Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0820334
Nº Convencional: JTRP00041114
Relator: CÂNDIDO LEMOS
Descritores: INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200802190820334
Data do Acordão: 02/19/2008
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 265 - FLS 69.
Área Temática: .
Sumário: É da competência das varas cíveis a tramitação do processo especial por anomalia psíquica, por se tratar de acção cível de valor superior à alçada da Relação e não se exigir a efectiva intervenção do tribunal colectivo, bastando a mera previsibilidade ou probabilidade de esse tribunal ser chamado a intervir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Foi distribuída à ..ª Vara Cível do Porto, ..ª Secção a presente acção especial de interdição por anomalia psíquica intentada pelo M.º P.º contra B………., residente no C……….., sito na Rua ………., nesta cidade.
Conclusos, foi proferido despacho a ordenar a remessa dos autos aos juízos cíveis do Porto por se entender que eram estes os competentes em razão da forma do processo, declarando-se a própria incompetência.
Inconformado apresenta o M.º P.º este recurso de agravo e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1.ª- Compete às Varas Cíveis preparar as acções declarativas cíveis de valor superior ao da alçada do Tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do Tribunal Colectivo.
2.ª- A acção de interdição, porque é uma acção de estado respeitante à capacidade de exercício de direitos por parte do requerido, tem valor superior à alçada da Relação.
3.ª- A lei não faz depender a atribuição de competência ás Varas Cíveis, para conhecerem das acções de interdição de qualquer requerimento para intervenção do tribunal colectivo;
4.ª- A acção de interdição, embora especial, é uma acção declarativa, constitutiva, que se regula quer pelas disposições específicas do processo especial de interdição, quer pelas disposições gerais e comuns do processo ordinário.
5.ª- Pelo que, mesmo não havendo necessidade de audiência de discussão e julgamento para vir a ser decretada a interdição o certo é que tal acção segue a forma do processo ordinário.
6.ª- Ao declarar-se incompetente o Tribunal a quo para apreciar e julgar a acção de interdição, violou as normas determinantes da atribuição de competência material, designadamente o disposto nos artigos 22°, n.° 1, 97°, n.° 1 a) e 40 da L.O.F.T.J. (Lei n.° 3/99,13/01)
7.ª- Não se verifica a excepção de incompetência declarada pelo tribunal de competência especifica recorrido - Varas Cíveis;
8.ª- Devendo o despacho recorrido ser alterado por outro que venha a determinar a recepção da acção de interdição proposta pelo Ministério Publico nesta vara cível e correspondente secção a que foi distribuída, por ser esta a competente
Pugna pelo provimento do recurso, revogando-se do despacho recorrido e declarando-se competente para os termos da acção de interdição por anomalia psíquica as Varas Cíveis do Porto.
O despacho foi tabelarmente mantido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Com interesse para a decisão temos como assentes os seguintes factos:
1- Nas Varas Cíveis do Porto foi distribuída uma acção especial de interdição por anomalia psíquica.
2- Logo foi proferido despacho a declarar o tribunal incompetente em razão da forma do processo e competentes os juízos cíveis da mesma comarca.
Cumpre agora conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC).
Apenas uma questão nos é colocada:
- Para a acção especial de interdição são competentes as Varas ou os Juízos Cíveis?
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O despacho em crise pronunciou-se pela competência dos Juízos Cíveis, argumentando que se trata de processo especial, onde a intervenção do Colectivo se prevê apenas em momento posterior à contestação, quando a haja - art. 952º nº 2 CPCivil, sendo então a competência dos Juízos Cíveis, para aí se remetendo o processo; não seguindo a acção originariamente a forma de acção ordinária, só quando a esta se passa então é que serão competentes as Varas Cíveis, na medida da intervenção do tribunal Colectivo.
Cita em sua defesa três decisões de Tribunais Superiores: da 1.ª (Ac. do STJ de 12/12/2003 do Cons. Nuno Cameira) não existe notícia na Base de Dados da DGSI, nem que se procure nos 122 Acórdãos aí expostos do mesmo Relator; da segunda (Ac. RP de 20/04/2006- Proc. 1866/06- 3.ª Secção) e da terceira (Ac. RL de 15/5/2003- Proc. 3409/20039) o que se pode dizer é que não representam as posições maioritárias de Porto e Lisboa, para além de não fazerem referência a qualquer posição em sentido contrário.
Assim, seguiu a decisão que se pretende revogada a posição minoritária da jurisprudência e não pode manter-se.
Aliás, desta disparidade de decisões, já nos dava conta o Ac. desta Relação de 9/5/2007- proc. 1543/07- 5.ª Secção.: “Assim, tem de concluir-se, como concluímos, que os tribunais competentes para conhecer dos processos especiais de interdição são, na comarca do Porto, as Varas Cíveis (Sendo coincidente a generalidade da Jurisprudência do nosso conhecimento – Acs. deste Tribunal, de 06.11.06 (Des. Jorge Vilaça), 03.10.06 (Des. Henrique Araújo – com um voto de vencido) e 31.01.07 (Des. Maria Rosário Barbosa) e da Rel. de Lisboa, de 16.12.03 e 21.03.06 (Des. Pimentel Marcos), 31.07.06 (Des. Silva Santos) e 15.03.07 (Des. Fátima Galante – com um voto de vencido), apenas sendo divergentes os Acs. da Rel. de Lisboa, de 15.05.03 (Des. Granja da Fonseca) e desta Rel., de 20.04.06 (Des. Teles de Menezes), uns e outros acessíveis em www.dgsi.pt).”
Diga-se ainda que quer o 1.º Adjunto (Ac. RP de 25/5/2004- Proc. 7023/07- 2.ª), quer o segundo (Ac. RP de 3/10/2006- Proc. 2720/06-2.ª) se pronunciaram, enquanto Relatores, em sentido oposto ao do despacho dos autos.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a posição aqui referida como maioritária é a que está de acordo com a lei actual.
Às Varas Cíveis compete preparar e julgar as acções declarativas cíveis de valor superior à alçada da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo, preparar e julgar as acções executivas de valor superior à alçada da Relação e cujo título executivo não seja uma sentença, preparar e julgar os procedimentos cautelares que sejam dependência de acções da sua competência e exercer as demais competências conferidas por lei (artº 97°, n° 1, als. a) a d), da mesma Lei).
Por sua vez, aos Juízos Cíveis compete preparar e julgar os processos de natureza cível que não sejam da competência das varas cíveis nem dos juízos de pequena instância cível. A competência dos juízos cíveis é, pois, residual.
De acordo com o disposto no artº 646°, nº 1, do C. de Proc. Civil, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, a discussão e julgamento das acções ordinárias só será feita com intervenção do tribunal colectivo, se ambas as partes assim o tiverem requerido e se não se verificar nenhuma das situações previstas no n° 2 do mesmo preceito [acções não contestadas - al. a); acções em que todas as provas, produzidas antes da audiência final, hajam sido registadas ou reduzidas a escrito - al. b); acções em que alguma das partes tenha requerido a gravação da audiência final - al. c)].
Porém, quando não tenha lugar a intervenção do colectivo, o julgamento da matéria de facto e a prolação da sentença final incumbem ao juiz que deveria presidir ao tribunal colectivo, se a intervenção deste tivesse tido lugar (nº 5 daquele art. 646°).
Nas comarcas em que existem varas cíveis, o tribunal colectivo é constituído pelos juízes privativos das varas e presidido pelo juiz da causa, sendo a este que compete esse julgamento (artºs 105°, nº 3, e 107°, nº 1, al. a), da LOFTJ).
Com a reforma processual civil operada pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, e legislação posterior, maxime a operada pelo já citado Dec. Lei nº 183/2000, a intervenção do tribunal colectivo na discussão e julgamento das causas ficou bastante limitada. Não obstante, nas acções ordinárias, é sempre possível a sua intervenção. Basta, para tanto, que ambas as partes requeiram essa intervenção.
E continua o Ac. RP de 04/07/2007- proc. 3575/07- 2.ª Secção, que aqui seguimos de perto:
“Ora, a acção de interdição por anomalia psíquica está sujeita ao processo especial regulado nos artºs 944º e segs. do C. de Proc. Civil.
Neste tipo de processos, findos os articulados e o exame, se a acção tiver sido contestada ou o processo não oferecer elementos suficientes para decidir, a acção prosseguirá segundo as regras do processo ordinário (artºs 948º e 952º, nº 2, do mesmo código).
Como sucede em todas as acções ordinárias, antes da fase da discussão e julgamento da causa, não existe a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo. Mas, ultrapassada a fase dos articulados é, de facto, possível essa intervenção. Ora, a acção de interdição, por se tratar de uma acção de estado, respeitante à capacidade de exercício de direitos por parte do requerido, tem valor superior à alçada da Relação (artº 312° do C.P.C.).
Por outro lado, a lei prevê a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo na respectiva fase de julgamento (artºs. 463°, n° 1, parte final, 646° e 952°, nº 2, do C.P.C.). Estão, pois, reunidas as condições de atribuição de competência às Varas Cíveis, de acordo com o disposto no artº 97º, nº 1, al. a), da LOFTJ.
Repete-se, aqui, com a devida vénia, a argumentação vertida no Ac. da Relação de Lisboa de 16/12/2003, no processo n° 9933/2003-7, em www.dgsi.pt., citado na alegação do agravante:
“A competência originária (nos processos especiais de interdição) é das varas e não dos juízos. Com efeito, salvo melhor opinião (tratando-se, como se trata, de uma acção cível de valor superior à alçada do Tribunal da Relação) não se exige a efectiva intervenção do tribunal colectivo, sendo suficiente a mera previsibilidade ou probabilidade desse tribunal ser chamado a intervir”.
Deste modo procedem integralmente as conclusões das alegações.
DECISÃO:
Nestes termos se decide dar provimento ao agravo, revogando-se o despacho em crise, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação na Vara onde foram inicialmente distribuídos.
Sem custas.

PORTO, 12 de Fevereiro de 2008
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José Baptista Marques de Castilho
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha (Vencido. À semelhança de outros processos especiais, “maxime” o expropriativo, só após determinada fase processual se pode provar a intervenção do Colectivo – assim, atribuir a competência para o processado aos juízos)