Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0455216
Nº Convencional: JTRP00037373
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
CUSTAS
Nº do Documento: RP200411150455216
Data do Acordão: 11/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - A inutilidade e a impossibilidade superveniente da lide constituem causas de extinção da instância executiva.
II - Deve ser deferido o pedido do exequente, de extinção da instância executiva, por impossibilidade superveniente da lide, se, depois de frustradas as suas reiteradas diligências com vista à penhora de bens do devedor, tal se mostra inviável, por inexistência de bens penhoráveis.
III - Na hipótese referida em II), as custas devem ser suportadas, não pelo exequente a quem o facto não é imputável, mas pelo devedor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

B.........., L.da instaura execução contra C.........., L.da, tendo nomeado bens à penhora.
Gorada a cobrança da quantia exequenda, tendo apenas conseguido a penhora do saldo de conta bancária de 1,23 €, requereu que fosse atribuída à execução o valor dos bens penhorados, por inferior ao crédito exequendo – art. 9º n.º 1 do CCJ -, com remessa dos autos à conta, com custas pela executada, bem como a emissão de certidão para efeitos fiscais e que seja declarada a instância extinta nos termos do art. 287º al. e) do CPC.
Perante este requerimento, convidou o tribunal a exequente para esclarecer se pretendia desistir da execução, ao abrigo do art. 918º do CPC, ao que esta respondeu que se estava perante um caso integrado no conceito de inutilidade superveniente da lide, por ser, perante os dados de facto do processo, descabido o prosseguimento da execução, tudo por falta de bens penhoráveis do executado, reiterando, deste modo, a extinção da execução nos termos do art. 919º n.º 1 in fine e do art. 287º al. e), ambos do CPC.
Perante este requerimento, o tribunal ordenou que os autos aguardassem o impulso processual do exequente, sem prejuízo do art. 51º n.º 2 al. b) do CCJ.
Em face deste novo despacho, insiste novamente o exequente para que o tribunal julgue a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, reiterando o anteriormente requerido.
Profere-se então despacho em que se considera que no regime actual vigente não constitui fundamento da remessa dos autos à conta a circunstância de o exequente não ter conhecimento da existência de bens do executado, uma vez que sobre si recai o ónus do impulso processual e, manifestando o exequente vontade de não prosseguir com a execução e considerando que a inutilidade superveniente da lide não consta como causa de extinção da execução, ordenou que os autos fossem remetidos à conta com custas pelo exequente.
Inconformado, recorre o agravante/exequente.
Recebido o recurso são apresentadas alegações e sustenta-se o despacho agravado.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II – Fundamentos do recurso

Formula a agravante as legais conclusões – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC, que delimitarão o âmbito do respectivo recurso.
Foram:

1. A recorrente cumpriu cabalmente todos os prazos legais, nomeadamente e sempre o prazo previsto no art. 51º, n.2, al. b) do Código das Custas Judiciais, nunca podendo por este motivo ser acusada de não cumprir o art. 836º do CPC.
2. Para além das causas de extinção da instância executiva taxativamente referenciadas no art. 919º, n.2 do CPC, preceitua-se na sua parte final que existirão outras causas de extinção destas instâncias, não sendo designadas quais.
3. O art. 466º, n. 2 do CPC, e no sentido de dar utilidade ao processo, prescreve que as disposições do processo declarativo são subsidiariamente aplicáveis ao executivo, desde que compatíveis com a natureza deste.
4. Ora, uma das causas de extinção do processo é a inutilidade superveniente da lide art. 287º, al. e) do CPC - e esta causa de extinção da instância declarativa não é de qualquer forma incompatível com a natureza do processo de execução.
5. Quanto ao valor a atribuir à execução, conforme o art. 9º, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, e porque apenas foi penhorada uma conta bancária que apresentava um saldo positivo no valor de 1,24 euro, deverá ser este o valor a atribuir à execução.
6. Pelo exposto, o despacho recorrido não respeitou as disposições legais previstas nos artigos 919º, n.º 2; 466º, n.º 1 e 287º, al. e), todas do CPC, e a prevista no art. 9º, n.º 1 do CCJ, nem o sentido que o legislador lhes quis dar.

Deve o douto despacho recorrido ser revogado.
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Não há contra alegações.
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III – Os Factos e o Direito

Do relatório constam já os factos que deram origem ao despacho impugnado e que no fundo se resume em se saber se serão de aplicar à extinção da instância executiva o mesmo regime relativo à extinção da instância declarativa, isto é, se quando no n.º 1 do art. 919º, parte final, se refere expressamente e concretamente que a execução será julgada extinta «...................................., ou quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva» se refere também às causas de extinção de instância do art. 287º do CPC.
Dentro destas e que ao caso diz respeito, será a da impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide – al. e) do art. 287º do CPC -.
Consultando os nossos doutrinadores, concluímos, diferentemente da conclusão do despacho recorrido, que a inutilidade superveniente da lide está prevista como causa de extinção da instância executiva.
De facto, Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. III, pág. 633, ao exemplificar, de acordo com o n.º 1 do art. 919º do CPC, as causas de extinção da instância executiva, refere concretamente que tal pode acontecer com a ocorrência de causa extintiva da instância indicadas no art. 287º.
De igual modo, Lopes do Rego, Comentários, pág. 611, considera relevante a ocorrência de qualquer causa de extinção da acção executiva resultante da aplicação ao processo executivo do regime geral da extinção da instância.
E finalmente, Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381, indica que há causas anómalas ou anormais de extinção de instância atinentes a vicissitudes ocorridas na própria instância executiva ou que nelas se reflectem, dando como exemplo, concretamente, a situação de ocorrência de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide do art. 287º al. e) do CPC.
Daí que, contrariamente ao entendido no despacho recorrido, o requerimento do exequente mereça uma outra interpretação e aplicação do direito.
Tendo o exequente, após diligências várias, deixado de encontrar bens no património do executado, por ausência total ou parcial para cobrança do seu crédito, tornando-se, deste modo, a continuação da instância impossível ou inútil, nada obsta a que esta seja declarada extinta, nos termos conjugados da parte final do n.º 1 do art. 919º e al. e) do art. 287º, ambos do CPC.
Tudo porque será de se aplicar à extinção da instância executiva o regime geral da extinção da instância, em obediência mesmo ao fixado no n.º 1 do art. 466º do CPC que manda aplicar ao processo de execução, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva.
Porém, consideramos que, ao caso concreto, se estará não perante uma inutilidade da lide mas antes perante uma impossibilidade da lide.
A extinção da instância por impossibilidade da lide ocorre ou porque se extingue o sujeito, o objecto ou a causa.
Ora, no caso, ocorrer uma impossibilidade por extinção da causa executiva, na medida em que esta se tornou impossível, apesar de todos os esforços do exequente para tentar obter bens do executado passíveis de penhora, uma vez que a sua principal função consistia na cobrança do crédito exequendo.
Não existindo mais bens para poderem ser executados, para além dos que o foram, a instância deverá ser julgada extinta porque se tornou impossível a obtenção de mais bens para cobrança do crédito.
E esta situação ocorre não por causa do exequente mas porque o executado não tem mais bens, donde que a causa de extinção da execução seja deste e não daquele, devendo, consequentemente, as custas da execução serem suportadas pelo executado, ocorrendo aqui um facto que lhe deve ser imputado – artigo 447º do CPC -.
A entender-se doutro modo, estaríamos a punir o exequente por uma razão totalmente desculpável e unicamente atribuída ao executado, dado que quando se instaura uma execução e não se consegue cobrar o seu crédito, quem lhe dá causa é o devedor/executado e não o credor/exequente.
Assim, o despacho deverá ser revogado e substituído por outro em que se julgue a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, com custas pelo executado – parte final do n.º 1 do art. 919 e al. e) do art. 287º, ambos do CPC - e tendo como valor da execução o valor dos bens penhorados – art. 9º n.º 1 do CCJ -, passando ainda a requerida certidão para efeitos fiscais.
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IV – Decisão

Perante as razões expostas, acorda-se em se dar provimento ao agravo e revogar, deste modo, a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra, nos termos acima referidos.
Sem custas
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Porto, 15 de Novembro de 2004
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome