Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0714788
Nº Convencional: JTRP00040987
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA
CONDENAÇÃO NO PEDIDO
Nº do Documento: RP200801210714788
Data do Acordão: 01/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 98 - FLS 148.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 328º, 2 do CPC se o chamado não intervier, a sentença só constitui, quanto a ele, caso julgado, nos casos do n.º 2 do art. 325º, ou seja, nos casos de chamamento de terceiro, na qualidade de réu, no caso de dúvida fundamentada sobre o real sujeito passivo da relação jurídica material controvertida.
II - Do exposto resulta que o Tribunal, chamado a apreciar a relação jurídica material controvertida, fá-lo-á tendo também em atenção o pedido formulado contra o interveniente em via subsidiária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B………. instaurou no Tribunal do Trabalho de Bragança contra C………., Lda., acção emergente de contrato de trabalho pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a) a indemnização por despedimento sem justa causa, ou, em alternativa a reintegrá-la; b) a quantia de € 5.000,00 por danos não patrimoniais; c) as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento; d) os juros à taxa legal, sobre as quantias peticionadas e desde a data do seu vencimento; subsidiariamente pede a Autora a condenação da Ré e) a reconhecer a existência de um contrato de trabalho celebrado entre ela e a Autora; f) a pagar-lhe as retribuições devidas desde Novembro de 2005, a liquidar posteriormente, e os juros legais; g) a dar à Autora ocupação efectiva correspondente à sua categoria profissional de recepcionista no D………., seu local de trabalho.
Alega a Autora que no mês de Março de 2005 foi contratada pela Ré para trabalhar no D………., em Mirandela, para exercer as funções de recepcionista, sendo certo que no dia 20.10.2005 foi impedida de trabalhar com o fundamento de que não era trabalhadora da Ré.
A Ré contestou alegando a inexistência de qualquer contrato de trabalho entre ela e a Autora. Mais alegou que a existir qualquer relação laboral ela foi estabelecida entre a Autora e um tal E………., com quem a Ré celebrou um contrato de cessão de exploração do D………. . Conclui, assim, pela improcedência da acção.
A Autora veio responder requerendo, ao abrigo dos arts. 325º e 31º-B do C.P.C., a intervenção provocada de E………. alegando, em suma, que o chamado interveio na relação laboral ou como representante legal da Ré, ou então, em nome individual. Conclui, deste modo, pedindo a citação do chamado já que contra ele pretende dirigir também o pedido que deduziu contra a Ré.
A intervenção foi admitida e o chamado foi citado, não tendo apresentado qualquer defesa ou de qualquer modo intervido nos autos.
No despacho saneador foi julgado improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da Ré. Procedeu-se a julgamento com gravação da prova, consignou-se a matéria dada como provada e foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré e o interveniente dos pedidos formulados pela Autora.
A Autora veio recorrer da sentença, na parte em que absolveu o interveniente dos pedidos, formulando as seguintes conclusões:
1. Os factos provados não contendem ou dificultam a condenação do chamado, que citado não contestou.
2. Aliás, toda a sentença confirma e afirma que afinal o contrato de trabalho era com o chamado E………. .
3. Por outro lado os factos provados são suficientes para condenar o chamado, e isto porque a Autora dirigiu os pedidos contra ele e este apesar de citado, nada disse nem contestou.
4. A Autora formulou pedido subsidiário: o reconhecimento da existência de contrato de trabalho, e a pagar-lhe todas as retribuições, direitos e regalias em dívida e que se apurarem em liquidação, tudo desde Novembro de 2005 e até integral pagamento, ocupação efectiva, local de trabalho e horário contratado.
5. Ora, se o Tribunal não tinha elementos para condenar no despedimento e consequências, tinha elementos para prover ao pedido subsidiário.
6. A sentença recorrida violou o disposto nos arts.10º do C. do Trabalho e 325º nº1, 327º nºs.1 e 2 e 328º nº2 al.b) do C.P.C..
A Ré contra alegou pugnado pela manutenção da decisão recorrida.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Matéria dada como provada e a ter em conta no presente recurso.
1. A Ré é uma sociedade por quotas que tem como objecto social a instalação e exploração de alojamentos, pousadas turísticas com anexação de parques, restaurantes e piscinas com serventia ou não de água quente de origem vulcânica.
2. Os sócios da sociedade são E………., com uma quota de € 22.800,00, F………., com uma quota de € 3.600,00, G………., H………., I………. e J………., estes com uma quota de € 900,00 cada um, tendo a sociedade sofrido, ao nível da gerência e sócios, as vicissitudes registadas na Conservatória do Registo Comercial de Chaves e constantes do documento junto aos autos a fls.18 a 23.
3. No âmbito da sua actividade a Ré celebrou diversos contratos de cessão de exploração de diversos hotéis em Trás-os-Montes.
4. A Ré celebrou com E………. e mulher um contrato de cessão de exploração para cada um dos hotéis de que são proprietários, ou seja, D………. sito em Mirandela, K………. sito em Chaves e L………. sito em Bragança.
5. Em meados de Junho de 2005 a Autora recebeu a carta cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 15 e 16, assinada por F………. e I………., na qualidade de gerentes da Ré.
6. A Autora iniciou a prestação do seu trabalho no D………. em Mirandela no início do mês de Março de 2005, exercendo as funções de recepcionista, trabalho que efectuou, à semelhança de outros trabalhadores que ali prestavam serviço, sob as ordens, direcção e fiscalização de E………., por si ou por intermédio de M………. .
7. A Autora cumpria o horário de trabalho estipulado por E………. .
8. A Autora auferia a retribuição mensal de base de € 383,50, acrescida de subsídio de alimentação mensal de € 83,50, sendo o seu salário depositado em numerário na sua conta bancária com o nº ………. do N………., balcão de Mirandela e tendo-lhe sido entregues a título de recibos os documentos que constam de fls.10 a 12.
9. A Autora foi inscrita na Segurança Social no regime de trabalhadores por conta de outrem, com efeitos a partir de 2-5-2005, tendo-lhe sido atribuído o número de identificação ……….. .
10. Não foram liquidadas pela Ré ou por outrem, quaisquer contribuições respeitantes à retribuição auferida pela Autora.
11. Em meados de Outubro de 2005 a Autora foi impedida de entrar no D………. pelos respectivos seguranças, alegando estes que a gerência da Ré não autorizava a sua entrada.
12. Por essa ocasião, E………., na qualidade de gerente da Ré, comunicou pessoalmente à Autora que esta não era funcionária da sociedade Ré e que, por isso, não podia prestar serviços para a empresa, pelo que deveria sair do Hotel.
13. A Autora retorquiu àquele “despeça-me, então” ao que o mesmo respondeu que não a podia despedir porque não era funcionária da empresa.
14. A Autora apresentou-se ao serviço nos dias seguintes, mas foi sempre impedida de entrar nas instalações do Hotel pelos respectivos seguranças.
15. Por causa dos factos descritos em 11 a 14 a Autora andou nervosa, aflita e deprimida.
16. O interveniente E………., contra a vontade da Ré, tomou para si a exploração do D………., impedindo os demais gerentes e sócios da Ré, designadamente E………., F………., G………. e I………., de aí entrarem e permanecerem, desde, sensivelmente, inícios de Junho de 2004 até finais de Outubro de 2005, data em que estes conseguiram reaver a exploração do aludido Hotel.
17. Durante esse período o interveniente E………., impediu os sócios e gerentes referidos em 16 de explorar o D………., de auferir as receitas, de organizar, determinar e controlar as actividades e produtos comercializados, de contratar, organizar, definir e fiscalizar as funções e categorias das diversas pessoas que aí desempenharam funções nesse período, desconhecendo aqueles todas as actividades aí desenvolvidas e a sua organização e fiscalização.
18. O interveniente E………. apropriou-se de, e fez suas, todas as receitas provenientes da exploração do D………., depositando-as nas suas contas bancárias particulares.
19. Durante o período referido em 16 o interveniente E………. organizou como entendeu toda a unidade produtiva do D………., auferindo as respectivas receitas, contratando e despedindo quem bem entendeu, dando ordens, definindo funções, organizando o trabalho e fiscalizando a sua execução como bem entendeu, bem como pagou as retribuições de todo o pessoal a desempenhar funções no referido estabelecimento, incluindo a Autora, com dinheiro proveniente das suas contas pessoais.
20. Todos os contratos de trabalho celebrados pela Ré antes de Julho de 2004 foram sempre reduzidos a escrito e assinados conjuntamente com dois sócios gerentes, encontrando-se arquivados na sede da Ré, em Chaves.
21. A Autora e a Ré não subscreveram qualquer contrato de trabalho escrito.
22. Os sócios e gerentes da Ré referidos em 16, em nome desta, quando tomaram conhecimento de que a Autora havia sido inscrita na Segurança Social como trabalhadora da Ré de imediato informou a Segurança Social de que a Autora não era sua trabalhadora e enviaram à Autora a carta referida em 5.
23. Os sócios gerentes da Ré referidos em 16 nunca pagaram à Autora qualquer subsídio de férias ou de natal, nem com esta acordaram a marcação e gozo de quaisquer férias, nem lhe determinaram o horário de trabalho, a sua categoria ou funções, assim como nunca controlaram a sua assiduidade através de cartão de ponto, como sucedia com os seus funcionários até Junho de 2004 e após Outubro de 2005 e nunca lhe deram quaisquer ordens ou definiram quaisquer tarefas.
24. Os referidos sócios e gerentes da Ré nunca deram quaisquer instruções à Autora ou lhe forneceram quaisquer informações sobre os programas informáticos específicos que a Ré possui e com os quais labora.
25. Os recibos de vencimento juntos aos autos a fls.10 a 12 foram mandados emitir pelo interveniente E……….., sem conhecimento dos sócios e gerentes da Ré, não correspondendo estes ao tipo de recibos emitidos pela Ré antes de Junho de 2004 e após Outubro de 2005.
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III
Questão a apreciar.
Da condenação do interveniente nos pedidos formulados subsidiariamente.
A apelante defende que tendo o chamado E………. sido citado, e não tendo contestado, e tendo a sentença reconhecido que existiu um contrato de trabalho entre ele e a Autora, impunha-se a condenação daquele no pedido subsidiário formulado na petição. Vejamos então.
O pedido subsidiário formulado pela Autora é o seguinte: seja reconhecido a existência de contrato de trabalho permanente entre Autora e Réu, com todos os direitos e regalias alegados; pagamento de todas as retribuições, direitos e regalias em dívida e que se apurarem em liquidação “de sentença” desde Novembro de 2005 e até integral pagamento, com juros legais respectivos; seja dada à Autora ocupação efectiva correspondente à sua categoria de recepcionista e no seu local de trabalho, D………. e horário contratado.
Nos termos do art.328º nº2 do C.P.C. se o chamado não intervier – como é o caso dos autos -, a sentença só constitui, quanto a ele, caso julgado nos casos do nº2 do art.325º, ou seja, na situação prevista no art.31º-B do mesmo diploma legal (chamamento de terceiro, na qualidade de Réu, no caso de dúvida fundamentada sobre o real sujeito passivo da relação jurídica material controvertida).
Do exposto resulta que o Tribunal, chamado a apreciar a relação jurídica material controvertida, fá-lo-á tendo também em atenção o pedido formulado contra o interveniente em via subsidiária.
O Tribunal a quo tomou conhecimento do pedido formulado pela Autora, em via principal e subsidiária, nos seguintes termos: (…) “Mas não pode o Tribunal condenar E………. por despedimento ilícito pois quanto a ele nada se apurou para além dos factos já descritos e não pode igualmente ser proferida decisão em que se decida pela reintegração da Autora ou pelo pagamento de indemnização nos termos em que os pedidos foram formulados pela Autora, o mesmo ocorrendo quanto aos danos não patrimoniais que se encontram dependentes do reconhecimento da ilicitude de despedimento”.
Contudo, a matéria dada como provada sob o nº6 aponta no sentido da existência de um contrato de trabalho entre a Autora e o interveniente E………., a significar a procedência do pedido subsidiário formulado em primeiro lugar (reconhecimento da existência de um contrato de trabalho).
Já quanto aos demais pedidos os mesmos terão de improceder pelas seguintes razões: não está provado, e nem a Autora alegou, que o chamado deixou de lhe pagar as retribuições devidas a partir de Novembro de 2005. Aliás, estas remunerações são reclamadas pela Autora no pressuposto de que foi alvo de um despedimento ilícito em Outubro de 2005, despedimento que não está provado. Finalmente também não resultou provado que o contrato de trabalho da Autora cessou por o interveniente a ter despedido ou por qualquer outra forma de cessação. E desconhecendo-se se a “relação laboral” estabelecida entre Autora e o interveniente cessou, também não se pode condenar o mesmo a dar ocupação efectiva à Autora, e muito menos no D………. (local que é explorado pela Ré desde finais de Outubro de 2005).
Assim sendo, procede parcialmente a apelação.
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Termos em que se revoga a sentença recorrida na parte em que absolveu o interveniente E………. dos pedidos e se substitui pelo presente acórdão condenando-se o mesmo a reconhecer a existência entre ele a Autora de um contrato de trabalho sem termo, nos termos indicados na presente acção. Dos demais pedidos se absolve o chamado. No demais se mantêm a sentença recorrida.
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Custas em ambas as instâncias a cargo da Autora e do interveniente na proporção de 2/3 e 1/3 respectivamente.
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Porto, 21.01.2008
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais