Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1012/11.4TYVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCAÇÃO JUDICIAL
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP201210091012/11.4TYVNG.P1
Data do Acordão: 10/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O pedido de convocação judicial de assembleia geral de sociedade comercial, a que se referem os arts. 375°, n° 6 do Cód. das Sociedades Comerciais e 1486° do Cód. do Proc. Civil, não exige a apreciação pelo tribunal das razões do sócio requerente, competindo-lhe apenas verificar se a recusa foi, ou não legítima, à luz do preceituado no art. 375° do Cód. das Sociedades Comerciais, isto é, se, formalmente, se verificam ou não os pressupostos constantes dos n°s 2 e 3 deste artigo.
II - O exercício do direito de convocar uma assembleia geral, conforme o que se estatui no n° 3 do art. 375° do Cód. das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades por quotas por força do disposto no art. 248°, n° 1 do mesmo diploma, está condicionado: i) à indicação precisa e concreta dos assuntos a incluir na ordem do dia; ii) à justificação da necessidade de reunião dessa assembleia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1012/11.4 TYVNG.P1
Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia – 2º Juízo
Apelação
Recorrente: “B…, Lda.”
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
C…, residente na …, nº .., em Vila do Conde, instaurou o presente processo especial de jurisdição voluntária para convocação de assembleia geral de sócios contra “B…, Lda.”, com sede na Rua …, .., Vila do Conde e D…, residente na …, nº …, .º esquerdo, Vila do Conde.
Alega que é sócio da requerida em 44% do capital social, sendo o requerido sócio e gerente da mesma.
Na qualidade de sócio, notificou a Administração da requerida na pessoa do seu gerente, com data de 6.9.2011, para que este procedesse à convocatória de uma Assembleia Geral Extraordinária, contendo esta notificação os pontos da ordem de trabalhos e a justificação das razões que motivavam a sua convocação.
Sucede que não foi convocada qualquer assembleia, tendo o requerido, em nome da sociedade requerida, enviado ao requerente comunicação na qual recusava expressamente a sua realização.
O requerente instruiu os autos com certidão do registo comercial relativa à sociedade “B…, Lda.”.
Seguidamente, foi proferida decisão, através da qual se convocou uma assembleia geral da sociedade “B…, Ldª”, a realizar na sua sede sita na Rua …, .., em Vila do Conde, no dia 30.01.2012, às 16 h., com a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Deliberar sobre a revogação de deliberação de destituição de gerente do sócio C…;
2. Deliberar que a sociedade requeira a destituição judicial do gerente D… com direito especial à gerência com justa causa”.
Para presidente da assembleia geral designou-se a sócia E….
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso de apelação a requerida “B…, Lda.”, o qual foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- A sentença sob recurso ordenou a convocação de Assembleia Geral da Sociedade.
2- Fê-lo sem dar hipótese de contradita à requerida.
3- Violou o princípio do contraditório.
4- O ponto 1. da ordem de trabalhos é juridicamente impossível.
5- A lei, mormente o CSC, não prevê a possibilidade de revogação das deliberações
sociais.
6- Mesmo que o previsse, não estaríamos perante essa possibilidade.
7- Os argumentos do requerente fundam-se na invalidade da deliberação a revogar.
8- O meio próprio para o requerente reagir seria propor a acção de anulação de deliberações sociais.
9- O requerente não o fez.
10- O ponto 2. da ordem de trabalhos é igualmente inútil.
11- O gerente D… é titular de um direito especial à gerência.
12- Direito esse que lhe foi atribuído pelo requerente seu pai e sua falecida esposa, sócios maioritários da sociedade requerida.
13- O gerente D… só pode ser destituído com justa causa.
14- Em momento algum a conduta do gerente D… se enquadra no disposto no nº 6 do artigo 257º do CSC.
15- Independentemente, o requerente pode lançar mão da acção prevista no artigo 257º nº 4 do CSC.
16- A realização da Assembleia Geral, com a presente ordem de trabalhos, não tem qualquer utilidade dado que o requerente controla a maioria do capital social.
17- Trata-se de um capricho do requerente.
18- Provavelmente fruto dos seus noventa e quatro anos.
19- Cujos efeitos serão apenas custos, económicos e sociais, para a sociedade requerida.
20- Numa altura de forte recessão económica, em que todos os esforços devem ser canalizados para a prossecução do objecto social.
21- Foram violadas as normas legais constantes dos artigos 375º nº 1 “ex vi” do 248º nº 1, 248º nº 3, 257º nº 3, 4 e 6, todos do CSC e artigo 3º nºs 1 e 3 e artigo 1486º nº 2, ambos do CPC.
Pretende assim que seja anulada a sentença recorrida, dando-se sem efeito a marcação da Assembleia Geral Extraordinária.
O requerente C… apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º - A, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se o tribunal recorrido, no âmbito dos presentes autos instaurados ao abrigo do art. 1486º do Cód. do Proc. Civil, decidiu correctamente ao convocar assembleia geral da sociedade requerida com a ordem de trabalhos acima indicada e se ocorreu violação do princípio do contraditório.
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OS FACTOS
A factualidade, com interesse para o conhecimento do presente recurso, é a seguinte:
1. O requerente C…, na sociedade requerida “B…, Lda.”, é detentor de uma quota que corresponde a 44% do capital social – cfr. doc. de fls. 34 e segs.
2. O requerente, com data de 6.9.2011, remeteu ao requerido D… (gerente da sociedade “B…, Lda.”) carta registada com aviso de recepção com o seguinte teor:
“Assunto: - Requerimento para Convocatória de Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade por Quotas B…, Lda.
Exmo. Senhor
Na qualidade de sócio vimos requerer, nos termos do que dispõem os artigos 248º, nº 2 e 375º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a convocação imediata de Assembleia Geral Extraordinária com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1 – Deliberar sobre a revogação de deliberação de destituição de Gerente do Sócio C….
2. Deliberar que a Sociedade requeira a Destituição Judicial do Gerente D… com direito especial à gerência com Justa Causa.
O pedido de Assembleia Geral em mérito com a presente Ordem de Trabalhos funda-se pelo conhecimento do aqui Sócio por terceiros da denominada Acta nº .. a qual, para além de conter afirmações caluniosas e falsas contra o aqui subscritor, está eivada de dados falsos e, ademais, funda-se numa convocatória inexistente para o efeito consubstanciando o deliberado num vício de nulidade.
Mais, a conduta do Gerente que assumiu a Presidência da Assembleia em causa e o teor da deliberação apenas por si produzida motiva a justa causa de destituição.
Posto que deverá V. Exa., nos termos e prazos fixados pelo artigo 375º do CSC aplicável, convocar a Assembleia Geral com a supra mencionada Ordem de Trabalhos sob pena de imediato pedido de Convocação Judicial – artigos 1486º e seguintes do Código de Processo Civil – assumindo V. Exa. as responsabilidades daí decorrentes, nomeadamente, as que resultem do hiato temporal que medeie até à mesma.» - cfr. docs. de fls. 18/19 e 20.
3. A gerência da sociedade “B…, Lda.”, através de carta datada de 21.9.2011, respondeu ao requerimento transcrito em 2. da seguinte forma:
“Na sequência da sua missiva, onde requer a convocação de Assembleia Geral Extraordinária, permita-nos que o elucidemos acerca dos pontos que Vsª Excª pretende incluir na ordem de trabalhos.
Quanto ao ponto “1” do requerimento de Vsª Excª e respectivos comentários, cumpre considerar o seguinte:
As deliberações sociais não são revogáveis.
Mesmo que o fossem, a deliberação tomada na Assembleia Geral de 30 de Março de 2011 já se encontra há muito executada e aceite por Vsª Excª, tendo produzido os seus efeitos.
A Assembleia Geral de 30 de Março de 2011 foi efectiva e regularmente convocada, decorrendo dentro da normalidade e da legalidade, bem como as deliberações que dela resultaram.
O facto de Vsª Excª não ter tomado posição na Assembleia Geral deve-se apenas e unicamente à sua vontade, visto que não compareceu nem se fez representar na mesma, bem como na anterior realizada no dia 23 de Março de 2011, depois de devidamente convocado para ambas.
Não faz qualquer sentido convocar uma Assembleia Geral para se deliberar um acto que não é permitido por Lei, nem o adequado a efectivar as pretensões que Vsª Excª poderá ter, quando foi convocada e realizada uma Assembleia Geral apenas e exclusivamente para a discussão e votação dessa mesma matéria, assembleia essa onde Vsª Excª não quis estar presente.
Quanto ao ponto 2:
O Senhor Eng. D…, na qualidade de Sócio, convocado para tal, compareceu na Assembleia Geral da Sociedade, tendo presidido à mesma nos termos do nº 4 do artigo 248º do Código das Sociedades Comerciais.
A deliberação tomada por unanimidade do capital social presente é um reflexo da vontade da Sociedade e veio no seguimento do acontecimento de várias das situações descritas na acta nº .., reportadas por diferentes colaboradores da Sociedade.
Aliás, o conteúdo do requerimento de Vsª Excª, a que se responde, é um exemplo claro dos factos relatados na acta nº ...
A Sociedade não encontra qualquer ilegalidade na conduta do Sócio-Gerente D… que fundamente a sua destituição do cargo de Gerente, nem se confundem as funções que resultam do exercício desse cargo com a sua qualidade de Sócio.
Nestes termos e de acordo com o artigo 375º nº 5 “ex vi” do artigo 248º nº 1, ambos do Código das Sociedades Comerciais, não se atende à pretensão de Vsª Excª na marcação de uma Assembleia Geral Extraordinária.” – cfr. doc. de fls. 21/22.
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O DIREITO
O requerimento através do qual um sócio solicita à gerência da sociedade a convocação de uma assembleia geral, conforme resulta do disposto no art. 375º, nº 3 do Cód. das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades por quotas por força do art. 248º, nº 1 do mesmo diploma legal, deverá indicar com precisão os assuntos a incluir na ordem do dia e justificar a necessidade da reunião da assembleia.
A gerência, não deferindo tal requerimento, terá que justificar por escrito a sua decisão no prazo de quinze dias (cfr. art. 375º, nº 5 do Cód. das Sociedades Comerciais).
E não sendo deferido, o sócio pode requerer a convocação judicial da assembleia, tal como previsto no art. 375º, nº 6 do Cód. das Sociedades Comerciais e regulado no art. 1486 do Cód. do Proc. Civil, onde no seu nº 1 se estatui o seguinte:
«Se a convocação de assembleia geral puder efectuar-se judicialmente, ou quando, por qualquer forma, ilicitamente se impeça a sua realização ou o seu funcionamento, o interessado requererá ao juiz a convocação.»
O pedido de convocação judicial de assembleia geral de sociedade comercial não exige a apreciação pelo tribunal das razões do sócio requerente, competindo-lhe apenas verificar se a recusa foi, ou não legítima, à luz do preceituado no art. 375º do Cód. das Sociedades Comerciais, isto é, se, formalmente, se verificam ou não os pressupostos constantes dos nºs 2 e 3 deste artigo, valendo relativamente às sociedades por quotas a previsão dos nºs 1 e 2 do art. 248º do mesmo diploma legal.
O exercício do direito de convocar uma assembleia geral, na sequência do que se vem expondo, está condicionado:
- em primeiro lugar, à indicação precisa e concreta dos assuntos a incluir na ordem do dia (cfr. art. 377º, nº 8 do Cód. das Sociedades Comerciais), concretização essa indispensável para que os sócios os possam estudar com tempo, habilitando-se, assim, a discuti-los, mas também para evitar que seja tratado de surpresa qualquer assunto.[1]
- e, em segundo lugar, à justificação da necessidade de reunião dessa assembleia, pois não é de aceitar que um sócio, sem mais e quando bem entenda, possa convocar assembleia geral extraordinária (direito subjectivo não é sinónimo de direito ilimitado, nomeadamente quando se está perante direito social).[2]
No caso “sub judice”, o sócio requerente C… requereu a convocação de assembleia geral extraordinária da sociedade “B…, Lda.” indicando a seguinte ordem de trabalhos:
“1 – Deliberar sobre a revogação de deliberação de destituição de Gerente do Sócio C….
2. Deliberar que a Sociedade requeira a Destituição Judicial do Gerente D… com direito especial à gerência com Justa Causa.”
Como justificação para a realização de assembleia geral extraordinária com esta ordem de trabalhos o requerente referiu que a denominada acta nº .. contém afirmações falsas e caluniosas contra si, está eivada de dados falsos e funda-se numa convocatória inexistente para o efeito, tudo se traduzindo num vício de nulidade.
Acrescentou ainda que a conduta do gerente que assumiu a presidência da Assembleia em causa e o teor da deliberação que da mesma resultou constituem justa causa de destituição.
Este requerimento, que visava a convocação de assembleia geral extraordinária, foi desatendido, de forma fundamentada, pela gerência da sociedade “B…, Lda.”
No que tange ao primeiro ponto da ordem de trabalhos, há a salientar, desde logo, que o Cód. das Sociedades Comerciais não prevê a possibilidade de se deliberar a revogação de uma anterior deliberação.
Porém, a propósito do instituto de renovação da deliberação social anómala, previsto no art. 62º do Cód. das Sociedades Comerciais, Pinto Furtado alude à possibilidade de revogação de anterior deliberação social.
Escreve (in “Curso de Direito das Sociedades”, 5ª ed., pág. 471): “A deliberação posterior pode ser adoptada unicamente com eficácia “ex nunc”, importando nesse caso apenas a revogação da anterior e a sua sucessão para o futuro, pela nova deliberação, ou pode ser assumida com eficácia “ex tunc”, reportando retroactivamente o início dos seus efeitos ao começo de vigência da outra.
Só no segundo caso, obviamente, haverá substituição e estaremos assim em presença de uma verdadeira renovação de deliberações anteriores inválidas (...).
No primeiro caso há, mais propriamente, uma sucessão de deliberações.”
Tal significa que se com a revogação se pretende destruir a deliberação anterior, com a renovação visa-se substituir uma deliberação inválida por outra, isenta do vício da primeira, preenchendo o essencial do seu conteúdo e ocupando, retroactivamente, o lugar dela.
O art. 57º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais, onde se traça o regime relativo às deliberações sociais nulas, determina que o órgão de fiscalização da sociedade dê conhecimento aos sócios, em assembleia geral, da nulidade de anterior deliberação, a fim de estes a renovarem, sendo possível, ou de promoverem, querendo, a respectiva declaração judicial.
Não se prevê nesta norma que se proceda à revogação da deliberação social nula.
Conforme afirma Pinto Furtado (in “Deliberações dos Sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1993, pág. 592), “o art. 57º-1 parece evidenciar uma concepção muito nítida da destrinça quando, a respeito de deliberações nulas, manda que o órgão de fiscalização as denuncie à assembleia geral, a fim de os sócios as «renovarem, sendo possível, ou de promoverem, querendo, a respectiva declaração judicial». Admite-se que, em vez da declaração judicial, se acerte socialmente a nulidade; não, que se proceda à sua revogação, em sentido próprio.”
Sucede que na presente situação, no requerimento com o qual se visava a convocação de assembleia geral extraordinária, o requerente, de forma genérica e vaga, reporta-se a um vício de nulidade que inquinaria uma anterior deliberação social.
Só que, assim sendo, não seria possível a sua revogação.
Como tal, considerando o requerente que tal deliberação seria nula, o caminho que lhe é apontado pelo referido art. 57º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais não é o por si seguido, mas sim o de obter a declaração judicial dessa nulidade.
Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos, referir-se-à que o requerido D… é titular de um direito especial à gerência.
Estatui o art. 257º, nº 3 do Cód. das Sociedades Comerciais que: «A cláusula do contrato de sociedade que atribua a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio. Podem, todavia, os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa e designar para tanto um representante especial.»
«Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade.» - cfr. art. 257º, nº 4 do Cód. das Sociedades Comerciais.
Por outro lado, constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções – cfr. art. 257º, nº 6 do Cód. das Sociedades Comerciais.
Acontece que o requerente detém, na prática, a maioria do capital social da sociedade “B…, Lda.”, uma vez que a sua quota corresponde a 44% do capital social e é cabeça-de-casal e administrador de outros 44% da herança aberta por óbito da sócia F….
Daqui resulta que se o requerente pretende destituir da gerência o requerido D…, a quem foi atribuído um direito especial a essa gerência, não necessita de obter uma deliberação no sentido da sociedade requerer a destituição judicial do gerente por justa causa, em consonância com o estatuído no art. 257º, nº 3 do Cód. das Sociedades Comerciais.
Pode fazê-lo, desde logo e como qualquer sócio, através de acção intentada contra a sociedade nos termos do art. 257º, nº 4.
A realização de uma assembleia geral, com esse objectivo, surge assim como algo de inútil.
Neste contexto, há que concluir que o requerente não justificou devidamente a sua pretensão de ver convocada assembleia geral extraordinária com a ordem de trabalhos que acima se deixou indicada, donde decorre ter sido legítima a decisão tomada pela gerência da sociedade no sentido da sua não convocação.
Por conseguinte, acolhendo-se no essencial a argumentação que foi explanada pela recorrente nas suas alegações, não deveria ter sido deferida pela 1ª Instância a pretensão formulada pelo ora recorrido ao abrigo do art. 1486º do Cód. do Proc. Civil.
Haverá, pois, que revogar a decisão recorrida, a qual na sua fundamentação se resumiu à transcrição do texto dos quatro números do art. 1486º do Cód. do Proc. Civil, remetendo depois, singela e genericamente, para “os factos alegados e os demais documentos constantes dos autos”.
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Antes de finalizar – e apesar de tal questão se achar prejudicada, face ao que acabou de se expor – dir-se-à ainda que o processo de convocação de assembleia de sócios, que se acha integrado no capítulo destinado aos processos de jurisdição voluntária, não impõe a audição da administração da sociedade.
Com efeito, conforme flui do nº 2 do art. 1486º do Cód. do Proc. Civil, «junto o título constitutivo da sociedade, o juiz, dentro de 10 dias, procederá às averiguações necessárias, ouvindo a administração da sociedade, quando o julgue conveniente, e decidirá.»
Constata-se, por conseguinte, que o juiz só ouvirá a administração da sociedade, se entender que tal é conveniente.
Acontece que no presente caso o Mmº Juiz “a quo” não procedeu à audição da gerência da sociedade requerida, o que significa que não a entendeu conveniente, pelo que, perante o texto da norma legal acima citada, não ocorreu qualquer violação do princípio do contraditório.
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Sintetizando:
- O pedido de convocação judicial de assembleia geral de sociedade comercial, a que se referem os arts. 375º, nº 6 do Cód. das Sociedades Comerciais e 1486º do Cód. do Proc. Civil, não exige a apreciação pelo tribunal das razões do sócio requerente, competindo-lhe apenas verificar se a recusa foi, ou não legítima, à luz do preceituado no art. 375º do Cód. das Sociedades Comerciais, isto é, se, formalmente, se verificam ou não os pressupostos constantes dos nºs 2 e 3 deste artigo.
- O exercício do direito de convocar uma assembleia geral, conforme o que se estatui no nº 3 do art. 375º do Cód. das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades por quotas por força do disposto no art. 248º, nº 1 do mesmo diploma, está condicionado: i) à indicação precisa e concreta dos assuntos a incluir na ordem do dia; ii) à justificação da necessidade de reunião dessa assembleia.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela requerida “B…, Lda” e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ficando sem efeito a convocação da assembleia geral extraordinária.
Custas a cargo do recorrido.

Porto, 9.10.2012
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
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[1] Cfr. Ac. STJ de 27.6.2002, CJ STJ, ano X, tomo II, págs. 138/145 (onde se cita Roque Laia, “Guia da Assembleia Geral”, 4ª ed., págs. 170/1).
[2] Cfr. Ac. STJ de 26.2.2004, p. 04B3095, disponível in www.dgsi.pt.