Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0752755
Nº Convencional: JTRP00040467
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RP200707040752755
Data do Acordão: 07/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 306 - FLS 48.
Área Temática: .
Sumário: I - Da actual redacção do art. 94.º do CPC não se extrai que a lei tenha imposto a obrigatoriedade de que apenas quando todos os executados forem pessoas colectivas o exequente pode optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida.
II - Se um dos executados é uma sociedade colectiva que subscreveu uma livrança, sendo a ela que cabe satisfazer o cumprimento em primeiro plano, pode o exequente instaurar a execução no lugar onde a obrigação deva ser cumprida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam nesta secção cível os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

B………., S.A interpõe o presente recurso de agravo do despacho de 22/02/2007, proferido nos autos de execução comum …./07, do .º Juízo de Execução do Porto, que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência em razão do território do Tribunal, designando como competente o Tribunal Judicial da Guarda.
No despacho recorrido considerou-se não ser possível aplicar o critério supletivo previsto na 2ª parte do nº 1 do art. 94º do C.P.C., visto nem todos os executados serem pessoas colectivas – exigindo o normativo tal conjunção – nem haver identidade de Áreas Metropolitanas entre exequente e executado, concluindo que, como tal, não se poderá abrigar o exequente no critério do lugar de cumprimento da obrigação.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas pelo agravante:

1. A questão de direito fundamental que se coloca é a de saber como proceder à aplicação do art. 94º, nº 1 do C.P.C. “in casu”.

2. Foi considerado, no despacho recorrido, que o segmento da 2ª parte do nº 1 do C.P.C., não poderia ser aplicado ao caso, valendo então, a norma prioritária da 1ª parte do mesmo nº 1, por, alegadamente, tal dispositivo exigir que todos os executados fossem pessoas colectivas e não havendo coincidência de áreas metropolitanas.

3. Não se pode em tal dispositivo legal, detectar ou descortinar a suposta exigência de que todos os executados sejam pessoas colectivas, para que possa funcionar o regime da 2ª parte de tal preceito.

4. De acordo com os ditames legais de interpretação das normas jurídicas, estabelecidos no art. 9º do C.C., não vislumbra como se pode considerar possível a exigência de que todos os executados sejam pessoas colectivas.

5. A presunção estabelecida no nº 3 do art. 9 º do C.C., propugna claramente a conclusão de que, se fosse essa efectivamente a vontade do legislador, bastaria tão só e apenas a intercalação da expressão “todos” e a efectivação da concordância de número, quanto aos nomes e verbos utilizados, no seguinte segmento “…podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando todos os executados sejam pessoas colectivas…”

6. O que tudo, não ocorreu…

7. “Juris et de iure”, se presume que o resultado pretendido pelo legislador não é aquele considerado no despacho recorrido.

8. Portanto, desde que um dos executados seja pessoa colectiva, o exequente poderá optar, como “in casu”, pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida.

9. A livrança exequenda tem como local de pagamento a cidade do PORTO, tendo sido subscrita por uma sociedade comercial, logo pessoa colectiva.

10. Sendo a subscritora da livrança e sua obrigada principal uma pessoa colectiva, é indiferente existirem outros executados que, porventura, não o sejam.

11. Caso assim se não entendesse tal disposição processual, deixaria, na prática forense bancária de ter sentido e utilidade, já que, habitualmente as livranças utilizadas têm como subscritores sociedades comerciais e como avalistas, pessoas singulares.

12. Decidindo de modo diferente, o despacho recorrido violou, por deficiente interpretação e aplicação, o disposto no art. 9º do C.C. e no artº 94º, nº 1 do C.P.C.

Termos em que, com douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao presente recurso, deve ser revogado o despacho recorrido, por outro que, julgando competentes os JUÍZOS DE EXECUÇÃO DO PORTO, ordene o prosseguimento dos autos, em tal jurisdição.

O sr. Juiz a quo manteve o despacho recorrido.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex vi do artº 713, nº2, do mesmo diploma legal.

Os factos a ter em consideração são os seguintes:

B………., SA, intentou nos Juízos de execução do Porto execução comum para pagamento de quantia certa contra C………., Ldª e outros (pessoas singulares) dando à execução uma livrança.
O local onde a livrança foi subscrita é a cidade do Porto, local do pagamento da mesma.
Vejamos:

Desde já adiantamos não ter razão o Tribunal recorrido pelo que iremos seguir na apreciação da questão o que já foi decidido nesta Relação no recente Acórdão de 29 de Março de 2007, Agravo 1376707, 3º secção cível, que se debruçou sobre idêntica matéria.

A norma cuja interpretação está em causa é o art. 94°, n° 1, do C.P.Civil.
Tal artigo, na redacção introduzida pela Lei n° 14/2006, de 26 de Abril passou a ter a seguinte redacção:
Salvo os casos especiais previstos noutras disposições, é competente para a execução o tribunal do domicilio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana.
A Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, tem a sua origem na Proposta de Lei nº 47/X, a qual foi discutida na generalidade na Assembleia da República em 02.02.2006. Na exposição de motivos dessa Proposta de Lei refere-se entre outras coisas o seguinte:
“O Programa do XVII Governo Constitucional assumiu como prioridade a melhoria da resposta judicial, a consubstanciar, designadamente, por medidas de descongestionamento processual eficazes e pela gestão racional dos recursos humanos e materiais do sistema judicial.
A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial e devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função, constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros n.° 100/2005, de 30 de Maio de 2005, que, aprovando um Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, previu, entre outras medidas, a «introdução da regra de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto».
A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada.
Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor - porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo - e obtém-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível.
O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a excepção justifica-se por estar ausente o referido valor constitucional de protecção do consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade. Com efeito, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não se afigura especialmente oneroso que o réu ou executado singular continue a poder ser demandado em qualquer das demais comarcas da área metropolitana em que reside, nem se descortinam especiais necessidades de redistribuição do volume processual hoje verificado em cada uma das respectivas comarcas.”
Ora segundo o citado art. 94º, nº 1, 2ª parte do CPC, o exequente pode optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva.

O lugar em que a livrança foi subscrita é o da cidade do Porto, local do pagamento da mesma, embora a subscritora da mesma que é uma sociedade comercial tenha sede na Guarda e também existem executados que são avalistas da mesma livrança com morada na área da comarca da Guarda.
Da redacção do nº 1, 2ª parte do artº 94º do CPC, não se extrai que a lei tenha imposto a obrigatoriedade de que apenas quando todos os executados forem pessoas colectivas o exequente pode optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida
No caso concreto um dos executados é uma sociedade colectiva que subscreveu a livrança na cidade do Porto, sendo a ela que cabe satisfazer o cumprimento da mesma em primeiro plano (artº 78º da LUSLL).

No caso em apreço, verificando-se o requisito da existência de uma sociedade comercial nos termos do citado artº 94º nº 1 pode ser feita a opção pelo exequente de instaurar a execução no tribunal do lugar onde a obrigação deva ser cumprida, estando relativamente à sociedade comercial (conforme se depreende do espírito da proposta de lei que esteve na base da redacção da Lei nº 14/2006 de 26 de Abril) justificada a excepção do valor constitucional de protecção do consumidor comercial.
E, assim, por arrastamento todos os restantes co-executados acompanharão a execução a seguir no Tribunal do lugar onde a obrigação deve ser cumprida.

Destarte consideramos ter razão o recorrente na interpretação feita de que sempre que o obrigado principal seja uma pessoa colectiva, é indiferente existirem outros executados que, porventura, não o sejam, podendo a mesma ser demandada no lugar onde a obrigação deva ser cumprida.

Decisão.

Pelo exposto acordam em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revogam o despacho recorrido declarando competente para a execução o .ºJuízo de Execução do Porto.

Sem custas.

Porto, 4 de Julho de 2007
Maria do Rosário Marinho Ferreira Barbosa
Abílio Sá Gonçalves Costa
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho