Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0356365
Nº Convencional: JTRP00036785
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MAIORIDADE
EXTINÇÃO
Nº do Documento: RP200401260356365
Data do Acordão: 01/26/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J PENAFIEL 1J
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - Com a maioridade cessa o poder paternal.
II - A obrigação dos pais contribuírem para o sustento do filho, atingida a maioridade, até que complete a sua formação profissional - artigo 1880 do Código Civil - radica, antes de tudo, num dever moral e ético de assistência.
III - O título executivo, com base no qual o pai de um menor estava obrigado a prestar alimentos ao filho, esgota a sua coerção, com a maioridade legal.
IV - Pretendendo este beneficiar do regime legal daquele normativo, para completar a sua formação profissional, tem de, em acção própria, com base bem diferente causa de pedir, alegar os requisitos do mencionado normativo, obtendo um novo título executivo.
V - Tal acção não corre por apenso àquela em que eram prestados alimentos ao filho, enquanto menor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

José .............., deduziu em 5.12.2002, Embargos de Executado, à Execução Especial por Alimentos que, pelo .. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ............. lhe move a exequente:

Susana ...............

Requereu a extinção da execução a que os presentes autos se encontram apensos, alegando para o efeito a inexistência de título executivo.

Alegou, em síntese, que o direito a alimentos fixados a menor se extingue com a maioridade.

Uma vez esta atingida o maior só manterá o direito a alimentos se se verificar o condicionalismo referido no artigo 1880° do Cód. Civil, mas para tanto, terá de convencer judicialmente o obrigado de que o direito existe, intentando o procedimento no Tribunal comum, através do meio processual consagrado no art. 1420° do Código de Processo Civil.

Por despacho de fls. 16 foram admitidos liminarmente os embargos, ordenando-se a notificação da embargada para contestar.

Contestou a embargada/exequente dizendo, no essencial, que não obstante o facto de ter atingido a maioridade, nos termos do disposto no art. 1880° do Cód. Civil a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores não cessa com a maioridade, nomeadamente quando o filho não tiver terminado a sua formação profissional, como é o caso, mantendo-se, por seguinte que a sentença proferida nos autos de regulação de poder paternal vale como título executivo.
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Por se ter entendido que a questão de mérito era unicamente de direito, conheceu-se imediatamente do pedido no despacho saneador - art. 510°, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil – tendo os embargos sido julgados provados e extinta a execução.
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Inconformada recorreu a embargante que, alegando, formulou as seguintes conclusões:


1ª - Nos autos de acção de regulação de poder paternal n°.../.., que correram termos no .. Juízo do Tribunal Judicial de ............, o apelado, por transacção homologada por sentença, obrigou-se a prestar, a título de alimentos devidos à sua filha menor, aqui apelante, a quantia mensal de 37.500$00, a pagar mediante cheque a enviar para a residência da mãe da apelante, até ao dia 10 de cada mês.

2ª - Em 16 de Setembro de 2002, a apelante intentou contra o apelado execução especial por alimentos com processo na forma ordinária, com vista a obter o pagamento de todas as prestações alimentares em dívida desde Fevereiro de 1998, mês em que e respectivo dia doze a apelada atingiu a maioridade.

3ª - O apelado deduziu embargos alegando que a sentença exequenda não é, no caso, título executivo, posto a sua obrigação de alimentos ter cessado com a maioridade da apelante.

4ª - Com esse fundamento a M.ma Juiz “a quo” julgou procedentes os embargos deduzidos pelo apelante e extinta a execução.

5ª - Porém, o advento da maioridade não faz extinguir automaticamente a obrigação alimentar fixada no período da menoridade.

6ª - Para que tal aconteça é necessário que aquele que está obrigado a alimentos venha requerer ao processo de regulação de poder paternal a extinção da referida obrigação.

7ª - Caso contrário e desde que no momento em que o filho atinja a maioridade não tenha completado a sua formação profissional, como é o caso dos autos, mantém-se a obrigação de alimentos que emergiu da sentença proferida em sede de regulação do poder paternal. Assim o estatui o artigo 1880° do Código Civil.

8ª - Donde a referida sentença tem de ser título executivo para efeitos de cobrança coerciva das prestações alimentares em dívida.

9ª - Acresce que o artigo 1412°, n°2, do Código de Processo Civil prevê que tendo havido decisão sobre alimentos a menores, a maioridade não impede que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso àquele.

10ª - Daí sendo forçoso extrair que se a acção que serviu de base à fixação de alimentos à apelante, enquanto menor, é aquela onde se pode deduzir incidente de actualização ou cessação da prestação alimentar é porque a fixação efectuada em consequência da menoridade subsiste válida para além dela, mantendo-se a e exequibilidade da sentença que a fixou.

11ª - Forçoso se mostra assim concluir que a sentença que a estipulou a pensão de alimentos à apelante enquanto menor e à qual estava adstrito o apelado é título executivo para a cobrança das prestações em dívida, nos termos das citadas disposições e dos artigos 46° al. a) e 47° do Código de Processo Civil.

12ª - Ao decidir de diversa forma julgando por esse motivo procedentes os embargos e ordenando a extinção da execução a M.ma Juiz “a quo” fez incorrecta interpretação e aplicação da Lei, violando os artigos 1880º do Código Civil ,1412° e 46 al. a) e 47° do Código de Processo Civil.

13ª - Pelo que dando provimento ao presente recurso pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que julgue improcedentes os embargos e ordene o prosseguimento da execução, praticarão como sempre inteira e sã Justiça.

Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta a seguinte matéria de facto:

1) - Nos autos de acção de regulação de poder paternal a que os presentes se encontram apensos, em que era requerente Maria ............ e requerido o ora embargante, por transacção homologada por sentença de 08 de Novembro de 1991, já transitada em julgado, o embargante obrigou-se a prestar a título de alimentos devidos à sua filha menor, a ora embargada, a quantia mensal de Esc. 37.500$00, a pagar mediante cheque a enviar para a residência da mãe, até ao dia 10 de cada mês;

2) - A embargada atingiu a maioridade no dia 12/02/1998;

3) - Desde o mês de Fevereiro de 1998 que embargante deixou de pagar à embargada as prestações mensais referidas em 1);
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Fundamentação:

A questão objecto do recurso – aferida pelo teor das conclusões do recorrente que, em princípio, definem o respectivo âmbito de conhecimento – consiste em saber a sentença que fixou alimentos devidos a menor constitui título executivo, para que o alimentando – que entretanto atingiu a maioridade – possa continuar a exigi-los para completar a sua formação profissional – art. 1880º do Código Civil.

Vejamos:

É inquestionável que os pais não inibidos do exercício do poder paternal têm o dever de prestar alimentos aos filhos menores, assegurando o seu sustento, sendo responsáveis pelas despesas inerentes à saúde e educação deles – art. 1878º do Código Civil.

O art. 2003º, nº1, do Código Civil define alimentos como aquilo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.

Sendo o alimentando menor, os alimentos compreendem também a instrução e educação.

Da definição legal alargada de alimentos, resulta que, sendo os alimentos devidos a menor, as necessidades a prover através da prestação do obrigado, são não só as inerentes à subsistência física do alimentando, como também à sua formação escolar, moral e cívica, tendo em conta o sadio desenvolvimento da sua personalidade.

O menor, naturalmente, precisará de meios para ter uma alimentação equilibrada e saudável, viver em ambiente digno, vestir-se com conforto, ter assistência médica, dispor de material escolar, tudo visando uma educação e vivência que salvaguarde o seu futuro.

Como modelarmente ensina Vaz Serra, in RLJ 102-262:

“A definição de alimentos não deve ser interpretada à letra.
Se se considerasse que o sustento abrangia apenas as necessidades ligadas à alimentação, e uma vez que as expressões habitação e vestuário têm alcance preciso, ficaria demasiado restrito o âmbito da definição, pois o alimentado pode carecer de mais alguma coisa para viver, como. por ex., despesas de tratamentos de deslocação e outras. Por conseguinte. parece dever entender-se como alimentos tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado. Para tal, bastará dar à palavra sustento um significado lato e atribuir carácter exemplificativo ao disposto no nº1”.

Dispõe o art. 2004º do citado diploma:

“1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”.

O pátrio poder tem inerente, além de outros, como o dever de respeito, comando e representação, um poder-dever de educação e manutenção dos filhos – art. 36º, nº5, da Constituição da República, e arts. 1885º e 1886º do Código Civil – de auxílio – art. 1874º, nº1, do mesmo Código - e sustento dos filhos – art. 1879º do citado diploma.

Os deveres de educação e manutenção e auxílio devem, como todos os outros contidos no poder paternal, ser exercidos no interesse dos filhos – art. 1878º, nº1, do Código Civil.

Cessando com a maioridade legal a incapacidade do menor –arts. 129º e 130º, do Código Civil – fica ele com plena capacidade para o exercício de direitos, competindo-lhe reger a sua pessoa e os seus bens, cessando nesse domínio a função paternal.

O poder paternal cessa com a maioridade – art. 1877º do Código Civil.

Do art. 1879º do citado diploma resulta que se o filho, mesmo menor, estiver em condições de prover, pelo produto do seu trabalho, ao seu sustento (segurança, saúde e educação) os pais ficam desobrigados desse dever, na medida em que o menor possa arcar com tais despesas.

A propósito deste normativo ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. V, pág. 337:

“Determinando expressamente que os pais ficam desobrigados (de alguns dos deveres que integram o poder paternal) na medida em que os filhos estejam em condições de poder prescindir do auxílio e assistência dos pais a lei quer manifestamente significar que a desobrigação dos pais pode ser apenas gradual ou parcial, como sucederá quando os filhos, através do produto do seu trabalho ou dos seus rendimentos de capital, possam contribuir para os encargos a que a disposição se refere, mas não possam prescindir dela por inteiro”.

Se assim sucede, ainda durante a menoridade dos filhos, admitindo a lei que coexistindo as obrigações próprias do poder paternal de par com o contributo do filho menor, do ponto em puder “ajudar” a prover ao seu sustento, tal significa, manifestamente, que a prestação de alimentos tem carácter de excepcionalidade quando o filho atinge a maioridade legal, sendo então necessário que prove os requisitos que a lei define no art. 1880º do Código Civil.

Este normativo ao impor aos pais as obrigações referidas no art. 1879º do Código Civil exige que o filho prove que: a) - não completou a sua formação profissional; b) - que os pais disponham de condições para o sustentar pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

Como ensinam os tratadistas na obra citada , pág. 339, a obrigação imposta pelo art. 1880º do Código Civil tem carácter excepcional.

Tal excepcionalidade resulta do facto de, atingindo o menor a maioridade legal, cessar o poder paternal sendo a obrigação prevista no art.1880º do Código Civil de diversa índole, já não inserida no poder paternal, mas num dever moral e ético de assistência, em vista da completa formação profissional do filho maior.

Daí que entendamos, com a decisão recorrida, que atingida a maioridade, a sentença que constituía título executivo para o filho menor exigir alimentos do pai, não constitui título executivo para continuar a exigi-los, agora no quadro legal do art. 1880º pois, que esta obrigação – que constitui imperativo ético – depende da prova de requisitos que não se integram, tout court, no contexto do poder paternal atinente a filhos menores.

Mas será que o art. 1412º do Código de Processo Civil invalida tal entendimento?

Estatui o citado normativo:

“1 – Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artigo 1880º do Código Civil, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 – Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso”.

O facto de o nº2 do artigo citado mandar correr por apenso os incidentes de alteração ou cessação de alimentos devidos a menores, quando atinjam a maioridade ou emancipação, não equivale a dizer que o título executivo, atingida a maioridade, seja o mesmo.

Cremos que o sentido do normativo tem apenas que ver com razões práticas de índole processual.

Com efeito, havendo no “processo principal” elementos em que se debateu já a medida dos alimentos com pronúncia do Tribunal, que adquiriu matéria de facto para os fixar, obrigar a lei a instaurar nova a acção para os alterar ou fazer cessar seria perda de meios e prejuízo para a celeridade que, casos que tais, reclamam.

O filho maior que exigir alimentos ao abrigo do art. 1880º do Código Civil terá que fazer a prova dos requisitos de que depende a sua atribuição, pelo que a decisão que os decretar é que constitui título executivo, novo título (diríamos).

A nosso ver, da regulação contida no art. 1412º do Código de Processo Civil não se extrai qualquer elemento sobre a validade do título executivo com base no qual o menor, credor alimentos os exigia, para que se possa afirmar que, nas circunstâncias do art. 1880º do Código Civil, o título executivo é o mesmo, devendo a pretensão correr por apenso.

Reafirma-se, em conclusão, que com a maioridade cessa a prestação alimentar, se judicialmente fixada a favor de filho menor, esgotando o título executivo a sua coerção; se o filho carecer de alimentos para completar a sua formação profissional, atingida a maioridade legal, deverá intentar nova acção visando provar que reúne os requisitos do art. 1880º do Código Civil.

Pelo quanto dissemos soçobram as conclusões do recurso.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o saneador-sentença recorrido.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Porto, 26 de Janeiro de 2004
António José Pinto da Fonseca Ramos
José Augusto Fernandes do Vale
José da Cunha Barbosa