| Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00039022 | ||
| Relator: | JORGE JACOB | ||
| Descritores: | FRAUDE FISCAL PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL | ||
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| Nº do Documento: | RP200604050542276 | ||
| Data do Acordão: | 04/05/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 222 - FLS. 24. | ||
| Área Temática: | . | ||
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| Sumário: | A norma do nº 3 do artº 21 do RGIT01 não tem aplicação no caso de crime de fraude fiscal. | ||
| Reclamações: | |||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO: Por sentença proferida nos autos de processo comum nº …/02.9IDPRT, do …º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, foram os arguidos e ora recorrentes, B……. e “C……, Ldª”, condenados, o primeiro, como autor, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança, p. p. à data da prática dos factos, pelo art. 24º, nº 1, do DL nº 20-A/90 (RJIFNA) e actualmente, pelo art. 105º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho (RGIT) na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, e como autor de um crime de fraude fiscal, p. p. à data da prática dos factos pelo art. 23º, nº 1, do DL nº 20-A/90, de 15 de Janeiro e, actualmente, pelo art. 103º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 7 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, pena esta cuja execução foi suspensa pelo período de 4 anos, sob a condição de, no prazo de 3 anos, o arguido proceder ao pagamento ao Estado dos valores de Esc. 17.905.952$00 (dezassete milhões novecentos e cinco mil novecentos e cinquenta e dois escudos) ou € 89.314,51 (oitenta e nove mil trezentos e catorze, vírgula, cinquenta e um Euros) de IVA, e de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos Euros) de IRC (e respectivos acréscimos legais); e a segunda, como responsável penal daqueles crimes, cometidos através do primeiro arguido, seu sócio-gerente, nas penas de 200 (duzentos) dias de multa, e 80 (oitenta) dias de multa, respectivamente, à taxa de (em ambos os casos) € 80,00 (oitenta Euros) por dia, ou seja, nas multas de € 16.000,00 (dezasseis mil Euros) e € 6.400,00 (seis mil e quatrocentos Euros), respectivamente e, em cúmulo jurídico, na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 80,00 Euros, ou seja, na multa única de € 19.200,00 (dezanove mil e duzentos Euros). Inconformados, os arguidos interpuseram recurso, retirando, da respectiva motivação, as seguintes conclusões: A1 - Salvo o devido respeito, face à prova carreada para os autos e à produzida em Audiência de Julgamento impunha-se a absolvição dos arguidos da prática dos crimes de que vinham acusados. A2 - Seja por razões formais / adjectivas, seja por razões substanciais, sustentada, na pior das hipóteses no princípio do “in dubio pro reu”. A3 - Competia ao Ministério Público fazer a prova dos factos constantes da acusação, o que manifestamente não logrou alcançar, verificando-se, assim, o fundamento para o recurso da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. A4 - O Tribunal “a quo” aplicou mal o direito ao presente caso. A5 - A decisão recorrida não conheceu questões de direito que devia conhecer, as quais, por relevantes e incontornáveis, impõem uma decisão diametralmente oposta à que foi proferida. A6 - O Tribunal “a quo” violou o disposto no art. 127º do Cód. de Proc. Penal, ao extravasar o ãmbito da apreciação da prova segundo regras da experiência comum e a livre convicção que lhe são permitidas. A7 - Face à decisão proferida, fácil é concluir que o Tribunal “a quo” aderiu e deu como provada na integra a acusação que foi formulada pelo Ministério Público, a qual mais não é do que a transcrição quase integral do parecer técnico junto a fls. 363 dos autos, elaborado por Técnica da Administração Fiscal. A8 - Parecer esse que está em notória oposição com o Auto de Notícia junto a fls. 3 e segs. dos autos, elaborado pelo Inspector Tributário que efectuou a acção inspectiva à sociedade aqui recorrente, o qual se concebe como o correcto e de acordo com a lei. A9 - Está assente e dado como provado que os arguidos apesar de terem entregue as declarações periódicas mensais do IVA à administração fiscal, não as fizeram acompanhar com o respectivo meio de pagamento. A10 - O primeiro período em que tal sucedeu data do mês de Outubro de 1995 e o último no mês de Maio de 1997. A11 - A data do início da acção inspectiva reporta-se a 7 de Maio de 2001, sendo que por carta registada datada de 18 de Abril de 2001 o arguido B……. foi notificado, em representação da sociedade arguida, para ter presente, na sede da firma (... ), naquela primeira data referida, os livros de escrita relacionados com a actividade desenvolvida nos anos de 1996 e 1997, bem como todos os elementos com ela relacionados. A12 - A acção inspectiva terminou em 30 de Outubro de 2001, conforme resulta do Auto de Notícia junto a fls. 3 e segs. dos autos. A13 - Sendo que o parecer técnico junto a fls. 363 e segs. data de 30 de Dezembro de 2002. A14 - O recorrente B……., por si e em representação da sociedade foi constituído arguido em 25 de Julho de 2002, conforme se prova e alcança de fls. 360 e segs. dos autos e do ponto 2.19 da Matéria de Facto dada como provada no Acórdão recorrido. QUANTO AO CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL A15 - Consta da acusação deduzida e foi dado como provado no acórdão recorrido que em sede de IVA a firma arguida encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal. A16 - Consta, ainda, que apesar disso e de ter enviado as respectivas declarações periódicas mensais à Administração do IVA nos correspondentes meses de apresentação, não enviou o respectivo meio de pagamento - ver acusação e ponto 2.5 do Douto Acórdão recorrido. A17 - Conclui a acusação no quadro que apresenta, que os arguidos não entregaram, como se lhes impunha, nos cofres do Estado o montante global de Esc. 17.905.952$00, ou Eur: 89.314,51, referente a IVA liquidado. A18 - Este quadro constante da acusação corresponde, quanto aos valores mencionados e considerados em falta, ao quadro elaborado e constante de fls. 371, do parecer jurídico junto a fls. 363 e segs. dos autos e ao quadro constante do ponto 2.6 dos factos dados como provados na decisão recorrida. A19 - Considerou a Administração Tributária, o Ministério Público e o próprio Tribunal “a quo” que tal quadro está correcto e que os valores referidos e insertos no mesmo correspondem a quantias de IVA, no total de Esc. 17.905.952$00, ou Eur: 89.314,51, que os arguidos deviam ter entregue ao Estado, mas que não o fizeram. A20 - Ao não entregarem tal quantia, os arguidos apropriaram-se da mesma e, com isso, cometeram o crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 24º do RJIFNA, p. e p. pelo Decreto Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, actualmente p. e p. pelo art. 105º do RGIT - Decreto lei nº 15/2001, de 5 de Junho. A21 - Esta tese expandida no parecer jurídico de fis. 363 dos autos não se nos afigura defensável, mas foi acolhida pelo Tribunal “a quo” sem reservas. A22 - Antes se afigura correcta e conforme à lei e à justiça, a tese defendida pelo Inspector Tributário, autor do Auto de Notícia de fls. 3 e segs. dos autos. A23 - A qual configura e tipifica apenas como crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 24º do RJIFNA, a não entrega do IVA recebido nos meses de Outubro de 1995, Dezembro de 1995, Janeiro e Fevereiro de 1996. A24 - E considerando todos os demais meses integrados na contra-ordenação, p. e p. pelo art. 291º do RJIFNA. A25 - No quadro de fls. 6 dos autos, o Inspector Tributário considerou e bem, que só configuram crime de abuso de confiança fiscal apenas os períodos nos quais o IVA recebido é superior ao IVA dedutível, uma vez que apenas aí se verifica a existência de imposto a entregar ao Estado. A26 - Na verdade, todos os valores que constam do quadro constante do Auto de Notícia de fls. 3 e segs. dos autos, quais sejam, os atinentes a imposto liquidado, imposto dedutível, imposto apurado e imposto recebido foram dados como provados e assentes no Douto Acórdão recorrido. A27 - Os quais até foram confirmados no parecer jurídico de fls. 363, ao qual o Ministério Público aderiu na acusação e o Tribunal “a quo” na decisão. A28 - À data da ocorrência dos factos estava em vigor o Decreto-lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidos pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro. A29 - O nº 1 deste dispositivo legal prevê como elemento típico a apropriação da prestação tributária que haja obrigação de entregar (IVA). A30 - O nº 2 deste normativo legal estipula e esclarece que para efeitos do nº 1 do art. 24º, considera-se também prestação tributária “... aquela que tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja”. A31 - Atendendo ao previsto nos arts. 19º e 20º do CIVA, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos. A32 - Conforme resulta da matéria de facto provada, do Auto de notícia de fls. 3 e segs. e do parecer de fls. 363, o imposto liquidado, dedutível, apurado e efectivamente recebido corresponde aos montantes constantes daquele primeiro. A33 - Atento o que acima se deixou escrito quanto à dedução legal ao abrigo dos arts. 19º e 20º do CIVA, e dando como assente o IVA liquidado constante do quadro do Auto de Notícia, bem como assente o IVA efectivamente recebido pelos arguidos constante do mesmo quadro, o IVA que efectivamente os arguidos se apropriaram e que configura abuso de confiança fiscal corresponde ao resultado da diferença entre o efectivamente recebido e o dedutível, caso o primeiro (efectivamente recebido ) seja superior ao dedutível. A34 - Seguindo este raciocínio, se ao valor do imposto apurado subtrairmos o valor resultante daquela operação (IVA recebido - IVA dedutível) encontramos o valor da contra-ordenação - art. 29º do RJIFNA. A35 - O que vale por dizer que a vantagem patrimonial indevida só se verifica quando o sujeito passivo recebe efectivamente um valor de IVA superior ao valor de IVA dedutível e se se apropriar de cada uma dessas quantias, invertendo assim o título de posse, em vez de o entregar ao credor tributário como por lei está obrigado. A36 - É certo que no montante de IVA apurado é já tido em conta o IVA que o arguido suportou nas aquisições por ele efectuadas (dedutível). A37 - Porém, não menos certo é que esse resultado leva em conta também o valor de IVA liquidado, montante que o arguido nunca recebeu na sua totalidade. A38 - E, se é verdade que sendo o IVA apurado um valor positivo, é esse valor que o sujeito passivo tem que entregar ao credor tributário e constitui o valor da sua dívida fiscal para com este, é também verdade que para consideração de crime fiscal o valor que tem que se considerar não é o valor liquidado (porque se não se recebe na totalidade nunca pode sobre o mesmo haver apropriação e consequente inversão do título da posse), mas sim subtraindo ao IVA efectivamente recebido o montante do IVA dedutível para aí sim encontrar o valor do imposto sobre o qual pode existir apropriação (caso o efectivamente recebido seja superior ao dedutível), a inversão do título da posse, preenchendo deste modo os requisitos do crime de abuso de confiança fiscal. A39 - Em conclusão, aplicando este raciocínio que está de acordo com a lei, os arguidos apenas cometeram o crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 24º do RJIFNA nos meses de Outubro e Dezembro de 1995, Janeiro e Fevereiro de 1996. A40 - Em todos os demais meses constantes da acusação, os arguidos apenas cometeram contra-ordenação p. e p. no art. 29º do RJIFNA. A41 - A tese defendida pela Técnica Jurídica das Finanças que elaborou o parecer junto a fls. 363, acolhido na integra pelo Ministério Público na acusação que deduziu, bem como pelo Tribunal “a quo” que a sustentou na decisão e deu como provada e correcta, não pode colher aceitação, sob pena de gritante injustiça e ilegalidade. A42 - A ser aceite tal tese, não se vê razão para a existência do art. 