Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0020965
Nº Convencional: JTRP00030181
Relator: SOARES DE ALMEIDA
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
REQUISITOS
ESBULHO
VIOLÊNCIA CONTRA AS PESSOAS
PODERES DO TRIBUNAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
Nº do Documento: RP200012120020965
Data do Acordão: 12/12/2000
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 J CIV BARCELOS
Processo no Tribunal Recorrido: 55/00
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT.
Legislação Nacional: CPC95 ART381 ART392 N3 ART393 ART395.
CCIV66 ART246 ART255 N1 N2 ART1261 N2.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1983/03/15 IN BMJ N325 PAG578.
AC STJ DE 1998/05/26 IN BMJ N477 PAG506.
AC RE DE 1996/09/26 IN CJ T4 ANOXXI PAG281.
Sumário: I - São requisitos da providência cautelar de restituição provisória de posse, a posse, o esbulho e a violência.
II - O esbulho só é violento se a violência tiver sido exercida sobre as pessoas.
III - Provando-se apenas que em Novembro de 1999 A, aproveitando-se da ausência de B, invadiu o terreno em causa, ocupando-o com um veículo automóvel, e que, apesar de interpelado para desocupar o prédio, se recusa a fazê-lo, mesmo que se visse naquela actuação um esbulho parcial, sempre tal esbulho teria de ser considerado como não violento.
IV - Para que o tribunal, perante a impossibilidade de decretar a restituição provisória da posse, pudesse conceder uma providência cautelar inominada, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 395 e 392 n.3 do Código de Processo Civil, sempre se exigiria que se verificassem os requisitos das providências cautelares não especificadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Carolina............ requereu na comarca de Barcelos providência cautelar de restituição provisória de posse contra António............ e mulher Maria.............
Produzida a prova oferecida foi a providência julgada improcedente.
Inconformada, agravou a Requerente que, nas alegações apresentadas, formula as seguintes conclusões:
- É a Agravante dona e possuidora de prédio rústico sito na freguesia de A..... S. Martinho,
- tendo sido desapossada em Novembro de 1999 do mesmo pelos Agravados através da colocação de um veículo automóvel que impede a sua passagem e a normal fruição e utilização daquele.
- Estamos, pois, no domínio da violação da posse como poder correspondente ao exercício do direito de propriedade,
- produzida pela violência sobre um bem ou coisa pertença do esbulhado.
- Face ao exposto entendeu a Meritíssima Juiz a quo não ter existido no caso em apreço fundamento para a existência de violência, indo desta forma contra o entendimento dominante na jurisprudência, isto é, há violência no “acto de esbulho quando o possuidor fica impedido de contactar com a coisa como resultado de actos empregues pelo esbulhador”,
- O que foi inegavelmente o caso nos autos.
- Mesmo que assim não se entendesse, sempre deveria a Meritíssima Juiz a quo ter feito uso da prerrogativa conferida pela lei (artigos 395º e 392º, nº 3 do Código de Processo Civil),
- convertendo a providência cautelar especificada em providência cautelar inominada.
- Pelo exposto, foi violado o disposto nos artigos 392º, nº 3, 393º e 395º, todos do Código de Processo Civil, e 1261º, nº 2 e 255º, nº 2, ambos do Código Civil,
- Pelo que, e porque reunidos todos os elementos, se requer que se declare a providência cautelar procedente, por provada, com as consequências legais.
Não houve contra-alegações.
A Sr.ª Juíza sustentou o despacho.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

Cinge-se o objecto do recurso à questão de saber se houve ou não esbulho violento e no caso de resposta negativa se devia ou não o tribunal adoptar providência cautelar não especificada.

Não tendo sido impugnada a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto e não havendo fundamento para que a Relação altere oficiosamente essa decisão relativamente a qualquer ponto da referida matéria, visto o disposto no artigo 713º, nº 6 do Código de Processo Civil, aplicável ao julgamento do recurso de agravo por força do artigo 749º do mesmo Código, remete-se aqui, no que toca aos factos provados, para os termos da decisão de 1ª instância.

No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência (artigo 393º do Código de Processo Civil).
Requisitos desta providência cautelar são, pois, a posse, o esbulho e a violência.
Ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 393º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum (artigo 395º do mesmo Código).
Nem sempre é fácil, na prática, saber se estamos perante uma situação de esbulho ou antes de simples turbação.
O esbulho pressupõe que o possuidor foi privado da posse, isto é, que foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse (conf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 669).
Pode ser parcial, ou seja, verificar-se só em relação a uma parte da coisa, como sucede quando alguém se apropria de uma parte de um prédio rústico que outrem possui, murando-a por exemplo (conf. Manuel Rodrigues, A Posse, 3ª edição, pág. 363).
A turbação não priva o possuidor de continuar a possuir.
“O que sucede é que o possuidor foi incomodado, viu a sua posse embaraçada e disputada” (Alberto dos Reis, obra e local citado).
A turbação é menos que o esbulho mas mais que a simples ameaça.
Para que um certo acto constitua turbação há-de prejudicar o exercício da posse.
Mas não tanto que o possuidor fique privado dela, pois então temos esbulho.
A pedra de toque da distinção está nisso mesmo:
“Enquanto o possuidor, quaisquer que sejam os ataques e as ofensas à sua posse, conserva a retenção material ou fruição real do direito, há simples turbação” (Rev. Leg. Jurisp., Ano 44, pág. 52);
“O acto de turbação pode diminuir, alterar ou modificar o gozo e o exercício do direito, mas não destruir a retenção ou a fruição existente, ou a sua possibilidade” (Manuel Rodrigues, obra citada, pág. 362).
Ora, reportando-nos ao caso sub judice, tem-se como certo que não houve esbulho total.
Pois o que está provado, sobre o aspecto ora em questão, é tão só que em Novembro de 1999 os Agravados, aproveitando-se da ausência da Agravante, invadiram o terreno em causa, ocupando-o com um veículo automóvel, e apesar de interpelados para desocuparem o prédio, recusam-se a fazê-lo.
Cremos, porém, face ao que acima se referiu, que nem sequer de esbulho parcial se trata e apenas de turbação se poderá falar.
Do que não podem restar dúvidas é que, mesmo que se visse no acto dos Agravados um esbulho parcial, sempre tal esbulho teria de ser considerado como não violento.
O esbulho violento pressupõe que o esbulhador, para o conseguir, use de coacção física ou de coacção moral (conf. artigo 1261º, nº 2 do Código Civil).
À coacção moral refere-se o artigo 255º do mesmo Código.
O esbulho é feito sob coacção moral se o possuidor cede pelo receio de um mal de que foi ilicitamente ameaçado, mal esse que tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda daquele ou de terceiro (conf. nº 2 do citado artigo 255º).
A coacção física supõe completa ausência de vontade por parte daquele a quem a posse é usurpada.
O anterior Código Civil não dizia em que consistia violência para efeitos de posse, sendo então geralmente entendido que a violência tanto podia ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas (conf. Alberto dos Reis, obra citada, pág. 670; Manuel Rodrigues, obra citada, pág. 365).
Em face da definição de violência contida no citado artigo 1261º, nº 2 tem-se agora afirmado o entendimento de que o esbulho só é violento, se a violência tiver sido exercida sobre as pessoas (conf., por exemplo, o Acórdão do STJ de 15-3-1983, Bol. Min. Just. 325, pág. 578, e o Acórdão da Relação de Évora de 26-9-1996, Col. Jurisp., Ano XXI, tomo IV, pág. 281).
É que aquele artigo fala em uso de coacção física ou de coacção moral, sendo que a coacção, seja física (artigo 246º do Código Civil), seja moral (citado artigo 255º, nº 1), parece, por definição, só poder ser exercida sobre pessoas.
Não obstante, é ainda forte a corrente que entende que a violência que seja exercida sobre as coisas que constituam um obstáculo ao esbulho é igualmente relevante (conf, por exemplo, o Acórdão do STJ de 26-5-1998, Bol. Min. Just. 477, pág. 506).
Não há, porém, necessidade de tomarmos aqui posição definida sobre a questão.
Efectivamente, não se provou – ou foi sequer alegado – que os Agravados tenham usado de meios violentos para conseguirem tomar posse do terreno.
Dúvidas poderiam pôr-se, quanto à existência de violência, se o prédio da Agravante, por exemplo, fosse vedado e os Agravados, para o poderem invadir com o seu veículo automóvel, tivessem derrubado a vedação.
É que, como refere Manuel Rodrigues, obra citada, pág. 366, a violência “há-de exercer-se sobre as pessoas que defendem a posse, ou sobre as coisas que constituem um obstáculo ao esbulho, e não sobre quaisquer outras”.
Porém, como já se disse, nenhuma violência se provou – ou foi sequer alegada – no caso sub judice.
Bem andou, por isso, a Sr.ª Juíza em não decretar a providência requerida.
Não tem também razão a Agravante quando pretende que, faltando o requisito da violência, sempre a Sr.ª Juíza deveria ter convertido a providência requerida em providência cautelar inominada que determinasse a entrega do prédio àquela, livre de pessoas e bens.
Decerto que, como vimos logo no início, ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que tenha ocorrido violência, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum (artigo 395º do Código de Processo Civil).
Desde que mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, o possuidor que tenha sido esbulhado ou perturbado sem violência pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado (conf. artigo 381º do mesmo Código).
A tutela concedida pelo citado artigo 395º só existe, pois, quando faltam os requisitos da restituição provisória da posse, verificando-se, contudo, os requisitos legalmente estabelecidos para as providências cautelares não especificadas.
Assim resulta da expressão “nos termos gerais”, contida naquele artigo 395º.
Caberá ao possuidor, naturalmente, requerer a providência inominada que considere adequada sempre que, reconhecendo à partida que não tem fundamento para a restituição provisória da posse, entenda, todavia, estar-lhe facultado o procedimento cautelar comum.
Pode, contudo, dar-se o caso de o requerente ter razões para acreditar que a lei lhe faculta a restituição provisória da posse e vir depois a ser surpreendido em resultado das contingências da prova ou das querelas jurídicas.
Estabelece o artigo 392º, nº 3 do Código de Processo Civil que o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, sendo aplicável à cumulação de providências cautelares a que caibam formas de procedimento diversas o preceituado nos nºs 2 e 3 do artigo 31º.
Permite-se, pois, que o tribunal conceda providência cautelar diversa daquela que lhe foi requerida.
Já se nos afigura duvidoso que tal seja possível mesmo que à providência requerida e à providência a conceder caibam formas de procedimento diversas.
De qualquer modo, para que o tribunal, perante a impossibilidade de decretar a restituição provisória da posse, pudesse conceder uma providência cautelar inominada, ao abrigo das disposições conjugadas dos citados artigos 395º e 392º, nº 3, sempre se exigiria, como vimos, que se verificassem os requisitos das providências cautelares não especificadas.
Ora é manifesta, no caso sub judice, a ausência de factos que permitam concluir pela verificação de tais requisitos.
Não tinha, pois, a Sr.ª Juíza outra alternativa que não fosse o indeferimento da providência.

Nos termos expostos, nega-se provimento ao agravo e confirma-se o despacho recorrido.
Custas pela Agrava
Porto, 12-12-2000
Armando Fernandes Soares de Almeida
Norman Luís José de Mascarenhas
Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares