garrafas de gás, no exterior do edifício, no que despenderam quantia que não foi possível apurar.
18) As embargantes pagaram asa seguintes quantias, relativas ao estabelecimento, ao tempo dos embargados:
a) esc. 11.465$00 de telefone;
b) esc. 71.293.$00 de energia eléctrica (EDP);
c) esc. 41.3 81 $00 de água (SMAS);
d) esc. 21.381$00 ao Governo Civil;
e) esc. 40.224$00 de dívida ao fundo de Desemprego de 1986, em processo de execução fiscal.
19)As embargantes despenderam quantia que não foi possível apurar em trabalhos de picheleiro e materiais para saneamento.
20)Para realização das obras necessárias e para obter o licenciamento as embargantes mantiveram o estabelecimento encerrado.
21)Durante um período de 16 meses.
22)Pagando ao senhorio as rendas no valor global de esc. 562.520$00.
23)Os exequentes e as executadas celebraram entre si, no dia 16/06/94, um acordo escrito nos termos do qual os exequentes/embargados, pessoal e solidariamente, garantiam às executadas/embargantes o pagamento integral de todas as despesas e eventuais multas que decorressem da realização do projecto de saneamento e ligação à rede, e das despesas e eventuais multas provenientes da legalização das obras existentes no estabelecimento comercial que constitui o imobilizado as sociedade comercial “F.........., L.da”.
24)Ainda nos termos desse acordo, como caução e garantia de pagamento das quantias que venham a ser exigidas às embargantes/executadas, ficaram aquelas na posse de duas letras de câmbio no valor de 500.000$00 cada uma, com vencimento em 01/01/95 e 01/01/96, respectivamente, que representam parte do preço convencionado pela cessão das quotas objecto da escritura pública acima aludida, sem prejuízo de os exequentes/embargados se obrigarem a pagar o remanescente que ás executadas/embargantes venha a ser exigido, caso a quantia titulada pelas duas letras acima referidas não seja suficiente.
25)Os pagamentos, trabalhos e respectivas despesas, perguntadas nos arts. 1, 2 e 8 a 9 da base instrutória foram realizadas no âmbito do projecto de saneamento e seu aditamento, a que se alude na cláusula 2.ª do acordo constante do doc. de fls. 23 (matéria do art. 24 de fls. 354).
26)… por forma a permitir o funcionamento e abertura ao público do dito estabelecimento denominado “G..........” (matéria do art. 25 de fls. 354).
Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (arts. 684, n.º 3 e 690, n.º 1 do CPC).

Matéria de facto:
Impugnam os Recorrentes a decisão proferida sobre a matéria de facto, relativamente aos pontos n.º 24 e 25 da base instrutória (que haviam sido incluídos na base instrutória, em obediência ao douto Acórdão desta Relação de fls.), declarados provados.
Defendem os Recorrentes que, não se tendo qualquer das testemunhas pronunciado sobre o projecto de saneamento e seu aditamento, a resposta aos referidos pontos de facto deveria ter sido negativa.
Analisando, porém, o despacho de fls. 380, que decidiu a matéria de facto respeitante a estes pontos de facto, vemos que a convicção do Tribunal a esse respeito, se formou com base nos depoimentos das testemunhas H.........., I.........., J.......... e L.........., além dos esclarecimentos do embargado.
De qualquer modo, os Recorrentes não deram cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 690-A do CPC, porquanto não indicaram os depoimentos invocados como fundamento do erro na apreciação das provas, que foram gravados, por referência ao assinalado na acta, nos termos do n.º 2 do art. 522-C.
Não tendo cumprido esse ónus, a consequência é a rejeição do recurso em matéria de facto (art. 690-A, n.º 1 do CPC).

No ponto de facto n.º 24 da base instrutória perguntou-se: “Os pagamentos, trabalhos e respectivas despesas perguntados nos artigos 1, 2, 6, 8 e 9 foram realizados no âmbito do projecto de saneamento e seu aditamento, a que se alude na cláusula 2.ª do acordo constante do documento de fls. 23”?
Respondeu-se: Provado.
Ora, no ponto n.º 25 da fundamentação de facto da sentença recorrida, que reproduziu o n.º 24 da base instrutória, omitiu-se a referência ao artigo 6.
Trata-se de um lapso material evidente, que aqui se corrige.

Matéria de direito:
As questões em debate giram todas à volta da compensação de créditos alegada nos embargos (estamos, na presente execução cambiária, no domínio das relações imediatas).
Afastou-se, na sentença recorrida, a compensação, relativamente aos alegados créditos das embargantes cujo pagamento pelos embargados se encontrava garantido na al. f) da escritura de cessão de quotas de 20 de Junho de 1994 (cfr. al. c) dos factos assentes), por caducidade do respectivo direito.
Afastou-se, igualmente, a compensação relativamente ao montante das rendas que as embargantes tiveram de suportar enquanto o estabelecimento comercial se manteve encerrado, por virtude das obras necessárias para obtenção do licenciamento (cfr. pontos 20 a 22 da fundamentação de facto).
Importa, pois, e tão só, apreciar, agora, da procedência da excepção peremptória da compensação, relativamente aos alegados créditos das embargantes traduzidos nas quantias que despenderam, elencadas nos pontos n.º 1, 2, 6, 8 e 9 da fundamentação de facto da sentença, abrangidas pela previsão da cláusula 2.ª do acordo escrito (“Acordo de responsabilização e assunção de dívida”), de 16 de Junho de 1994, junto a fls. 22 e ss. dos autos de embargos, celebrado entre as partes, que é do seguinte teor:
“Pelo presente acordo, os 1.º e 2.º contraentes pessoal e solidariamente garantem às 3.ª e 4.ª contraentes o pagamento integral de todas as despesas e eventuais multas que venham a decorrer da realização do projecto de saneamento e ligação à rede, bem assim como das despesas e eventuais multas provenientes da legalização das obras existentes no estabelecimento comercial que constitui o imobilizado da Sociedade Comercial denominada F.........., Lda., sito na Rua .........., n.º ...., no .........., o que implicará um aditamento às obras já efectuadas”.
Acrescentando-se, na cláusula 3.ª do mesmo acordo, que:
“1-Como caução e garantia do pagamento das quantias referidas na cláusula anterior que venham a ser exigidas às 3.ª e 4.ª contraentes, ficam estas na posse de duas letras de câmbio no valor de 500.000$00 cada uma, com vencimento em 01/01/1995 e 01/01/1996, respectivamente, que representam parte do preço convencionado pela cessão das quotas objecto da escritura pública referida na cláusula primeira.
2.Sem prejuízo do disposto no número anterior, os 1.º e 2.º contraentes obrigam-se a pagar o remanescente que às 3.ª e 4.ª contraentes eventualmente venha a ser exigido, caso a quantia titulada pelas duas letras de câmbio supra referidas não seja suficiente.
3.No caso de os montantes a pagar sejam em quantia inferior à titulada pelas mencionadas duas letras de câmbio, as 3.ª e 4.ª contraentes obrigam-se a devolver aos 1.º e 2.º contraentes o excedente”.
E na cláusula 4.ª (e última) que:
“Todas as eventuais alterações a este acordo terão de constar obrigatoriamente de documento escrito e assinado pelos ora contraentes” (cfr. pontos 23 e 24 da fundamentação de facto da sentença recorrida).
Considerou-se, na decisão recorrida, que prendendo-se as quantias mencionadas nos mencionados pontos de facto 1, 2, 6, 8 e 9, no valor global de 3.037.405$00, com as despesas e multas a que se refere a cláusula 2.ª do dito acordo escrito de 16 de Junho de 1994, sendo parte do preço da cessão de quotas titulado pelas letras aludidas no ponto n.º 24 da fundamentação de facto, no montante total de 1.000.000$00, havendo lugar á compensação de créditos, nos termos do art. 847 do Cód. Civil, a quantia exequenda deverá ser reduzida em 2.037.405$00 (€10.162.53), assim se tendo julgado parcialmente procedentes os embargos.
A primeira questão levantada no recurso é, desde logo, a de saber se a referida cláusula 2.ª do acordo de 16 de Junho de 1994, se manteve em vigor, não obstante a escritura de cessão de quotas de 20 de Junho de 1994, da qual, não consta.
Ao contrário do que sustentam os Recorrentes, cremos que se trata de questão nova, já que não levantada no tribunal recorrido, tal como, de resto, se entendeu no douto Acórdão desta Relação de fls. 242 e ss., pelo que, não sendo de conhecimento oficioso, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso. [É neste sentido, constante a jurisprudência (v. Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 18.ª ed., p. 925 e ss.]
Sempre diremos, como, foi dito, naquele Acórdão desta Relação, “que o mencionado acordo celebrado entre as partes do presente litígio antes da realização da dita escritura de cessão de quotas, envolve cláusulas que não contendem com o que ficou estipulado na dita escritura, acordo esse que teve em conta a escritura que depois dele veio a ser celebrada e que, face à posição que sobre o mesmo foi tomada na contestação, era para vigorar nos precisos termos do que nele foi clausulado – genericamente poder-se-á afirmar que embargantes e embargados quiseram que as despesas a ter com a realização do projecto de saneamento do estabelecimento que fazia parte da sociedade cujas quotas foram cedidas ficariam a cargo dos embargados, aqui recorrentes, assim podendo afirmar-se que se está diante de uma promessa de liberação ou assunção de cumprimento assumida por aqueles últimos perante as embargantes”.
Não se ignorando que incumbia às embargantes, que a invocaram, a demonstração de que as partes quiseram manter a vigência do mencionado acordo, de solenidade inferior, especialmente, da sua cláusula 2.ª, não obstante ser anterior ao negócio principal da cessão de quotas, a verdade é que tal facto acaba por resultar confessado pelos próprios embargados, na contestação dos embargos (cfr. arts. 221 e 222 do Cód. Civil). [Sobre a matéria das estipulações e pactos acessórios anteriores ao negócio principal, v. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., p. 552] Vejam-se, nomeadamente, os artigos 14, 15, 16, 20 e 24 da contestação.
