Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
674/11.7TTMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
VERIFICAÇÃO DA DOENÇA
Nº do Documento: RP20130321674/11.7TTMAI.P1
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: SOCIAL - 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: O incumprimento do dever de comparência ao exame designado pela Segurança Social para verificação da doença invocada em justificação das faltas ao trabalho, constituindo uma oposição, sem motivo atendível, à fiscalização prevista no n.º 3 do artigo 254.º, descaracteriza a situação como impossibilidade da prestação de trabalho, tornando injustificadas as faltas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 674/11.7TTMAI.P1
4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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1. Relatório
1.1. B… veio em 24 de Outubro de 2001 impugnar judicialmente no Tribunal do Trabalho da Maia a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado por C…, Lda.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da empregadora para apresentar o articulado motivador do despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado a R. empregadora alegou, em síntese: que o despedimento é lícito, porquanto o trabalhador tem vindo a faltar sistematicamente ao trabalho, desde há vários meses, invocando para tanto, como motivo justificativo, doença natural, juntando os respectivos atestados médicos; que em 21 de Março de 2011, entregou “baixa médica”, novamente por “doença natural”, abrangendo os dias 21 de Março de 2011 a 19 de Abril de 2011; que dada a acumulação de sucessivas baixas por doença natural, suspeitou da veracidade dos diversos motivos invocados e, por isso, requereu, em 13 de Abril de 2011, um pedido de verificação de situação de doença junto do Núcleo de Verificação de Incapacidades Temporárias da Segurança Social; que este Serviço convocou o trabalhador para submissão a exame médico no dia 19 de Abril de 2011 e ele, apesar de devidamente convocado, não compareceu ao exame médico para confirmação da veracidade do motivo invocado para as faltas, nem apresentou justificação válida para esta ausência; que entregou nos serviços da R., precisamente no dia a seguir ao que devia ter sido sujeito a exame médico, nova “baixa médica” alegando, mais uma vez, doença natural, desta vez, abrangendo os dias 20 de Abril de 2011 até 19 de Maio de 2011 e assim, acumulou faltas injustificadas consecutivas desde o dia 21 de Março de 2011 até 19 de Abril de 2011, num total de 22 dias de faltas injustificadas seguidas num mesmo ano civil; que as faltas não só são injustificadas como foram dadas voluntariamente e, por isso, são culposas; que a recusa do trabalhador em permitir a verificação da situação de doença consubstanciou uma conduta desleal e que gerou a total perda de confiança no trabalhador; que violou assim os deveres de disponibilidade, assiduidade e lealdade, sendo inadmissível, por revelar desprezo pelo cumprimento do seu dever mais essencial: estar disponível para trabalhar; que o trabalhador exerce as funções de Montador de Peças em Série, integrado num sistema de produção em série ou em linha, na qual o trabalho de cada trabalhador tem repercussão no trabalho dos demais e que a sua conduta, porque grave e culposa, constitui justa causa de despedimento.
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, o A. impugnou parte dos factos alegados pela R. empregadora e alegou, em resumo: que nunca tomou conhecimento da notificação do Núcleo de Verificação de Incapacidades Temporárias da Segurança Social; que a notificação usada pela Segurança Social foi por via de telegrama, entregue através dos CTT …; que este organismo, perante um pedido de confirmação de entrega, apenas refere que o telegrama foi depositado na caixa de correio do requerente, donde conclui que não está demonstrado que o mesmo tenha tomado efectivo conhecimento da notificação, dado não existir confirmação pessoal do seu recebimento, como devia acontecer; que nos termos do disposto no artigo 17.º/2 da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro, a R. estava obrigada a comunicar na mesma data ao trabalhador o pedido que houvera feito à Comissão de Verificação de Incapacidades Temporárias, o que não fez; que em 7 de Abril de 2011 foi objecto de uma verificação de situação de doença, promovida pela Segurança Social, em que o resultado foi a subsistência da incapacidade temporária, não se compreendendo, assim, a razão pela qual o mesmo, apenas doze dias após, iria faltar propositadamente a nova verificação e que em 20 de Abril de 2011, o trabalhador entregou uma nova baixa médica, com duração até 19 de Maio do mesmo ano, pelo que o seu despedimento deverá ser declarado ilícito e, em consequência, a requerida condenada a pagar-lhe as compensações previstas nos artigos 390.º e 391.º do Código do Trabalho, esta em substituição da reintegração, acrescida de juros, à taxa legal, até efectivo pagamento.
A R. apresentou o articulado de resposta de fls. 58 e ss., nele invocando, em suma: que antes e depois de ter apresentado o pedido junto da CVIT, através das colaboradoras do Departamento de Recursos Humanos, efectuou diversas chamadas para o A. para lhe dar conta desta intenção, sendo que este é um procedimento habitual na empresa, em todos os casos semelhantes; que o A., pura e simplesmente, não atendia, nem sequer devolvia as chamadas; que desconhecia a data concreta do exame, porque a CVIT apenas informa da data o trabalhador em causa, que não a entidade patronal; que o A. foi validamente notificado para comparecer ao exame de avaliação da sua situação de incapacidade temporária, resultando tal dos documentos juntos aos autos, cuja autoria, veracidade e autenticidade não impugna e que é a ele que compete provar o facto que alega, ou seja, que apesar da notificação ter sido feita, ele não conheceu o seu conteúdo, por facto que lhe não seja imputável; que a notificação do trabalhador por telegrama está expressamente prevista na Lei nº 105/2009 e se ele não tomou conhecimento da notificação, será por sua exclusiva culpa.
Foi dispensada a realização de audiência preliminar, bem como a organização dos factos assentes e da base instrutória (despacho de fls. 63-64).
Realizada a audiência de julgamento, e sendo proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio, que não foi objecto de reclamação, a Mma. Juiz a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Por tudo o exposto, julga-se a presente ação procedente e, em consequência:
I – Declara-se ilícito o despedimento do trabalhador B… promovido pela entidade empregadora “C…, Lda.”.
II – Condena-se a entidade empregadora “C…, Lda.” a pagar ao trabalhador:
1 – a indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base (€ 587,00) por cada ano completo ou fração de antiguidade, a título de indemnização em substituição da reintegração, que nesta data se computa em € 8.218,00;
2 – as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o seu despedimento – 24.09.2011 – à razão mensal de € 587,00, até ao transito em julgado da sentença, devendo-se deduzir o subsídio de desemprego que o trabalhador eventualmente haja auferido no mesmo período de tempo, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social, cuja liquidação se relega para o respetivo incidente de liquidação, nos termos dos artigos 661.º/2 e 378.º/2 do Código de Processo Civil.
Fixa-se o valor da causa em € 8.218,00 (artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho).
Custas pela entidade empregadora.
[…]
1.2. A R. empregadora, inconformada, interpôs o recurso documentado a fls. 108 e ss., tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que considere lícito o despedimento promovido pelo Empregador, ora Recorrente.
2. As faltas dadas pelo trabalhador entre os dias 21 de Março e 19 de Abril de 2011 são injustificadas, uma vez que o trabalhador apresentou atestado médico nos serviços do empregador, mas faltou ao exame da CVIT para avaliação do seu estado de doença.
3. O trabalhador foi devidamente convocado para comparecer neste exame, tendo faltado sem apresentar qualquer tipo de justificação válida para isso.
4. A falta injustificada do trabalhador a este exame determina que as faltas por ele dadas ao trabalho sejam consideradas injustificadas, nos termos do art. 254°, nº 5 do Código do Trabalho.
5. O regime de faltas previsto no Código do Trabalho é imperativo, nos termos do art. 250°.
6. Porque a falta constitui a violação de um dever do trabalhador, é a este que cabe o dever de proceder à justificação das suas ausências perante o empregador.
7. A falta injustificada é um ato ilícito e, por isso, culposo.
8. A culpa, neste caso, presume-se, competindo ao trabalhador o ónus da prova do contrário.
9. É ao trabalhador que cabe o dever de, mesmo sendo a falta injustificada, alegar e provar os factos que permitam concluir que a sua ausência do trabalho não foi nem voluntária nem culposa.
10. Não é o empregador que tem o dever de se certificar e investigar se o trabalhador que faltou ao exame da CVIT, estava ou não impossibilitado de trabalhar.
11. Não está o empregador obrigado a averiguar se o trabalhador que faltou injustificadamente ao exame da CVIT está ou não efetivamente doente, mais ainda quando o trabalhador nem sequer alega esse facto quer no procedimento disciplinar, quer no seu articulado nos presentes autos.
12. A douta sentença recorrida faz uma interpretação contra legem do disposto no art. 18° da Lei nº 105/2009.
13. É o trabalhador que teria que alegar e provar factos que permitissem extrair tal conclusão.
14. Nos presentes autos, o trabalhador não alegou, nem provou, qualquer facto que permita concluir que as suas ausências no período em referência foram involuntárias e não culposas.
15. A douta sentença recorrida subverte a relação entre as partes, impondo ao Empregador que investigue para além daquilo que o próprio trabalhador lhe comunica para efeito de justificação das faltas!
16. O trabalhador é que estava obrigado a provar que, apesar de ter faltado ao exame da CVIT, estava efetivamente doente no período de tempo entre 21 de março e 19 de Abril de 2011.
17. Mesmo que se considere relevante o outro exame a que o trabalhador foi submetido em 7 de Abril de 2011, ainda assim, todo o período de tempo posterior a esta data, até ao dia 19 de Abril deve ser qualificado como período de faltas injustificadas.
18. O empregador apenas tomou conhecimento deste exame de dia 7 de abril de 2011 com a contestação do trabalhador nos presentes autos, uma vez que o trabalhador não lhe fez qualquer referência na defesa no processo disciplinar.
19. Não se vislumbra em que factos concretos assenta a douta sentença recorrida para concluir que as faltas dadas pelo trabalhador foram involuntárias e não culposas, apesar de injustificadas.
20. É que o próprio trabalhador se limita a alegar que as faltas devem ser justificadas porque a sua ausência ao exame da CVIT se deve à falta de notificação para comparecer, sendo certo que, bem pelo contrário, resulta provado nos autos que o trabalhador foi notificado para comparecer.
21. Na avaliação da gravidade das faltas injustificadas do trabalhador tem que se ter em conta que este está integrado num sistema de trabalho em linha ou em série, "no qual o trabalho de cada trabalhador tem repercussão no trabalho dos demais".
22. Não se pode exigir a um empregador que mantenha ao seu serviço um trabalhador que recorre sistematicamente a baixas médicas, mas que se recusa a submeter-se ao exame pela CVIT, quando devidamente convocado.
23. Esta conduta é de manifesta violação do dever de lealdade perante o empregador, quebrando a relação de confiança entre as partes.
24. O comportamento do trabalhador, por ser culposo e por ser grave, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento.
25. Caso assim se não entenda, e mesmo que se considerasse como ilícito o despedimento, deve a sua ilicitude ser considerada como mínima, ponderando a conduta do trabalhador e a conduta do empregador, pelo que o valor a ter como referência para efeito de indemnização deverá ser de apenas 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.
26. A douta sentença recorrida viola, entre outras disposições que V.Exas doutamente suprirão, o disposto nos art. 250º, 254º, nº 2, 3 e 5, 256°, nº 1, 351º, nº 1, nº 2, al f) e g) e nº 3, do Código do Trabalho, e art. 17° e 18° da Lei 105/2009.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente e a douta sentença recorrida ser revogada, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA!.”
1.3. Respondeu o A. recorrido pugnando pela improcedência do recurso e concluindo que:
“1- A douta sentença recorrida deve ser mantida e consequentemente, ser considerado ilícito o despedimento promovido pela entidade patronal, aqui Recorrente.

2- O ora Recorrido, foi contratado pela Recorrente em 8 de Abril de 1998, e nunca até então, foi sujeito a qualquer processo disciplinar, cumprindo sempre o seu dever de assiduidade.

3- Só nos últimos tempos, e por facto de doença, devidamente demonstrada, faltou ao trabalho.

4- Em 22 de Abril de 2011, o Recorrido mal recebeu a informação da Segurança Social, que lhe iria ser suspenso o subsídio de doença, por falta a exame de verificação de incapacidade, em 19 de Abril de 2011, reclamou perante aquele Serviço.

5- Pese embora, a Segurança Social confirmar o envio da notificação, é facto notório que muitas vezes, há erros e extravios na entrega da correspondência.

6- Em 7 de Abril de 2011, o Recorrido foi sujeito a uma verificação promovida pela Segurança Social, cujo resultado foi a subsistência da incapacidade temporária.

7- Essa verificação abarcou o mesmo período de incapacidade, que agora a entidade patronal, queria novamente sindicar.

8- Nos termos do artigo 8.°, alínea b) da Lei 105/2009, é motivo impeditivo a realização de um exame, por estar a decorrer um período de incapacidade temporária já anteriormente verificado pela CVIT, devendo esta, comunicar tal facto à entidade patronal.

9- Daí, sempre poderia a entidade patronal, promover ela própria, uma verificação, designando um médico para tal.

10-Será de todo legítimo concluir, que existia para aquele período, justificação de faltas.

11- Tanto mais que de acordo com o artigo 17.° n.º 4 alínea c), iii da Lei 105/2009, a falta à verificação, não implica automaticamente injustificação de faltas - pode ser, ou seja, terá que ser interpretada com as restantes normas aplicáveis ao caso.

12- Assim, de acordo com os normativos legais, 126.° n.º 1 do C.Trabalho e artigos 17.° e 18.° da Lei 105/2009, não existiu violação por parte do Recorrido do dever de assiduidade de forma voluntária e culposa.

13- "A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especiais do tempo em que em que é aplicada - artigo 9.° do C.Civil

14- Errada é a interpretação que a Recorrente faz do artigo 254.°, n." 2, 3 e 5 do C.Trabalho, tendo em conta os textos e a unidade do sistema jurídico.”

1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 136, vindo a ser-lhe fixado efeito suspensivo (fls. 143).
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da justa causa para o despedimento do A.[1];
2.ª – da base de cálculo para a indemnização a arbitrar, caso se conclua pela inexistência de justa causa.
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3. Fundamentação de facto
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Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1. O Requerente foi contratado pela Requerida, por contrato de trabalho celebrado em 8 de abril de 1998, para exercer as funções de Montador de Peças em Série.
2. Na sequência de procedimento disciplinar, em 7 de setembro de 2011, por meio de carta registada com aviso de receção, a Requerida enviou ao Requerente a decisão de despedimento com justa causa, sem direito a indemnização ou compensação.
3. Comunicação que o Requerente recebeu em 15 de setembro de 2011.
4. A decisão de aplicação desta sanção foi precedida de procedimento disciplinar.
5. No dia 16 de maio de 2011 foi entregue ao trabalhador a Nota de Culpa, devidamente acompanhada de comunicação na qual se manifestava a intenção de lhe ser aplicada a sanção de despedimento com justa causa, sem direito a compensação ou indemnização.
6. Nessa mesma comunicação era notificado o trabalhador de que dispunha de 10 dias para apresentar defesa e requerer a realização das diligências de prova que reputasse adequadas.
7. O trabalhador apresentou a sua defesa por escrito, requerendo a inquirição de uma testemunha.
8. Foi designado o dia 9 de junho de 2011, às 9h30, para a inquirição da testemunha, a qual não compareceu.
9. Estava presente na diligência o Ilustre Mandatário do Trabalhador, tendo sido lavrado o correspondente Termo, que foi assinado pelo Instrutor do processo e pelo I. Mandatário do Trabalhador.
10. O Trabalhador nada mais requereu no que à realização de diligências de prova diz respeito.
11. O Trabalhador, na sua Resposta, alega não ter sido devidamente notificado para comparecer a tal à diligência de verificação da situação de incapacidade.
12. O Instrutor do PD entendeu ser de notificar a Segurança Social, especificamente a Equipa de Verificação de Incapacidades Temporárias, para juntar ao processo o comprovativo da efetiva notificação do Trabalhador.
13. Por email de fls. 29 do PD, enviado em 14.07.2011, a Segurança Social enviou à Requerida a informação constante de fls. 30 do PD, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que contém uma comunicação ao ISS da “PT COMUNICAÇÕES” no sentido de que o telegrama do ISS “do dia 15-04-2011 das 11h44” para o aqui autor “foi depositado na caixa do correio do destinatário dia 15-04-2011 as 15h40 conforme prova de entrega fornecida pelos CTT …”[2].
14. Foi notificado o Ilustre Mandatário do Trabalhador, para sobre ele se pronunciar no prazo de 10 dias.
15. O Trabalhador não exerceu o direito de pronúncia sobre este documento.
16. Em 7 de setembro de 2011 foi elaborado o Relatório Final pelo Instrutor, tendo na mesma data sido proferido o Despacho pela Gerência da Requerida, na qual se decidia pela aplicação da sanção disciplinar ao trabalhador.
17. A decisão teve por base os factos que constavam da Nota de Culpa que foi enviada ao trabalhador no início do procedimento disciplinar.
18. Ultimamente, o Requerente exercia as suas funções no armazém.
19. O Trabalhador tem o seguinte horário de trabalho: de segunda a sexta-feira, das 14h00 às 22h00.
20. Ao Trabalhador, como aos demais trabalhadores, foi comunicado e exigido desde o momento da admissão, que fosse cumprido com rigor o horário de trabalho.
21. Como medida de controlo do cumprimento deste horário, foi expressamente dito ao Requerente - como a todos os demais trabalhadores - que devia marcar o ponto no início e no final da prestação do serviço.
22. O Trabalhador tem vindo a faltar sistematicamente ao trabalho, desde há vários meses, invocando para tanto, como motivo justificativo, doença natural.
23. O Trabalhador junta os respetivos atestados médicos.
24. Em 21 de março de 2011, o Trabalhador entregou no Departamento de Recursos Humanos da Requerida, “baixa médica”, novamente por “doença natural”, abrangendo os dias 21 de março de 2011 a 19 de abril de 2011.
25. Dada a acumulação de sucessivas baixas por doença natural, a Requerida suspeitou da veracidade dos diversos motivos invocados.
26. Por isso, a Requerida requereu, em 13 de abril de 2011, um pedido de verificação de situação de doença junto do Núcleo de Verificação de Incapacidades Temporárias da Segurança Social.
27. Este Serviço convocou o Trabalhador para submissão a exame médico no dia 19 de abril de 2011.
28. O Trabalhador não compareceu ao exame médico para confirmação da veracidade do motivo invocado para as faltas.
29. Não apresentou justificação para esta ausência.
30. No dia a seguir ao que devia ter sido sujeito a exame médico, o Trabalhador entregou nos serviços da Requerida, nova “baixa médica” alegando, mais uma vez, doença natural, desta vez, abrangendo os dias 20 de abril de 2011 até 19 de maio de 2011.
31. Da Resposta à Nota de Culpa apresentada pelo trabalhador no PD consta que o meio de comunicação utilizado pela Segurança Social para a sua notificação foi o telegrama.
32. No documento emitido pela PT/COMUNICAÇÕES – …, junto a fls. 30 do PD, consta que existe “prova de entrega” do depósito na caixa do correio do Trabalhador.
33. O Trabalhador exerce as suas funções integrado num sistema de produção em série ou em linha, na qual o trabalho de cada trabalhador tem repercussão no trabalho dos demais.
34. A forma de notificação usada pela Segurança Social para convocação do trabalhador para o exame médico do dia 19 de abril de 2011 foi o telegrama, entregue através dos CTT ….
35. De acordo com a informação prestada pela PT Comunicações, tal telegrama foi depositado na caixa de correio do destinatário no dia 15.04.2011, às 15h40m.
36. Da prova de entrega junta a fls. 66 dos autos consta a informação referida no ponto anterior, ou seja, que o telegrama foi depositado na caixa de correio do destinatário no dia 15.04.2011, pelas 15h40m.
37. No dia 7 de abril de 2011, o trabalhador foi objeto de uma verificação de situação de doença, promovida pela Segurança Social, em que o resultado foi a subsistência da incapacidade temporária.
38. A Segurança Social, em 21 de abril de 2011, enviou uma missiva ao Requerente onde consta a decisão de suspender o subsídio de doença.
39. Perante tal missiva, o Requerente reclamou para a Segurança Social afirmando que não teve conhecimento de qualquer convocação para exame.
40. Tendo a Segurança Social remetido, em resposta, fotocópia da comunicação enviada pela PT.
41. O Requerente enviou nova carta à Segurança Social em 13 de maio de 2011.
42. A Requerida, através de uma colaboradora do Departamento de Recursos Humanos, cerca de 2/3 dias antes de formular o pedido junto da CVIT, comunicou ao trabalhador que o iria fazer.
43. Este é um procedimento habitual na empresa, em todos os casos semelhantes.
44. Desta forma até se consegue que muitos trabalhadores regressem voluntariamente ao trabalho.
45. A Requerida desconhecia a data concreta do exame, porque a CVIT apenas informa a data o trabalhador em causa, que não a entidade patronal.
46. À data do despedimento, o trabalhador auferia a retribuição base de € 587,00.
[...]».
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Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso uma vez que no caso sub judice não foi impugnada a matéria de facto e não ocorre qualquer das situações que autorizam o Tribunal da Relação a alterá-la oficiosamente ou a determinar a sua ampliação (cfr. o artigo 712.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
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4. Fundamentação de direito
4.1. Da justa causa de despedimento
Cabe agora enfrentar a questão de aferir se o despedimento do A., ora recorrido, se fundou em justa causa como defende a R. recorrente, questão que deverá ser analisada à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei].
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4.1.1. Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da Lei Fundamental, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento.
Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Com algumas diferenças de forma (que não de conteúdo) a jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda:
– que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal;
– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e
– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica (vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt).
Na efectivação destes juízos, deve o tribunal atender às circunstâncias enunciadas no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho, ou seja, “ao quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
Há-de, outrossim, ter-se presente que o despedimento se apresenta, nos termos do artigo 328.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho, como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas ou sanções de menor gravidade forem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção das situações similares e para os interesses fundamentais da empresa, pois que, tendo a relação de trabalho vocação de perenidade, apenas se justificará, no respeito pelo principio da proporcionalidade (artigo 330.º, n.º 1), o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso medidas conservatórias ou correctivas.
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4.1.2. Pese embora não exista, no Código do Trabalho, norma idêntica à da parte final do n.º 4 do artigo 12.º, da revogada LCCT, segundo a qual cabia à entidade empregadora, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos integradores da justa causa constantes da decisão de despedimento, é de manter o mesmo entendimento, face à estrutura e princípios que regem os termos do processo disciplinar e da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, constantes do Código do Trabalho e do Código de Processo do Trabalho, e face aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil.
Na verdade, de acordo com os artigos 353.º, n.º 1 e 357.º, nºs. 4 e 5 do Código do Trabalho de 2009, cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa de despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar e, nos termos do n.º 3 do artigo 387.º do mesmo código, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador na acção que aprecia judicialmente o despedimento. É o empregador que invoca a justa causa para o despedimento, sendo de seu interesse ver reconhecido pelo tribunal que o comportamento do trabalhador se subsume à cláusula geral descrita no artigo 351º, nº 1 do CT, a fim de impedir que o trabalhador veja judicialmente reconhecidos os direitos indemnizatórios e retributivos emergentes da ilicitude do despedimento. Por seu turno na lei adjectiva encontra-se especificamente previsto um articulado do empregador que se destina a motivar o despedimento, onde apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento (artigos 98.º-I, n.º 4 e 98.º-J do CPT), iniciando-se a prova a produzir em julgamento com a oferecida pelo empregador (artigo 98.º-M do CPT).
Assim, é de considerar que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador e, como tal, a provar pelo empregador – vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.09.15, Recurso n.º 2754/06.1TTLSB.L1.S1 e de 2009.04.22, Recurso n.º 153/09 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
Deve notar-se, contudo, que por virtude das regras gerais do ónus da prova constantes da lei civil (arts. 342º e ss.) e da sua conexão com as regras substantivas aplicáveis a cada situação, o âmbito do ónus da prova dos factos relativos aos elementos que compõem o conceito de justa causa a cargo do empregador pode ter maior, ou menor, dimensão.
Assim, por exemplo, quando está em causa o dever de assiduidade, presume-se a ilicitude e a culpa do trabalhador com a materialidade da falta – cfr. o art. 799.º, n.º 1 do Código Civil –, sendo certo que se este provar factos que integram os fundamentos legais da justificação das faltas, o seu comportamento não é culposo, nem tão pouco, ilícito – cfr. os arts. 248º e ss. e 351.º. n.º 2, alínea g) do Código do Trabalho.
Bem se compreende que assim seja, na medida em que, quando falta, o trabalhador incumpre o dever contratual de comparecer no local de trabalho para cumprir o seu dever principal de prestar trabalho nas horas e dias a que está adstrito. O trabalhador apenas não se encontra vinculado a este dever de assiduidade quando exista uma situação que o desonere do seu cumprimento ou quando justificadamente não compareça.
Há pois que verificar, em cada circunstância concreta, e perante as normas aplicáveis, qual é o âmbito e sobre quem impende o “onus probandi”dos factos relacionados com os elementos da justa causa de despedimento.
*
4.1.3. No caso sub judice, a decisão proferida no processo disciplinar instaurado pela recorrente, fez assentar o despedimento do A., fundamentalmente, no facto de este haver dado 22 faltas injustificadas consecutivas no mesmo ano, o que constitui violação do dever imposto no artigo 128.º, al. b) do Código do Trabalho, e de ter apresentado uma justificação de falta que tem de ser considerada como falsa, o que integra justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, alíneas f) e g) do Código do Trabalho.
Na apelação, a recorrente vem essencialmente alegar, por um lado, que as faltas dadas entre os dias 21 de Março e 19 de Abril são injustificadas nos termos do artigo 254.º, n.º 5 do Código do Trabalho, uma vez que o trabalhador apresentou atestado médico, mas faltou ao exame da CVIT para avaliação do seu estado de doença, sendo ónus do trabalhador o de demonstrar que apesar de faltar ao exame da CVIT, esteve efectivamente doente naquele período, não relevando a sua alegação de que não foi notificado para comparecer (conclusões 1.ª a 20ª) e, por outro lado, que o comportamento do trabalhador é culposo e grave, tornando impossível a subsistência da relação de trabalho (conclusões 21.ª a 24.ª)
A sentença recorrida, perante os factos que se apuraram na acção e questionando-se sobre a injustificação das faltas em causa e sobre a licitude ou ilicitude do despedimento, teceu as seguintes considerações:
“[…]importa desde logo ter presente que para o preenchimento da justa causa de despedimento, não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias, sendo necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador que revista gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral [neste sentido, entre outros, o AC TRP de 19.03.2012, www.dgsi.pt].
Depois, há que considerar outros aspetos que se nos afigura não foram considerados e ponderados pela entidade empregadora.
Assim, e desde logo, importa notar que as ausências do trabalhador estavam devidamente justificadas pela junção dos correspondentes atestados médicos, que davam conta da sua incapacidade para o trabalho. Ora, a falta do autor à CVIT significa apenas isso, isto é, significa que o mesmo, porque faltou, não pôde ser observado por aquela comissão, a qual, e por tal, não pôde aferir se o mesmo se encontrava, ou não, impossibilidade de exercer a sua atividade profissional. Ou seja, e desde logo, não ficou demonstrado que as anteriores justificações apresentadas pelo trabalhador fossem falsas.
Note-se, aliás, que não resulta da lei que a falta de comparência perante a CVIT determine que as faltas sejam consideradas como injustificadas.
Com efeito, o que se extrai do artigo 17.º/4, al. c), iii) é que se o trabalhador não comparecer perante a comissão de verificação, sem motivo atendível, os dias de alegada doença podem (sublinhado nosso) ser considerados faltas injustificadas. Ou seja, tal ficará sempre no critério do empregador.
No caso dos autos, como já vimos, a entidade empregadora considerou tais ausências como faltas injustificadas.
Não colocamos em causa tal decisão. No entanto, já não se nos afigura curial que a empregadora, com base na factualidade que se acaba de relatar, tenha logo optado pela aplicação ao trabalhador da sanção disciplinar mais gravosa, ou seja, o despedimento.
Na verdade, considerando que o trabalhador sempre apresentou justificações válidas para as suas ausências por doença, que no dia 7 de abril de 2011, o mês em causa nos autos, havia sido objeto de uma verificação de doença, promovida pela segurança social, em que o resultado foi a subsistência da incapacidade temporária e que no dia 20 de abril de 2011 entregou nos serviços da entidade empregadora nova baixa médica, alegando, mais uma vez, doença natural, desta vez abrangendo os dias 20 de abril de 2011 até 19 de maio de 2011, parece-nos que um qualquer empregador normal, guiado na sua atuação pelo princípio da boa-fé, princípio que deve presidir à atuação das partes na vigência do contrato de trabalho (artigo 126.º/1 do Código do Trabalho) deveria, antes de despedir o trabalhador, ter-se certificado de que a atuação deste era voluntária e culposa, isto é, deveria ter-se certificado de que inexistam motivos válidos para aquelas ausência, designadamente, por o mesmo não se encontrar doente.
E nem se diga que tais meios não estariam ao seu alcance, pois que é a própria Lei n.º 105/2009 que prevê, no seu artigo 18.º, a possibilidade de o empregador, mediante a informação da impossibilidade de realização de CVIT, designar um médico para verificar a situação de doença do trabalhador.
Ora, no caso presente, como vimos, tal não sucedeu, tendo-se a entidade empregadora, perante a falta à CVIT do trabalhador, “precipitado” para o seu despedimento.
Assim, e pelas razões expostas, afigura-se-nos que a matéria apurada não permite sustentar que a violação do dever de assiduidade por parte do trabalhador foi intencional e, em consequência, que o seu comportamento foi culposo, pelo que se conclui pela inexistência de justa causa para o seu despedimento.
[…]”
4.1.4. Analisando os termos da sentença recorrida, verifica-se que a mesma considerou as faltas dadas inicialmente como justificadas, em face da apresentação dos atestados médicos. Mas depois, ponderando a falta do trabalhador à Comissão de Verificação e o regime que emerge do artigo 17.º, n.º 4, alínea c), iii) da Lei n.º 105/2009, conclui que desse regime se extrai que se o trabalhador não comparecer perante a comissão de verificação, sem motivo atendível, os dias de alegada doença “podem” ser considerados faltas injustificadas, o que fica no critério do empregador. E, referindo que a entidade empregadora considerou tais ausências como faltas injustificadas, diz expressamente que não coloca em causa tal decisão, o que denota que considera deverem perspectivar-se as faltas em causa como injustificadas.
Cremos que, em face do modo como é traçado o regime jurídico da justificação de faltas por doença e da verificação da veracidade da situação de doença, tal decisão é correcta.
Na verdade, o artigo 248.º, n.º 1, do Código do Trabalho define “falta” como “a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário”.
O conceito de faltas injustificadas resulta da conjugação do preceito acima transcrito com o estatuído nos artigos 249.º a 254.º do mesmo diploma legal, devendo destacar-se a relevância do regime em causa para o legislador laboral ao estabelecer uma imperatividade praticamente absoluta do mesmo no artigo 250.º
Segundo estabelece o artigo 249.º, relativo aos tipos de falta:
«1 - A falta pode ser justificada ou injustificada.
2 - São consideradas faltas justificadas:
(…)
d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal;
(…)
3 - É considerada injustificada qualquer falta não prevista no número anterior.»
A justificação das faltas não depende apenas do respectivo fundamento, mas também da comunicação da ausência ao empregador nos termos disciplinados no artigo 253.º, com indicação do motivo da mesma.
Por seu turno o artigo 254.º do mesmo diploma dispõe sobre a prova de motivo justificativo de falta nos seguintes termos:
«1 - O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável.
2 - A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico.
3 - A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação específica. 4 - A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento.
5 - O incumprimento de obrigação prevista nos n.ºs 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere o n.º 3 determina que a ausência seja considerada injustificada.»
Como decorre do n.º 3 deste preceito, confere-se ao empregador a faculdade de promover a verificação da situação de doença do trabalhador, sendo a “legislação específica” para onde remete tal disposição a Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro (Regulamento do Código do Trabalho), que nos seus artigos 17.º e ss. regula a verificação da situação de doença, estabelecendo o procedimento a adoptar para essa verificação, a efectuar em primeira linha por médico designado pela Segurança Social.
É o seguinte o teor do artigo 17.º da Lei n.º 105/2009, que se reporta à verificação da situação de doença por médico designado pela segurança social:
«1 — Para efeitos de verificação de incapacidade temporária para o trabalho por doença do trabalhador, o empregador requer a sua submissão à comissão de verificação de incapacidade temporária (CVIT) da segurança social da área da residência habitual do trabalhador.
2 — O empregador informa, na mesma data, o trabalhador do requerimento referido no número anterior.
3 — A deliberação da CVIT realizada a requerimento do empregador produz efeitos no âmbito da relação jurídica prestacional do sistema de segurança social de que o trabalhador é titular.
4 — Os serviços da segurança social devem, no prazo de 48 horas a contar da recepção do requerimento:
a) Convocar o trabalhador para apresentação à CVIT, indicando o dia, hora e local da sua realização, que deve ocorrer num dos três dias úteis seguintes;
b) Comunicar ao empregador a convocação efectuada;
c) Informar o trabalhador de que:
i) Deve apresentar, aquando da sua observação, informação clínica e os elementos auxiliares de diagnóstico de que disponha, comprovativos da sua incapacidade;
ii) Em caso de impossibilidade de comparência por motivo atendível, deve comunicar o facto nas vinte e quatro horas seguintes à recepção da convocatória;
iii) A sua não comparência, sem motivo atendível tem como consequência que os dias de alegada doença podem ser considerados faltas injustificadas ou que, caso ocorram em período de férias, são considerados na duração do gozo destas.
5 — O trabalhador que esteja impedido de se deslocar do seu domicílio para comparecer a exame médico pela CVIT deve informar os serviços da segurança social até à data prevista para o exame ou, em caso de impossibilidade, nas vinte e quatro horas seguintes ao termo da mesma.
6 — Consoante o impedimento do trabalhador, os serviços da segurança social marcam nova data para o exame médico pela CVIT, a ter lugar nas 48 horas seguintes e, se necessário, no domicílio do trabalhador, dando ao mesmo tempo conhecimento do facto ao empregador.
7 — Os serviços da segurança social devem comunicar ao empregador e ao trabalhador se este está ou não apto para desempenhar a actividade, nas vinte e quatro horas subsequentes à realização do exame médico pela CVIT.
8 — Os serviços da segurança social devem comunicar ao empregador:
a) A impossibilidade de submeter o trabalhador à CVIT nos termos da alínea a) do n.º 4, sendo caso disso, nas vinte e quatro horas seguintes à recepção do requerimento;
b) A não realização do exame médico, designadamente por falta de comparência do trabalhador com indicação do motivo impeditivo alegado por este, ou por estar a decorrer um período de incapacidade temporária para o trabalho por doença já anteriormente verificada por CVIT, sendo este o caso, nas vinte e quatro horas seguintes à recepção do requerimento.»
Como resulta com clareza do n.º 5 do artigo 254.º do Código do Trabalho, o incumprimento do dever de comparência ao exame para verificação da doença, constituindo uma oposição, sem motivo atendível, à fiscalização da doença prevista no n.º 3 do artigo 254.º, descaracteriza a situação como impossibilidade da prestação de trabalho, tornando injustificadas as faltas[3].
De acordo com as regras sobre o onus probandi prescritas no art. 342º do C.Civil constitui ónus do trabalhador alegar e provar os factos necessários a que se considerem as suas faltas como justificadas, factos nos quais se inclui o de ter o trabalhador cumprido as obrigações que a lei faz sobre si incidir para que se considerem justificadas as suas ausências ao serviço.
Ora, resulta dos factos provados que o A. vinha faltando sistematicamente ao trabalho, havia vários meses, invocando para tanto, como motivo justificativo, “doença natural” e juntando os respectivos atestados médicos, faltas estas que não sãopostas em causa na presente acção – factos 22. e 23.
Ficou também provado que no dia 21 de Março de 2011, entregou no Departamento de Recursos Humanos da R., “baixa médica”, novamente por “doença natural”, abrangendo os dias 21 de Março de 2011 a 19 de Abril de 2011 e que, dada a acumulação de sucessivas baixas por doença natural, a R. suspeitou da veracidade dos diversos motivos invocados, razão pela qual requereu, em 13 de Abril de 2011, um pedido de verificação de situação de doença junto do Núcleo de Verificação de Incapacidades Temporárias da Segurança Social (NVIT) – factos 24. a 26.
Este serviço convocou o trabalhador para submissão a exame médico no dia 19 de Abril de 2011, não tendo o mesmo, no entanto, comparecido ao exame médico para confirmação da veracidade do motivo invocado para as faltas, nem apresentado justificação para essa ausência – factos 27. a 29.
Porque no recurso se volta a discutir este aspecto, cabe sublinhar que o autor não compareceu efectivamente ao exame marcado pela CVIT e não logrou provar nestes autos que não tivesse tido conhecimento da convocatória em causa. É o que resulta dos factos provados nos pontos 13. a 15., 27. a 29., 31., 32., 34. a 36. e do facto não provado constante da alínea b) da decisão que decidiu a matéria de facto em litígio (fls. 82).
E a verdade é que, estando provado que a convocatória em causa foi remetida pela Segurança Social através de telegrama para o seu domicílio e foi depositada na sua caixa de correio, deve o mesmo considerar-se notificado daquela.
Com efeito, segundo o artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo:
“1. As notificações podem ser feitas:
a) Por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando;
b) Pessoalmente, se esta forma de notificação não prejudicar a celeridade do procedimento ou se for inviável a notificação por via postal;
c) Por telegrama, telefone, telex ou telefax, se a urgência do caso recomendar o uso de tais meios;
d) Por edital a afixar nos locais do estilo, ou anúncio a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em dois jornais mais lidos da localidade da residência ou sede dos notificandos, se os interessados foram desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.
2. (…)”
No caso, está prevista no artigo 21.º da Lei n.º 105/2009 a possibilidade de a convocatória ser feita por telegrama.
O envio das comunicações pela entidade administrativa mostra-se submetido ao regime das notificações previsto nos artigos 254º e 255º do Código de Processo Civil, como se tem entendido na jurisprudência administrativa (cfr. Acórdão do S.T.A. de 2004.01.27, Processo n.º 01768/03, in www.dgsi.pt).
Nos termos do nº 3 do artigo 254º do C.P.C., “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”, sendo que tal presunção só pode ser ilidida pelo notificado “provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razoes que lhe não sejam imputáveis” (n.º 6 do mesmo artigo).
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 121/76, de 11 de Fevereiro, “é abolida a exigência de avisos de recepção para as notificações em quaisquer processos, sendo contudo obrigatório o registo postal em todos os avisos e notificações, incluindo os relativos a preparos, multas e custas”. O n.º 3 da mesma disposição determina que “todas as notificações e avisos efectuados nos termos dos números anteriores se presumem feitos no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja, produzindo efeitos anteriores”.
Ora, não pôs o autor em questão ser a sua morada aquela para onde foi enviado o telegrama – que é aliás a que indica no formulário inicial da acção (fls. 2) e que se mostra indicada quer no contrato de trabalho junto a fls. 4 do procedimento disciplinar, quer ao longo do mesmo, quer na procuração junta a estes autos (fls. 22) – sendo aí depositado o telegrama.
Logo, há que presumir que a notificação da Segurança Social foi efectuada.
Era ao A. que competia ilidir tal presunção, nos termos do disposto nos artigos 254º nº 6 e 255º nº 1 do C.P.C., o que não fez.
Com efeito, face ao que prescreve o artigo 254.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, não basta à parte vir alegar na acção que não tomou conhecimento da comunicação da Segurança Social, sem fazer qualquer prova dessa sua alegação. É de notar que o recorrido nunca afirma que a comunicação não foi depositada na sua caixa de correio e, mesmo no recurso, limita-se a referir ser facto notório que muitas vezes há erros e extravios na entrega da correspondência, nunca chegando a alegar que não recebeu a comunicação na sua residência.
Por isso, há que considerar que o A. foi notificado da comunicação da Segurança Social, sendo irrelevante a mera alegação – sem nada que demonstre a sua veracidade – de que comunicou à Segurança Social que não tomou conhecimento da mesma.
Acresce que foi submetido à instrução o facto, alegado pelo A. de que “não tomou conhecimento da notificação do Núcleo de Verificação de Incapacidades Temporárias da Segurança Social”, vindo tal facto a ser considerado expressamente como não provado – vide a alínea b) dos factos não provados a fls. 82 –, pelo que nunca seria possível a este tribunal de recurso, depreender que o trabalhador não tomou conhecimento daquela notificação.
Conforme constitui jurisprudência pacífica, não é possível extrair dos factos provados ilações que contrariam ou entram em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal houve como não provado, caso em que se verificaria uma contradição factual susceptível de inviabilizar a decisão jurídica do pleito[4].
É pois de sufragar o entendimento da recorrida de que todas as faltas dadas pelo recorrente entre 21 de Março e 19 de Abril de 2011 se consideram injustificadas, por não ter este cumprido a obrigação de se submeter aos procedimentos de verificação da doença que invocava em fundamento da justificação da falta.
Esta conduta fez incorrer o recorrido em infracção disciplinar, por violação do dever de assiduidade e pontualidade – artigo 128.º, número 1, alínea b) do Código do Trabalho.
E, porque o termo falta em sentido jurídico-laboral se refere também a uma obrigação contratual não cumprida, presume-se a culpa do trabalhador adstrito ao dever de prestar trabalho com assiduidade quando o absentismo não é justificado – cfr. o artigo 799º, nº1 do Código Civil e o artigo 128.º do Código do Trabalho[5].
Além disso, considerando que o trabalhador deu mais de 5 faltas seguidas no ano civil em causa (2011), extravazou os limites estabelecidos no artigo 351.º, n.º 2, alínea g) do Código do Trabalho, o que desde logo anuncia a possibilidade de tal comportamento omissivo fundar o seu despedimento com justa causa, por se enquadrar no elenco de comportamentos que a lei qualifica exemplificativamente como constitutivos da mesma.
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4.1.5. Tal não significa, contudo, que se considere justificado o despedimento a que a R. procedeu.
Aliás, a sentença recorrida veio justamente a concluir pela inexistência de justa causa de despedimento, segmento que a recorrente particularmente questiona na apelação.
Com efeito, para integrar a cláusula geral da justa causa de despedimento, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador desrespeitador de deveres legais ou obrigacionais; mister é que, apreciado que seja o desrespeito de um ponto de vista objectivo e iluminado por uma perspectiva de proporcionalidade dos interesses em causa, torne a subsistência da relação laboral “insustentável” ou “intolerável”.
Tem sido jurisprudência uniforme, já desde o âmbito do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), a de que a verificação das faltas injustificadas em número que integre a previsão da hipótese legal exemplificativa, não implica a verificação automática da justa causa de despedimento, havendo sempre que ponderar a cláusula geral que enuncia o conceito de justa causa, através de um juízo sobre a situação em concreto.
Ou seja, segundo o entendimento que se sedimentou na jurisprudência e na doutrina, não basta à verificação da justa causa de despedimento a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho durante certo número de dias, sendo ainda necessário que aquelas faltas revelem um comportamento culposo do trabalhador, revestido de gravidade e que tornou, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, lançando mão do crivo geral do n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho, com a ponderação dos diversos elementos elencados no seu n.º 3[6].
As diversas condutas descritas nas alíneas do n.º 2 do artigo 351.º possibilitam alguma densificação do conceito de justa causa de despedimento. Mas, como escreve João Leal Amado, a verificação de algumas das condutas ali enunciadas “não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.º 1) para a existência de justa causa” – in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra 2011, p. 371.
Assim, embora o artigo 351.º, n.º 2, do Código do Trabalho, preveja na sua alínea g) como susceptível de integrar o conceito de justa causa, a verificação de 5 faltas seguidas num ano civil, certo é que para que se verificar a justa causa é, ainda, necessário que o comportamento que integre esta hipótese se revista da gravidade pressuposta naquela cláusula geral, tal como se mostra enunciado no n.º 1 do preceito, o que tem que ser apreciado ponderando todo o circunstancialismo rodeador do objectivo desrespeito daquele dever.
Impõe-se pois, a este passo, verificar se o comportamento da A., pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, como defende a recorrente.
Ora, perspectivando os factos que ficaram apurados, entendemos que, apesar de se configurar um comportamento disciplinarmente censurável, a sua gravidade e consequências não são de molde a determinar a inexigibilidade da subsistência da relação de trabalho.
Com efeito, no contexto de uma relação laboral que persistia já desde 1998, o autor começou a faltar vários meses antes de Março-Abril de 2011, invocando sempre como motivo “doença natural” e apresentando os respectivos atestados médicos – factos 22. e 23. A matéria de facto não esclarece quantos meses antes tal começou a suceder, o que só pode reverter em desfavor do empregador, na medida que a este cabe invocar os factos concretos em que funda a justa causa de despedimento, nestes se incluindo os factos circunstanciais susceptíveis de enquadrar o comportamento do trabalhador no contexto mais amplo do contrato de trabalho.
Não pode neste momento questionar-se a veracidade das justificações apresentadas pelo autor para as suas anteriores ausências por doença, sendo certo que em Abril de 2011 – o mês a que se reporta a maioria das faltas invocadas pela R. em fundamento da justa causa de despedimento – foi no dia 7 objecto de uma verificação de doença, promovida pela Segurança Social, em que o resultado foi a subsistência da incapacidade temporária (facto 37.), sendo que no dia 20 de Abril de 2011 entregou nos serviços da entidade empregadora nova “baixa médica” da qual constava como causa da incapacidade para o exercício da sua actividade profissional, mais uma vez, “doença natural”, desta vez abrangendo os dias 20 de Abril de 2011 até 19 de Maio de 2011 (facto 30.).
Neste condicionalismo, é manifestamente acertada a afirmação do tribunal a quo de que o empregador, com um qualquer empregador normal, guiado na sua actuação pelo princípio da boa-fé, princípio que deve presidir à actuação das partes na vigência do contrato de trabalho (artigo 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho), deveria, antes de despedir o trabalhador, ter-se certificado de que inexistam motivos válidos para a ausência que invocou em fundamento do despedimento, designadamente, por o mesmo não se encontrar doente.
Não havendo notícia nos autos de algum comportamento absentista anterior do trabalhador, ou de que este, de algum modo, haja anteriormente incorrido em infracção disciplinar, no âmbito de um contrato que perdurava há cerca de 13 anos, afigura-se-nos manifestamente insuficiente para fundar a justa causa de despedimento o facto de o autor ter incorrido em faltas entre 21 de Março e 19 de Abril de 2011:
- quando as mesmas se seguiram a um período de “doença natural” efectivamente comprovada pelos atestados médicos apresentados e aceites;
- se a natureza injustificada de tais faltas decorre do incumprimento de um dever de comparência a um exame médico determinado pela Segurança Social – e não da comprovação inequívoca de que estava de boa saúde –, o que para estes efeitos não pode deixar de ser ponderado;
- quando, sensivelmente a meio desse período (no dia 7 de Abril), a Segurança Social comprova a situação de doença e atesta que “[s]ubsiste a incapacidade temporária para o trabalho” do autor, o que denota a existência de uma situação anterior de doença e nada diz quanto ao termo dessa situação.
Apesar da falta que naturalmente faz o trabalhador no contexto da organização produtiva do empregador, era exigível ao empregador que, ao invés de desde logo enveredar pelo caminho da cessação do contrato, se certificasse por um outro caminho ao seu alcance da veracidade da alegada doença – e não pode excluir-se aqui a possibilidade que lhe é conferida pelo artigo 18.º da Lei n.º 105/2009 de verificar a situação de doença por médico por si designado, nos termos de tal preceito –, ou, pelo menos, que reagisse à infracção disciplinar constatada através de uma sanção de cariz conservatório. Esta constituiria certamente um suficiente alerta para o trabalhador no sentido da sua diligência em todos os procedimentos relacionados com a justificação das faltas ao serviço em que incorresse, designadamente no sentido de estar atento às convocatórias que lhe fossem dirigidas pela Segurança Social e de as cumprir, submetendo-se aos exames de verificação da incapacidade que fossem designados.
No circunstancialismo apurado, manifestamente de ponderar à face do que estabelece o n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, entendemos que os factos não se integram no padrão pressuposto no conceito geral de justa causa de despedimento, maxime num cenário em que não está demonstrada a prévia censura disciplinar de qualquer outra conduta que o recorrido haja adoptado no decurso do contrato de trabalho estabelecido entre as partes e que perdurava havia cerca de 13 anos.
Efectuando um juízo sobre a gravidade e consequências do comportamento do A., na perspectiva do reflexo do seu apurado comportamento sobre a inexigibilidade da subsistência da relação laboral, à luz do modelo objectivo do empregador razoável, com a sagacidade, experiência e senso atribuíveis ao bom pai de família – não à luz do “sentir” concreto do empregador, que se reflectiu na sanção disciplinar adoptada – e tendo presentes a orientação que a jurisprudência vem seguindo na concretização do conceito indeterminado de justa causa de despedimento – elucidativamente expressa nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (Revista n.º 1443/07), de 6 de Fevereiro de 2008 (Revista n.º 3906/07), e de 18 de Junho de 2008 (Revista n.º 933/08), todos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt –, não podemos sufragar o entendimento da recorrente de que a sanção de despedimento aplicada é adequada e proporcional à gravidade da infracção cometida.
Pelo que se conclui pela ilicitude do despedimento operado pela recorrente, confirmando-se, neste aspecto, o veredicto da 1.ª instância.
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4.2. Da base de cálculo da indemnização
Insurge-se finalmente a recorrente contra a condenação em indemnização por antiguidade tendo por referência 30 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade, invocando que deve a ilicitude do despedimento ser considerada como mínima, ponderando a conduta do trabalhador e a conduta do empregador, nomeadamente a forma como se desenvolveu o procedimento disciplinar e os poucos factos a ele levados pelo trabalhador, pelo que deve ter-se como referência o valor correspondente a 15 dias de retribuição por cada ano completo de serviço ou fracção.
A este propósito a sentença da 1.ª instância entendeu ser proporcional e adequado fixar o montante da indemnização por antiguidade em substituição da reintegração em 30 dias de retribuição base – € 587,00 – por cada ano completo ou fracção de antiguidade, tendo em conta a duração da relação laboral em causa, o salário auferido pelo trabalhador e a circunstância de a entidade empregadora haver lançado mão do respectivo procedimento para o despedimento.
Nos termos do disposto no artigo 389º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
“a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) A reintegrá-lo no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.”
Por seu turno o artigo 391º do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “[e]m substituição da reintegração o trabalhador pode optar por uma indemnização, (…) cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º” (n.º1) e que para tais efeitos o tribunal deve “atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial” (n.º 2), sendo que tal indemnização “não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades” (n.º 3).
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2013.02.19 (2018/08.6TTLSB.L1.S1), a indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora e sancionatória), devendo ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do citado art. 439.º (valor da retribuição vs. grau da ilicitude), sendo o primeiro (retribuição) factor de variação inversa (quanto menor for, maior deve ser o valor/ano, dentro da latitude legalmente prevista) e o segundo (ilicitude), de variação directa.
No caso em análise, não pode perder-se de vista que o despedimento de que foi alvo o recorrido não é absolutamente imotivado, sendo relativamente baixo o grau de ilicitude da conduta do empregador, na medida em que o trabalhador incorreu efectivamente em faltas injustificadas em virtude de não ter comparecido ao exame de verificação designado pela Segurança Social, sendo a sua conduta apta a preencher a hipótese da alínea g) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho o que, como se disse, anuncia a elevada probabilidade de haver justa causa de despedimento. O comportamento do trabalhador foi culposo e violador do dever de diligência que se lhe impunha na observância das formalidades indispensáveis à demonstração da veracidade dos motivos que invocava para o seu longo período de ausência ao trabalho, sendo certo que ficou demonstrado ter sido ele avisado pelo empregador, dois ou três dias antes de este ter formulado o pedido à CVIT, de que o iria fazer (facto 42.), pelo que particularmente se lhe impunha estar alerta e comparecer ao exame de verificação quando devidamente notificado para o efeito, como foi.
Temos, pois, que o grau de ilicitude da conduta do empregador se situa claramente abaixo da linha média, apenas demandando um incremento da indemnização o relativamente baixo valor da retribuição auferida pelo trabalhador.
Em suma, atendendo a que, à data da cessação do contrato de trabalho, o recorrido auferia a retribuição base mensal de € 587,00 (facto 46.), e que, por outro lado, o despedimento foi declarado ilícito por se considerar não preenchida a cláusula geral do artigo 351.º do Código do Trabalho, a despeito de verificado um comportamento ilícito e culposo do trabalhador que consubstancia uma das hipóteses que o legislador exemplificativamente indica como integrante de justa causa, considera-se equitativa, razoável e adequada a fixação de indemnização em substituição da reintegração em 20 dias da retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade – contada desde 8 de Abril de 1998 (facto 1.), nesta medida se alterando o juízo efectuado pelo tribunal a quo.
Uma vez que para a fixação da indemnização o tribunal deve atender a todo o tempo decorrido “até ao trânsito em julgado da decisão judicial” e, neste momento, o presente acórdão ainda se não mostra transitado, o cálculo do montante indemnizatório tendo por referência a prescrição inserta no n.º 2 do mesmo preceito deve ser relegado para incidente de liquidação, limitando-se este tribunal à parametrização a que alude o n.º 1 do referido art. 439.º e a que já se procedeu - vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.06.25, Recurso n.º 376/09 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
Procede parcialmente, neste aspecto, o recurso.
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4.3. As custas do recurso serão suportadas por recorrente e recorrido na proporção do seu decaimento (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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5. Decisão
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Em face do exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso no que diz respeito à indemnização em substituição da reintegração, nessa parte se condenando a R. a pagar ao A. uma indemnização correspondente à quantia de € 391,33 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contada desde 8 de Abril de 1998 e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, a apurar em incidente de liquidação, no mais se confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 21 de Março de 2013
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
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[1] Clarificamos que fazemos referência aos termos “autor” e “ré” para designar as partes desta acção na medida em que, apesar de as referências terminológicas constantes do articulado do diploma que alterou o Código de Processo do Trabalho (Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro) se reportarem apenas ao “trabalhador” e ao “empregador e
ter havido uma alteração da estrutura clássica da acção de impugnação do despedimento com a nova acção especial regulada nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho, não deixam as partes de se situar nas mesmas posições activa e passiva relativamente à generalidade dos pedidos de que cumpre conhecer nestas acções e o legislador denotou no preâmbulo do diploma, quando alude ao “formulário apresentado pelo autor” que o trabalhador assume na acção a posição de “autor” e, naturalmente, o empregador a posição de “réu”.
[2] Transcreveu-se nesta instância o conteúdo da missiva, para melhor esclarecimento.
[3] Vide Luís Miguel Monteiro in Código do Trabalho Anotado por Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 615.
[4] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.18, Revista n.º 1815/01, de 2009.03.19, Processo n.º 3049/08, de 2009.06.17, Processo n.º 3845/08 e de 2009.07.07, Processo n.º 228/09, todos sumariados in www.stj.pt.
[5] Vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.12.02, Processo n.º 637/08.0TTBRG.P1.S1, da 4.ª Secção, no mesmo sítio.
[6] Vide, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.10.13, Recurso n.º 142/06.9TTLRS.L1.S1 - 4.ª Secção, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.05.12, Recurso n.º 323/07.8TTAGD.C1.S1 - 4.ª Secção, in www.stj.pt e Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, pp. 954 e seguintes.
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador e, como tal, a provar pelo empregador.
II – Quando está em causa o dever de assiduidade, presume-se a ilicitude e a culpa do trabalhador com a materialidade da falta – art. 799.º, n.º 1 do Código Civil – e, se este provar factos que integram os fundamentos legais da justificação das faltas, o seu comportamento não é culposo, nem tão pouco, ilícito – arts. 248º e ss. e 351.º. n.º 2, alínea g) do Código do Trabalho.
III – O incumprimento do dever de comparência ao exame designado pela Segurança Social para verificação da doença invocada em justificação das faltas ao trabalho, constituindo uma oposição, sem motivo atendível, à fiscalização prevista no n.º 3 do artigo 254.º, descaracteriza a situação como impossibilidade da prestação de trabalho, tornando injustificadas as faltas.
IV – A verificação das faltas injustificadas em número que integre a previsão da hipótese legal exemplificativa, não implica a verificação automática da justa causa de despedimento, havendo sempre que ponderar a cláusula geral que enuncia o conceito de justa causa, através de um juízo sobre a situação em concreto.
V – A indemnização substitutiva da reintegração deve ser calculada em função dos parâmetros indicados no n.º 1 do art. 439.º do Código do Trabalho, sendo a indemnização tanto maior quanto maior for o grau de ilicitude da conduta do empregador e quanto menor for o valor da retribuição.