29º do RJIFNA, ou seja, para a previsão de contra-ordenação fiscal no caso de não entrega de IVA ao Estado. A43 - Pois, fazendo a análise rigorosa de tal tese, conclui-se que em caso algum de não entrega de IVA ao Estado se podia configurar contra-ordenação, antes e só crime fiscal p. e p. pelo art. 24º do referido diploma legal. A44 - Dessa forma se o arguido recebe efectivamente IVA em montante superior ao apurado será punido por crime pelo montante do IVA apurado e, caso receba efectivamente IVA em montante inferior ao IVA apurado, será punido por crime pelo montante de IVA efectivamente recebido. A45 - Não havendo em nenhuma situação lugar a contra-ordenação p.e p. pelo art. 29º do RJIFNA. A46 - Em conclusão, o Tribunal “a quo” só poderia condenar os arguidos pela prática do crime de abuso de confiança fiscal nos períodos correspondentes aos meses de Outubro e Dezembro de 1995 e aos meses de Janeiro e Fevereiro de 1996. A47 - Porém, datando a constituição de arguido do dia 25 de Julho de 2002, tais crimes já se encontravam prescritos - art. 15º, nº 1, do RJIFNA. A48 - Posto que não se verificou qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo da prescrição. A49 - Mesmo considerando o prazo previsto que a lei prevê para início da instauração do procedimento criminal - nº 6 do art. 24º do Decreto lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro. A50 - Face ao que se deixou escrito supra relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal, impunha-se ao Tribunal “a quo” decisão de absolvição dos arguidos. A51 - O que se espera venha a acontecer em sede de decisão do presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido. A52 - O Tribunal “a quo” violou por má interpretação os arts. 24º e 29º do RJIFNA e os arts. 19º e 20º do CIVA. Quanto à questão do concurso de crimes ou crime continuado A53 - Os arguidos foram acusados de cometer um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada. A54 - O Tribunal “a quo” aderiu a este enquadramento legal, afastando o concurso real de crimes. A55 - Diz o Acórdão recorrido a fls 31 que: “Relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal, importa determinar se se verificaram tantos crimes quantos os meses em falta em relação de concurso real (como interessadamente argumenta a defesa e na verdade pode ter relevo para efeitos de prescrição) ou se, como preconiza a acusação, os mesmos se encontram numa relação de crime continuado. A56 - Devolvendo, com a devida vénia, a imputação que é feita à defesa, será de questionar se não foi do interesse da Administração Fiscal e do Ministério Público enveredar pelo crime continuado, sabendo, como sabia, que de outra forma a prescrição dos crimes de que os arguidos podiam ser e vieram acusados se encontravam prescritos na sua quase totalidade, à excepção dos meses de Abril e Maio de 1997. A57 - Embora concordando em tese geral com a argumentação constante do acórdão recorrido no que concerne à figura do crime continuado, no caso concreto não se pode deixar de discordar, posto que, ainda que se possa admitir que a mesma funcione relativamente a alguns meses seguidos em que os arguidos não entregaram ao Estado o IVA efectivamente recebido. A58 - Certo é que, nos meses de Maio, Agosto, Novembro e Dezembro de 1996 e Fevereiro e Março de 1997, a administração tributária não incluiu estes meses na acusação. A59 - A razão de não o ter feito deriva do facto das declarações do IVA terem sido entregues, com o correspondente envio do meio de pagamento do imposto. A60 - De contrário, a administração fiscal instauraria, no mínimo, auto de contra-ordenação, o que não se verificou. A61 - No Douto Acórdão recorrido é afirmado que (pág. 31): “Ora, apesar de, naquela sucessão, faltarem os citados meses, é patente, no comportamento do arguido - aliás visto à luz da sua postura perante as demais obrigações fiscais - uma certa continuidade, reveladora de sentimento e disposição interiores marcados pela ousadia no infringir das regras e descrédito nas consequências, pela influência do ambiente social permeável e complacente com o incumprimento, e de clara e constante desorientação em relação aos caminhos do Direito e de confiança na impunidade”. A62 - Ora, a defesa não pode deixar de discordar destas genéricas e subjectivas considerações, tanto mais que as mesmas contrariam o juizo formulado pelo próprio Tribunal “a quo” quando, no acórdão recorrido e por mais de uma vez, afirma que o arguido desde o início formulou o propósito de se apropriar das importâncias mencionadas no quadro constante do ponto 2.6 - vide pág. 4 e 31 do acórdão recorrido. A63 - Se assim fosse, no que não se concede, o que levaria o arguido a apresentar as declarações de IVA dos meses de Maio, Agosto, Novembro e Dezembro de 1996 e Fevereiro e Março de 1997 e ter liquidado o imposto respectivo ? A64 - O facto do arguido apresentar as declarações e pagar o IVA respeitantes a estes mencionados meses, constitui no mínimo interrupção das eventuais resoluções criminosas preteritamente ou anteriormente formuladas pelo arguido. A65 - Ou, dito de outra forma, terá nesses períodos formulado uma resolução de cumprimento do estatuído legalmente, assim também interrompendo a renovação das sucessivas resoluções criminosas. A66 - Pois, ainda que se admita, por mera hipótese de raciocínio, que o arguido formulou desde o início a intenção de se apropriar das importâncias devidas ao Estado, o que contraria um dos requisitos para a existência ou verificação do crime continuado, certo é que o mesmo interrompeu tal desígnio nos já mencionados meses. A67 - Há assim uma clara e inequívoca desistência da continuação da prática do ilícito. A68 - Nos meses que se seguem a esta interrupção, o arguido ao não fazer acompanhar o meio de pagamento com o envio da declaração de IVA, formula uma nova resolução criminosa e comete novo ilícito criminal. A69 - Com este sentido e alcance, afastado fica o enquadramento preconizado pela acusação e aceite pelo Tribunal “a quo” de crime continuado. A70 - Mais, dos factos dados como provados pelo Tribunal recorrido, consta no ponto 2.8 que a arguida requereu a regularização das suas dívidas fiscais ao abrigo do Dec.-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, o que foi deferido. A71 - Consta, ainda, do ponto 2.9 do acórdão recorrido, que a arguida pagou apenas a primeira prestação, pelo que foi excluída do âmbito do regime de pagamento em prestações previsto naquele diploma legal. A72 - A adesão ao plano de pagamento previsto naquele diploma legal, usualmente denominado “Plano Mateus”, ocorreu no mês de Janeiro de 1997. A73 - Tal adesão pressupõe, tal como acima se deixou dito relativamente ao pagamento do IVA dos meses Maio, Agosto, Novembro e Dezembro de 1996 e Fevereiro e Março de 1997, que o arguido, no mínimo, interrompeu as eventuais resoluções criminosas por si preteritamente ou anteriormente e eventualmente formuladas. A74 - Pois, ainda que se admita, por mera hipótese de raciocínio, que o arguido formulou desde o inicio a intenção de se apropriar das importâncias devidas ao Estado, certo é que o mesmo interrompeu também tal desígnio com a adesão ao “Plano Mateus”. A75 - Há, assim e também por esta via, uma clara e inequívoca desistência da continuação da prática do ilícito e uma clara adesão à legalidade. A76 - Face ao que se deixou escrito supra, conclui-se por não verificado o instituto do crime continuado no caso “sub judice”. A77 - Assim sendo, tendo existido interrupção na prática do eventual ilícito criminal nos meses de Fevereiro e Março de 1997, forçoso é concluir que relativamente à prática do eventual crime de abuso de confiança fiscal cometido pelo arguido nos meses anteriores, estão os mesmos prescritos pelo decurso do prazo legal de cinco anos - ut. art. 15º do RJIFNA. A78 - A admitir a prática do crime de abuso de confiança fiscal por parte dos arguidos, o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe face à posição supra assumida sobre a fórmula de cálculo defendida no Parecer de fls 363 dos autos e constante da acusação para determinar a vantagem patrimonial alcançado pelos arguidos, então a mesma só se verifica relativamente aos meses de Abril e Maio de 1997. A79 - E só relativamente a estes meses poderiam os arguidos eventualmente vir a ser condenados. A80 - Face aos montantes do imposto devido por esses dois meses, a sanção penal a aplicar longe ficaria da que concretamente foi aplicada. A81 - O Tribunal “a quo” violou, por má interpretação o art. 30º, nº 2, do Código Penal. QUANTO AO CRIME DE FRAUDE FISCAL A82 - Nos pontos 2.12 a 2.15 o Tribunal “a quo” deu como provado que por carta registada datada de 18 de Abril de 2001, dirigida ao arguido como representante da arguida, foi este notificado para ter presente na sede da firma, no dia 7 de Maio de 2001, pelas 14.30 horas, os livros de escrita relacionados com a actividade desenvolvida nos anos de 1996 e 1997, bem como todos os documentos com ela relacionados, com as advertências legais, designadamente a da determinação da matéria colectável, de IRC por métodos indirectos - ponto 2.12. A83 - Mais deu como provado que o arguido não o fez - ponto 2.13. A84 - E que o comportamento do arguido visou ocultar a sua real situação fiscal e impedir o técnico de recolher os necessários elementos que lhe permitissem apurar quais os impostos e montantes em dívida e, desse modo, evitar o pagamento do imposto ( IRC ), causando diminuição das receitas tributárias e, assim, obter vantagem patrimonial nunca inferir a 7.500 euros - ponto 2.14. A85 - No ponto 2.14 ( repetido o número certamente por lapso de escrita na decisão recorrida), o Tribunal recorrido deu como provado que, com recurso a métodos indirectos, apurou a Administração Fiscal que o lucro tributável referente a 1997 foi de Esc. 39.288.281$00 ou 195.969,11 Eur. A86 - Antes do mais, cumpre dizer que a sede da empresa arguida, embora formalmente (Conservatória do Registo Comercial) conste como sendo na Rua ….., nºs …./…., em Rio Tinto, Gondomar, certo é que a mesma tinha à data dos factos o seu giro e instalações no Zona Industrial da Varziela, Rua …., Lote …., em Vila do Conde, conforme se prova e alcança de várias facturas e ordens de liquidação da firma J......... juntas aos autos. A87 - Tal realidade foi também confirmada em Audiência de Julgamento pelo arguido, pelas testemunhas da defesa, nomeadamente pela testemunha D.... . A88 - Pelo que não se entende a estranheza relatada na página 12 do Douto Acórdão recorrido. A89 - Quanto à acusação de ocultação da documentação por parte do arguido, cumpre dizer que tal não se verificou. A90 - Pois, embora o Tribunal “a quo” não tenha dado como provado que a mesma foi objecto de destruição por via de assalto e vandalização da mesma nas instalações da arguida, sitas em Vila do Conde, certo é que tal sucedeu. A91 - Essa foi a razão que levou o arguido a comunicar ao inspector tributário a não existência da mesma. A92 - E, embora pareça estranho ao Tribunal “a quo” o facto do arguido não ter participado tal assalto e vandalização das instalações às autoridades policiais, com isso pretendendo inculcar que se tratou apenas de uma manobra ou argumento falso para justificar a não apresentação da documentação. A93 - Certo é também que, pela experiência comum que o Tribunal não pode escamotear, para se dar aparência da veracidade do facto, seria mais fácil ao arguido perpetrar a destruição da documentação, através de incêndio ou outro modo, e participar às autoridades a sua ocorrência. A94 - A boa-fé e inocência do arguido não o levou a enveredar por esse caminho, preferindo relatar a realidade e verdade, ainda que a mesma jogasse, como parece que jogou em seu desfavor. A95 - Tanto mais que, se tivesse documentação consigo, poderia ter feito prova de alguma matéria que fatalmente conduziria ao arquivamento do processo em sede de inquérito fiscal, evitando, assim, a submissão a julgamento e a condenação de que foi alvo. A96 - Quanto à falta de cooperação com o inspector das finanças de que foi acusado o arguido, no que respeita à identificação dos clientes e fornecedores tal não corresponde à verdade. A97 - Esta realidade encontra resposta no ponto 3 do acórdão recorrido, sob a epígrafe factos não provados, quando ali se diz “que o arguido também não identificou os seus clientes assim obstando a que a administração fiscal pudesse recolher junto deles os necessários meios de prova”. A98 - Ao arrepio do princípio do “in dubio pro reu” o Tribunal recorrido, com a devida vénia e merecido respeito, parece ter querido valorar positivamente toda a prova que conduzisse à condenação do arguido e escamotear a que conduzia à sua absolvição. Ainda quanto ao crime de fraude fiscal. A98 - Conforme consta da acusação, com recurso a métodos indirectos a administração fiscal apurou um lucro tributável referente ao ano de 1997 no valor de Esc. 39.288.281$00 ou Eur: 195.969,11. A99 - Dispõe o art. 103º, nº 1, do Dec.-Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, regime aplicável por ser o mais favorável aos arguidos que: “Constituem fraude fiscal .... as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais...” A100 - Consagra o nº 2 do referido normativo o seguinte: “Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a E. 7.500,00”. A101 - No ponto 2.14 do Douto Acórdão recorrido, o Tribunal dá como provado que: “... evitar o pagamento do imposto (IRC), causando diminuição das receitas tributárias e, assim, obter vantagem patrimonial nunca inferior 7.500 euros”. A102 - No ponto 2.14 ( número certamente repetido por mero lapso ) deu ainda como provado que: “Com recurso a métodos indirectos, apurou a administração fiscal que o lucro tributável referente a 1997 foi de Esc. 39.288.281$00 ou 195.969,11 Eur.”. A103 - Dispõe o nº 2 do art. 45º da Lei Geral Tributária ( Lei nº 15/2001, de 5 de Junho ), o seguinte: “Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de 3 anos”. A104 - O nº 4 do referido normativo dispõe: “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”. A105 - Até hoje, é facto assente e provado que o imposto de IRC referente ao ano de 1997 não foi liquidado. A106 - Antes apenas apurado o lucro tributável referente a esse ano. A107 - O imposto de IRC em causa refere-se ao ano de 1997. A108 - A notificação do início da acção inspectiva teve lugar em 18 de Abril de 2001, através da carta constante de fls. 27 dos autos. A109 - Sendo que o termo da mesma ocorreu em 30 de Outubro de 2001. A110 - Decorreram assim, mais de seis meses previstos no art. 46º, nº 1 da Lei Geral Tributária para que ocorresse suspensão do decurso daquele prazo de três anos da caducidade invocada. A111 - Donde, o prazo da caducidade se contar desde a data em que se verificou o facto tributário - ut. Nº 4 do art. 45º da Lei geral Tributária. A112 - Não restam, assim, dúvidas que se verifica a caducidade do direito à liquidação do imposto IRC. A113 - Nos termos do disposto no nº 3 do art. 21º do RGIT ( Lei nº 15/2001, de 5 de Junho), “O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação”. A114 - Ora, assim sendo como efectivamente é, não se encontrando até hoje o imposto liquidado e não podendo o mesmo já ser objecto de liquidação pela operada e invocada caducidade, prescrito está, e estava à data da constituição como arguido, também o direito ao procedimento criminal. A115 - O Tribunal “a quo” não podia dar como provado, como deu, que a vantagem patrimonial dos arguidos em sede de IRC seja superior a Eur: 7.500,00. A116 - Seja porque não levou em conta custos financeiros, prejuízos fiscais e custos com pagamento de salários aos trabalhadores e outros, conforme se prova e alcança do relatório da inspecção tributária junto a fls. 19 e segs., concretamente quando ali se diz no ponto V - sob a epígrafe Critérios e Cálculos dos Valores corrigidos com recurso a métodos indirectos que: “Face à falta de exibição da escrita, vai o lucro tributável do exercício de 1997.... . Assim, aceitam-se os proveitos tal qual foram declarados pelo contribuinte ( anexo 6 ), bem como o custo das mercadorias vendidas e das matéria consumadas sem as quais o sujeito passivo não teria obtido os referidos proveitos, não se considerando como tal todos os outros custos declarados face à não exibição dos respectivos documentos, tudo conforme a seguir se explana”. A117 - Se tivessem sido considerados outros custos ( prova que o arguido teria todo o interesse em fazer, mas não podia atento o seu desaparecimento ), o lucro tributável que se cifrou em Esc. 39.288.281$00 seria muito inferior, ou até nem existiria, como de facto assim sucedeu. A118 - Seja porque embora o Tribunal beneficie da previsão constante do art. 127º do Cód. Proc. Penal, certo é que a liquidação do montante do imposto é elemento essencial para a determinação de ser ou não facto punível - ut. art. 103", nº 2. A119 - Ao dizer-se que os arguidos obtiveram uma vantagem patrimonial de pelo menos Eur: 7.500,00, o Tribunal está a ir além do que lhe é permitido. A120 - Violando, assim, o referido art. 127º do Cód. Proc. Penal. A121 - Face ao exposto, e quanto ao crime de fraude fiscal de que os arguidos vinham acusados e foram condenados, redunda à saciedade que o mesmo não se verificou. A122 - Redunda à evidência que caducou o direito à liquidação do IRC e, por via da caducidade, prescrito se encontra, também, o eventual crime de abuso fiscal. A123 - Em consequência, devia o Acórdão recorrido absolver os arguidos da prática deste crime, o que não aconteceu. A124 - Impondo-se, pois, a sua revogação, substituindo-se a decisão recorrida por outra que absolva os arguidos. A125 - Face a tudo o acima exposto, às razões factuais e de direito substancial e adjectivo invocados e alegadas, forçoso é concluir que o Tribunal “a quo” proferiu decisão condenatória, quando devia ter decidido pela absolvição total dos arguidos da prática dos factos de que vinham acusados. A126 - O que se espera venha a acontecer através de Douto Acórdão a proferir por este Venerando Tribunal da Relação do Porto. A127 - O Tribunal “a quo” violou o art. 23º do RJIFNA, os arts. 21º e 103º do RGIT, os arts. 45º e 46º da lei Geral Tributária e o art. 127º do Cód. Proc. Penal. QUANTO À SANÇÃO PENAL APLICADA A128 - Na eventualidade não esperada dos arguidos serem absolvidos da prática dos crimes por que foram acusados e condenados, sempre se dirá que as medidas das penas aplicadas aos mesmos foram demasiado severas e gravosas. A129 - O que, face à prova produzida e às circunstâncias concretas do caso, deviam ser reduzidas. A130 - Bastando, quanto ao recorrente B……, a aplicação da pena de multa, que não a de prisão, ainda que suspensa pelo período fixado, condicionada ao pagamento do valor em dívida ao fisco, como aconteceu. A131 - Afigura-se, pois, como mais justa e adequada ao caso concreto a condenação em multa ao arguido B……, sendo certo que este está bem inserido na sociedade, é primário e as circunstâncias que o levaram a prevaricar, ainda que não tenham vindo a colher aceitação pela maioria da jurisprudência, deve ser levada em conta como circunstância atenuante. A132 - Decidindo nesta conformidade, será feita inteira e sã justiça. Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, de harmonia com as conclusões expostas, absolva os arguidos da prática dos crimes de que vinham acusados, assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA Na sua resposta, o M.P. pugnou pela manutenção do decidido em primeira instância, aderindo aos fundamentos do acórdão do Tribunal Colectivo. Neste Tribunal, o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer nos termos constantes de fls. 796/804, pronunciando-se no sentido de se ter como assente a matéria de facto, por não resultar do texto da decisão sob recurso qualquer dos vícios previstos no nº 2 do art. 410º do CPP; de se manter a condenação pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, cujo procedimento criminal se não encontra prescrito; e de se conceder provimento ao recurso no que concerne ao crime de fraude fiscal. Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir. O objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, pressupõe a indagação das questões seguintes: 1. Verificar se a decisão recorrida padece do vício previsto no art. 410º, nº 2, a), do CPP, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e se, consequentemente, o arguido deveria ter sido absolvido com base no princípio in dubio pro reu; 2. Verificar se apenas relativamente aos períodos correspondentes aos meses de Outubro e Dezembro de 1995 e aos meses de Janeiro e Fevereiro de 1996 se poderá considerar a existência de crime de abuso de confiança fiscal, havendo relativamente aos demais períodos considerados uma mera contra-ordenação prevista no art. 29º do RJIFNA, bem como determinar se se verificam os pressupostos do crime continuado; 3. Indagar se se verificam os pressupostos da prescrição relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal; 4. Indagar se se verificam os pressupostos da prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de fraude fiscal, implicando esta questão a de saber se a liquidação de IRC era indispensável à punibilidade do crime de fraude fiscal; 5. Averiguar se é excessiva a imposição de pena de prisão ao recorrente, ainda que suspensa na sua execução, condicionada ao pagamento do valor em dívida ao fisco, devendo esta ser substituída por multa. II - FUNDAMENTAÇÃO: Na decisão recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos: 2.1. – O arguido B…… foi e é o único Sócio-gerente da arguida Sociedade “C……., Ldª.”. 2.2. – Esta arguida tem por objecto o fornecimento e montagens técnicas de condutas para saneamento, gás e abastecimento de água. 2.3. – Agindo no exercício da sua função e no âmbito daquela actividade, o arguido efectuou vendas regularmente, emitiu as respectivas facturas e procedeu, como lhe competia por lei, à liquidação do IVA sobre os serviços prestados. 2.4. – Em sede de IVA, a arguida Sociedade está legalmente enquadrada no “regime normal de periodicidade mensal”. 2.5. – Apesar disso e de ter enviado as respectivas declarações periódicas mensais à Administração do IVA nos correspondentes meses de apresentação, não enviou o respectivo meio de pagamento no respectivo prazo. 2.6. – Assim, os arguidos não entregaram, como se lhes impunha, nos cofres do Estado, o montante global de Esc. 17.905.952$00 (ou 89.314,51 €) respeitante a IVA recebido ou apurado, conforme quadro seguinte: Além disso, os arguidos não efectuaram o pagamento dos referidos montantes no prazo de 90 (noventa) dias sobre o termo do prazo legal de entrega da respectiva prestação. 2.7. – Com tal conduta, os arguidos provocaram ao Fisco o prejuízo correspondente àquele valor e traduzido na diminuição de receita tributária. 2.8. – A arguida requereu a regularização das suas dívidas fiscais ao abrigo do Dec.Lei nº. 124/96, de 10 de Agosto, o que foi deferido. 2.9. – Contudo, a mesma pagou apenas a primeira prestação, no montante de Esc. 136.771$00 (de IVA), pelo que foi excluída do âmbito do regime de pagamento em prestações previsto naquele diploma legal – cfr. fls. 35 a 40, aqui reproduzidas. 2.10. – O arguido tinha perfeito conhecimento que os montantes de IVA apurados e recebidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues, mas, apesar disso, não procedeu a tal entrega, tendo, assim, obtido uma vantagem patrimonial indevida à custa do Estado correspondente ao montante referido em 2.6, conforme propósito, conseguido, que formulou, desde o início, de se apropriar das ditas importâncias. 2.11. – O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas repetidas condutas proibidas e punidas. 2.12. – Conforme documentos de fls. 27 e 28, aqui reproduzidos, por carta registada datada de 18/04/2001, dirigida ao arguido como representante da arguida, foi este notificado “para ter presente, na sede da firma (…), no dia 07 de Maio de 2001, pelas 14,30 horas, os livros da sua escrita relacionados com a actividade desenvolvida nos anos de 1996 e 1997, bem como todos os documentos com ela relacionados”, com as advertências legais, designadamente a da determinação da matéria colectável de IRC por métodos indirectos 2.13. – Porém, não o fez. 2.14. – O comportamento do arguido visou ocultar a sua real situação fiscal e impedir o técnico de recolher os necessários elementos que lhe permitissem apurar quais os impostos e montantes em dívida e, desse modo, evitar o pagamento do imposto (IRC), causando diminuição das receitas tributárias e, assim, obter vantagem patrimonial nunca inferior a 7.500 Euros. 2.14. – Com recurso a métodos indirectos, apurou a Administração Fiscal que o lucro tributável referente a 1997 foi de Esc. 39.288.281$00 ou 195.969,11 €. 2.15. – O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que tal conduta era ilícita e penalmente punível. 2.16. – Do CRC do arguido nada consta. 2.17. – O arguido tem 37 anos, é casado e tem 2 filhos, de 9 e 4 anos de idade, num Colégio e num Infantário, respectivamente, com os quais despende cerca de 600 a 650 Euros/mês. É actualmente administrador da empresa “E….., SA”, ganhando 1.250 Euros/mês, líquidos. Tem curso de formação profissional de direcção de obras na área da construção civil. A esposa é economista num banco, onde aufere idêntico salário mensal. Após o serviço militar, começou a trabalhar com 26 anos na empresa arguida. Vivia numa moradia, adquirida com ajuda de familiares, que vendeu por 200.000 Euros. Vive em apartamento próprio, que comprou por 175.000 Euros com recurso a crédito bancário, pagando entre 700 a 750 Euros/mês do empréstimo. 2.18 – A arguida foi constituída em 1993, matriculada em 24/02/1993, com sede na Rua ….., nºs …./….., Rio Tinto, tendo como sócios o arguido e sua esposa F……, inicialmente com capital social de 1.500.000$00, reforçado posterior e sucessivamente para 15.000.000$00 e 45.000.000$00. Teve 60 trabalhadores ao seu serviço. Tinha uma empregada de escritório. Tinha contabilista que visitava semanalmente a sede. Encontra-se inactiva desde cerca de 1998. 2.19 – B……., por si e em representação da Sociedade “C……, Ldª.”, foi constituído arguido em 25 de Julho de 2002. 2.20 – A arguida apresentou ao Fisco declaração de cessação de actividade em 31 de Dezembro de 1998. 2.21. – Apresentou, como única declaração de rendimentos, a de fls. 395 a 397. 2.22. – A arguida foi notificada nos termos e para os efeitos do nº. 6 do artº. 105º., do RGIT relativamente às prestações de Março de 1996, Janeiro e Abril de 1997, mas não as pagou. E teve-se, por outro lado, como não provado, o seguinte: - Que os valores de IVA mencionados no quadro de 2.6 sejam os relativos a imposto “liquidado”; - Que o arguido também “não identificou os seus clientes” assim obstando a que a administração fiscal pudesse recolher junto deles os necessários meios de prova. - Que a notificação para exibir a escrita fosse “aquando da acção inspectiva”, ou seja, em simultâneo (uma vez que se verifica que esta foi dada como iniciada em 7/5/2001 e a carta data de 18/4/2001, embora certamente ocasionada pelos mecanismos atinentes ao seu desencadeamento). - Que os valores do IVA não entregues e alegadamente apropriados sejam os “liquidados” (cfr. explicação dos conceitos, infra, na “motivação”). Esta matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos: Baseou-se o Tribunal nos seguintes meios de prova e argumentos (lembrando-se que, pela acusação, foram prescindidas as testemunhas G…… e H……..): - Auto de notícia de fls. 14 a 18, datado de 30/10/2001, elaborado pelo Inspector Tributário I……., relativo a inspecção iniciada em 7/5/2001 e terminada naquela data, na Rua do ….., …./…., em Rio Tinto (sede da arguida), também autor do relatório e conclusões da acção inspectiva por si efectuada constante de fls. 21 a 25, ouvido em audiência como (única) testemunha (da acusação), e que, nesta qualidade, confirmou e explicou tal auto. Dele, aliás, consta, que os períodos mensais a cujas operações respeitam as subsequentes declarações periódicas remetidas mas sem meios de pagamento iam de Outubro de 1995 a Abril de 1996 e Junho de 1996 a Maio de 1997; que, entretanto, os arguidos, por força da adesão ao regime prestacional da Lei 124/96, pagaram, por conta do IVA devido nesse período, apenas, a quantia de 136.771$00, mas deixaram de pagar o restante, pelo que foram excluídos desse regime (como resulta dos documentos também juntos); consta também que, entretanto, mesmo depois da adesão àquele regime, continuaram eles a remeter as referidas declarações sem os meios de pagamento nos meses de Junho de 1996 e posteriores. Mais consta a explicação de que os valores declarados relativos a tais períodos só foram considerados, para efeitos penais, na medida em que o Fisco conseguiu, por meio das facturas obtidas da cliente “J……” – e só por aí dada a referida não colaboração dos arguidos – comprovar o efectivo pagamento dos serviços facturados e, portanto, o necessário recebimento pelos arguidos do respectivo imposto, pelo que os restantes, ou seja, aqueles relativamente aos quais não foi feita tal prova pela inspecção, só puderam ser considerados para efeitos de contra-ordenação (artº. 29º., do RJIFNA). - Na determinação dos períodos e valores em dívida, ponderou-se, também, o quadro constante do parecer de fls. 371 e respectiva explicação, em comparação com o quadro de fls. 6 e 7 do auto de notícia. - Documentos de fls. 26 e 27, relativos à notificação, datada de 18/4/2001, por carta registada, dirigida ao arguido, como representante da arguida, “para ter presente, na sede da firma (…), no dia 7 de Maio de 2001, pelas 14,30 horas, ao livros da sua escrita relacionados com actividade desenvolvida nos anos de 1996 e 1997, bem como todos os documentos com ela relacionados”, com as advertências legais, designadamente a da determinação da matéria colectável de IRC por métodos indirectos. - Documentos de fls. 28 a 334, relativos a: adesão pela arguida ao regime de pagamento em prestações e incumprimento desses pagamentos; às declarações periódicas e liquidações do IVA; elementos retirados do sistema informático; do recebimento da sua cliente “J……” por serviços prestados do IVA correspondente mas não entregues ao Fisco, conforme relatório discriminado e em função de cujo apuramento e confronto com as declarações o Fisco concluiu pelos valores do IVA comprovada e realmente recebidos pela arguida; ainda, documentos relativos ao cálculo do lucro tributável de 1997, por métodos indirectos, com base nos proveitos e custos declarados pelo contribuinte, com os limites explicados (cfr. anexo 6 e relatório). - Termo de fls. 358, relativo à data em que ocorreu a constituição de arguido; - Documentos de fls. 336 a 340, relativos à matrícula e registo dos factos sociais da Sociedade arguida, de onde consta quem a constituía, a sua sede e capital social, etc.; - Nota de notificação, declarada a linhas 13 a 15 de fls. 361, de onde consta que o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 105º., nº. 6, e, bem assim, carta de fls. 376 e 377, inexistindo, posteriormente, qualquer prova desses pagamentos; - Certificado de registo criminal de fls. 384 (negativo); - Documentos de fls. 394 a 397, conjugados com requisição de fls. 392, com os quais o arguido foi confrontado e sobre os quais se pronunciou, relativos ao “cadastro económico da empresa” arguida. - Declarações do arguido B……, por si e como sócio-gerente da arguida, o qual, no decurso da audiência de julgamento – além de ter prestado informações relativas à sua origem e situação pessoal, que (pela sua plausibilidade, razoabilidade, consonância com as demais circunstâncias apuradas e atitude com que foram exprimidas) se julgaram merecedoras de credibilidade e, por isso, nessa parte, se incluíram entre os “factos provados” – em síntese, quanto à matéria da acusação, confirmou os factos relativos à constituição e objecto da Sociedade, início e fim da respectiva actividade, dados sociais, de mercado e laborais relativos à mesma e sua estrutura, posição orgânica nela e papel exercido no desenvolvimento da respectiva actividade, bem como o seu enquadramento fiscal, mormente para efeitos do IVA, dizendo que tudo correu normalmente, incluindo vendas (confirmando os fornecimentos, facturação dos serviços e cobrança do imposto), até certa altura em que, alegadamente, surgiram “dificuldades” (sem especificar e justificar convincentemente e em concreto quais). Confirmou, apesar de tudo, que, na verdade, as declarações periódicas alegadas foram remetidas mas desacompanhadas dos respectivos meios de pagamento, não pondo em causa (antes se conformando, face aos documentos juntos e com que foi confrontado) os períodos, datas e valores não pagos e inerente prejuízo para o Fisco, mostrando-se ciente das inerentes obrigações legais e das consequências para o respectivo incumprimento. Igualmente confirmou o procedimento, resultados e atitude subsequente adoptada no âmbito do processo legal de regularização excepcional das dívidas fiscais (Dec.-Lei 124/96, de 10 de Agosto). Apesar disso, tentou explicar e justificar o seu comportamento com “dificuldades” surgidas a partir de finais de 1994, “situações de crédito mal-parado” em relação a alguns clientes (dizendo que lhe ficaram a dever mais de 100.000 contos), que todos (?) os clientes lhe ficaram a dever dinheiro …, todos (?) faliram (excepto a ECOP), falta de apoio da Banca, levantamento pelo banco para satisfação de outras “responsabilidades” bancárias dos depósitos que fazia para pagamento aos trabalhadores, a cujo salário nunca faltou (embora os 60 que tinha fossem saindo aos poucos), enfim, falta de dinheiro. Acrescentou que cessou a actividade por falta de obras (!?) e por os trabalhadores terem saído. Reconhecendo, porém, e pelo menos, que “os 17.000 contos foram para todo o giro da empresa”, acrescentou, todavia, que não ficou com o dinheiro, pois até lhe penhoraram a casa própria. Ainda sobre a questão de, ao longo do período em causa, se verificar que, em alguns meses, não constam dívidas, argumentou o arguido – manifestamente para aparentar seriedade e bondade na sua postura e assim credibilizar as suas pretensas justificações e interessadamente para basear a tese jurídica sobre o concurso real de crimes ou crime continuado por que viria a defender-se para invocar a prescrição – que se tratou de meses em que tinha dinheiro para pagar e, por isso, os pagou (o que não demonstrou). Os alegados motivos são repetição de expressões comuns, vulgarmente usadas neste tipo de casos, designadamente as “dificuldades” (num período de relativo desafogo, mesmo expansão, da construção civil e dos sectores económicos à mesma ligados!), o “crédito mal-parado” (os documentos anotam recebimentos efectivos e não dívidas!), os salários dos trabalhadores (por que foram, então, saindo ?), a “falta de dinheiro” (os sucessivos aumentos do capital social apontam para saúde financeira), etc. . E não têm tradução concreta e minuciosa, e muito menos prova, designadamente documental, que lhes confira mínima credibilidade, e que, em situação real, naturalmente existiria e seria de fácil produção, dado que se trata de Sociedade Comercial com o dever de possuir contabilidade organizada e contabilista responsável (que o arguido confirmou ter e ao qual cometera a função de tratar dos impostos, como aliás tinha escritório com uma funcionária, mas não foi apresentado). Nem, aliás, se coadunam com os fluxos financeiros verificados, natureza do imposto em causa, estatuto económico do arguido e sua situação posterior. De resto, e quanto a isso, os depoimentos das testemunhas de defesa também não credibilizam a argumentação do arguido, igualmente recorrendo a expressões genéricas ou a lugares comuns, sem conteúdo concreto e fundamentado. Com efeito, a testemunha L….., que, desde há 20 anos, fornecia ao arguido – e, segundo disse, actualmente continua a fornecer ! – tubos e acessórios para pichelaria e esgotos, falou, vagamente e sem nada especificar, em crise, falta de recebimento dos empreiteiros, dizendo, apenas, que o arguido lhe começou a entregar endossos (mas em cuja liquidação o arguido foi correcto), começou a ficar “financeiramente aflito” porque não recebia dos clientes, mas tendo-lhe ficado a dever “pouca coisa”; a testemunha M……, industrial de torneiras e artigos de pichelaria, fornecedor do arguido, disse, quanto a esta matéria, que tiveram um “bom relacionamento comercial” e não lhe ficou a dever nada; e a testemunha N……., até 1998 gerente do Banco onde a arguida figurava como cliente, referindo embora que o arguido tinha bom nome, era bom cliente, cumpridor, crendo que nada ficou a dever, embora só o conhecendo pelos movimentos bancários, referiu que, em certa altura, houve letras não pagas e que começou a ter dificuldades porque apareceram letras aceites por clientes da C…… não pagas, e que, por vezes, vinham transferências bancárias de pagamentos àquela cujo dinheiro era absorvido pelas letras que, entretanto, iam “caindo”, tendo-se, depois, o banco retraído, mas tendo havido um acordo e crendo que tudo foi pago. Enfim, tratando-se de dono e senhor da Sociedade (o arguido era titular de 2/3 do capital social e a sua esposa – casados no regime de comunhão de adquiridos, conforme fls. 338 – do restante 1/3); sendo indiscutível o nascimento da obrigação de imposto e admitindo o arguido que o dinheiro respectivo não foi entregue ao Estado porque se diluiu no “giro económico” da empresa, não tendo sido apresentada falência ou medida congénere, nem liquidação, antes tendo sido pelo arguido decidida a cessação de actividade no momento e nas condições que livremente decidiu em função dos seus interesses e conveniências; atentos os valores avultados das transacções em causa e consequente capacidade económica cujas dificuldades só se repercutem, afinal de contas, nos pagamentos de impostos; a falta de fundamento credível para os argumentos invocados; a actividade e situação subsequente do arguido (evidentemente, congénere !), concluiu-se, sem margem para qualquer dúvida razoável e em função do que as regras da experiência ensinam em situações similares, que efectivamente o dinheiro do imposto, por diferentes vias (mais ou menos explícitas e com intermediação da estrutura social da arguida), foi embolsado e apropriado (outra explicação razoável e plausível, em face das regras da experiência, não se encontrando para o destino de tanto dinheiro, senão que do mesmo fez, directa ou indirectamente, coisa sua), tratando-se de mais um típico encerramento destinado a ofuscar a real situação e verdadeiros objectivos e a impedir a acção do credor Estado. É que a dimensão (60 trabalhadores) e o volume de negócios da empresa (o arguido fala em mais de cem mil contos só de pretensas dívidas e o valor do IVA aponta para quase outro tanto, para não se falar no lucro tributável apurado e dos fluxos financeiros que naturalmente se presumem …), as margens de lucro praticadas, a área de mercado em causa e o período de prosperidade então nela verificado, afastam qualquer explicação legítima para o não pagamento do imposto ou da sua necessidade para colmatar outras supostas carências. Mesmo quanto aos meses que intercaladamente não surgem mencionados, é curioso que o arguido não comprovou – pelo respectivo documento – o alegado pagamento, resultando patente dos autos que a sua não inclusão se deve não a isso mas a outros motivos que não esse (como acima consta explicado, só foram considerados, para efeitos penais, os períodos em que o Fisco conseguiu, por meio das facturas obtidas da cliente “J…..” comprovar o efectivo pagamento dos serviços facturados e, portanto, o necessário recebimento pelos arguidos do respectivo imposto, pelo que os restantes, ou seja, aqueles relativamente aos quais não foi feita tal prova pela inspecção, só puderam ser, segundo entendimento e opção tomados, considerados para efeitos de contra-ordenação), o que bem demonstra que o seu comportamento reflecte a existência de um único propósito inicial, estrategicamente pensado e projectado, de se furtar, consecutiva e futuramente, à entrega do IVA, independentemente das circunstâncias ocorridas em cada período e em conformidade com uma atitude de revelia e afronta contra o respectivos bens e interesses em causa e não de decisões repetidas ocasionalmente e em função de concretos motivos circunscritos no tempo, que, aliás, não convencem. Quanto à notificação dirigida ao arguido para exibir a sua contabilidade, à não identificação dos seus clientes e alegada intenção de ocultar a sua situação fiscal, e não obstante ele declarar, por um lado, que os identificou, forneceu os elementos e até indicou o seu contabilista, e, por outro, que todos os demais suportes contabilísticos se encontravam num armazém, sito em ……, Vila do Conde, que foi assaltado, vandalizado e de onde os mesmos desapareceram, ficou-se, apenas, com dúvidas, sobre se, de facto, ele se recusou a identificar os seus clientes como meio de obstar à fiscalização, uma vez que a testemunha I…….., ouvida sobre isso, inicialmente hesitou, não foi peremptória (quando estava em posição de o ser) e, instada, acabou por dizer que teve contacto com o contabilista e que o arguido pode ter eventualmente falado noutros clientes mas numa altura em que o estado adiantado da inspecção já não permitia considerá-los, ficando-se sem saber, com a certeza e segurança indispensáveis, apesar de os elementos relativos à “J……” só terem sido obtido junto desta o que indicia dificuldades, se realmente ao arguido foi clara, expressa e formalmente exigido que identificasse concretamente os clientes e qual a sua atitude perante isso. Quanto ao mais, face aos documentos respectivos (acima discriminados) e considerando-se totalmente inverosímil, por descabida e por carência de qualquer prova minimamente credível, a justificação apresentada (assalto), fica-se com a certeza de que efectivamente o arguido, apesar da notificação oficial expressa e por escrito e das advertências dela constantes, se recusou a exibir a sua contabilidade com o óbvio intuito de esconder a sua situação que sabia ser irregular perante o Fisco e de assim obstar ao apuramento dos factos e imputação das consequências, atitude afinal que é consentânea e se insere naquela outra do incumprimento verificado e (em parte) confessado dos deveres fiscais. Com efeito, sendo estranha, desde logo, apesar da sede social da arguida constante dos documentos (Rio Tinto), sua zona de actividade, residência do sócio-gerente e demais conexão especial dos seus interesses, que a documentação estivesse num armazém tão distante (Vila do Conde), é inacreditável que este tenha sido assaltado não só porque se trata de argumento também já conhecido e, por isso, algo “estafado”, mas porque, se tal verdadeiramente acontecesse e dada a consciência da importância do que se lá encontrava e possíveis consequências não só para a actividade da empresa como na, hipótese, praticamente certa, de a contabilidade vir a ser necessária para o Fisco, não teria deixado de haver participação policial (para cuja falta não foi dada qualquer explicação razoável, sendo que o arguido não é pessoa ignorante, ingénua ou leviana) e de serem tomadas medidas que qualquer pessoa medianamente cautelosa e responsável teria tomado junto de clientes, Fisco, etc.. E não é o facto de as testemunhas L….. e M….. virem testemunhar que ouviram dizer (nomeadamente da boca do arguido e mais tarde) que tinha havido um assalto, que abala tal convicção do Tribunal. O primeiro, instado a explicar, disse, apenas, que se teria tratado de “vingança de qualquer coisa”, “desencontro com algum pessoal”, sem nada saber ou ter visto de concreto, acrescentando o segundo que até quis recuperar um expositor desaparecido que lá ficou, mas nenhum deles merecendo qualquer credibilidade, uma vez que nem o arguido adiantou tais explicações, nem estas (tratando-se no dizer do gerente bancário de pessoa cumpridora e inexistindo, segundo o arguido, quaisquer problemas com trabalhadores) se apresentam com mínima verosimelhança. Em suma: é manifesto que o arguido quis furtar-se ao pagamento também do IRC (cuja falta, detectada no sistema informático, foi, aliás, o motivo próximo da fiscalização), atitude inserta na sua estratégia global, que passou pela ocultação da contabilidade, fomento ou complacência no possível (quiçá conveniente !) descontrolo e má gestão (que a testemunha G…… disse ter notado por ocasião da inspecção) e culminou na cessação, sem mais, da actividade e opção por outro projecto de vida, sucedâneo (veja-se, quanto a isto, a actual ocupação do arguido, a forma societária da empresa que administra e o que referiu a testemunha L…… !). Ainda no que concerne ao testemunho de I……, e para além do que já acima dele se destacou, salienta-se que, segundo disse, quando se deslocou à sede da arguida (Rua …..) já esta estava “desactivada” e já se lá encontrava outra empresa, tendo tido um contacto com a pessoa que se lhe apresentou como contabilista (O….., estranhamente não oferecido como testemunha …), nenhuma documentação lhe tendo sido, então, facultada, tendo-lhe sido dito que a não possuíam e sem nenhuma referência ao “assalto” (facto de que, por tão relevante, devia recordar-se se ele fosse verdadeiro e logo, espontaneamente, lhe tivesse sido falado!), motivo por que acabou por contactar a cliente “J…..”, única que pelo Sr. B…… lhe teria sido referida (embora tenha dúvidas se realmente o foi por ele ou não) e seria a principal. Esclareceu, ainda, que, já depois de iniciada ou até de finda a inspecção, o contabilista remeteu algumas declarações periódicas de IVA que estavam em falta (como, aliás, consta do auto de notícia, em relação a Abril e Maio de 1997, e também significa que alguns elementos de contabilidade existiam, o que não se coaduna com a alegada destruição provocada pelo pretenso assalto). Confirmando que a arguida operava na área da construção civil, esclareceu que, já na altura, lhe foram referidas a “situação difícil” e as “dívidas de clientes não recebidas”, embora lhe parecesse que se tratava mais de “descontrolo e má gestão”. Quanto, por último, à vantagem patrimonial em termos de IRC, sendo certo, pelos documentos e pelo que disse a testemunha I……, que foi feito o apuramento alegado e que, para cálculo presumido deste, a arguida não apresentou custos (como para a arguida seria fácil) nem apresentou os “mapas recapitulativos”, não se tem dúvidas sobre a correcção e legalidade do respectivo valor calculado e, bem assim, de que, apesar de nada constar documentado, face a tal valor, às taxas normais de IRC, a arguida obteve vantagem patrimonial de, pelo menos, 7.500 Euros correspondente a imposto não pago, sendo impossível, face ás regras da experiência, que, naquele ramo, face aos movimentos e lucro apurados e volume de negócios e dimensão da empresa (chegou a ter 60 trabalhadores, como disse o arguido), aquele fosse inferior, tanto mais que a arguida não ofereceu quaisquer elementos consideráveis porventura existentes que sequer indiciem tal hipótese. Na apreciação dos factos e decisão sobre os provados e não-provados, teve-se, ainda, em conta, como resulta do regime legal do IVA e se extrai do teor dos próprios documentos juntos, e a despeito de, na acusação, se utilizar, invariavelmente, o termo liquidar, que, nas operações de determinação e pagamento/cobrança de tal imposto esse termo se refere, apenas, ao acto de aplicação pelo sujeito passivo (artº. 2º. CIVA) e sobre o valor tributável de cada acto objecto da sua incidência (artº. 1º.) da taxa ou percentagem legal devida (ou seja, na facturação – cfr. artºs 35º.e 36º., do CIVA), enquanto que para o imposto efectivamente pago pelo beneficiário ou destinatário da transacção e a quem ele é exigível (artºs 7º. e 8º.) se usa o termo recebido, respeitando o dedutível ao valor suportado (ou assim imputado e, portanto, seu crédito) em aquisições e o apurado à diferença entre o liquidado nas operações efectuadas e o dedutível (artº. 19º.e 22º.). Por isso, e dada a importância de precisar facticamente cada momento e realidade, até pela divergência de entendimentos sobre o conceito de vantagem patrimonial que ressalta do teor do auto de notícia (fls. 6 e 7) e do relatório (fls. 369 a 371) e pela importância para a subsunção jurídico-penal que nem sempre é pacífica na Jurisprudência, precisou-se, com mais rigor, cada facto e discriminou-se, no quadro de 2.6, cada situação em concreto. Do cotejo do teor do auto de notícia com o relatório final, designadamente dos mapas de fls. 6 e 7 (ou 17 e 18) com o de fls. 371, constata-se, ainda, que: - enquanto o autuante (testemunha I……) considerou para efeitos criminais, por eventualmente integrantes do crime de abuso de confiança fiscal então previsto no artº. 24º., as quantias de 1.941.229$00, 147.334$00, 1.976.758$00 e 474.678$00, correspondentes à diferença entre o IVA efectiva e comprovadamente recebido (quando este é superior) e o IVA dedutível, relativas aos meses de Outubro/95, Dezembro/95, Janeiro/96 e Fevereiro/96, na medida em que, como se infere do seu parecer, a falta de entrega e correspondente apropriação se traduz, apenas, na diferença não entre o liquidado mas sim entre os valores que teria a receber por já suportados nas suas aquisições e os valores que teria entregar por recebidos dos seus clientes; - a técnica subscritora do parecer final (Drª. H……, dispensada como testemunha) considerou – e o Ministério Público aderiu – que o ilícito criminal se verifica quando o imposto recebido é igual ou superior não ao dedutível mas sim ao apurado, na medida em que, como justifica, “nesses períodos o arguido recebeu dos seus clientes imposto em valor suficiente para proceder ao pagamento”, pois que, em tal situação, a vantagem patrimonial indevida corresponde ao imposto apurado; e, por seu turno, nos “períodos em que o IVA recebido é de montante inferior ao IVA apurado a vantagem corresponde ao valor daquele”, ou seja, ao do IVA efectivamente recebido (ainda que inferior ao apurado), sendo este o caso dos meses de Junho/96, Setembro/96, Abril/97 e Maio/97. Daí que, no quadro constante de 2.6 dos factos provados, retirado da acusação e nesta adoptado em função do parecer técnico-jurídico de fls. 371, se tenham apontado discriminadamente (por relevantes para a subsunção jurídica) os casos em que o IVA em falta resulta do apurado (ou seja, meses em que o recebido foi superior e, apesar disso, aquele não foi entregue aos Cofres) ou do recebido (e que, apesar de inferior ao apurado, também este não foi entregue). Apreciemos, pois, pela ordem por que foram colocadas, as questões que importa conhecer. 1. A primeira questão suscitada pelos recorrentes é a da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que consubstanciaria o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP, sustentando ainda os recorrentes que deveriam ter sido absolvidos com base no princípio in dubio pro reo. Tal questão pressupõe a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. Não obstante, os recorrentes não deram cumprimento ao disposto nos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP, que lhes impõe a obrigação de especificar os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, bem como as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas, por referência aos suportes técnicos, o que implicava a expressa indicação dos específicos pontos da gravação correspondentes aos depoimentos erradamente valorados pelo tribunal de 1ª instância e que reclamavam decisão diversa quanto à matéria de facto. Conforme resulta do confronto da redacção dos nºs 2 e 3 do citado art. 412º, contráriamente ao que sucede com a falta das especificações que devem constar das conclusões, a omissão das especificações previstas no nº 3 nos termos legalmente previstos, isto é, por referência aos suportes técnicos, não implica a rejeição do recurso. Tal omissão tem, no entanto, uma consequência: impede o tribunal de recurso de modificar a decisão proferida relativamente à matéria de facto. É esta, de resto, a interpretação que, na harmonia do sistema, há-de fazer-se da conjugação das normas constantes do art. 412º em confronto com o que dispõe a al. b) do art. 431º. Subsiste, no entanto, a possibilidade de sindicar o provado dentro dos estreitos limites previstos no art. 410º, nº 2, do CPP. Ora, no caso em apreço, não resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a verificação de qualquer dos vícios previstos nas alíneas do nº 2 do art. 410º. Na verdade, os factos dados como provados constituem suporte bastante para a decisão adoptada, não ocorre contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão e não é perceptível qualquer erro na apreciação da prova. De resto, a apreciação da prova produzida em audiência, nos termos consignados na sentença recorrida, tendo presente a proximidade de que dispôs o tribunal de primeira instância relativamente aos intervenientes processuais, que melhor lhe permitiu aquilatar da credibilidade dos seus depoimentos, não merece reparo, mostrando-se concordante com as regras da experiência e com as exigências de certeza e de segurança postuladas pelo conceito de prova em processo penal, sem que se evidencie que a prova tenha sido valorada ou apreciada com erro grosseiro, antes se afigurando equilibradamente observado o disposto no art. 127º do CPP. Assim sendo, e uma vez verificado que o tribunal colectivo formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com pleno respeito pelos princípios que disciplinam a prova, sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento, no caso, a invocação do princípio in dubio pro reo que, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio in dubio pro reo afirma-se como um princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal [Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, pág. 213, Ed. de 1974]. No caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação do acórdão, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente os elementos que serviram para fundar a convicção do tribunal. O princípio in dubio pro reo vem esgrimido pelo arguido em sede de recurso fora do contexto fáctico apurado e sem o suporte de elementos que comprovem a sua violação. No fundo, o que o arguido sustenta é que deveria ter sido outro o quadro factual provado. Só que esse posicionamento encontra-se totalmente à margem do condicionalismo legal. Como bem refere o Exmº Procurador Geral Adjunto no seu Parecer, a violação do princípio in dubio pro reo tem vindo a ser tratada pelo STJ como erro notório na apreciação da prova [Cfr. o Ac. do STJ de 24 de Março de 1999, in “Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, ano VII, tomo 1, pág. 247 e ss], como previsto no art. 410º, nº 2, al. c), do CPP. Só que esse erro notório não reside na desconformidade entre a decisão de facto assumida pelo julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente - carecendo esta última de qualquer relevância jurídica - verificando-se apenas quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resultar da motivação invocada uma conclusão diversa da que foi extraída pelo tribunal recorrido na fixação da matéria de facto. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo apenas poderia ser afirmada se, face aos factos que a 1ª instância teve como provados e aos respectivos fundamentos, se evidenciasse que, na dúvida, o tribunal recorrido tinha optado por decidir contra o arguido. O que é certo, no entanto, é que a decisão sobre a matéria de facto se encontra exemplarmente motivada, por referência às provas que fundamentaram a convicção do tribunal, efectuando a sua análise crítica com respeito pelas regras da experiência comum. Nesta medida, a matéria de facto tem de considerar-se defenitivamente assente. 2. A questão seguinte, segundo a ordem que acima enunciámos, consiste em verificar se apenas relativamente aos períodos correspondentes aos meses de Outubro e Dezembro de 1995 e aos meses de Janeiro e Fevereiro de 1996 se poderá considerar a existência de crime de abuso de confiança fiscal, havendo relativamente aos demais períodos considerados uma mera contra-ordenação prevista no art. 29º do RJIFNA. Sustentam os recorrentes que o Tribunal “a quo” aderiu e deu como provada na integra a acusação que foi formulada pelo Ministério Público, a qual mais não é do que a transcrição quase integral do parecer técnico junto a fls. 363 dos autos, elaborado por Técnica da Administração Fiscal, que está em notória oposição com o Auto de Notícia junto a fls. 3 e segs. dos autos, elaborado pelo Inspector Tributário que efectuou a acção inspectiva, o qual se concebe como o correcto e de acordo com a lei, a qual configura e tipifica apenas como crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 24º do RJIFNA, a não entrega do IVA recebido nos meses de Outubro de 1995, Dezembro de 1995, Janeiro e Fevereiro de 1996, considerando todos os demais meses integrados na contra-ordenação, p. e p. pelo art. 29º do RJIFNA. A questão, tal como vem colocada pelos recorrentes, desdobra-se numa dupla vertente, implicando, por um lado, a determinação da fronteira entre crime e contraordenação, no que respeita ao campo de aplicação dos arts. 24º e 29º do RGIFNA; e, por outro lado, a questão de saber qual o valor que releva para a verificação do tipo criminal em questão - abuso de confiança fiscal. Como refere Nuno de Sá Gomes [“Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal”, 2ª Ed., pág. 261], “este crime de abuso de confiança fiscal é um crime fiscal especial que corresponde, com alterações, ao tipo de crime comum de abuso de confiança previsto e punido no art. 300º do Código Penal de 1982, na redacção inicial, e no art. 205º, na redacção actual, dada pelo DL nº 48/95, de 15/3”. A verificação do crime tem subjacente a exigência de que se trate de impostos efectivamente retidos ou deduzidos pelo agente da infracção e só se consuma com a apropriação, total ou parcial, da prestação tributária. É, de resto, o que expressamente resulta do nº 1 do art. 24º do RJIFNA. Dispunha o Art. 24º, nº 1, do RJIFNA, na redacção introduzida pelo DL nº 394/93, que Quem se apropriar, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar ao credor tributário será punido com pena de prisão até três anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta nem superior ao dobro sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido. Por seu turno, o nº 2 dispunha que Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja. O nº 4 estabelecia que Se, no caso previsto nos números anteriores a entrega não efectuada for inferior a 250.000$00, o agente será punido com multa até 120 dias. Para os casos em que a entrega não efectuada fosse superior a 5.000.000$00, previa o nº 5 que (…) o crime será punido com prisão de um até cinco anos. De todo o modo, relativamente a todas as situações referidas e por força do disposto no nº 6, a instauração do procedimento criminal só podia ter lugar desde que (…) decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação. Por seu turno, o art. 29º daquele diploma, que tem como título «Falta de entrega de prestação tributária», previa, no seu nº 1, que À não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ao credor tributário da prestação tributária deduzida nos termos da lei será aplicável coima variável entre o valor da prestação em falta e o dobro da mesma, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido. Para a actuação negligente, dispunha o nº 2 que Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido. Da interpretação conjugada destes dispositivos legais resulta, em síntese, o seguinte: - A verificação do crime de abuso de confiança fiscal, no âmbito do RGIFNA, no domínio da vigência do DL nº 394/93, tinha como pressuposto a apropriação, total ou parcial, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que o agente estava legalmente obrigado a entregar ao credor tributário (nº 1 do art. 24º); - Para este efeito, era também considerada prestação tributária a que tivesse sido deduzida por conta daquela, bem como a que tendo sido recebida, devesse ser liquidada, nos casos legalmente previstos (nº 2 do art. 24º); - A instauração do procedimento criminal só podia ter lugar desde que decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação (nº 6 do art. 24º); - No entanto, a simples não entrega, total ou parcial, por um período que não excedesse 90 dias era já punida como mera contraordenação (art. 29º, nº 1). - E era ainda punida como contraordenação, ainda que o período de não entrega ultrapassasse os 90 dias, se a conduta fosse imputável ao agente a título de negligência (nº 2 do art. 29º). Ora, dúvidas não há de que o recorrente, único sócio-gerente da “C….., Ldª”, efectuou vendas regularmente, emitiu as respectivas facturas e procedeu, como lhe competia, à liquidação do IVA sobre os serviços fixados, tendo remetido mensalmente à administração fiscal as declarações periódicas a que estava obrigado, das quais constava o IVA apurado. Não enviou, no entanto, o respectivo meio de pagamento no prazo previsto, nem o fez ulteriormente, nos noventa dias subsequentes ao termo do prazo legal. Não obstante, e conforme resulta do quadro constante da matéria de facto provada (ponto 2.6), na generalidade dos períodos mensais abrangidos por aquele quadro, a recorrente recebeu IVA de valor superior ao apurado, dispondo assim a empresa de meios financeiros para satisfazer as suas obrigações fiscais. Apenas nos períodos correspondentes aos meses de Junho e Setembro de 1996, e Abril e Maio de 1997, recebeu IVA inferior ao apurado, que também não entregou. Provado está também que os arguidos não entregaram nos cofres do Estado o montante global de 17.905.952$00 (ou 89.314,51 €), respeitante a IVA recebido ou apurado, obtendo assim uma vantagem patrimonial indevida à custa do Estado correspondente a esse montante, o que ocorreu conforme propósito conseguido, que o arguido formulou, de se apropriar de tais quantias. Dada a específica natureza do IVA, tal quantia não corresponde a custos suportados pela C….., mas sim a custos suportados pelos adquirentes dos serviços prestados por esta empresa. Com efeito, o IVA incide sobre as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas em território nacional a título oneroso, sendo devido e tornando-se exigível, nas transmissões de bens, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente e nas prestações de serviços, no momento da sua prestação. Sobre o sujeito passivo, enquanto transmitente de bens ou prestador de serviços, recai o dever legal de liquidar o imposto à pessoa ou entidade com quem negoceia e esta, por seu turno, deve pagá-lo. Nesta medida, o sujeito passivo funciona como intermediário na cobrança do imposto devido ao Estado, imposto que lhe foi pago a si, mas que tem o dever de entregar ao Estado. Ou seja, ao deixar de entregar ao Estado o IVA que recebeu, a C…… apropriou-se de quantias que lhe não pertenciam e que lhe foram entregues apenas para que, por seu turno, as entregasse ao credor fiscal. Ao deixarem de entregar ao estado as quantias que receberam a título de IVA com o intuito de delas se apropriarem, os arguidos cometeram o crime de abuso de confiança fiscal, que se consumou 90 dias após a data limite para o cumprimento da obrigação de entrega. Como é sabido, o IVA suportado pelos sujeitos passivos nas aquisições por si efectuadas é repercutível, na medida em que ao procederem à venda de bens ou serviços, os agentes económicos têm obrigação de liquidar o IVA devido pelo respectivo adquirente, fazendo-o constar da factura emitida. Este IVA será pago pelo adquirente dos bens ou serviços e destina-se a ser entregue ao Estado pelo agente económico que o recebeu. A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, sendo aplicada a taxa do IVA em vigor ao valor global das transacções efectuadas pela empresa no período a que se reporta a declaração. Ao montante assim obtido, deduz-se o imposto por ela suportado nas compras efectuadas no mesmo período. O resultado corresponde ao montante de imposto que haverá que entregar ao Estado, ou seja, ao imposto apurado pelo sujeito passivo. Em conclusão, o crime de abuso de confiança fiscal verifica-se quando o imposto recebido pelo sujeito passivo é igual ou superior ao IVA apurado (e não ao IVA dedutível) e ainda assim não é entregue, pois que nessa situação o agente recebeu dos agentes económicos que consigo negociaram imposto para proceder ao pagamento devido ao Estado e, não obstante, não cumpre a obrigação de entrega, invertendo o título de posse e passando a fruir o montante correspondente ao imposto em falta “animo domini”. Revertendo ao caso dos autos à luz destas considerações, dúvidas não há relativamente à justeza da solução encontrada no acórdão sob recurso, quer no que respeita aos montantes e períodos considerados, quer no que concerne à natureza continuada do crime de abuso de confiança fiscal. Na verdade, assente que está a matéria de facto, nos termos supra referidos, e tendo-se provado que as falta de entrega do imposto ocorreram entre Outubro de 1995 e Maio de 1997, que “o arguido tinha perfeito conhecimento que os montantes de IVA apurados e recebidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues, mas, apesar disso, não procedeu a tal entrega, tendo, assim, obtido uma vantagem patrimonial indevida à custa do Estado correspondente ao montante referido em 2.6, conforme propósito, conseguido, que formulou, desde o início, de se apropriar das ditas importâncias” (2.10.), e que “(…) agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas repetidas condutas proibidas e punidas” (2.11.), o facto de não se ter demonstrado a existência de apropriação de valores relativamente aos meses de Maio, Agosto, Novembro e Dezembro de 1996 e Fevereiro e Março de 1997 não retira sentido à valoração unificada da conduta do arguido. É patente a continuidade da conduta adoptada, havendo que considerar o conjunto das apropriações de prestações tributárias como unificadas, tendo na sua génese uma só resolução criminosa, com reflexos numa reiteração de condutas, que se vêm a traduzir numa realização plúrima do mesmo tipo de crime, executado por forma essencialmente homogénea, através de actos unificados por uma grande proximidade temporal e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior. A reiteração da conduta e a facilidade da sua execução repetida são de molde a diminuir a resistência à necessidade de actuar de acordo com os ditâmes legais, tendo a virtualidade de diminuir considerávelmente a culpa do agente. Estamos, pois, no domínio da continuação criminosa, conclusão cuja bondade não é afectada pelo requerimento de regularização de dívidas ao abrigo do Dec.Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, que veio a ser deferido e no âmbito do qual a requerente apenas pagou a primeira prestação, no montante de Esc. 136.771$00 (de IVA), o que determinou, aliás, a sua exclusão do âmbito do regime de pagamento em prestações previsto naquele diploma legal. Sobre a punibilidade do crime continuado rege o art. 79º do Código Penal, implicando a imposição da pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação. No caso vertente e dada a natureza do crime em análise, o critério da gravidade da conduta é incindível do valor das prestações apropriadas, sendo mais grave a conduta que consistiu na apropriação da prestação de maior valor, a saber, a correspondente ao IVA do mês de Outubro de 1995. 3. Os arguidos invocam, relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal, a prescrição do procedimento criminal. Vejamos se assim é: Relativamente ao momento da infracção fiscal, visto o disposto nos arts. 3º do Código Penal e 5º do RJIFNA, o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido. Tratando-se de omissão de dever fiscal, serão as datas limite para o cumprimento do dever fiscal a fazer nascer a responsabilidade penal pelos ilícitos correspondentes. A prescrição do procedimento criminal tem lugar logo que sobre a prática do crime sejam decorridos cinco anos (art. 15º, nº 1, do RJIFNA e art. 21º, nº 1, do RGIT). O prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado. Tratando-se de crime continuado, só corre, no entanto, desde o dia da prática do último acto (art. 119º, nº 2, b), do Código Penal). A C….. estava abrangida pelo regime de periodicidade mensal, recaindo sobre si a obrigação de remeter a declaração de IVA correspondente ao período, acompanhada do respectivo meio de pagamento, até ao dia 20 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações (art. 26º do CIVA - redacção da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março). No entanto, para a instauração do procedimento criminal, no caso, era necessário que sobre o termo do prazo legal para a entrega da prestação tivessem decorrido 90 dias. Assim sendo, como o último período a considerar é o correspondente ao mês de Maio de 1997, o crime consumou-se em 20 de Julho de 1997. Por força do disposto no art. 120º, nº 1, do Código Penal (caso especialmente previsto na lei), o prazo suspendeu-se por 90 dias. Ou seja, apenas começou a correr em 18 de Outubro de 1997. Tendo o recorrente sido constituído arguido em 25 de Julho de 2002, interrompeu-se, nessa data, a prescrição do procedimento criminal. Após a interrupção, começou a correr novo prazo de prescrição (art. 121º, nº 2, do Código Penal), que foi interrompida com a notificação da acusação, 5 dias após a data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal (16/04/04), ou seja, em 21 de Abril de 2004 (art. 113º, nº 3, do CPP), suspendendo-se nessa data (art. 120º, nº 1, b), do Código Penal). Ou seja, e em conclusão: não ocorreu prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal. 4. Questão seguinte: estará prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de fraude fiscal ? Os recorrentes sustentam que sim e nesse entendimento são acompanhados pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, com base, essencialmente, no facto de a fiscalização se ter iniciado em data em que havia já caducado o direito à liquidação pela administração fiscal do IRC relativo ao ano de 1997. Vejamos, pois, se lhes assiste razão: Assente que o regime penal mais favorável relativamente ao crime de fraude fiscal é o previsto no RGIT (constatação que não foi, aliás, questionada em sede de recurso), atentemos na letra do respectivo art. 103º: 1. Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal específicamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam se revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 2. Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 7500. 3. Para efeitos dos disposto nos números anteriores os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária. Ou seja, constituem fraude fiscal as condutas tipificadas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 103º do RGIT (ocultação de factos ou valores fiscalmente relevantes ou celebração de negócio simulado) que sejam pré-ordenadas à não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou à obtenção de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição de receitas tributárias. Ora, há que convir que os factos descritos na acusação tendentes à imputação deste crime aos arguidos pecavam por insuficiência, na medida em que dessa peça processual, com relevo para o caso, constava apenas o seguinte: (…) Aquando da acção inspectiva foi o arguido notificado para exibir a contabilidade da “C……”, referente aos exercícios de 1996 e 1997, o que não fez. Para além disso, não identificou os seus clientes obstando, assim, a que a administração fiscal pudesse recolher junto deles os necessários elementos de prova. Com recurso a métodos indirectos, apurou a administração fiscal que o lucro tributável referente ao ano de 1997 foi de esc. 39.288.281$00 ou € 195.969,11. O comportamento do arguido durante a acção inspectiva teve em vista ocultar a sua real situação fiscal e impedir o técnico de recolher os necessários elementos que lhe permitissem apurar quais os impostos e montantes em dívida. (…) Como é óbvio, o tipo abstractamente configurado na norma legal carece de concretização, de factualização, para que seja possível, em concreto, a imputação do crime. A mera ocultação de factos ou valores é apenas um dos elementos do crime de fraude fiscal. Para a verificação deste ilícito não basta que se diga que o arguido não exibiu a contabilidade e não identificou os clientes, ou que a sua conduta teve em vista ocultar a sua real situação fiscal e impedir a recolha de elementos que permitam apurar os impostos e montantes em dívida. No mínimo, seria necessário identificar qual ou quais os impostos em causa. Também a mera referência ao apuramento do lucro tributável por métodos indirectos é insuficiente para o efeito visado na acusação. Face ao teor donº 2 do art. 103º do RGIT, seria necessário que a acusação indicasse expressamente que o arguido visava obter vantagem patrimonial ilegítima não inferior a € 7500. Essa insuficiência da acusação veio a ser válidamente suprida na fixação da matéria de facto, tendo sido cumprido o formalismo relativo à alteração não substancial de factos, conforme resulta da acta de audiência. Questão que importa, no entanto, esclarecer, com vista à apreciação da invocada prescrição, é a do momento da consumação do crime. Já antes referimos que a ocultação de factos ou valores é apenas um dos elementos do crime de fraude fiscal, que não se esgota nessa actuação. Acrescentaremos agora que tal ocultação não coincide necessáriamente - aliás, em princípio, não coincidirá - com a recusa de exibição de elementos de escrita à administração fiscal em acção de fiscalização. Tal recusa nesse momento não constituirá, normalmente, o elemento ocultação, mas mero indício da sua verificação, e isto porque a ocultação enquanto elemento constitutivo do crime não tem lugar no momento da fiscalização, mas sim no momento em que os factos ocultados, devendo ter sido revelados à administração fiscal, o não foram. É o que resulta, aliás, do nº 2 do art. 5º do RGIT: As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários. Razão pela qual se discorda do douto acórdão recorrido, quando refere que o crime do art. 23º do RGIFNA se consumou no dia 7 de Maio de 2001, data em que o arguido não apresentou os livros e documentos de contabilidade para que fora notificado. Na verdade, e face ao disposto no art. 5º, nº 2, do RGIT e à luz do art. 112º, nº 1, do CIRC, o crime do art. 23º do RJIFNA, enquanto reportado à ocultação de factos ou valores que deveriam ter constado da declaração periódica de rendimentos referente ao ano de 1997, consumou-se no último dia do mês de Maio de 1998, por ser essa a data em que terminou o prazo para o cumprimento do correspondente dever tributário. Dispõe o nº 1 do art. 45º da Lei Geral Tributária (DL nº 398/98, de 17 de Dezembro): O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for válidamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. Por seu turno, estipula o nº 2 do mesmo artigo: Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de 3 anos. Quanto à contagem do prazo, dispõe o nº 4: O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (…) O art. 21º do RGIT dispõe, no seu nº 3, que O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. Com base nas normas transcritas, entendem os arguidos que o procedimento criminal pelo crime de fraude fiscal se encontra prescrito. Ora, não se põe em causa que o IRC seja um imposto periódico, na medida em que a relação jurídica fonte da obrigação de imposto tem na base situações estáveis, situações que se prolongam no tempo, dando origem a obrigações periódicas e que se renovam todos os anos [Cfr. o Ac. do STA de 2/11/2005, in www.dgsi.pt, nº convencional JSTA00062579], pelo que relativamente à caducidade do direito de liquidar este imposto rege inequívocamente o art. 45º, nº 4, da Lei Geral Tributária. Esta constatação não colide, no entanto, com a verificação do crime de fraude fiscal de que vimos tratando nem com o respectivo prazo de prescrição. Na verdade, as normas citadas pelo recorrente em abono da tese que sustenta e que acima transcrevemos regem sobre o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos e sobre a prescrição do procedimento criminal relativamente a infracções que dependam da liquidação. Não é esse o caso sub judice. A verificação do crime de que vimos tratando não depende da liquidação do IRC. Como já se referiu supra, o crime em apreço consumou-se com a ocultação de factos ou valores que deveriam ter constado da declaração periódica de rendimentos referente ao ano de 1997, no último dia do mês de Maio de 1998, por ser essa a data em que terminou o prazo para o cumprimento do correspondente dever tributário, o que supõe necessáriamente a inexistência de liquidação na data da consumação do crime, pois os factos ocultados à administração fiscal são precisamente aqueles que seriam usados para a liquidação. Ou seja, no caso em apreço, a verificação do crime não só não depende da liquidação como necessáriamente a precede. Aliás, a admitir-se que a verificação do crime dependeria, no caso, da liquidação do imposto, lever-nos-ia necessáriamente à conclusão de que, na medida em que ainda não houve liquidação, como bem referem os recorrentes, o crime ainda se não teria consumado. Atenta a data da consumação do crime e revertendo para o que já antes se referiu a propósito da prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal, resulta manifesto não ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de fraude fiscal. Sustentam ainda os recorrentes que o tribunal a quo não podia dar como provado, como deu, que a vantagem patrimonial dos arguidos em sede de IRC seja superior a €: 7.500,00, seja porque não levou em conta custos financeiros, prejuízos fiscais e custos com pagamento de salários aos trabalhadores e outros, seja porque a liquidação do montante do imposto é elemento essencial para a determinação de ser ou não facto punível. A referência nos termos em que é feita pelos recorrentes, a propósito desta questão, ao disposto no art. 127º do CPP, parece traduzir a ideia de que o tribunal recorrido fixou o facto correspondente ao valor mínimo com relevância penal exclusivamene com base na sua livre convicção. No entanto, nada, na fundamentação do julgado em matéria de facto, permite retirar essa conclusão. Bem pelo contrário, aquela conclusão do tribunal mostra-se devidamente alicerçada na prova produzida em audiência, tendo-se consignado que «Quanto, por último, à vantagem patrimonial em termos de IRC, sendo certo, pelos documentos e pelo que disse a testemunha I……, que foi feito o apuramento alegado e que, para cálculo presumido deste, a arguida não apresentou custos (como para a arguida seria fácil) nem apresentou os “mapas recapitulativos”, não se tem dúvidas sobre a correcção e legalidade do respectivo valor calculado e, bem assim, de que, apesar de nada constar documentado, face a tal valor, às taxas normais de IRC, a arguida obteve vantagem patrimonial de, pelo menos, 7.500 Euros correspondente a imposto não pago, sendo impossível, face ás regras da experiência, que, naquele ramo, face aos movimentos e lucro apurados e volume de negócios e dimensão da empresa (chegou a ter 60 trabalhadores, como disse o arguido), aquele fosse inferior, tanto mais que a arguida não ofereceu quaisquer elementos consideráveis porventura existentes que sequer indiciem tal hipótese», acrescentando-se ainda, em nota de rodapé, que «o mapa recapitulativo identifica os sujeitos passivos clientes e deve conter o montante total das operações internas realizadas com cada um deles no ano anterior – artº. 28º., nº.1, alínea e), do CIVA, sendo documento ao alcance dos arguidos e que estes deviam fazer valer, apresentando-o também, para ser considerado nos cálculos levados a cabo, não podendo agora queixar-se da sua não consideração no apuramento do lucro tributável», donde se conclui linearmente que aquela conclusão do tribunal não é fruto de mero arbítrio, mas da legítima valoração, à luz das regras da experiência e da livre convicção do julgador, da prova produzida em audiência e da constante dos autos, em pleno respeito pelo princípio da legalidade da prova consagrado no art. 125º do CPP. Reitera-se, pois, para encerrar a apreciação desta questão, que não é correcta a afirmação dos recorrentes, de que “a liquidação do montante do imposto é elemento essencial para a determinação de ser ou não facto punível”. Essencial, face ao disposto no art. 103º, nº 2, do RGIT, não é a liquidação, que poderá até nem existir, mas a determinação da vantagem patrimonial ilegítima. Na verdade, a liquidação, nos casos de ocultação ou alteração de factos ou valores, valerá apenas com carácter indiciário, visto que será efectuada com base no método indiciário. A utilização de métodos indiciários, a título sancionatório, na determinação dos lucros comerciais, indústriais e agrícolas, tem expressa previsão nos casos em que a declaração seja tida por inverídica ou incontrolável, em casos de falsa declaração, de inexistência de contabilidade, recusa de exibição de escrita ou sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação, o mesmo sucedendo em matéria de IVA. Trata-se de uma reacção legal a situações anómalas imputáveis ao próprio contribuinte, pelo que a respectiva aplicação não viola os princípios da generalidade da tributação e da capacidade contributiva, pois que nessas situações o estado só não tributa o rendimento real por factos imputáveis ao próprio contribuinte [Cfr. Nuno de Sá Gomes, ob. cit., págs. 54/55]. Daí não se segue, no entanto, que seja lícito, com base apenas nos valores assim determinados, perseguir criminalmente o contribuinte relapso. Os valores determinados por recurso a método indiciário não têm outra relevância que não seja a determinação, com carácter sancionatório fiscal, do montante devido pelo contribuinte à fazenda nacional, podendo este ser executado por esse montante se o não pagar voluntáriamente. O que não pode, sob pena de inconstitucionalidade, é perseguir-se criminalmente o contribuinte com base na presunção em que se vem a traduzir a utilização do método indiciário [Cfr. Nuno de Sá Gomes, idem, pág. 262 e nota de rodapé]. 5. Por fim, vem questionada a imposição de pena de prisão ao recorrente, ainda que suspensa na sua execução e condicionada ao pagamento do valor em dívida ao fisco, pugnando o recorrente pela sua substituição por uma pena de multa. Uma das finalidades das penas apontadas pelo art. 40º, nº 1, do Código Penal é a protecção dos bens jurídicos, que se alcança através da realização das finalidades de prevenção, geral e especial. E são, precisamente, razões de prevenção, que necessáriamente hão-de presidir à escolha da pena, nos termos previstos no art. 70º do mesmo diploma. Com efeito, “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação” [Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, pág. 331], escolha que dependerá essencialmente de considerações atinentes às necessidades de prevenção especial de ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade». As necessidades de prevenção, impositivas da opção pela pena de prisão, em prejuízo da pena não detentiva por excelência, a pena de multa, estão bem explicitadas na sentença recorrida. O tribunal ponderou as acentuadas exigências de prevenção geral negativa, em função do aumento deste tipo de criminalidade, a exigir a intimidação de potenciais delinquentes e as necessidades de prevenção especial positiva, decorrentes da reiterada conduta do arguido. À luz do factualismo apurado, dos valores abrangidos pela actuação criminosa do arguido e das fortíssimas exigências de prevenção especial, só por absurdo se poderá afirmar que a pena não detentiva satisfaz as necessidades de prevenção do caso concreto. A opção pela pena de prisão foi acertada e nenhum reparo merece a sua quantificação, quer nas penas parcelares, quer relativamente à pena única, que se revelam ajustadas à medida da culpa, estando igualmente justificada com pertinência a suspensão da sua execução, subordinada ao pagamento ao Estado dos impostos em dívida e dos acréscimos legais. III - DISPOSITIVO: Termos em que se nega provimento ao recurso, confirmando-se o Douto acórdão recorrido. Cada um dos recorrentes pagará 14 UC de taxa de justiça. *Porto, 05 de Abril de 2006 * Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob José Joaquim Aniceto Piedade Joaquim Rodrigues Dias Cabral Arlindo Manuel Teixeira Pinto |