É, por isso, incompreensível, raiando a má fé, a colocação, nesta fase processual, da referida questão.
A segunda questão é a de saber se as quantias referidas nos pontos de facto n.º 1, 2, 6, 8 e 9 da sentença recorrida dizem ou não respeito ao projecto de saneamento e aditamento a que se reporta a cláusula 2.ª do acordo escrito de 16 de Junho de 1994.
Trata-se de matéria, também já ventilada no mencionado Acórdão desta Relação, que ordenou que fossem aditados à base instrutória dois quesitos para permitir a sua resolução.
Ora, perante as respostas positivas que foram dadas a esses dois quesitos (pontos n.º 25 e 26 da fundamentação de facto da sentença recorrida), parece-nos não subsistirem dúvidas de que, efectivamente, ali se cura de quantias despendidas no âmbito do projecto de saneamento e seu aditamento previstos na referida cláusula 2.ª.
A terceira questão é a que se prende com o requisito da reciprocidade dos créditos, que o corpo do n.º 1 do art. 847 do Cód. Civil estabelece.
Defende-se, no recurso, que os embargados são credores dos montantes das letras exequendas, mas as embargantes não são credoras das despesas provadas em causa, mas sim a sociedade F.........., Lda..
Pois bem, dispõe o n.º 2 do art. 851 do Cód. Civil que:
“O declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respectivo dê o seu consentimento; e só procedem para o efeito créditos seus contra o seu credor”.
Ora, contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, o que resulta da matéria de facto provada (v. pontos de facto n.º 1, 2, 6, 8 e 9) é, precisamente, que as quantias em causa foram despendidas pelas embargantes, credoras das mesmas, nos termos da cláusula 2.ª supra citada do acordo e 16 de Junho de 1994.
A quarta e derradeira questão é a de saber se a compensação operada deve ter em conta o montante global dos créditos exequendos, incluindo os que já foram declarados prescritos, ao contrário da sentença recorrida, que teria, apenas, em consideração os créditos exequendos não prescritos.
Como se sabe, a prescrição não é, actualmente, um facto extintivo, mas um facto modificativo da obrigação, na medida em que, deixando o cumprimento de ser judicialmente exigível, implica apenas uma paralização do crédito (v. art. 304, n.º 2 do Cód. Civil).
O efeito da prescrição é, portanto, o de transformar uma obrigação civil numa obrigação natural (v. art. 402 do Cód. Civil). [V. Fernando Augusto Cunha de Sá, Modos de extinção das Obrigações, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles, volume I, p. 241 e ss., que seguimos de perto]
Sendo assim, é pertinente a pergunta sobre se poderão ser compensadas dívidas de obrigação natural com créditos civis.
E parece que sim.
Com efeito, o art. 847 do Cód. Civil, ao enunciar os requisitos da compensação, estabelece, no seu n.º 1, que:
“1.Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) (…)”.
Daqui se vê que a lei só exige o requisito a que se refere a al. a) em relação ao crédito do declarante e não em relação ao seu débito.
Como escreve António Menezes Cordeiro, “A “exigibilidade judicial” afasta a compensação quando o crédito activo integre uma obrigação natural. Já o crédito a deter ou crédito passivo não cai sob essa exigência: uma obrigação natural pode extinguir-se por compensação com uma civil”. [Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, p. 113. No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., p. 132; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 3.ª ed., p. 194; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., p. 1028]
O que se compreende: se o devedor natural pode decidir cumprir, aceitando em troca a extinção do seu crédito civil, a isso não se opõe o art. 847, n.º 1 al. a) do Cód. Civil.
No caso dos autos, verificamos que, na petição de embargos, as embargantes deduziram a compensação da globalidade dos créditos titulados pelas letras dadas á execução (crédito passivo), com o crédito civil que alegaram dispor sobre os embargados (crédito activo) _ cfr., ainda, o disposto no arts. 855, n.º 2 e 784, n.º 2, conjugados entre si, ambos do Cód. Civil.
Deste modo, cremos que, nesta parte, assiste razão aos Recorrentes, devendo ter-se em conta na compensação operada o valor total das letras exequendas (5.600.000$00) e não apenas o valor dos créditos não declarados prescritos (o que a sentença recorrida não diz).
Quer dizer: será à quantia exequenda de € 27.932,68 (5.600.000$00) que há-de ser reduzida a quantia de € 10.162,53 (2.037.405$00) encontrada na sentença recorrida.
Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em, na procedência parcial da apelação, julgar os embargos parcialmente procedentes, devendo a execução prosseguir para pagamento da quantia de € 17.770,15 (dezassete mil setecentos e setenta euros e quinze cêntimos).
Custas pelas partes, na proporção do vencido, em ambas as instâncias.

Porto, 11 de Abril de 2005
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues