Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00035782 | ||
| Relator: | FONSECA RAMOS | ||
| Descritores: | ARRESTO | ||
| Nº do Documento: | RP200403220451279 | ||
| Data do Acordão: | 03/22/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Tem de considerar-se verificado o requisito - justo receio de perda da garantia patrimonial - por parte de credor, promitente-comprador de fracções autónomas - se a requerida sociedade comercial promitente-vendedora, além de não cumprir os prazos acordados revela já casos de incumprimento em situações similares e se encontra em situação de "desagregação de facto" como empresa. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto B.................. Requereu, em 23.10.2003, pelo Tribunal Judicial da Comarca de ................., Procedimento Cautelar de Arresto, contra: “C................., Ldª”, relativamente a bem imóvel que identificou. Alegou, em síntese, que no Verão de 1998, no mês de Agosto, o requerente e a requerida, esta representada pelos sócios-gerentes, celebraram contrato-promessa, mediante o qual a requerida se comprometia a vender ao requerente, duas fracções designadas por lojas do r/c, destinadas a comércio, do prédio a construir no Lote .., sito na Quinta ............, freguesia e concelho de ................, num período de mais ou menos dois anos. O preço ajustado foi de 15.000.000$00, sendo que o requerente, no acto da assinatura do contrato-promessa, entregou à requerida a quantia de 8.000.000$00 (€ 39.903,83), a título de princípio de pagamento. Em momento posterior e, já no ano de 2001, a requerida solicitou ao requerente, um reforço de sinal da promessa de compra e venda, pelo que o requerente lhe emitiu o cheque que identifica, sacado pela requerida, no valor de 2.000.000$00 (€ 9.975,96). Acontece que o prédio urbano designado por Lote .., desde há dois para cá, está parado, sendo que os sócios da requerida alegam que já não é nada com eles, dado que venderam a firma. O requerente contactou o sócio gerente da requerida, solicitando-lhe que lhe entregasse as fracções autónomas que prometeu comprar, celebrando a escrituras públicas, sendo que este lhe terá dito que já não era nada com ele. A requerida já alienou os bens que possuía, sendo que o próprio lote encontra-se com uma hipoteca voluntária a favor do Banco X................ e com um arresto a favor de D................ O requerente tem medo de perder o sinal que já entregou à requerida como sinal de pagamento. Além do mais, sabe que os bens da requerida foram já transferidos para uma sociedade anónima. Concluiu que deve ser ordenado o arresto do bem imóvel que identifica. *** Procedeu-se, à inquirição das testemunhas arroladas, sem prévia audiência da requerida, nos termos do artigo 385º, n.º1 do Código de Processo Civil. *** A final foi proferida decisão, indeferindo ao requerido, por não se ter considerado provado o requisito “justo receio” de perda da garantia patrimonial. *** Inconformado recorreu o requerente que, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. O requerente tem justo e válido receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito. 2. O sócio E..............., alienou as suas quotas a alguém que se desconhece e a construção está parada. 3. Violou assim a douta decisão recorrida as disposições legais na mesma evitadas e mais legislação aplicável. Termos em que deve ser revogada a douta decisão recorrida e, por conseguinte, decretar-se o arresto, pois assim se fará Justiça. A Senhora Juíza sustentou o seu despacho. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto: - O requerente é emigrante na Alemanha; - No Verão do ano de 1998, no mês de Agosto, o requerente e a requerida, esta representada pelos seus sócios gerentes, celebraram o contrato promessa de compra e venda que se encontra junto aos autos. - Mediante tal contrato, a requerida comprometia-se a vender ao requerente, duas fracções designadas por lojas do r/c, destinadas a comércio, do prédio a construir no Lote .., sito na Quinta .................., freguesia e concelho de .............., num período aproximado a mais ou menos 2 anos. - O preço ajustado da compra e venda foi de 15.000.000$00 (€74.819,68); - O requerente no acto da assinatura deste contrato entregou à requerida a quantia de 8.000.000$00 (€ 39.903,83) a título de princípio e sinal de pagamento. - Posteriormente, em data não concretamente apurada, o requerente entregou à requerida, um reforço do sinal, no valor de 2.000.000$00 (€ 9.975,96). - Desde há dois anos para cá, os trabalhos de construção civil no prédio urbano designado por Lote .. e cujas lojas do r/c foram prometidas vender pela requerida ao requerente estão parados. - Correm neste Tribunal vários processos cíveis contra a requerida por incumprimento contratual com outros promitentes compradores. - Um dos sócios gerentes da requerida refere que estes problemas já nada tem a ver consigo, dado que vendeu a firma requerida. - Este ano, quando esteve em Portugal, o requerente contactou o sócio gerente da requerida – E.............. – solicitando-lhe que lhe entregasse as lojas do r/c do Lote .., celebrando as escrituras públicas. - O requerente tem receio de perder a quantia pecuniária que entregou à requerida, a título de sinal de pagamento. Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que se delimita o âmbito do recurso – afora o conhecimento das questões que são de conhecimento oficioso – importa dizer (pese embora o laconismo das conclusões formuladas) – que o requerente pretende que se fez prova dos requisitos de que depende o decretamento da providência, mormente, do que não foi considerado provado – “justo receio de perda de garantia patrimonial”. Vejamos: “As providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, que a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica - Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 23. Chama-se-lhes procedimentos e não acções porque carecem de autonomia – dependem de uma acção já pendente ou que vai ser seguidamente proposta pelo requerente (ibid.)”. Sendo o património do devedor a garantia geral dos seus credores – art. 601º do Código Civil – qualquer providência cautelar visando a garantia do crédito deve ser instaurada contra o devedor, como decorre do art. 406º, nº1, do Código de Processo Civil – “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”. São requisitos do decretamento do arresto, a séria probabilidade da existência do direito de crédito da titularidade do requerente – “ fumus boni juris” – e da perda por ele da respectiva garantia patrimonial, ou seja, a aparência do direito de crédito e o perigo da sua não realização. Importa que o requerente demonstre, perfunctoriamente, a existência do direito que visa acautelar - “bonus fumus juris”-, e que comprove a existência de “justo receio” da perda ou frustração desse direito, caso a tutela que reclama não lhe seja deferida - “periculum in mora”. Dispõe o art. 406º do Código de Processo Civil: “1 - O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor. 2 - O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção”. “O procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: probabilidade da existência do crédito e justo receio de perda da garantia patrimonial. O receio, para ser justificado, há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação” – Ac. do STJ, de 3.3.1998, in CJSTJ, 1998, I, 116. No caso da providência cautelar de arresto, o credor/requerente tem de alegar factos que tornem previsível a existência do crédito de que se arroga titular e que justifiquem o receio da perda da garantia patrimonial do seu devedor - art. 407º, nº1, do citado diploma. O receio da perda da garantia patrimonial tem de ser justificado. Como ensina Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Volume IV, págs. 175 e 176: “O justo receio da perda de garantia patrimonial está previsto no art. 406.°, nº1, do Código de Processo Civil, e no art. 619.° do Código Civil pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. Este receio é o que no arresto preenche o “periculum in mora” que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia...”. “(...) Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva...”. O receio, para ser justificado há-de assentar em factos concretos, que o revelem, à luz de uma prudente apreciação - cfr. Jacinto Bastos, “Notas”, Vol. II, pág. 268 e Ac. STJ, de 3.3.1998, in CJ/STJ, 1998, 1°, pág. 116 - o ónus da prova compete ao requerente nos termos dos arts. 406° do Código de Processo Civil e 342°, nº1, do Código Civil. “[...]No domínio dos procedimentos cautelares, a prova (entendida no sentido daquilo que persuade da verdade) resume-se ao que a doutrina costuma chamar de justificação, ou seja, uma prova sumária que não produz a “plena convicção (moral)”, exigida para o julgamento da causa, mas apenas um grau de probabilidade aceitável para decisões urgentes e provisórias, como são as próprias daqueles procedimentos (artigos 381º, 382º, 386º, 400º, nº 1, e 403º, nº 1, do Código de Processo Civil de 1967)...” – Ac. do STJ, de 22.3.2000, in BMJ, 495-271...”