Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0625040
Nº Convencional: JTRP00039692
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: VENDA JUDICIAL
PENHORA
ARRENDAMENTO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP200611070625040
Data do Acordão: 11/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 230 - FLS. 95.
Área Temática: .
Sumário: I- Nos incidentes, impõe-se que a parte que os suscita ofereça logo todas as provas que entenda, sob pena de a tramitação e solução sumária do pleito imporem a ponderação pelo julgador de outros meios de prova constantes do processo.
II- Ao introduzir a regra do art° 229°-A C.P.Civ., o legislador pretendeu colocar a cargo do mandatário judicial a tarefa de notificar à contra-parte todos os actos escritos da parte que ele representa, produzidos após a notificação da Contestação e que houvessem de ser notificados a mandatário judicial, incluindo assim as alegações e as contra-alegações de recurso.
III – Na expressão "direitos reais" empregue no art° 824° n°2 C.Civ. devem ser incluídos os direitos, como o arrendamento, que oneram a coisa, que a seguem e são oponíveis ao adquirente dos bens em processo executivo, com excepção dos comuns direitos de crédito.
IV – Assim, é de incluir na previsão da norma o arrendamento do prédio, quando celebrado posteriormente à constituição e registo da hipoteca, mas em momenta anterior à penhora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recursos de agravo e apelação interpostos na acção com processo comum e forma ordinária nº…../03.1TBVCD, do ..º Juízo Cível de Vila do Conde.
Autora – B………………, CRL.
Réus – C……… e mulher D……… e E………… e marido F………. .

Pedido
a) Que se declare a Autora dona e legítima proprietária do imóvel identificado na Petição.
b) Que se condenem os RR. a reconhecer esse direito de propriedade sobre o referido prédio.
c) Que se condenem os RR. a restituir à Autora o imóvel identificado e que
vem sendo ilícita e ilegitimamente ocupado, entregando-o completamente livre e desembaraçado de pessoas e coisas.
d) Que se condenem os RR. a se abster da prática de quaisquer actos que impeçam, limitem ou diminuam o gozo do prédio pela Autora.

Tese da Autora
A Autora é dona de um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, 1º andar e logradouro, situado na freguesia de ………, do concelho de Vª do Conde – adquiriu-o, para além do mais, por adjudicação em venda judicial.
Os Réus vêm ocupando tal casa, sem título, ilícita e não consentidamente, recusando a entrega à Autora.
Tese dos 1ºs Réus (únicos contestantes)
Residem com sua filha maior G………. .
Esta última tomou de arrendamento o rés-do-chão e o 1º andar do prédio aludido no petitório, aquele para o exercício do comércio, este para habitação, em Agosto de 2002.
A aquisição da Autora é posterior à celebração dos contratos de arrendamento.

Tramitação Processual
A fls.44 dos autos, a Autora requereu o chamamento, em intervenção principal provocada, de G…………, por ocupar, sem título, o imóvel reivindicado.
Por despacho judicial de 16/9/04, cumprido pela Secretaria em 20/9/04, os RR. foram notificados para, querendo, deduzirem oposição ao referido incidente de intervenção provocada. Do ofício de notificação consta ainda que se junta “o duplicado do incidente de fls. 44-45”.
Por requerimento datado de 6/10/04, os Réus invocaram, contrariamente à informação que já constava do processo, que não haviam sido notificados do teor do requerimento de fls.44, relativo à requerida intervenção provocada – nesses termos, requeriam fosse ordenada a repetição de tal notificação.
Tal requerimento foi indeferido, por despacho de 14/10/04, a fls.72, proferido mediante a informação da secção de processos que reiterava a regularidade da notificação dos RR., quanto ao requerimento de intervenção principal e ao despacho judicial que sobre o mesmo recaiu.
Deste despacho de 14/10/04 foi interposto recurso de agravo.
Seguidamente, em 3/11/04, os RR. pediram se declarasse a falsidade do teor da cota de fls.72, ordenando-se a repetição da notificação do pedido incidental de intervenção provocada, a fim de ser deduzida oposição.
Por despacho judicial de fls.158ss., foi julgada improcedente a alegação de falsidade da informação constante de fls.72 (tratava-se de mera irregularidade de notificação, para além de ter sido arguida em prazo superior a dez dias subsequentes à dita notificação), além de que se decidiu em tal despacho pela admissão do incidente de intervenção principal provocada, tendo sido ordenada a citação da chamada.
Deste despacho vem interposto um segundo recurso de agravo.

Sentença
Na decisão proferida em saneador-sentença, o Mmº Juiz “a quo” julgou a acção integralmente procedente e condenou os RR. em termos idênticos ao peticionado pela Autora (reconhecimento da propriedade e condenação dos RR. na entrega do prédio à Autora).

Conclusões do 1º Recurso de Agravo (invocada omissão de notificação do requerimento para intervenção principal e decisão judicial que recaiu sobre a matéria)
1 – O douto despacho ora recorrido viola o disposto nos artºs 3º, 195º, 198º, 201º, 235º e 254º C.P.Civ.
2 – A Mmª Juiz “a quo” valorou erradamente o teor da cota, sem ter dado aos agravantes o direito ao exercício do princípio do contraditório.
3 – A decisão proferida de indeferimento é nula porquanto a cota não foi notificada aos Agravantes antes de ser proferida a decisão de indeferimento da arguida nulidade de citação.
4 – A Mmª Juiz “a quo” deu como verdade absoluta o teor das declarações da cota supra indicada e os agravantes não puderam defender-se do teor da cota, que lhe prejudicou determinantemente o seu direito de defesa.
5 – Tal vício ou acto de notificação omitido influenciou de uma forma determinante a decisão tomada de fls.72, de indeferimento da arguição da nulidade de rfls.69 e 70 dos autos.
6 – O Tribunal não pode decidir o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e os agravantes sejam chamados para deduzir (ou não) oposição.
7 – Ao decidir, sem prévia audiência dos Recorrentes, praticou a Mmª Juiz “a quo” um acto nulo e que lhe estrava vedado, sendo que tal nulidade influenciou de forma determinante e grave o douto despacho de fls.72.
8 – Tal decisão constitui nulidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, nos termos do disposto no artº 201º nº1 C.P.Civ., determinando a repetição dos actos não praticados, bem como ofendendo o direito de defesa dos agravantes.
9 – O conteúdo essencial do princípio do contraditório está, de uma forma geral, em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada pelo Juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar.
10 – No caso em apreço, pela configuração do “due process of law”, o qual está na base de um processo que se há de ter como equitativo (artº 20º nº4 Const.) e em que ao particular cabe a defesa perante os poderes públicos, ninguém pode ser sancionado, ou vista a sua pretensão indeferida com base numa cota, sem que seja previamente ouvido.
11 – É a tradução do princípio do contraditório, visando facultar ao visado todas as garantias de defesa (artº 3º C.P.Civ.).
12 – A Mmª Juiz “a quo” deveria ter dado aos agravantes a oportunidade de se pronunciar sobre o teor da cota, para que estes pudessem dizer o que se lhes oferecesse e só depois dessa notificação, e após a resposta dos agravantes, deveria proferir despacho a decidir pela procedência ou não da arguida nulidade de citação.
13 – Temos de concluir que a omissão praticada influenciou no exame ou na decisão tomada (artº 201º nº1 C.P.Civ.), pelo que o acto terá de ser anulado, ficando anulados todos os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (artº 201º nº2 C.P.Civ.).
14 – Além de que existe de facto nulidade da citação, qure constitui nulidade insuprível.
15 – Apesar do que consta de fls.62 dos autos, os Agravantes não foram notificados, pelo envio de cópias com a notificação, do incidente de frls.44/45 dos autos e a omissão do envio destes duplicados prejudica a defesa dos citados.
16 – A citação é nula quando, na sua realização, não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei (artº 198º nº1 C.P.Civ.), desde que estas formalidades prejudiquem a defesa do citado (artº 198º nº2 2ª parte C.P.Civ.).
17 – Não bastando esta omissão, a Mmª Juiz “a quo”, valorando como verdade absoluta o teor da cota, indefere a arguição da nulidade, violando manifestamente o exercício do contraditório pelos agravantes.
18 – O teor da cota deveria ter sido notificado aos agravantes e, depois destes se pronunciarem, deveria a Mmª Juiz decidir ou não da veracidade do teor da cota.
19 – É manifesta a violação do disposto nos artºs 3º, 195º, 198º, 201º, 235º e 254º C.P.Civ.

Conclusões do 2º Recurso de Agravo (não admissão do incidente de falsidade)
1 – O Mmº Juiz “a quo” indeferiu liminarmente, nos presentes autos, o requerimento dos RR./Agravantes a suscitar o incidente de falsidade, alegando que o mesmo era extemporâneo, todavia labora em erro a decisão proferida.
2 – O incidente de falsidade é tempestivo e foi suscitado dentro do prazo de 10 dias sobre o conhecimento do acto judicial falso, tudo conforme dispõe o artº 551º-A nº2 C.P.Civ., que determina que a falsidade de qualquer outro acto judicial deve ser arguida no prazo de 10 dias a contar daquele em deva entender-se que a parte teve conhecimento do acto.
3 – Os agravantes tiveram conhecimento do acto judicial falso (cota) quando foram notificados em 21/10/04 da decisão de fls.72, face à informação dada pelo oficial de justiça que confirmou a remessa das cópias do incidente, o que não é verdade, e algo que os Agravantres acusaram a falta de envio.
4 – A douta decisão proferida confunde nulidade processual com falsidade de acto judicial.
5 – A irregularidade de notificação, por omissão de envio dos duplicados, não representa um facto falso, mas sim uma irregularidade processual, sujeita ao regime da nulidade e não da falsidade.
6 – Na douta decisão recorrida existe a violação do disposto no artº 551º-A nº2 C.P.Civ.
7 – O incidente deveria ter sido admitido, apreciado e ser produzida a prova requerida, porque nem o incidente é extemporâneo, nem dilatório, nam manifestamente improcedente.
8 – A douta decisão recorrida viola o disposto nos artºs 546º a 550º C.P.Civ.

Conclusões dos Recursos de Agravo (alcance do artº 229º-A C.P.Civ.) e Apelação
1 – Os Apelantes foram erradamente condenados em multa, por não ter a Patrona Oficiosa notificado a Autora das alegações de recurso, nos termos do disposto no artº 229º-A e 260º-A C.P.Civ.
2 – A Patrona Oficiosa dos Apelantes não tem obrigação de notificar a contraparte das alegações de recurso.
3 – As alegações de recurso e as respectivas contra-alegações não são articulados nem requerimentos autónomos e isto resulta directamente do disposto no artº 151º nº1 C.P.Civ. que precisamente define articulados como sendo as peças processuais em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes.
4 – Nas alegações de recurso não se expõem os fundamentos da acção ou da defesa, sendo a sua função específica a de expor, demonstrar ou atacar os fundamentos dos recursos.
5 – A própria lei processual faz a distinção quando, por exemplo, nos artºs 150º nºs 1 e 2 e 152º nºs 1, 2 e 6 fala em articulados, alegações e contra-alegações como tratando-se de realidades distintas entre si, embora todas incluídas na categoria mais ampla de peças processuais.
6 – Também as alegações de recurso não parece que possam ser incluídas no conceito de requerimentos autónomos a que alude o artº 229º-A nº1 C.P.Civ.
7 – Não parece ser possível interpretar o artº 229º-A nº1 C.P.Civ. de modo extensivo, em termos de abranger no conceito de articulados ou de requerimentos autónomos, a que se refere o preceito, as alegações e contra-alegações de recurso, visto que uma tal interpretação não teria o mínimo de correspondência na letra do dispositivo, ainda que imperfeitamente expressa, nem parece corresponder á intenção do legislador.
8 – Assim, o regime do nº1 do artº 229º-A C.P.Civ. apenas se aplica quando estão em causa articulados ou requerimentos autónomos, não se aplicando o referido regime de notificação às alegações ou contra-alegações de recurso.
9 – face ao exposto, os Aperlantes não podem ser condenados em multa, em virtude de a Patrona Oficiosa não ter apresentado comprovativo da notificação, nos termos do disposto nos artºs 229º-A e 260º-A C.P.Civ., das alegações de recurso, porquanto tal notificação tem que ser efectuada pela Secretaria, nos termos previstos na lei.
10 – Ter outro entendimento é violar o disposto nos artºs 150º, 152º, 229º-A e 260º-A C.P.Civ.
11 – (...).
12 – No caso dos autos, o contrato de arrendamento não caduca nos termos do disposto no artº 824rº C.Civ. e mal andou o Mmº Juiz “a quo” quando assim decidiu.
13 – O contrato de arrendamento é de ordem obrigacional, entre pessoas, em cooperação, e, em caso de venda ou oneração do prédio, não caduca.
14 – Os Apelantes defendem a posição dominante e maioritária de jurisprudência, que vai no sentido de que o contrato de arrendamento, o direito do arrendatário, é de natureza obrigacional e por isso o contrato dos autos não caducou.
15 – Nem o recurso ao princípio da adequação o justifica, nem a via da interpretação teleológica ou da via da interpretação analógica permitem que se faça valer para o arrendamento a solução legal prevista para os direitos reais (artº 82r4º nº2 C.Civ.).
16 – O arrendamento constitui uma relação intersubjectiva, de cooperação, de natureza obrigacional, e o direito do locatário que daí nasce é, ele também, um direito de crédito e o facto de assumir alguns traços de soberania não é justificação bastante para fazer pensar que a relação de arrendamento habitacional caduca com a venda do objecto de gozo, em execução judicial.
17 – Foi em defesa do princípio da estabilidade da habitação que o legislador dispôs o previsto no artº 824º nº2 C.Civ.
18 – Nem a enumeração taxativa do artº 1051º C.Civ. prevê a venda judicial como um dos casos de caducidade do contrato de locação (artº 66º nº2 RAU).
19 – (...).
20 – (...).
21 – Enquanto o legislador não alterar a lei que isenta o direito do locatário da aludida caducidade quer atinge os direitos reais de garantia e de gozo, a venda em execução não prejudica os contratos de arrendamento que onerem os bens vendidos, valendo inteiramente, também para essas situações, o disposto no artº 1057º C.Civ., segundo o qual o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato de locação sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras de registo.
22 – A douta sentença violou o disposto no artº 824º nº2 C.Civ.

Os Apelados não apresentaram contra-alegações.

Factos Julgados Provados em 1ª Instância
A) Encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 00350/940104 o prédio urbano, sito no lugar ……, Freguesia de ……., concelho de Vila do Conde, composto por casa de rés-do-chão e andar – área de 163 m2 e logradouro de 837 m2, com confrontações a Norte, H……….; Sul, I………..; Nascente, Caminho Público; Poente, J…………, inscrito na matriz sob o artigo 502.
B) Pela apresentação17/811207 que originou a inscrição C-1 foi registada a hipoteca voluntária favor da autora
C) Pela apresentação 24/940104 que originou a inscrição C-2 foi registada a Hipoteca voluntária a favor da autora.
D) Pela apresentação 24/990426 que originou a inscrição C-3 foi registada a Hipoteca Voluntária a favor da Autora.
E) Pela apresentação 01/030819 que originou a inscrição G2 foi registada a aquisição a favor da Autora, B………….., C.R.L., por adjudicação na venda judicial.
F) G…………, Ré (chamada) celebrou em Agosto de 2002, com os então proprietários, dois contratos de arrendamento referentes ao prédio urbano descrito em A).
G) Os Réus, C………… e mulher D……….. ocupam o imóvel descrito em A).

Fundamentos
As pretensões resultantes dos presentes recursos de agravo e apelação, como sumariadas nas alegações respectivas, são as seguintes:
- saber se a decisão de indeferimento do requerimento dos RR. para repetição da notificação do despacho em cumprimento do artº 326º nº2 C.P.Civ. (despacho visando possibilitar aos RR. pronúncia sobre o incidente de intervenção provocada suscitada pela Autora) é nulo por ter decidido sem audiência dos RR./Requerentes;
- saber se o incidente de falsidade relativo à informação da secção de processos, constante dos autos, foi deduzido tempestivamente;
- saber se o disposto no artº 229º-A C.P.Civ., relativo ás notificações entre mandatários, é de aplicar às alegações de recurso;
- finalmente, conhecer da subsistência ou da insubsistência do contrato de arrendamento invocado pelos RR., face à propriedade do imóvel provada pela Autora.
Vejamos pois.

I
A primeira questão a resolver diz respeito à forma como foi resolvida a invocação efectuada pelos RR. no processo de que não lhe haviam sido enviadas cópias do requerimento para intervenção principal provocada, suscitado pela Autora, impossibilitando assim esses RR. de cabalmente se pronunciarem sobre a referida intervenção principal.
Tratava-se, no caso, da invocação de uma nulidade praticada pela Secretaria.
Na verdade, a nulidade do processo consiste sempre num vício de carácter formal, traduzido num de três tipos: prática de um acto proibido; omissão de um acto prescrito na lei; realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas, de acordo com o disposto no artº 201º nº1 C.P.Civ. (cf. A. Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, Manual, 2ª ed., pg. 387).
Assim, a falta ou omissão de entrega de cópia do requerimento apresentado pela Autora, em momento anterior à Contestação, mas posterior à citação dos primitivos RR., impedia esses RR. de cabalmente se pronunciarem sobre o teor da requerida intervenção.
Tal falta constituiria portanto uma irregularidade processual passível de influir no exame e na decisão da causa, integrando nulidade da actividade processual (nulidade secundária), nos termos estabelecidos no artº 201º nº1 C.P.Civ.
Ora, a Mmª Juiz “ a quo” resolveu o incidente por apelo ao teor do próprio ofício de notificação, constante do processo, no qual a Secretaria declarava que “se juntava o duplicado do incidente de folhas 44-45”, tendo indeferido o requerido.
Deveria tê-lo feito de outro modo, designadamente ao não ter permitido aos RR. pronunciarem-se sobre o teor da informação lançada no processo pela Secretaria, e que reafirmava o teor da notificação impugnada?
A Mmª Juiz “a quo” valorou o material probatório que possuía no processo, no momento de decidir o incidente.
Material probatório (teor da notificação efectuada aos RR.) que constituía um documento autêntico, com a força probatória que lhe é conferida pelo disposto no artº 371º nº1 C.Civ. – os factos atestados (remessa de cópia) tinham por base as percepções da entidade documentadora, o oficial de justiça.
Ora, a invocação efectuada pelos RR. (para lá da respectiva substância, a reclamação pela prática de nulidade secundária) integrava processualmente o conceito de incidente, no sentido de “controvérsia acessória que surge no desenvolvimento do processo, ao lado ou no âmbito do litígio principal, e que se coordenava com o fim último do processo: a decisão do mérito da causa” (ut Betti, citado por A. dos Reis, Comentário, III, pg.560).
Uma forma processual secundária revestindo o aspecto de episódio ou acidente da lide (Mortara, op. e loc. cits.) ou então, na fórmula preferida de A. dos Reis (op. cit., pg.563), uma intercorrência no processo, destinada à composição da lide.
Como assim, impunha-se à parte, ao suscitar o incidente, oferecer logo o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova (artº 303º nº1 C.P.Civ.).
E recorde-se outra vez, a esse propósito, A. dos Reis (Comentário, III, pg.569): “Todos os meios de prova de que o autor do incidente pretenda fazer uso têm de ser oferecidos com a petição ou requeridos nela. Os documentos hão-de ser logo juntos; e nesta parte estamos dentro da regra do artº 550º. O rol de testemunhas teria também de ser apresentado imediatamente, podendo, é claro, ser inserto na própria petição ou constar de papel separado. Aqui é saliente o desvio à regra formulada no artº 516º. A prova por depoimento de parte, por arbitramento e por inspecção judicial, quando admissíveis, têm de ser requeridas na petição. Outros tantos desvios da regra prescrita no artº 516º”.
Não tendo procedido dessa forma, limitando-se a suscitar a nulidade, sujeitaram-se os RR. a que o tribunal apreciasse a alegação de acordo com o material probatório disponível no processo.
E obviamente que se não impunham ao julgador outras diligências probatórias, face à estrutura naturalmente simplificada de decisão dos incidentes – cf. artºs 302º a 304º C.P.Civ.
Não merece provimento o agravo interposto da primeira das decisões recorridas.

II
A segunda questão prende-se com a não observância do prazo de dez dias assinados na lei para a arguição da falsidade de documento – artºs 544rº nº1 e 546º nº1 C.P.Civ.
Neste aspecto, na verdade, nada teríamos a acrescentar à fundamentação do despacho recorrido, pelo que, em rigor, poderíamos remeter para os respectivos fundamentos – artºs 713º nº5 e 749º C.P.Civ.
Acrescentaremos porém que a falsidade vislumbrada pelos RR. foi expressamente referida ao teor de uma “cota”, anexa a uma “conclusão”, “cota” essa porém que é completamente irrelevante, quer na economia dos autos, quer até na economia da decisão de fls.72 do processo (impugnada no primeiro agravo), já que a referida informação ou cota se limita a remeter para o constante de fls. 62 dos autos (teor da notificação efectuada aos RR.), lugar onde, e aí sim, expressamente se declara que o teor do requerimento de incidente de intervenção provocada foi notificado, com o respectivo duplicado, aos RR.
Essa notificação, com a declaração dela constante, foi efectuada em 20/9/04. Todavia, o incidente de falsidade é apenas suscitado em 3/11/2004, na sequência da notificação do despacho de fls. 72, em 18/10/04.
Se reportado ao único documento relevante para a invocação de falsidade, no dia 3/11 há muito tinha decorrido o prazo de dez dias contado sobre o conhecimento dos RR. relativamente ao teor desse documento comprovativo da notificação.
Como assim, não restava outra alternativa à Mmª Juiz “a quo” que não fosse não admitir o incidente, por extemporâneo, tal como consta do despacho recorrido, cuja fundamentação e sentido decisório são de manter.

III
Relativamente agora à notificação das alegações de recurso, no sentido de saber se o disposto no artº 229º-A nº1 C.P.Civ. as abrange, ou não.
A resposta desta instância é afirmativa, pelo que concordamos com o entendimento exposto na decisão em crise.
Na verdade, e na esteira de outra doutrina, entendemos que, visando os recursos tão somente submeter a um tribunal superior a apreciação das decisões tomadas pelo tribunal “a quo”, e não como vias jurisdicionais para alcançar decisões novas (artºs 676º nº1, 680º nº1 e 690º C.P.Civ.), com eles não se abre um novo processo ou instância, mas antes uma nova fase, com as suas peças próprias, articulados e requerimentos, sem qualquer subalternidade relativamente ao anterior.
O preâmbulo do diploma legal que publicou a norma em referência (já citado D.-L. nº183/2000, que pretendeu a “adopção de medidas simplificadoras” do processo civil) observa que esta medida legislativa visou “desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes”, imprimindo mais celeridade à marcha do processo, ainda que tal venha a importar um maior custo económico para as partes.
Por outro lado, a previsão legal, quando engloba “articulados e requerimentos autónomos”, visou, isso sim, fazer abranger todo e qualquer acto escrito da parte, realizado no processo por forma a produzir efeitos nesse mesmo processo, em momento posterior à apresentação do articulado Contestação, e não apenas os actos que dependam de “despacho prévio”, com o que ficaria muitíssimo reduzido o âmbito da previsão citada, esvaziando a previsão de sentido prático (sublinha-se que, de resto, também a apresentação de alegações de recurso, constituindo um direito da parte, cujo não exercício se encontra sujeito a cominação, não se encontra sujeito a qualquer despacho prévio de admissibilidade “tout court” – artº 690º C.P.Civ.).
Olhando à intencionalidade legislativa e não apenas à letra da lei, verifica-se que, ao introduzir a regra do artº 229º-A C.P.Civ., o legislador pretendeu colocar a cargo do mandatário judicial a tarefa de notificar à contra-parte todos os actos escritos da parte que ele representa, actos esses realizados no processo e por forma a produzir efeitos no processo, após a notificação da Contestação e que houvessem de ser notificados a mandatário judicial, incluindo assim as alegações e as contra-alegações de recurso.
A interpretação propugnada não apenas correspondente à intenção do legislador, como também se compagina com a necessária cooperação processual inter-subjectiva, das partes entre si e reciprocamente das partes com o Tribunal, para que apontava já a reforma processual de 95 quando introduziu a nova redacção do artº 266º C.P.Civ. O princípio da cooperação, com efeito, destina-se a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho”, com a inerente responsabilização das partes e do tribunal pelos seus resultados (ut Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pg. 63).
Nessa base, na impressiva base de uma “comunidade de trabalho”, há que salientar que a aplicação do artº 229º-A C.P.Civ. a todos os actos das partes posteriores à apresentação da Contestação se constituiu como o entendimento pacífico da esmagadora maioria dos mandatários judiciais e “praxis” geral dos Tribunais (salientou-se no Ac. R.C. 22/5/02 Col.III/17; no mesmo sentido, encontramo-nos na companhia do Ac.S.T.J. 26/2/04 Col.I/82).

IV
Finalmente a questão de fundo, qual seja a de saber se o arrendamento do prédio efectuado pelos anteriores proprietários, como senhorios, à chamada G…………, poderá fazer naufragar a pretensão da Autora de restituição do prédio.
Uma vexata quaestio doutrinária, como adequadamente se sublinhou na sentença recorrida, a de saber se a venda judicial, em processo executivo, de prédio hipotecado faz caducar o arrendamento desse prédio, quando o arrendamento é celebrado posteriormente à constituição e registo da hipoteca, mas em momento anterior à penhora.
Para momento posterior à penhora disposição legal existe que, expressamente, torna inoponível o acto de oneração à execução – o artº 819º C.Civ. E o arrendamento é um acto de oneração: “Coisa onerada é aquela sobre que incidem, a favor de terceiros, direitos, gravames ou vínculos que a acompanham em caso de transmissão e que excedem os limites normais relativos a coisas da mesma garantia. Constitui ónus, por exemplo, uma garantia real, um direito de usufruto, um direito de servidão, um direito de arrendamento de que o senhorio não possa libertar-se a curto prazo” (ut M.H. Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, cit. in S.T.J. 6/7/00 Col.II/150). Evidente se torna que o arrendamento, seja por aplicação de um critério económico, seja por aplicação de um critério jurídico, se reconduz ao conceito de ónus.
Mas para o momento situado entre a constituição da hipoteca e a penhora, as opiniões dividem-se, apesar de podermos afoitamente afirmar que a maioria da doutrina que se tem pronunciado sobre a matéria entende que, na expressão direitos reais mencionado no artº 824º nº2 C.Civ. se inclui, por analogia, aquele arrendamento.
Nessa linha de pensamento encontramos Ol. Ascensão, Locação de Bens Dados em Garantia, R.O.A., 85-II-345ss., M.H. Mesquita, op. cit., pg.140, J. Alberto Vieira, Arrendamento de Imóvel Dado em Garantia, Estudos em Homenagem ao Prof. Galvão Teles, IV-437ss., e os Acs.S.T.J. 6/7/00 cit. e S.T.J. 3/12/98 Bol.482/219.
Em contrário, encontramos os Ac.S.T.J. 20/9/05 Col.III/29 e Ac.R.L. 20/5/97 Col.III/91.
Sem pretensão de exaustividade e considerando já o transcurso muito adequado e completo levado a cabo em 1ª instância, vejamos:
O artº 695º C.Civ. dispõe ser “nula a convenção que proíba o respectivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados”.
O Anteprojecto Vaz Serra inspirava-se no BGB de então - §1136 (Ol. Ascensão, op. cit., pg.356).
Todavia, a doutrina alemã ia no sentido da licitude do pacto pelo qual qualquer alienação ou oneração provocava o vencimento antecipado da hipoteca, tal e qual como resultou expresso no artº 695º do Código português de 66. Da mesma forma, no direito alemão, da conjugação dos §§ 571 a 577 BGB resultava que as locações pactuadas pelo proprietário após a constituição de uma hipoteca não subsistiam em caso de venda judicial (Ol. Ascensão, est. cit., pg.357). Paralelamente, as onerações constituídas após a entrega do prédio ao locatário devem ser consideradas inoponíveis a este.
Ora, a consagração da mera possibilidade de vencimento imediato do crédito hipotecário conjuga-se forçosamente com a ideia de que o credor hipotecário em nada é prejudicado com a alienação ou com a oneração, já que estas lhe não são oponíveis, designadamente em caso de execução – não haveria que sacrificar demasiado, nesse interim, o hipotecador, como parte mais fraca.
E ainda:
A locação do bem hipotecado traduz, em termos práticos, uma desvalorização para o bem, frustrando a posição do credor hipotecário e, em larga medida, a posição daquele que dá de hipoteca.
Ora, o sistema jurídico não deve permitir a flutuação dos valores dos bens hipotecados e a consequente inutilidade posterior das garantias, de todo imprevisível, até por nos encontrarmos perante ónus não sujeitos a registo.
O artº 695º cit. completa-se pois com o disposto no artº 824º nº2 C.Civ. (na venda executiva, “os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos qure, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo”).
Assim, na expressão “direitos reais” empregue no artº 824º nº2 se não poderemos por certo incluir direitos comuns de crédito, poderemos porém incluir direitos, como o arrendamento, que oneram a coisa, que a seguem e são oponíveis ao adquirente dos bens em processo executivo, os chamados “direitos inerentes” (Ol. Ascensão, op. cit., pg.365).
Nesta acepção, o arrendamento é seguramente um direito inerente que, como tal, se engloba na previsão do artº 824º nº2 (o que se afirma independentemente da caracterização do direito como real ou de crédito, discussão que, em rigor, não é decisiva para o quid disputatum).
Nestes termos, a caducidade do arrendamento decorre directamente do artº 824º nº2, excluindo o disposto no artº 1051º nº1 C.Civ., que dispõe sobre os casos de caducidade do arrendamento, que enumera em diversas alíneas.
Na verdade, o carácter taxativo das enumerações nunca é de presumir (ut Ol. Ascensão, op. cit., pg.355, com apoio em Cunha de Sá, Caducidade do Contrato de Arrendamento, pgs.90/91) – “O grande princípio da nossa ordem jurídica é o da analogia, fundado na regra constitucional do tratamento idêntico de casos semelhantes; qualquer enumeração ou tipologia legal deve presumir-se assim meramente exemplificativa”.
Assim, em resumo, o sentido decisório e a fundamentação da sentença recorrida são de manter.

A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – Nos incidentes, impõe-se que a parte que os suscita ofereça logo o rol de testemunhas e requeira outros meios de prova (artº 303º nº1 C.P.Civ.), sob pena de a tramitação e solução sumárias do pleito imporem a ponderação, pelo julgador, de outros meios de prova constantes do processo.
II – Ao introduzir a regra do artº 229º-A C.P.Civ., o legislador pretendeu colocar a cargo do mandatário judicial a tarefa de notificar à contra-parte todos os actos escritos da parte que ele representa, produzidos após a notificação da Contestação e que houvessem de ser notificados a mandatário judicial, incluindo assim as alegações e as contra-alegações de recurso.
III – Na expressão “direitos reais” empregue no artº 824º nº2 C.Civ. devem ser incluídos os direitos, como o arrendamento, que oneram a coisa, que a seguem e são oponíveis ao adquirente dos bens em processo executivo, com excepção dos comuns direitos de crédito.
IV – Assim, é de incluir na previsão da norma o arrendamento do prédio, quando celebrado posteriormente à constituição e registo da hipoteca, mas em momento anterior à penhora.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedentes, por não provados, os recursos de agravo e apelação interpostos e, em consequência, confirmar integralmente os despachos e sentença recorridos.
Custas pelos Agravantes e Apelantes, sem prejuízo do Apoio Judiciário concedido.

Porto, 07 de Novembro de 2006
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
José Gabriel Correia Pereira da Silva
Maria das Dores Eiró de Araújo