Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0517031
Nº Convencional: JTRP00039306
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: PRAZO
RECURSO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RP200606140517031
Data do Acordão: 06/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 447 - FLS. 66.
Área Temática: .
Sumário: Estando o Ministério Público isento da multa prevista no art. 145º, 5 e 6 do CPC, para poder beneficiar do regime aí previsto deve emitir uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo, sob pena de extemporaneidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I
RELATÓRIO
1. A ex.ma magistrada do MINISTÉRIO PÚBLICO na comarca de Gondomar interpôs o presente recurso da sentença proferida nos autos de processo sumário nº …./05.2SFPRT do …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial daquela comarca, a fls. 36-39, que absolveu o arguido B……… do crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, da previsão do art. 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro.
Da motivação do seu recurso extraiu as seguintes conclusões:
A sentença recorrida omite, no elenco dos factos provados e não provados, factos descritos no auto de notícia e no despacho do Ministério Público que requereu o julgamento em processo sumário, factos esses constitutivos do tipo de crime e, por isso, essenciais à ponderação sobre a culpabilidade. Viola, assim, o disposto nos arts. 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.
A sentença recorrida faz insuficiente exame crítico das provas produzidas em audiência de julgamento, de modo a que a convicção do julgador, formada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal, possa ser sujeita a controlo na sua motivação. Nessa medida e uma vez mais, enferma do vício de nulidade previsto no art. 374º, nº 2, e 368º, nº 2, als. a), b) e c), ambos do Código de Processo Penal.
Por último, a M.ma Juiz, ao decidir absolver o arguido, violou regras de experiência comum, tendo errado na apreciação da prova produzida. Com efeito, as declarações da testemunha C……, conjugadas com os depoimentos do arguido e demais testemunhas inquiridas, no que eles tiveram de contradição, permitem, sem margem para qualquer dúvida, dar como assente que o arguido conduziu o automóvel sem ser titular de carta de condução.
Assim, deverá revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que condene o arguido numa pena que cumpra as finalidades da punição, tendo em atenção os seus antecedentes criminais e a personalidade revelada na audiência de julgamento, além das necessidades de prevenção geral que se fazem sentir.
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2. Admitido o recurso, respondeu o arguido B………, em que concluiu que deve manter-se a decisão recorrida.
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3. Nesta Relação, a ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer que consta a fls. 112, em que, acompanhando a motivação do recurso, pronunciou-se no sentido de que merece provimento e acrescentou que, a procederem as nulidades arguidas, deve ser declarada nula a sentença e determinar-se a baixa dos autos para ser proferida outra sentença pelo mesmo tribunal.
Foi cumprido, quanto a este parecer, o preceituado no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido.
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4. No exame preliminar, o relator suscitou a questão da extemporaneidade do recurso, de que foram notificados os sujeitos processuais, que nada disseram.
Os autos foram a visto dos ex.mos Juízes adjuntos e, após, foram presentes à conferência para decisão daquela questão prévia.

II
FUNDAMENTOS
5. Com interesse para a apreciação da extemporaneidade do recurso, os autos mostram que:
1) A sentença recorrida foi lida, com a presença do Ministério Público, no dia 26/09/2005 (fls. 39) e foi depositada na secretaria em 28/09/2005 (fls. 40), ficando desde então disponível aos sujeitos processuais.
2) O recurso interposto pelo Ministério Público deu entrada na secretaria do tribunal no dia 14/10/2005 (fls. 44).
Perante estes factos, importa considerar:
Nos termos do disposto no art. 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, o prazo para a interposição do recurso é de 15 dias e conta-se, tratando-se de sentença, a partir do respectivo depósito na secretaria.
À contagem dos prazos para a prática de actos processuais no âmbito do processo penal aplicam-se as disposições da lei do processo civil (art. 104º, nº 1, do CPP). Dispondo o nº 1 do art. 144º do Código de Processo Civil que o prazo é contínuo, suspendendo-se, apenas, durante as férias judiciais.
De acordo com estas regras, o prazo de 15 dias para a interposição do recurso iniciou-se em 29/09/2005, ou seja, no dia seguinte ao do depósito da sentença (art. 279º, al. b), do Código Civil), e terminou no dia 13/10/2005. Que era dia útil (quinta-feira).
Dispõe, porém, o nº 5 do art. 107º do Código de Processo Penal que, independentemente de justo impedimento, que neste caso não foi invocado, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações. Nesta matéria, o nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil permite que o acto possa ser praticado “dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa”, cujos montantes estão aí previstos e variam consoante se trate do primeiro, do segundo ou do terceiro dia útil subsequente.
Ora, o recurso foi apresentado apenas no dia 14/10/2005 (sexta-feira), ou seja, no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo.
Considerando-se estar o Ministério Público isento do pagamento de multas, tem-se questionado se lhe é aproveitável praticar o acto, livremente, em algum desses dias, sem qualquer consequência, ou se haverá que fazer alguma «adaptação» na interpretação da norma para que «a justificação da isenção da multa não implique um privilégio do Ministério Público relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais», como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/10/2003 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/, proc. nº 03P2849).
O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre esta questão e, através do Ac. nº 355/2001, de 11/07/2001 (publicado no D.R., II Série, de 13/10/2001), definiu a seguinte interpretação:
“decide não julgar inconstitucional a dimensão normativa que resulta do art. 145º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, segundo a qual o Ministério Público está isento da multa aí prevista, devendo contudo o tribunal a quo fazer aplicação de tal preceito no sentido de exigir que o Ministério Público, não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo”.
É no sentido desta exigência que, desde então, se tem orientado a jurisprudência dos tribunais superiores, de que são exemplo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado e o recente acórdão desta Relação de 25/01/2006 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, proc. nº 0416298, que apreciou um caso idêntico a este).
Em consonância com esta interpretação, o Ministério Público, estando dispensado do pagamento da multa prevista no nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil ─ aqui aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 107º do Código de Processo Penal ─ para poder beneficiar do regime aí previsto no que respeita à prática de acto processual nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, deve fazer juntar ao processo, até ao último dia do prazo, uma declaração expressa nesse sentido, sob pena de se considerar o acto extemporâneo.
Trata-se de uma exigência que, como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado, “equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento da multa e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo Ministério Público”.
No caso presente, embora apresentando o recurso no primeiro dia útil posterior ao termo do prazo, o Ministério Público nenhuma declaração fez ao processo a manifestar a sua intenção de utilizar o benefício do prazo previsto no nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil.
Consequentemente, terá que considerar-se o recurso extemporâneo, com a consequente rejeição, nos termos das disposições combinadas dos arts. 420º, nº1, e 414º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Ficando, deste modo, prejudicado o seu conhecimento.

III
DECISÃO
Por tudo o exposto, decide-se rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público, com fundamento na sua extemporaneidade.
Sem custas.
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Porto, 14 de Junho de 2006
António Guerra Banha
Jaime Paulo Tavares Valério
Joaquim Arménio Correia Gomes
José Manuel Baião Papão