Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00041021 | ||
| Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA JULGAMENTO FALTA DO REQUERENTE DESISTÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RP200801290726020 | ||
| Data do Acordão: | 01/29/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 263 - FLS 55. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O art. 35º nºs 3 e 4 do CIRE deve ser interpretado restritivamente, no sentido de que, faltando o requerente à audiência de julgamento: - Se a falta for acompanhada por outros factos ou elementos que indiciem, com toda a probabilidade, que o requerente se desinteressou da sua pretensão, deve ser proferida decisão homologatória da desistência do pedido, fundamentada nos referidos elementos; - Se a falta não é acompanhada por tais factos ou elementos, deve o juiz produzir a prova carreada, com a gravação da mesma (art. 651º nº 5 do CPC), sobrestando todavia na decisão e aguardando que o requerente justifique a falta ou diga o que se lhe oferecer no prazo de 5 dias (nº 6 do citado preceito). II - Apenas no caso de o requerente nada dizer ou de improcederem as razões invocadas é que pode concluir-se que o requerente desistiu do pedido, proferindo-se então a respectiva decisão homologatória. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. O Instituto da Solidariedade e da Segurança Social instaurou em 20/07/05 contra B………., Lda, processo especial de declaração de insolvência. Foi agendada para o dia 17/08/2005 a audiência de discussão e julgamento. Iniciada a referida diligência pela M.ma Juiz foi proferido o seguinte despacho: “Atento o requerido, ao abrigo do disposto no art. 279º n.º 1 do CPC, declaro suspensa a instância pelo prazo de 10 dias, atenta a possibilidade de acordo. No caso de este não se realizar desde já se designa para julgamento o próximo dia 06/09/05”. Agendada a audiência para o dia 06/09/05 foi a mesma adiada para 12/09/05 por impedimento da M.ma Juiz de Turno. Nesta data não foi realizada a audiência. Nesse mesmo dia foi junto aos autos um requerimento elaborado pela requerida/apelada a solicitar a intermediação do IAPMEI através da interposição de um processo extrajudicial de conciliação. A instância foi suspensa pelo prazo de 90 dias. Decorrido o prazo de suspensão da instância sem que a requerida tenha obtido acordo extrajudicial, foi determinado o prosseguimento da instância, agendando-se o dia 10/02/2006 para a audiência de discussão e julgamento. Por impossibilidade do Ilustre mandatário do Requerido foi a mencionada diligência adiada para o dia 09/03/2006. Aberta a audiência, foi suspensa novamente a instância, por uma período de 90 dias, com base no requerimento de proposta de pagamento prestacional ditado para a acta pela requerida que teria apresentado ao IGFSS. Em 27/09/2006 a ora Apelante requereu o prosseguimento da instância, com a marcação de audiência de discussão e julgamento, em virtude do seu mandante não ter aceite o acordo proposto pelo requerido. Foi designado o dia 30/10/2006. Nesta data e por impossibilidade do Ilustre mandatário do Requerido foi a referida diligência adiada para o dia 03/11/2006. No dia 03/11/2006, aberta a audiência a M.ma Juiz procedeu à selecção da matéria de facto relevante considerada como assente e a que constitui a base instrutória da causa, a qual não foi objecto de reclamação por parte dos ilustres mandatários. Seguidamente foi requerida pela devedora a realização de uma perícia, a qual foi admitida, tendo-se adiado a audiência por se afigurar útil realização prévia de tal arbitramento à inquirição das testemunhas. Foi agendada para o dia 18/07/2007, pelas 10,00 horas a continuação da audiência de julgamento. Nesta a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho: “Verifica-se que não se encontra presente o Requerente, nem ninguém que o represente. Nem os mesmos comunicaram ou justificaram por qualquer forma a sua ausência, sendo que decorreu mais de meia hora desde a hora designada para o início da diligência. Assim, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 35º do CIRE, a não comparência do requerente, por si ou através de um representante, vale como desistência do pedido. Ao tribunal apenas resta constatar tal ausência e nos termos do disposto no art. 35, n.º 4 do CIRE homologar a desistência do pedido formulado. Dou sem efeito a inquirição de testemunhas”. Pelas 10,45 horas do mesmo dia, o ilustre mandatário do credor ISSS e uma sua testemunha compareceram em juízo, como se certifica a fls. 532-A. Em 19/07/2007 foi remetido aos autos pelo requerente requerimento a alegar os factos que o impediram de chegar atempadamente a Tribunal para intervir na continuação da audiência de discussão e julgamento com indicação de prova dos factos invocados, e que se prendiam com obras inesperadas na auto-estrada que acarretaram trânsito lento e com a impossibilidade de contacto telefónico com o tribunal por falta de rede. Sobre tal requerimento não incidiu qualquer despacho. 2. Inconformado com tal despacho de 18.07.2007, dele recorreu o requerente. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O art. 35º n.º 3 do CIRE estabelece uma presunção de perda de interesse do requerente no prosseguimento da acção ao fazer valer a sua não comparência à audiência de discussão e julgamento, como desistência do pedido, sempre que deduzida oposição é marcada audiência de julgamento para produção de prova e esta não é iniciada. 2. A presunção ínsita pelo legislador na norma legal em análise tem carácter ilidível, designadamente, pela invocação e prova de justo impedimento, ou como no caso dos presentes autos, quando se trata da continuidade da audiência de julgamento, em que já foi manifestado o interesse processual e material da parte faltosa na prossecução da instância. 3. Portanto, a cominação aí prevista só se aplica ao início da diligência de julgamento através da sua primeira marcação subsequente à oposição e não ás sessões subsequentes para a sua continuação, caso em que o M.mo Juiz deve dar continuidade à audiência de acordo com as regras processuais da gravação da prova e da repartição do ónus da prova. 4. Ora, no caso sub iudice a audiência de discussão e julgamento iniciou-se com a sua primeira marcação, ocorrida em 17/08/2005, tendo a requerente comparecido à referida diligência. 5. Para além de ter comparecido à diligência de discussão e julgamento iniciada em 17/08/2005, compareceu, ainda, a todas as diligências de julgamento que foram sendo sucessivamente marcadas e adiadas, com e sem fundamento processual. 6. Ademais, a falta de comparência do requerente à data agendada para continuação da audiência de julgamento deveu-se à ocorrência de um evento imprevisível, estranho à sua vontade, o qual, aliás, consta invocado nos respectivos autos bem como a respectiva prova oferecida sem que até ao momento tivesse recaído sobre o mesmo qualquer despacho. 7. Reiniciada a audiência de discussão e julgamento em 03/11/2006 a M.ma Juiz procedeu à selecção da matéria de facto relevante considerada como assente e a que constitui a base instrutória da causa. Seguidamente, porque foi requerida pela devedora a realização de uma perícia, a qual foi admitida pela M.ma Juiz a quo, foi a inquirição das testemunhas presentes adiada por aquela magistrada ter entendido que a inquirição destas era útil após o relatório dos peritos. 8. Assim, estava processualmente comprovado o interesse do requerente no prosseguimento da acção e era claro que a audiência sub juditio era uma continuação, expressamente declarada no despacho de adiamento da audiência de 03/11/2006. 9. Ora, face à factualidade descrita consubstanciada na prática de inúmeros actos processuais não é lícito presumir que o requerente tenha perdido interesse no prosseguimento da acção. 10. A M.ma Juíza a quo ao interpretar a norma em sentido diverso, ou seja, ao aplicar a cominação plena como se a audiência não se tivesse já iniciado, violou o principio da continuidade da audiência de julgamento previsto no art 656º do CPC. 11. Com efeito, em obediência ao principio vindo de mencionar deveria a M.ma Juíza a quo ter dado continuidade à audiência de discussão e julgamento (iniciada em 3/11/06) com a gravação dos depoimentos das testemunhas presentes nos termos do artigo 651º n.º 5 e 6 do CPC, até porque recaía sobre a devedora/requerida o ónus da prova da sua solvência - art. 30º n.º 4 do CIRE. 12. A interpretação e aplicação que foram feitas do art. 35. n.º 3 do CIRE, é contrária à Constituição da Republica Portuguesa. 13. Com efeito, a decisão recorrida consubstancia uma autêntica denegação de justiça, causando prejuízo irreparável ao requerente, na medida que inibe o mesmo de propor outra acção com o mesmo objecto, a fim de assegurar o seu direito. 14. Assim, a decisão recorrida viola o principio da “proibição da indefesa”, ínsito no principio geral do acesso ao direito consignado no art. 20 da CRP. 15. Não fazendo a justiça devida por assentar numa verdade formal e não numa verdade material. 16. Com uma intervenção desproporcionada e desajustada face às normas processuais aplicáveis às partes, tratando diferentemente as partes. 17. A douta sentença recorrida violou, assim, os artigos 35º do CIRE, 651º e 656º do CPC e o principio do acesso ao direito na sua manifestação de proibição da indefesa, bem como dos princípios ínsitos do Estado de Direito consubstanciados na proibição do excesso ou da proporcionalidade, da adequação e da juridicidade, consignados nos artigos 2º e 20º da CRP. 3. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: (I)legalidade do despacho que, com base na não comparência da requerente na continuação da audiência, decretou a desistência do pedido. 4. Os factos a considerar são os emergentes do relatório supra. 5. Apreciando. 5.1. Nos termos do artº 35º nºs 2, 3 e 4 do CIRE, se na audiência de discussão e julgamento comparecer o devedor ou da mesma ele tiver sido dispensado nos termos do artº12º, a não comparência do requerente vale como desistência do pedido, devendo o juiz ditar logo para a acta a sentença homologatória de tal desistência. Perante esta literalidade da lei, parece que a simples falta do requerente à audiência de julgamento, implica, sem mais, necessária e inexoravelmente, o termo do processo, por desistência do pedido. Será esta a conclusão mais acertada? Vejamos. Na aplicação de uma regra a um caso concreto a interpretação da mesma, ou seja, a determinação do seu sentido e alcance, é sempre necessária. Efectivamente toda a fonte necessita de interpretação para que revele a adequada e pertinente regra que encerra. A interpretação consiste na actividade intelectual que, a partir de uma fonte, nos permite chegar à regra que ela alberga e que melhor se coadune com a situação concreta que pretende regular, pois que, perante a letra da lei, por vezes vários sentidos ou entendimentos são possíveis – cfr. Oliveira Ascensão, in O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2ª ed. ps. 200 e 349 e segs. Para a consecução deste desiderato e nos termos do artº 9º nº1 do CC «a interpretação não pode cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». Consequentemente, ainda que a letra da lei seja o ponto de partida e exerça uma função de limite da interpretação – cfr. nº2 de tal preceito – certo é que, para a fixação do sentido mais adequado da norma, importa deitar mão dos restantes elementos lógicos da hermenêutica jurídica, a saber: o elemento sistemático, o elemento histórico e o elemento teleológico. Em função dos quais pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva, restritiva, ou até correctiva, neste caso apenas: «se a formula verbal foi sumamente infeliz a ponto de ter falhado completamente o alvo» - Cfr. Batista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.189. 5.2. Posto isto há que dizer que com a reforma processual de 1995 e conforme se expressa no preâmbulo do DL 329-a/95 de 12/12, se pretendeu tornar o processo: «verdadeiramente instrumental no que toca á perseguição da verdade material…pela aplicação do direito substantivo, e não como um esteriótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça…é assim, o processo civil um instrumento no sentido de forçar a análise, discussão e decisão dos factos e não uma ciência que olvide esses factos…os princípios gerais estruturantes do processo civil, em qualquer das suas fases, deverão essencialmente representar um desenvolvimento, concretização e densificação do princípio constitucional do acesso á justiça…o direito a uma protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada…o que implica o direito…a obter…decisão judicial que aprecie com força de caso julgado a pretensão regularmente deduzida…privilegiando-se, assim, claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma…como concretização desta ideia importará fazer especial referência á revogação dos preceitos que, no regime vigente, condicionam o normal prosseguimento da instância e a obtenção de uma decisão de mérito…no mesmo sentido, eliminam-se preceitos que estabelecem reflexos gravosos e muitas vezes desproporcionais no andamento e decisão da causa…». Por outro lado é consabido que o actual CIRE representa uma viragem no que concerne á natureza e finalidades do processo de insolvência e recuperação de empresas. Na legislação anterior –maxime ante CPEREF de 1993 - a finalidade essencial visava a recuperação da empresa enquanto fosse possível. Esta orientação foi, todavia, fonte de problemas já que se constatou que os devedores tudo faziam para se escapulir e desviarem o seu património da actuação dos credores – contando com a morosidade do processo e a ineficiência dos controlos - o que na prática servia de cobertura a uma efectiva inviabilização da empresa que, regra geral, acabava sempre por ser relegada para a falência. Constatada esta realidade, com o diploma vigente o fim da recuperação é subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade única, que orienta todo o regime. Na verdade e conforme resulta do preâmbulo do DL 53/2004 de 18 de Março que aprovou o CIRE, o objectivo do novo código é a «satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores», «é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação da garantia comum dos seus créditos», «é sempre das estimativas dos credores que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar a empresa» «é sempre a vontade dos credores que comanda todo o processo». Acresce que o CIRE introduziu uma verdadeira desjudicialização do processo, limitando a intervenção do juiz basicamente ao controlo da legalidade, conferindo a soberania aos credores, os quais, designadamente, podem escolher livremente o administrador da insolvência e podem substituir o que o juiz tiver designado, sendo tal administrador responsável perante eles: artºs 52º, 53º e 56º nº2 e 59º, não podendo as deliberações da comissão de credores serem sindicáveis pelo juiz mas apenas pela assembleia de credores- cfr. José Lebre de Freitas e Maria José Costeira in O Novo Direito da Insolvência, Revista Themis, da Faculdade de Direito da UNL, p.12 e sgs e 25 e segs 5.3. Nesta conformidade, é perante estes dados ou orientações de cariz sistemático e teleológico que os aludidos segmentos normativos devem ser interpretados. Ora considerados tais elementos hermenêuticos tem de concluir-se que as normas em causa não podem ser acolhidas no seu singelo sentido literal. Em primeiro lugar porque assim se daria prevalência a uma interpretação meramente processual formal, em detrimento da apreciação da pretensão material colocada pelo requerente e da decisão de mérito. Em segundo lugar porque, sendo, por via de regra – como é o caso – o requerente da insolvência simultaneamente credor do requerido, tal interpretação briga, pelo menos em temos de normalidade, com a posição assumida por este ao longo de todo o processo, quer naquela quer nesta qualidade. O que se verifica in casu. Na verdade - e conforme se pode deduzir de toda a tramitação dos autos supra exposta -, o recorrente sempre se mostrou interessado e activo no sentido da tramitação e impulsionamento dos processo, comparecendo às audiências para que foi convocado e requerendo diligências tendentes à prolação de sentença de mérito com vista á consecução do seu fito último, qual seja a satisfação, na medida do possível, do seu invocado crédito. Assim a interpretação dos nºs 3 e 4 do artº 35º do CIRE deve ser feita sensatamente, cum granno sallis, no sentido de que a não comparência - singelamente, só por si e desacompanhada de quaisquer outros factos ou indícios que apontem nesse sentido - não é suficiente para se concluir que o requerente desistiu do pedido. E apenas se tais factos ou indícios se verificarem pode tal convicção ser assumida e da mesma ser retirada a mencionada ilação ou consequência, qual seja que o requerente desistiu do pedido. Pois que referindo-se a lei a uma sentença homologatória, tal pressupõe uma declaração de vontade nesse sentido por parte do requerente. Neste caso tal declaração não é, obviamente, expressa mas seria apenas tácita, pelo que a mesma teria de ser: «deduzida de factos que, com toda a probabilidade, a revelam»- artº 217º nº1 do CC. Ora, repete-se, a simples não comparência à audiência não tem força e dignidade bastantes para revelar a vontade de desistência do pedido. Basta pensar que o requerente pode não ter comparecido por motivos de força maior, designadamente relativos a questões de saúde ou de facto fortuito inultrapassável. O que, no caso sub Júdice, foi alegado pelo recorrente logo no dia seguinte ao da diligência, invocando problemas de trânsito, o que nem não se mostra apreciado pelo Sr. juiz. E sendo certo que o mesmo se apresentou em juízo pelas 10,45 horas, ou seja apenas 15 minutos após a legal tolerância de meia hora. Não faria sentido e não seria justo que, nestes casos, ele fosse ainda onerado com uma decisão de mérito, respeitante ao pedido formulado, que, transitada, lhe retira, para o futuro, o direito que pretendia exercer. Até porque sempre haveria que tomar em consideração, tal como invoca, que a sua falta não se verificou na sessão de abertura da audiência, na qual esteve presente - o que também demonstra a manutenção do seu interesse no prosseguimento da acção - mas apenas numa sessão marcada para a sua continuação. O que não é exactamente a mesma coisa pois que não seria lógico que ele deixasse iniciar tal fase processual e, posteriormente, se desinteressasse do pedido, não comparecendo à continuação da audiência nem informando previamente dessa sua opção. Efectivamente nada no processo apontava para a desistência do pedido, antes pelo contrário. Há, assim, que operar uma interpretação restritiva de tais preceitos, pois que, atentos os fitos que se pretendem com a lei processual e os objectivos prosseguidos com o CIRE manifestados noutras normas deste diploma, as quais se mostram incompatíveis com a estatuição dos segmentos ora sub sursis, tem de concluir-se que o legislador maius dixit quam voluit, exprimindo-se em termos de tal modo amplos que atraiçoaram o seu pensamento, havendo, destarte, que restringir o sentido do texto nos termos supra referidos – cfr. Batista Machado, ob. cit. p.186. Sob pena, e como defende o recorrente, de se verificar uma afectação ou mesmo violação de princípios atinentes à realização da justiça, como sejam o da cooperação, da proporcionalidade e da adequação. Nesta conformidade, faltando o requerente à audiência, a interpretação que se tem por mais consentânea com o supra expendido, passa por uma de duas situações: 1ª- Ou a falta é concomitantemente acompanhada por outros factos ou elementos que indiciem, com toda a probabilidade, que o requerente se desinteressou da sua pretensão e, então, sim, deve ser proferida decisão homologatória da desistência do pedido, fundamentada nos referidos elementos que clamem tal conclusão, 2ª- Ou não é acompanhada por tais factos ou elementos e, então, deve o juiz produzir a prova carreada, com gravação da mesma nos termos do nº5 do artº 651º do CPC, sustando, todavia, na decisão, e aguardando que o requerente justifique a falta ou diga o que se lhe oferecer, no prazo de cinco dias nos termos do nº6 do dito preceito. E, neste caso, cumpre ainda distinguir: -Se a falta for justificada ou o motivo invocado atendido, deverá o processo seguir os seus termos, porventura com prolacção imediata de sentença em função da prova já produzida. -Se pelo requente nada for dito ou a falta não for considerada justificada então sim, tem de concluir-se que o mesmo desistiu do pedido, havendo nesse momento, mas só aqui e não antes, que proferir decisão homologatória de tal desistência. O caso vertente subsume-se no corpo da 2ª hipótese. Assistindo, assim, razão ao recorrente. 6. Deliberação. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogando-se a decisão, se ordena o legal prosseguimento dos autos. Custas pela massa se for decretada a insolvência ou sem custas se não for decretada. Porto, 2008.01.29 Carlos António Paula Moreira Maria da Graça Pereira Marques Mira António Guerra Banha |