Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP00040256 | ||
| Relator: | DEOLINDA VARÃO | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA FACTOS RELEVANTES DEFESA | ||
| Nº do Documento: | RP200704120731360 | ||
| Data do Acordão: | 04/12/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 713 - FLS 146. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. II - O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. III - Sendo a insolvência requerida por uma entidade diversa do devedor, a causa de pedir do processo de falência só poderá ser indiciada pelos factos - factos - índice ou presuntivos da insolvência - taxativamente enumerados no nº 1 do artº 20º do C.I.R.E.. IV - Sendo a declaração de insolvência requerida por qualquer uma das pessoas legitimadas para o efeito pelo nº 1 do artº 20º, com base nalgum dos factos ali previstos, cabe ao devedor provar a sua solvência, podendo a sua defesa basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B………. instaurou acção especial de insolvência contra C………., que também usa a designação de “D……….”, pedindo a declaração de insolvência do requerido. Como fundamento, alegou, em síntese, que detém um crédito sobre o requerido no montante de € 24.670,27, que o estabelecimento comercial do requerido se encontra encerrado e que o requerido não tem crédito bancário, dinheiro ou quaisquer meios que lhe permitam cumprir as obrigações por si assumidas, nem possui qualquer património. Devidamente citado, o requerido não deduziu oposição. Foram considerados confessados os factos alegados pela requerente e foi proferida sentença que declarou a insolvência do requerido. Inconformado, o requerido recorreu, formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª – Apesar de não ter havido oposição do pedido declaratório de insolvência por parte do requerido e funcionar a revelia operante, a sentença declaratória de insolvência só poderia ser declarada se nos autos se apurassem factos que se pudessem subsumir na al. b) do artº 20º, nº 1 do CIRE, o que não aconteceu. 2ª – O que releva no caso concreto é a de saber se a quantia em dívida traduz per se um facto-índice que, pelas suas circunstâncias, evidencia impossibilidade de pagar, ou seja, se a requerente conseguiu demonstrar as circunstâncias da impossibilidade de pagamento por parte do requerido que possam levar à conclusão de que o requerido se encontra em penúria generalizada e é inviável economicamente, não podendo cumprir a generalidade das suas obrigações. 3ª – A requerente apenas alegou que é credora do requerido de uma dívida que, até à data, nada pagou, desconhecendo se o mesmo tem quaisquer bens móveis ou imóveis. 4ª – O facto de o requerido não ter cumprido a obrigação a que estava adstrito para com a requerente não traduz a impossibilidade deste em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. 5ª – É que podem as demais obrigações do requerido para com terceiros terem sido pontualmente cumpridas, seja com bens dele próprio, seja com bens ou dinheiro de terceiros. 6ª – O artº 20º, nº 1 refere a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações e não apenas a impossibilidade ou incumprimento pontual de uma obrigação. 7ª – Nos autos não foram considerados provados factos que possam consubstanciar a declaração de insolvência do requerido com base no citado preceito legal, porque anda consta sobre a existência de outras dívidas da responsabilidade do requerido, inclusive com instituições públicas, como DGI ou Segurança Social ou até se contra ele correm outros processos judiciais. 8ª – Desta forma, os factos que foram considerados provados são insuficientes para consubstanciar com fundamento neles uma sentença declaratória de insolvência nos termos da al. b) do nº 1 do artº 20º do CIRE. 9ª – Além de a requerente não ter referido em que circunstâncias esse incumprimento ocorreu, até porque foram juntos aos autos dois cheques, com valores de € 1.820,00 cada, o que permite indiciar um acordo de pagamento em prestações, mas a requerente nada referiu quanto a essa matéria. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II.O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos (que não foram impugnados): O requerido é comerciante e gira sob a designação “D……….”. O requerido encontra-se inscrito na Repartição de Finanças sob o NIF ……… . O requerido deve à requerente a quantia de € 19.611,45, acrescida de juros no montante de € 5.058,82. O requerido tem o estabelecimento comercial encerrado. O requerido não tem crédito bancário, dinheiro ou quaisquer meios próprios que lhe permitam cumprir as obrigações por si assumidas. O requerido não tem qualquer património. Com interesse para a decisão, estão ainda provados os seguintes factos: O requerido foi condenado a pagar à requerente a quantia de € 19.611,45, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos por sentença proferida em 14.02.05. Para pagamento de parte daquela quantia, o requerido preencheu, assinou e entregou à requerente dois cheques nos montantes de € 1.980,00 e € 1.820,00, respectivamente, datados de 30.06.06 e 31.07.06. Aqueles cheques foram apresentados a pagamento e foram devolvidos por falta de provisão. As tentativas de contacto telefónico do requerido, que a requerente tem feito quase diariamente, foram frustradas e nenhum dos faxes e correspondência enviada foram respondidos. Os factos acima descritos estão provados por confissão do requerido e pelo teor dos documentos de fls. 31 e seguintes, 35 e 36. * III.É questão a decidir (delimitada pelas conclusões da alegação do apelante - artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC): - Se os factos provados são insuficientes para se concluir pela verificação da situação de insolvência do apelante. Dispõe o artº 3º, nº 1 do CIRE – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem – que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Nos termos do artº 18º, nº 1, o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias posteriores à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº 1 do artº 3º, ou à data em que devesse conhecê-la. Mas, segundo o artº 20º, nº 1, a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo MºPº, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos factos enunciados nas suas diversas alíneas. De há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda[1], o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Assim mesmo, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única, indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante. Como se pode ler no ponto 19 do Preâmbulo do CIRE, a situação de insolvência definida no artº 3º, nº 1 é, pois, o único pressuposto objectivo da declaração de insolvência. Mas há factos que, pela experiência da vida, manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto. Estes factos estão enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do artº 20º e são correntemente designados por factos-índices ou presuntivos da insolvência, através dos quais a situação de insolvência se manifesta ou exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor[2]. Além disso, a verificação de, pelo menos, um daqueles factos, é condição necessária para a iniciativa processual dos sujeitos mencionados no mesmo normativo[3]. Sendo a insolvência requerida por uma entidade diversa do devedor, a causa de pedir do processo de falência – que consiste no facto do qual decorre a impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações (artº 3º, nº 1) – só poderá ser indiciada pelos factos taxativamente enumerados no nº 1 do artº 20º[4]. Sendo a declaração de insolvência requerida por qualquer uma das pessoas legitimadas para o efeito pelo nº 1 do artº 20º, com base nalgum dos factos ali previstos, cabe ao devedor provar a sua solvência, podendo a sua defesa basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência (artº 30º, nºs 3 e 4). Ou seja, cabe ao devedor ilidir a presunção que emana do facto-índice, trazendo ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente. Se o devedor for citado e não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial e a insolvência é declarada se os factos confessados forem de molde a consubstanciar alguma das hipóteses configuradas nas alíneas do nº 1 do artº 20º. É o que resulta do disposto no nº 5 do artº 30, como defendem Carvalho Fernandes e João Labareda[5]. Um dos factos-índices da situação de insolvência é a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (al. b) do nº 1 do artº 20º). Como se vê, não basta o incumprimento de uma ou algumas das obrigações para constituir indiciador da situação de insolvência. É necessário que, pelas suas circunstâncias, aquele incumprimento evidencie a impossibilidade de pagar. O requerente deve então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias das quais, uma vez demonstradas, é razoável deduzir a penúria generalizada[6]. No caso, a declaração de insolvência do requerido foi pedida por um credor, com fundamento no disposto na al. b) do nº 1 do artº 20º. O requerido não deduziu oposição, pelo que foram considerados confessados os factos alegados pela requerente, ao abrigo do disposto no nº 5 do artº 30º. E foi declarada a situação de insolvência, por se entender que os factos confessados integravam a previsão da citada al. b) do nº 1 do artº 20º. Está provada a falta de pagamento de uma dívida cujo capital é de € 19.611,45, a que acrescem juros que ascendiam a € 5.058,82 à data do pedido de declaração de insolvência. O montante da dívida não é elevado e, por isso, o incumprimento de tal obrigação, só por si, é insuficiente para revelar a impossibilidade de o requerido satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Mas a requerente também alegou factos relativos às circunstâncias do incumprimento da obrigação, os quais estão provados pela confissão do requerido. Desde logo, só decorrido mais de um ano sobre a data da prolação da sentença que condenou o requerido a pagar a dívida à requerente, entregou aquele à requerente dois cheques para pagamento de uma pequena parte da dívida, os quais foram devolvidos por falta de provisão. Acresce que a requerente não consegue contactar o requerido telefonicamente e os faxes e as cartas que lhe envia não têm resposta. Além disso, o requerido tem o estabelecimento comercial encerrado, não tem crédito bancário, não tem dinheiro ou quaisquer meios próprios que lhe permitam cumprir as obrigações por si assumidas e não tem qualquer património. Todas aquelas circunstâncias que rodeiam o incumprimento da obrigação que o requerido tem para com a requerente são reveladoras de que o requerido está impossibilitado de satisfazer pontualmente não só aquela obrigação, como a generalidade das suas obrigações. Não pode o requerido satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações sem dinheiro, sem património, sem crédito bancário e mantendo encerrado o seu estabelecimento comercial. Também a emissão de cheques sem provisão e a falta sistemática de resposta às solicitações da requerente indiciam a situação de penúria generalizada em que o requerido se encontra. Mostra-se assim devidamente caracterizada a presunção de insolvência do requerido prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 20º. Cabia ao requerido ilidir a presunção derivada daquele facto, demonstrando a sua solvência, como dispõem os nºs 2 e 3 do artº 30º. Designadamente, alegando e provando em sede de oposição o que tardiamente vem alegar no presente recurso: que fez com a requerente um acordo de pagamento em prestações da dívida em causa e que está a cumprir pontualmente as suas restantes obrigações. Existindo o índice de insolvência acima mencionado e não tendo o requerido ilidido a presunção dali decorrente, tem de se considerar verificada a situação de insolvência definida no artº 3º, nº 1, e, como tal, preenchido o pressuposto objectivo da declaração de insolvência. Improcedem assim as conclusões do apelante, pelo que há que confirmar a decisão recorrida. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência: - Confirma-se a decisão recorrida. Custas pelo apelante. *** Porto, 12 de Abril de 2007 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Manuel Lopes Madeira Pinto António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha _________________________________ [1] CIRE Anotado, I, 70 e 71. [2] Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, 131 e Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, 17. [3] Catarina Serra, obra citada, 18. [4] Isabel Alexandre, “O Processo de Insolvência: Pressupostos Processuais, Tramitação, Medidas Cautelares e Impugnação da Sentença”, Revista Themis, Edição Especial 2005, 59. [5] Obra citada, 171. [6] Carvalho Fernandes e João labareda, obra citada, 133. |