Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0621092
Nº Convencional: JTRP00039017
Relator: CÂNDIDO LEMOS
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA LEGAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Nº do Documento: RP200603210621092
Data do Acordão: 03/21/2006
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 212 - FLS. 125.
Área Temática: .
Sumário: As hipotecas legais estão afastadas da aplicação do disposto no art. 152.º do CPEREF (redacção do DL 315/98 de 20/10), que nem por analogia se lhes pode aplicar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

No ..º Juízo Cível de Santa Maria da Feira foi decretada a falência de B………., S. A. com sede em ………., da comarca.
No apenso de verificação e graduação de créditos, reclama o Instituto de Segurança Social, I. P. créditos de contribuições vencidas, garantidos por hipotecas legais, devidamente registadas, sobre os dois únicos imóveis apreendidos para a massa falida: imóvel descrito sob o n.º 00399/170294 (hipotecas Ap. 36/290997 e Ap. 49/160300) e o descrito sob o n.º 00615/240197 (hipotecas Ap. 36/290997 e Ap. 49/160300).
Foi proferida sentença de graduação de créditos em 31 de Janeiro de 2003 (rectificada por despacho de 4/7/2003) que, no que aqui importa, julgou reconhecidos e verificados os créditos do ora reclamante, graduou-o para ser pago pelo produto da liquidação dos imóveis apreendidos em quarto lugar, estando em primeiro os créditos laborais; em segundo o crédito do C………., garantido por hipoteca (acrescido do crédito do D………., apenas sobre a verba 47, igualmente garantido por hipoteca) e em terceiro os créditos do Estado. Para assim proceder, considerou que o art. 152.º do CPEREF extinguiu as hipotecas legais de que beneficiava o apelante.
Inconformado com o assim decidido, vem o Instituto de Segurança Social, I. P. apresentar este recurso de apelação e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1.ª- Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 31 de Janeiro de 2003, que julgou da verificação a graduação de créditos reclamados, graduação essa, elaborada nos termos do art. 196.º do CPEREF, com sujeição ao art. 152º do mesmo diploma, que desconsiderou, por não verificadas nem graduadas as hipotecas legais que, nos termos da lei, constituem garantia real, e de que gozam as Instituições de Segurança social.
2ª- A dívida reclamada pelo ora Instituto da Segurança Social, I.P., que compreende o Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, Ex Centro Regional de Segurança Social de Aveiro, encontra-se garantida por hipotecas legais que, nos termos da lei, constituem garantia real, a de que gozam as Instituições de Segurança Social, hipotecas essas, oportunamente constituídas e reclamadas no presente processo.
3ª- Constituídas e registadas para garantir as dívidas da falida de contribuições vencidas de Abril/95 a Abril/97, no valor de 80.181.731$00 e respectivos juros de mora vencidos ate Setembro/97, no valor de 21.884.395$00, hipotecas legais essas, registadas pela Ap. 36/290997 sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, com a descrição predial n.º 00399/170294 a pela Ap. 36/290997 sobre o imóvel registado nesta mesma Conservatória, com a descrição predial n.º 00615/240197.
4ª- E para garantir ainda as contribuições vencidas de Maio/97 a Setembro/99, no valor de 65.835.113$00 a respectivos juros de mora vencidos ate Março/2000, no valor de 15.331.361$00, hipotecas legais, registadas pela Ap. 49/160300, sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, com a descrição predial n.º 00399/170294 e pela Ap. 49/160300, sobre o imóvel registado nesta mesma Conservatória pela Ap. 00615/240197.
5ª- Garantias estas que, foram desconsideradas pelo tribunal a quo apenas com fundamento na sua extinção proporcionada pelo disposto no art. 152º.
6.ª- Perfilhando-se na douta sentença "a orientação doutrinal a jurisprudencial que, socorrendo-se do elemento teleológico subjacente ao citado art. 152.º, entende que abrangida pela extinção neste normativo referida, se encontra também a hipoteca legal."
7.ª- Concluindo-se ainda na referida sentença ora recorrida, "que as garantias de que gozavam os créditos reclamados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, referidos no n.º 28 supra, referentes as contribuições relativas aos meses de Junho/95 a Março/2001 a respectivos juros de mora (...) em virtude do disposto no art. 152.° do CPEREF, a por se tratarem de Privilégios creditórios e de hipotecas legais (...) das instituições de segurança social extinguem-se com a declaração de falência, passando os respectivos créditos a ser exigíveis como créditos comuns."
8.ª- Posição com a qual não podemos deixar de discordar pois no que a esta matéria respeita, ao despir o crédito da Segurança Social, da protecção das hipotecas legais de que vinha acompanhado decidiu-se na sentença erroneamente, sendo algo incompreensível a argumentação produzida uma vez que, o citado art. 152º do CPEREF nada dispõe relativamente as hipotecas legais constituídas por quem quer que seja, detendo-se apenas em regulamentar a extinção dos privilégios creditórios do Estado e das instituições de Segurança Social.
9.ª- Se verificarmos o disposto no art. 152º chegamos à conclusão de que os privilégios creditórios, também estes garantias reais consagradas no art. 733º e 744º do Código Civil - cfr. Ac. STA de 4/02/04, processo n.º 2078/03 – 2ª Secção - se extinguem passando os respectivos créditos a ser exigidos como comuns, excepção feita aos que se constituem no decorrer do processo de recuperação de empresa ou de falência.
10.ª- Certo!
11.ª- Mas não se entenda que o citado art. 152º abrange a extinção da hipoteca legal pois, se assim se entendesse, acabar-se-ia por frustrar a intenção legislativa.
12.ª- No que diz respeito às hipotecas legais, tais garantias reais, são constituídas para garantir uma obrigação e consequentemente a possibilidade de ser pago pelo valor de certos bens móveis ou imóveis, com preferência sobre os demais credores (conforme arts. 686º, 687º, 705º a 708º do Código Civil), não se podem englobar no disposto no art. 152º do CPEREF, uma vez que, salvo o devido respeito, nada na lei aplicável se prevê que aquelas se extingam com a declaração de falência.
13.ª- Tal extinção das hipotecas legais seria desvirtuar o instituto prescrito no Código Civil, mais concretamente o disposto no arts. 686º, 704º, 705º e 708º.
14.ª- Além de que, salvo melhor opinião, não parece que a omissão no art. 152º CPEREF, seja de todo inócua nem tão pouco se resuma a um mero esquecimento do legislador.
15.ª-Assim, ter-se-á de "ponderar o incontornável elemento literal da norma 152.° pois que, sendo diferentes os universos de ambas as garantias – privilégios creditórios e hipoteca legal – apesar de ambas resultarem da lei (cfr. arts. 704°, 705.º e 733.º e seguintes do CC) se o legislador pretendesse tratá-las da mesma forma (extinguindo ambas as garantias) tê-lo-ia dito expressamente, e não o fez", prevendo apenas a extinção dos privilégios creditórios (com a excepção da parte final do art.152.º.1).
16.ª- "A lei é bem clara: escreveu-se "privilégios creditórios". Não necessita de qualquer interpretação extensiva.
17.ª- Seria inconcebível que o legislador não distinga privilégio creditório e hipoteca legal.
18.ª- Tem de presumir-se que ele sabe exprimir com correcção – artigo 9º, n.º 3 do CC – designadamente quando usa expressões da técnica jurídica". – cfr. Ac. STJ de 3 de Março de 1998, P. 71/98, in BMJ 475 (1998) – págs. 548 e sgs.
19.ª- E, sendo assim, se o legislador deixou "no olvido as hipotecas legais, se o legislador entendeu por bem não se pronunciar" sobre essa "omissão", a interpretação correcta é que estamos perante um "caso não regulado" (intencionalmente), que não um "caso omisso" – por outras palavras, justifica-se concluir que deparamos com um silencio "eloquente", significativo de que o legislador não quis abranger aquelas garantias (as hipotecas legais), de que as quis excluir da extinção que decretou, em suma, de que quis restringir essa extinção aos privilégios creditórios e só a eles". - Ac. STJ – Revista n.° 1141/02.
20.ª- Pelo que se verifica manifesta desrespeito pela garantia real de que goza o credito da Segurança Social, sacrificando-se esta e, possivelmente, potenciando o favorecimento em relação aos restantes credores.
21.ª- O que não se compreende.
22.ª- Consideraria inconcebível, o aqui recorrente, que o legislador não distinga privilégio creditório e hipoteca legal, pois o legislador apesar de querer incentivar os entes públicos a lutarem também eles pela viabilização das empresas, ponderou as vantagens e inconvenientes de ir mais ou menos longe. Acabou o legislador por se ficar apenas pelos privilégios creditórios.
23.ª- Neste sentido, ver Acórdão do STJ de 3/3/98, Proc. 71/98, publicado in BMJ n.º 475 – 548, Acórdão de Revista do STJ n.º 558/03 -6.ª, de 25/03/03, Acórdão de Revista do STJ n.º 1141/02 de 18/06/2002 in CJSTJ, X, 20, pág. 114, Acórdão do STJ de 8/2/2001, Processo 3968/00, Acórdão do STJ de Revista n.º 198/03, 2.ª Secção de 27 de Maio de 2003, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, apelação n.º 987/02, relativo ao Processo de Falência sob o n.º 157/99, 2.º juízo do Tribunal da Comarca de Ílhavo, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Apelação n.º 243/02, relativo ao processo de falência sob o n.º 299/2000 do 4.º juízo Cível do Tribunal de Comarca de Santa Maria da Feira.
24.ª- Deste modo, considera o aqui recorrente, a decisão contra legem no qual se admite a extinção das hipotecas legais, válidas e regularmente por si constituídas sobre os imóveis da falida.
25.ª- Pelo que, e atendendo à não aplicação do regime do art. 152 do C.P.E.R.E.F. as hipotecas legais, nos termos expostos, deverão graduar-se as hipotecas legais constituída pelo ora Instituto da Segurança Social, IP., Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, pelo produto da liquidação dos imóveis como credito privilegiado.
26.ª- Confirme-se a presente posição do recorrente pelo que reza o Ac. do STJ de 16/6/2005, no processo n.º 05B1650, aliás proferido no âmbito de um recurso também interposto pelo ora recorrente.
27.ª- “O artigo 152.º do CPEREF, quando declara que, com a declaração de falência, se extinguem imediatamente os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de Segurança Social, não abrange outras garantias que não os privilégios creditórios, designadamente não havendo que aplicar o regime por ele estabelecido às hipotecas legais constituídas a favor da Segurança Social." (...)
28.ª- (...) não abrangendo o artigo 152.º do CPEREF outras garantias que não os privilégios creditórios, não há que aplicar o regime por ele estabelecido as hipotecas legais constituídas a favor da Segurança Social, antes a estas se há-de aplicar o regime legal e geral, comummente aplicável a tais garantias. (3)
29.ª- Antes de mais, referindo expressamente os privilégios creditórios da segurança social, não contem o texto da mencionada norma legal qualquer referência a outras garantias dos créditos, designadamente hipotecas legais, pertencentes àquelas entidades.
30.ª- A nosso ver, a referida norma do art. 152.º do CPEREF tem como alcance prático deixar intocadas a generalidade das garantias dos vários créditos reclamados naqueles processos e extinguir os privilégios creditórios pertencentes a entidades públicas ou de utilidade pública (Estado, autarquias locais e instituições de segurança social)." (...)
31.ª- Nos termos do art. 11° do C. Civil, as normas excepcionais admitem interpretação extensiva mas não admitem aplicação analógica, " pelo que, mesmo que houvesse identidade de razões entre a situação dos privilégios creditórios daquelas entidades e as hipotecas legais constituídas para garantia dos seus créditos, aplicar-lhes, por analogia, o regime legal criado pelo art. 152.º não seria licito.
32.ª- Porque é “a partir dos textos que se reconstitui o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (art. 9.º n.º1 do CC) na presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 91, nº 3) especialmente quando utiliza expressões da técnica jurídica.
33.ª- "Ora, tanto na norma em apreço como no preâmbulo da lei, é sempre feita referencia, a tão-só, a privilégios creditórios, não se vislumbrando a mínima alusão a outra garantia, nomeadamente a hipoteca legal, e não se detectando quaisquer elementos gramaticais que pudessem sustentar a extensão da previsão legal".
34.ª- Conclusão que sai reforçada, por apelo ao elemento sistemático, se tivermos presente que, embora ambas sejam "garantias especiais das obrigações (a que o Código Civil dedica o capitulo VI, do titulo I - livro II), se trata de garantias diferentes, conceptualmente diferenciadas com disciplina legal própria, inserindo-se a hipoteca na secção V daquele capitulo VI e os privilégios creditórios na secção VI do mesmo capitulo. Cfr. Ac. citado.
35.ª- É que,"a lei disse o que queria dizer e não referiu as hipotecas legais”.
36.ª- “Privilégio creditório é, no dizer do art. 733.º do C. Civil, "a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente de registo, de serem pagos com preferência a outros". Correspondendo no fundo, à noção já acolhida no art. 878.º do Código Civil de 1867, "apenas se tornou mais preciso e delimitado o seu campo, para que não se confunda com outra garantia, seja ela o penhor ou o direito de retenção, ou até a hipoteca".
37.ª- Por seu turno, a hipoteca é a garantia especial que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo" (art. 686°, nº 1, do C. Civil).
38.ª- Ora, nas hipotecas legais - que resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança (art. 704.º) - "o acto de registo é que constitui o berço da garantia, porque a hipoteca não tem existência jurídica antes do registo, no qual se especificam os bens onerados e se fixa a identidade, especialmente o montante, do credito assegurado".
39.ª- Constituem, pois, os privilégios creditórios e a hipoteca (ainda que legal) garantias diversas, sujeitas a diferentes regimes, e o legislador não podia ignorar essa diversidade.
40.ª- Por isso, "justifica-se concluir que deparamos com um silencio eloquente, significativo de que o legislador não quis abranger aquelas garantias (as hipotecas legais), de que as quis excluir da extinção que decretou, em suma, de que quis restringir essa extinção aos privilégios creditórios e só a eles". Cfr. Ac. STJ, de 16/06/2005, no processo n.º 0561650.
41.ª- Assim a posição do recorrente é corroborada pelo STJ quando esse afirma que "Entendemos desse modo, como começamos por dizer, que a interpretação (extensiva) pretendida não tem, desde logo, qualquer apoio na letra da lei, a qual não alberga, por qualquer forma, a garantia especial que se quer ver acrescentada." Cfr. Ac. citado.
42.ª- "Ao invés, afigura-se que o legislador, conhecedor da temática envolvente, não quis ir mais além na extinção que operou.
43.ª- A lei é bem clara: escreveu-se "privilégios creditórios." Seria inconcebível que o legislador não distinguisse privilégio creditório e hipoteca legal: e certo que o legislador quis incentivar os entes públicos a lutarem também eles pela viabilização das empresas, mas não a qualquer preço; ponderou certamente as vantagens e inconvenientes de ir mais ou menos longe. Ficou-se pelos privilégios creditórios."
44.ª- Assim sendo, não parece que o preceito em questão tenha pretendido subverter toda esta lógica, mas tão somente diminuir uma das garantias (das mais fortes) que acompanhava esses créditos, no único intuito de possibilitar a participação desses credores (juntamente com os demais) na viabilização de empresas recuperáveis em situação económica difícil, mas sem esquecer a importância que a satisfação daqueles créditos representa para o bem comum: dai que as demais garantias que os acompanham (excluindo os privilégios) devam permanecer válidas mesmo após a declaração de falência.
45.ª- A adopção da posição contrária ... implicaria, na prática, a não satisfação destes créditos, objectivo que não esteve nas cogitações do legislador do CPEREF: a pretexto de colocar os credores cujos privilégios se extinguem com a declaração de falência numa posição de igualdade face aos demais - no sentido em que todos devem fazer sacrifícios em prol da empresa em dificuldades - não se pode acabar por coloca-los puma posição de inferioridade face a todos os outros (excepção feita aos credores comuns) ".
46.ª- Doutro passo, gerada a controvérsia a que nos vimos referindo logo após a entrada em vigor do CPEREF, se fosse intenção do legislador incluir nesse preceito as hipotecas legais, poderia muito bem ter aproveitado a elaboração do Dec-Lei nº 317/98 para alterar a norma do art. 152.º (que, aliás, foi um dos preceitos que nessa altura sofreu alteração) para o fazer. Não o tendo feito, ressalta necessariamente a ilação de que, conhecedor das divergências, mais uma vez optou pelo seu sentido literal. (...)"Cfr. Ac. citado
47.ª- Deste modo, considera o aqui recorrente, a decisão plasmada na sentença recorrida, contra legem, pois admite-se a extinção das hipotecas legais, válida e regularmente por si constituídas sobre os imóveis da falida
48.ª- Pelo que, e atendendo à não aplicação do regime do art. 152.º do C.P.E.R.E.F. as hipotecas legais, nos termos expostos, deverão as mesmas ser graduadas e o crédito reclamado pelo ora Instituto da Segurança Social, IP., Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, ser considerado privilegiado e graduado como tal pelo produto da liquidação dos imóveis correspondentes
49.ª- Por todo o exposto, entende o recorrente, que houve notória violação dos arts. 686.º, 687.º,705.º e 708.º do CC, do art. 152.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa a de Falência, por errónea interpretação
50.ª- Pelo que e em consequência entende o recorrente que não se verifica a extinção das hipotecas legais registadas pelo ora Instituto da Segurança Social, IP.,
51.ª- Devendo as contribuições reclamadas e vencidas de Abril/95 a Abril/97, no valor de 80.181.731$00 a respectivos juros de mora vencidos ate Setembro/97, no valor de 21.884.395$00, ser considerados protegidos pelas hipotecas legais registadas pela Ap. 36/290997 sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, com a descrição predial n.º 00399/170294 e pela Ap. /290997 sobre o imóvel registado nesta mesma Conservatória, com a descrição predial n.º 00615/240197;
52.ª- E ainda, da mesma forma, as contribuições vencidas de Maio/97 a Setembro/99, no valor de 65.835.113$00 e respectivos juros de mora vencidos até Março/2000, no valor de 15.331.361$00, no que respeita às hipotecas legais registadas pela Ap. 49/160300, sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, com a descrição predial n.º 00399/170294 a pela Ap.49/160300, sobre o imóvel registado nesta mesma Conservatória pela Ap. 00615/240197.
53.ª- Desta forma se verificando as citadas hipotecas legais ao abrigo do art. 152.° do CPEREF, que não extingue as hipotecas legais e, em consequência, graduando o credito da segurança social, destas acompanhado, no lugar que legalmente lhe competir, salvaguardando sempre, obviamente, o principio da prioridade do registo legalmente consagrado (art. 6.º CRP).
Pugna pela revogação da parte impugnada, graduando-se o seu crédito no lugar a que tem direito, como crédito privilegiado que é.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos a ter em consideração para a decisão são os que resultam do antecedente, sendo que não são postos em causa pelas partes, nem oficiosamente se vê razão para alterá-los.
Sumariamente dir-se-à que o crédito da segurança social foi graduado como se as hipotecas legais de que beneficiam não existissem; passaram a ser graduados como créditos comuns.
Cumpre conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts.684.º n.º3e 690.º n.º1 do CPC).
Apenas uma questão nos é colocada:
- O art. 152.º do CPEREF na redacção aplicável (Dec-Lei 315/98, de 20 de Outubro) extinguiu também as hipotecas legais?
Esta questão tem sido por diversas vezes objecto de decisão dos Tribunais Superiores, mas até agora sem solução uniforme.
No essencial, debatem-se duas teses:
- O art. 152.º do CPEREF deve ser interpretado extensivamente ou por analogia, de modo a englobar nas garantias que se extinguem, não só os privilégios creditórios, mas também as hipotecas legais (argumento teleológico).
- O art. 152.ºrefere-se exclusivamente aos privilégios creditórios, não havendo qualquer lacuna ou necessidade de interpretação extensiva, que a norma excepcional não comporta (art. 9.º, 10.º e 11.ºdo CC).
Nesta Relação do Porto, pensa-se que a posição maioritária será no sentido da decisão dos autos: (todas as decisões mencionadas estão disponíveis em www.dgsi.pt)
- Ac. RP de15/12/2003 – Proc.0354804 – Cunha Barbosa;
- Ac. RP de 8/7/2004 – Proc. 0453929 – Caimoto Jácome;
- Ac. RP 16/12/2004 Proc. 0436593 – Pinto de Almeida;
- Ac. RP 1/3/2005 – Proc. 0420115 – Marques Castilho;
- Ac. RP de 28/6/2005 – Proc. 0422519 – Marques Castilho.
No sentido pretendido pelo apelante:
- Ac. RP de 20/3/2003 – Proc.0330973 – Viriato Bernardo;
- Ac. RP de 18/10/2005 – Proc. 0524041 – Henrique Araújo.
Já no Supremo Tribunal de Justiça tem-se acentuado a posição contrária à da decisão dos autos, sendo de salientar o Ac. de 16/6/2005 – Proc. 05B1650 (Araújo Barros, Oliveira Barros e Salvador da Costa) que as alegações seguem de muito perto.
No mesmo sentido podem ver-se:
- Ac. STJ de15-03-2005 Processo 04A4136: “No domínio de aplicação do art. 152º do CPEREF, quer na redacção de 1993 quer na de 1998, a extinção prevista para os privilégios creditórios não é extensível às hipotecas legais. Só com o DL nº 53/2004, (CPEREF04) de 18/3, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o legislador passou a incluir as hipotecas legais, mas ainda assim mais restritivamente do que os privilégios creditórios.
Teve uma vez mais em mente que são diferentes os regimes do privilégio creditório, que é uma perigosa garantia oculta, porque não sujeito a registo, e o da hipoteca, garantia dependente de registo, que é constitutivo quanto a ela, o que a torna cognoscível para todos os credores pela garantia da publicidade.
- Ac. STJ de 13-07-2004, Processo 04B1956: “O artigo 152º do CPEREF deve ser interpretado no sentido de não abranger as hipotecas legais.”
- Ac. STJ de 27-05-2003 Processo 03B198: “O disposto na primeira parte do art. 152º do CPEREF, como norma excepcional, não comporta aplicação analógica e não há identidade ou maioria de razão, que justifique a sua interpretação extensiva de forma a fazê-la abranger também as hipotecas legais. Assim, o disposto na primeira parte do referido art. 152º não compreende as hipotecas legais que garantam os créditos do Estado, autarquias locais e instituições de previdência social, que não passam a meros créditos comuns e continuam a beneficiar da correspondente garantia.”
Em sentido contrário, pode ver-se o Ac. do STJ de 27-05-2003, processo 03A1418: “A referência a "privilégios creditórios" das instituições de segurança social no artigo 152º do CPEREF abrange não só tais garantias stricto sensu consideradas, mas igualmente outras garantias, nomeadamente a hipoteca legal, cujas afinidades com aqueles são manifestas. Tal resulta da integração de uma lacuna legislativa, através do recurso à analogia, nos termos do artigo 10º, nºs 1 e 2, do Código Civil. Assim, a extinção dos privilégios creditórios dessas entidades acarreta simultaneamente a extinção das respectivas hipotecas legais, mesmo que estas tenham sido objecto de registo predial, nos termos do artigo 12º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio.”
Salvo o devido respeito pela opinião contrária, o último Acórdão do STJ de que se tem conhecimento (o de 16 de Junho passado), que concedeu revista a decisão deste Tribunal, retrata fielmente a posição que se entende como mais próxima da lei e da vontade do legislador.
Como já no Ac. do STJ de 29-5-02 Proc 03A558 se deixou escrito “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso - art. 9, nº2, do Cód. Civil.
Ora, in casu, tanto no art. 152 do C.P.E.R.E.F., como no preâmbulo do diploma que aprovou o referido Código, faz-se alusão sempre, apenas e tão só aos privilégios creditórios, não se vislumbrando qualquer referência à hipoteca legal, nem existindo quaisquer elementos que possam validamente sustentar a pretensa extensão da previsão legal.
O privilégio creditório é uma garantia diferente da hipoteca legal, cada uma delas com regulamentação legal própria e diferenciada, que o legislador não podia ignorar.
Na fixação do sentido e alcance da lei, é de presumir, por via do art. 9, nº3, do Cód. Civil, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, designadamente quando usa expressões de técnica legislativa.
Se o legislador teve por bem não se pronunciar sobre as hipotecas legais, deverá entender-se que não se trata de um caso omisso, mas antes de um caso não regulado, deliberada e conscientemente excluído do âmbito da norma.
Assim, é de concluir que o legislador quis afastar as hipotecas legais do regime daquele art. 152 (à semelhança do que ocorre com o art. 200, nº3, do mesmo C.P.E.R.E.F.) e que pretendeu quedar-se pela extinção dos privilégios creditórios.
Tanto mais que o Dec-Lei 132/93, de 23 de Abril, que aprovou o C.P.E.R.E.F., foi objecto de diversas alterações que lhe foram introduzidas pelo Dec-Lei 315/98, de 20 de Outubro, sendo o art. 152, precisamente, um dos preceitos cuja redacção foi contemplada por tais alterações.
Se fosse intenção do legislador incluir nesse preceito as hipotecas legais, era esse o momento ideal para o fazer, pois já se tinha gerado controvérsia acerca da interpretação da referida norma, controvérsia que o legislador não podia ignorar.
Acresce que a interpretação extensiva não se mostra viável, por falta de elementos suficientemente fortes e seguros de que o legislador dissesse menos do que queria, ou seja, de que a letra do preceito tivesse ficado aquém do seu espírito.
A aplicação, por analogia, do regime do art. 152 às hipotecas legais, também é impossível, por se tratar de uma norma excepcional, que não comporta interpretação analógica - art. 11 do Cód. Civil.”
Assim, ao proceder à graduação dos créditos da apelante como se as hipotecas legais não existissem, como de créditos comuns se tratasse, violou-se o disposto no art. 152.ºcitado, como vem referido nas alegações. Consequentemente, há que aplicar às hipotecas legais constituídas a favor da Segurança Social o regime legal e geral, comummente aplicável a tais garantias, respeitando-se, porém, a prioridade dos respectivos registos (art.6.º do CRPredial).
Não vindo posto em causa no presente recurso o direito dos créditos laborais de serem pagos preferencialmente aos créditos hipotecários, estes só podem ser colocados em segundo lugar, quanto ao produto da venda dos imóveis, respeitando-se a prioridade do registo e tendo-se em atenção que a hipoteca do D………. só abrange o prédio da verba n.º 47, enquanto as hipotecas do C………., tal como as do apelante, abrangem os dois imóveis.
DECISÃO:
Nestes termos se decide julgar totalmente procedente a apelação, revogando-se a parte da decisão posta em crise e graduando-se os créditos do Instituto da Segurança Social para serem pagos pelo produto da venda dos imóveis, em segundo lugar, em conjunto com os demais créditos hipotecários, respeitando-se porém a prioridade do registo das hipotecas.
Custas pela massa.
PORTO, 21 de Março de 2006
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho (Vencido conforme fundamentação constante do acórdão proferido e citado nº 2519/04 nesta secção)