. Não basta a prova de que o arrestando tem dívidas ou que a sua situação económica ou financeira é precária e tende a agravar-se. É imperioso que se prove que a conduta do devedor é nociva ao credor, ou seja, importa demonstrar, perfunctoriamente, que a actuação do devedor está a fazer perigar a posição do credor, do ponto em que aquele visa esvaziar o seu património para não honrar os seu compromissos. Como se pode ler na Revista - “O Direito” - Ano 132, pág.124, estudo de Rui Barbosa da Cruz. “O legislador, ao admitir o arresto como procedimento cautelar especificado, considerou e reconheceu “a priori” que a demonstração, justificada e séria, de que o devedor pretende dissipar ou ocultar os bens que constituem o seu património, é, só por si, bastante para preencher o requisito da gravidade e difícil reparação do direito de crédito. Mais uma vez o legislador vinca a distinção, no tocante a ambos os requisitos quanto ao grau de convicção que o juiz deve criar no seu espírito, bastando-se quanto ao direito de crédito com a sua provável existência, mas já impondo um juízo de certeza quanto ao receio de lesão (“factos que justificam o receio invocado”). O receio tem de ser justo e fundado em factos que exprimam actuação censurável do devedor. “I- No requerimento do arresto, deve o credor alegar factos tendentes à formulação de um juízo de probabilidade da existência do crédito e justificativos do receio invocado. II- Tal “receio”, para ser considerado “justo” há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não afastando o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a prestação a que tem direito. III- Na fórmula genuína do “justo receio de perder a garantia patrimonial” cabe uma variedade de casos, tais como os de receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens e de situação deficitária, não bastando que o requerente se limite a alegar meras convicções, desconfianças ou suspensões de tais situações”. - Ac. do STJ, de 23.9.99, acessível no sítio da Internet - DGSI-STJ, número convencional JSTJ00040372. Expostos os princípios legais e vista parte dominante da doutrina e de jurisprudência, importa saber se o requerente fez prova de que a conduta da requerida, no contexto da relação jurídico-contratual entre ambos vigentes, é de molde a que se possa considerar provado “justo receio” da perda do seu crédito, no caso, o direito a celebrar o contrato prometido de compra e venda de duas garagens, sendo certo que entregou à requerida, a título de sinal, a quantia de 10.000 contos ( na moeda antiga). Respondemos afirmativamente. Com efeito a requerida, tanto quanto se provou, não se mostra em condições de poder honrar o contrato-promessa, do ponto em que se encontra em desagregação de facto, como empresa, o que inviabiliza não só a conclusão da obra, como também revela ser manifesta a sua má situação económica e o estado de incumprimento em relação a outros promitentes-compradores, que já tiveram que recorrer a juízo para defender os seus direitos. O facto de a requerida já ter sido alvo de providência cautelar de arresto – decretado em 10.2.2003 e estar hipotecada - ut. certidão de fls. 11/12 – é, também, prova indiciária de que não está cumprindo as suas obrigações. Tudo aponta para que seja razoável e objectivamente fundado o receio do requerente, que tem de se considerar “justo” e não baseado em especulações ou rumores. Os factos revelam que a requerida, pela sua conduta, ameaça o direito do requerente que pagou já fatia larga do preço contratualizado, a título de sinal. De notar que o contrato-promessa de compra e venda foi celebrado em 6.8.1998 – cfr. fls. 7 a 8 verso, e previa um prazo de cerca de dois anos para construção das fracções objecto do contrato, sendo certo que, volvidos mais de cinco anos sobre tal data, a requerida não só não o cumpriu, como, desde há cerca de dois anos, parou com as obras no Lote 21, onde se situam as fracções expectadas adquirir pelo ora recorrente. Tudo leva a crer que as obras não prosseguirão, desde logo, pelo facto de um dos sócios-gerentes afirmar que “vendeu a firma”, descartando responsabilidade com esse fundamento, claramente revelador de situação de mora senão mesmo de incumprimento definitivo, o que, claramente, robustece o receio do requerente, como credor da requerida, que assim vê, seriamente, ameaçado o seu direito de crédito. A pretensão do requerente é de acolher, verificados que se mostram os demais requisitos legais de que depende a concessão do meio cautelar preventivo típico de que lançou mão. Decisão: Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, acolhendo a pretensão do requerente, decrete o arresto sobre o imóvel indicado a fls.5. Sem custas. Porto, 22 de Março de 2004 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale |